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Jornalistas no Cinema
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E-book339 páginas5 horas

Jornalistas no Cinema

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Sobre este e-book

Do repórter com bloquinho de anotações em mãos, como o repórter vivido por Kirk Douglas em A montanha dos sete abutres, dirigido por Billy Wilder, até a blogueira Della Frye, no filme Intrigas de Estado, de Kevin Macdonald, houve uma grande evolução na forma como o jornalista é retratado no cinema. Este livro procura responder a duas grandes questões: quais as diferenças nas representações do jornalismo no cinema ao longo das décadas?
IdiomaPortuguês
Data de lançamento11 de set. de 2020
ISBN9786558201809
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    Jornalistas no Cinema - Fabíola Paes de Almeida Tarapanoff

    Universitário.

    SUMÁRIO

    INTRODUÇÃO 21

    PARTE I - Mitos contemporâneos

    CAPÍTULO i – Mitos contemporâneos 31

    CAPÍTULO iI – Clássicos do gênero 67

    CAPÍTULO iII – Filmes em foco – análise de filmes considerados REPRESENTATIVOS 125

    PARTE II - APROPRIAÇÕES

    CAPÍTULO iV – A questão das apropriações 151

    CONCLUSÕES – Representações e apropriações 175

    REFERÊNCIAS 185

    ANEXOS

    Anexo I – O jornalista no cinema brasileiro 191

    Anexo II – Entrevistas 205

    INTRODUÇÃO

    Do repórter com bloquinho de anotações em mãos, como o repórter vivido por Kirk Douglas em A montanha dos sete abutres (The big carnival ou Ace in the hole, EUA, 1951 – direção: Billy Wilder), até a blogueira Della Frye (Rachel McAdams), que domina as tecnologias e cujo sonho é dar um furo, no filme Intrigas de Estado (State of play, EUA/Inglaterra, 2009 – direção: Kevin Macdonald), houve uma grande evolução na forma como o jornalista é retratado no cinema. A presente obra procura responder a duas grandes questões: quais as diferenças nas representações do jornalismo no cinema ao longo das décadas? Quais as sintonias e divergências em relação a essas representações e as apropriações de produções cinematográficas pelos futuros jornalistas? O problema desta pesquisa se apresenta, portanto, como um espelho, que busca situar frente a frente à produção e à recepção cinematográfica que traz como tema o jornalismo. Importa, de um lado, identificar como o jornalista é retratado e quais imagens são recorrentes.

    Os objetos de estudo são os Journalism movies, sendo que há um capítulo panorâmico sobre 50 obras desse tipo e um estudo em profundidade de três obras consideradas representativas das mudanças ocorridas na imagem do jornalista ao longo das décadas: A montanha dos sete abutres, Todos os homens do presidente e Intrigas de Estado.

    De outro lado, procura-se identificar como esse imaginário do jornalista no cinema é apropriado por aqueles que estão dando os primeiros passos na profissão e como essas imagens contribuem na criação de expectativas e na determinação de comportamentos futuros.

    A hipótese é de que muitas obras cinematográficas trazem estereótipos do profissional de imprensa, não retratando como é a profissão no cotidiano. Muitas vezes o jornalista é mostrado como uma pessoa que convive com os bastidores do poder e participa de festas, vivendo em um ambiente de glamour, o que não condiz com a realidade. No dia a dia, o profissional de imprensa precisa enfrentar o desafio de produzir cada vez mais, devido à presença da internet, tendo à sua disposição menos recursos econômicos e materiais.

    Para refletir sobre o tema, recorri ao seguinte referencial teórico: autores que estudam temas relacionados às questões da cultura, da mídia, do cinema, do imaginário, dos chamados Journalism movies e das apropriações. Na área de cultura, trabalhei com os seguintes autores: Raymond Williams, Terry Eagleton e Douglas Kellner. Tanto Raymond Williams quanto Terry Eagleton, nas obras Cultura e A ideia de cultura, reforçam a sua origem relacionada a algo que deve ser cultivado, e que designa um conjunto amplo de saberes e modos de vida.

    Raymond Williams explica também que a análise de obras de arte como filmes possibilita uma rica fonte de informações sobre representações presentes em nossa sociedade sobre temas e categorias profissionais, como no caso dos Journalism movies e como eles são recebidos e interpretados pelo público.

    O livro ainda traz autores que relacionaram cultura e mídia, como Douglas Kellner. Em A cultura da mídia: estudos culturais – identidade e política entre o moderno e o pós-moderno, Douglas Kellner comenta que hoje a cultura ganhou proporções inimagináveis, estando presente em todas as esferas da sociedade. Nas últimas décadas a indústria cultural possibilitou que se multiplicassem os espaços dedicados a espetáculos. E esse espaço apresentou um crescimento tão significativo que hoje o próprio espetáculo tornou-se um dos princípios organizacionais da economia, da política, da sociedade e da vida cotidiana, influenciando profundamente pensamento e ação e criando novos mitos.

    Em relação à questão de apropriações culturais, foram utilizados autores como Jesús Martín-Barbero, Umberto Eco, Maria Tereza Cruz, Wolfgang Iser, Laan Mendes de Barros, Paul Ricouer e Guillermo Orozco Gómez. Segundo Jesús Martín-Barbero, na obra Dos meios às mediações, as interações entre o receptor e o produtor podem ser compreendidas por meio das mediações, lugar que propicia o consumo diferenciado aos diversos receptores dos bens simbólicos, de forma que produzem e reproduzem os significados sociais.

    A questão das mediações é tema abordado por José Luiz Braga, em A sociedade enfrenta sua mídia, que propõe que além das mediações, apresentadas por Martín-Barbero, há as midiatizações, que são a maneira como a sociedade se organiza para interagir com essa mídia e compreendê-la, gerando processos interpretativos.

    Umberto Eco já comentava sobre essa nova relação do receptor com uma obra de arte. Em A obra aberta, ele ressalta que a estrutura de uma obra aberta não será isolada das demais, mas será um modelo que descreve obras que apresentam uma determinada relação fruidora com os receptores.

    Maria Teresa Cruz também estudou esse assunto, expondo sua visão no texto A estética da recepção e a crítica da razão impura. Para Teresa, uma obra de arte não possui um sentido único, estando aberta a leituras diversas.

    E quando se discute a questão de produção de sentidos em uma obra de arte, é preciso considerar a centralidade do sujeito, como propõe Laan Mendes de Barros no artigo Nexos entre a hermenêutica de Paul Ricouer e as mediações de Martín-Barbero. Articulando hermenêutica com os estudos de recepção, Barros comenta que o nível sintático estuda a relação dos signos entre si, sendo que o nível semântico se ocupa das relações do signo com seu referente, em um plano denotativo. No nível pragmático há outra dinâmica, que implica as relações do signo com seu intérprete, apresentando um diversificado leque de conotações. Como na literatura, os produtos midiáticos possibilitam diversas leituras e interpretações que dependem de um conjunto de fatores que caracterizam a experiência estética vivenciada pelo receptor.

    De Guillermo Orozco Gómez foi utilizada a classificação dos tipos de mediação. Segundo o autor, são as seguintes: cognitiva, situacional, institucional e referencial. Em relação à questão das representações são utilizados autores como Carl Gustav Jung, Gaston Bachelard, Gilbert Durand, Cornelius Castoriadis e Magali do Nascimento Cunha. Já de Carl Gustav Jung foram utilizados os conceitos de arquétipo, imagem e símbolo. Como argumenta Ana Martins Portanova Barros, para Jung tudo inicia na relação que associa imagem, símbolo e arquétipo. Presente em um oceano no qual está imerso, o arquétipo encontra-se em um nível que não pode ser compreendido pelo ser humano. A imaginação simbólica é que permite seu conhecimento. Arquétipo seria assim um reservatório coletivo de imagens no qual cada pessoa, individualmente e em sociedade, procura soluções para a sua existência. Esse reservatório é enriquecido pela filosofia, pela ciência, pelas artes e pelo cinema, tema deste trabalho. Foram utilizados ainda os conceitos de imaginário propostos por Gilbert Durand e Cornelius Castoriadis.

    Outras autoras que tratam da questão da representação e abordadas na obra são: Maria Beatriz Furtado Rahde, Ana Carolina Escosteguy e Magaly Cunha, que explicam como a mídia é responsável pela imagem que temos do mundo e da sociedade, contribuindo para a formação de nosso imaginário.

    Em relação aos temas cinema e Journalism movies foram utilizados conceitos de autores como Edgar Morin, Lucia Santaella, Erwin Panofsky, Christa Berger (Jornalismo no cinema), Ismail Xavier (O discurso cinematográfico: a opacidade e a transparência) e Stella Senra (O último jornalista: imagens de cinema).

    Edgar Morin explica o fascínio do cinema na obra O cinema ou o homem imaginário. O que espanta na sétima arte não é que ela apresente algo completamente novo. Ela mostra sim, estranhas evidências do cotidiano, traz luz sobre o cotidiano e o que nos é habitual.

    De Santaella, foi utilizado o conceito de linguagem fílmica, que está baseada na sequência, ou seja, na construção de uma sintaxe de imagens com sentido completo.

    Um autor de extrema importância da área do cinema é Jacques Aumont, autor da obra A estética do filme. No livro ele apresenta as principais teorias sobre a sétima arte e cita teóricos importantes como André Bazin, Christian Metz, Edgar Morin e Roland Barthes. Um conceito fundamental apresentado por Aumont é sobre o espaço fílmico, que só tem sentido quando nos referimos ao chamado cinema narrativo e representativo.

    Já Ismail Xavier traz os conceitos como opacidade e transparência na obra O discurso cinematográfico: a opacidade e a transparência. Quando o dispositivo cinematográfico é ocultado, com o intuito de aproximar a obra da realidade, a operação é chamada de transparência (diretores que acreditam na representação, na proximidade com a realidade). Já quando o dispositivo cinematográfico está presente, sendo possível perceber elementos como a câmera ou inserção de imagens que não estão presentes na realidade, com o intuito de obter um determinado efeito, pode-se chamar de opacidade.

    Buscou-se então articular o cinema com a questão do mito, trazendo autores que abordaram sobre esse assunto, como Roland Barthes, Umberto Eco, Joseph Campbell, Christopher Vogler, Monica Martinez e Edvaldo Pereira Lima. Segundo Roland Barthes em Mitologias, todo mito é uma fala, uma mensagem, que pode se definir por escritas e representações, assim como o cinema, que serve de suporte à fala mítica. O trabalho realiza uma análise em profundidade das obras citadas, segundo essa estrutura da Jornada do Herói, especificada por Christopher Vogler e da mitanálise e da mitocrítica, propostas por Ana Maria Portanova Barros. Em Apocalípticos e integrados, Umberto Eco, explica como a mitificação das imagens foi utilizada ao longo da história por instituições para influenciar a população, como políticos e religiosos.

    Um dos principais teóricos sobre os mitos, Joseph Campbell contribui com os conceitos de mito e com a percepção de que essas estruturas estão em diferentes partes do mundo e culturas nas obras O poder do mito e O herói de mil faces. Campbell também criou a expressão: Jornada do herói, que se tornou tema do livro de Monica Martinez, Jornada do herói: a estrutura narrativa mítica na construção de histórias de vida em jornalismo, que traz prefácio de Edvaldo Pereira Lima, sobre como o cinema utiliza essa estrutura em suas narrativas. Narrativas que foram estudadas por Christopher Vogler, roteirista da Companhia Walt Disney que atualizou o conteúdo da obra de Campbell e adaptou para as questões do cinema no livro A jornada do escritor: estruturas míticas para contadores de histórias e roteiristas.

    Do autor Brian McNair foi utilizada a definição do gênero Journalism movies, obras que retratam não só os jornalistas e o seu dia a dia, como também o processo de como os jornalistas chegam aos acontecimentos e como se tornam notícia. A leitura da obra O último jornalista, de Stella Senra foi útil também para se perceber a evolução da imagem do jornalista ao longo das décadas e como ele foi retratado pela sétima arte.

    O livro pode ser visto em três movimentos: uma reflexão teórica, com os autores mencionados acima, a análise de uma filmografia selecionada de 50 obras consideradas representativas por apresentarem jornalistas em papel de destaque e uma análise de recepção de três filmes por estudantes de Jornalismo.

    As justificativas para a realização desta pesquisa são: apesar de os Journalism movies já terem sido objeto de estudo em algumas pesquisas da área, a obra traz um enfoque original, pois não só as mudanças na representação do profissional de imprensa serão analisadas, como também a forma como o receptor percebe essas modificações e apropria-se dessas imagens, constituindo um imaginário próprio sobre a profissão.

    Além disso, como já trabalhei tanto como jornalista quanto como docente, pude perceber que muitas vezes o imaginário criado pelos estudantes sobre a carreira de jornalista com base nas representações da imagem do profissional em filmes não condizia com a realidade. A comparação de depoimentos de estudantes visa identificar quais as diferenças e afinidades nos discursos e porque isso ocorre.

    Com este trabalho, procuro apresentar uma obra com um enfoque mais completo sobre o gênero, incluindo não só as representações recorrentes, mas entender como estudantes de Jornalismo se apropriam dessas imagens, que passam a fazer parte de seu imaginário e os auxiliam a compreender a carreira que desejam seguir.

    O intuito é divulgar a pesquisa junto a universidades para que seja utilizada como ferramenta de trabalho para professores de Jornalismo abordarem determinados temas em sala de aula. A obra tem ainda como objetivo contribuir para o estudo do gênero em instituições acadêmicas e centros de pesquisa na área de Comunicação em todo país.

    Os procedimentos metodológicos utilizados na pesquisa são: levantamento bibliográfico, com pesquisa documental de obras cinematográficas e de livros e sites sobre o tema e panorama de 50 Journalism movies, com destaque para produções realizadas a partir da década de 1930 nos Estados Unidos, divididas de acordo com tipos e temas recorrentes. Além disso, há uma análise em profundidade por meio da estrutura da jornada do herói de Christopher Vogler e mitodológica de Ana Maria Portanova Barros, por meio da mitocrítica e mitanálise. As obras analisadas são: A montanha dos sete abutres (The big carnival ou Ace in the hole, EUA, 1951 – direção: Billy Wilder), Todos os homens do presidente (All the president’s men, EUA, 1976 – direção: Alan Pakula) e Intrigas de Estado (State of a play, EUA/ING, 2009 – direção: Kevin Macdonald).

    O critério de escolha foi que as obras apresentam imagens representativas do profissional de imprensa, como a do boêmio (A montanha dos sete abutres) e a do herói (Todos os homens do presidente). Já Intrigas de Estado apresenta importantes temas de análise sobre o fazer jornalístico e conflitos de interesse, além das diferenças na forma de atuação entre o jornalista veterano, acostumado com a mídia impressa e o novo repórter, especializado nas novas mídias digitais.

    Por fim, foram exibidos filmes para turmas do 2.º semestre de Jornalismo do FIAM-FAAM-Centro Universitário e, posteriormente, foram realizadas discussões sobre os temas abordados com um debatedor neutro. Depois os estudantes preencheram questionários sobre as suas percepções a respeito da obra cinematográfica.

    Considero os procedimentos citados adequados para se obter uma boa compreensão sobre o universo dos Journalism movies. Esses procedimentos auxiliarão no entendimento das representações sobre a profissão. Posteriormente, as entrevistas em profundidade e a realização de sessões de cinema com estudantes proporcionaram colher impressões sobre as obras. Ou seja, permitiu perceber como ocorrem as apropriações e como o público percebe as modificações na imagem do profissional de imprensa ao longo dos anos.

    A obra está estruturada assim em duas partes denominadas: representações e apropriações. Na primeira parte sobre as representações há um capítulo inicial com reflexões teóricas sobre cultura, mídia, cinema, Journalism movies e mediações culturais. No segundo capítulo com um panorama sobre 50 filmes considerados representativos, principalmente de países como Estados Unidos, Inglaterra e França, divididos de acordo com categorias como tipos recorrentes como o boêmio, o herói e o correspondente de guerra e temas comuns como a questão do furo jornalístico e oposição entre repórter novato e veterano. Por fim, no terceiro há uma análise segundo a estrutura da Jornada do herói proposta por Christopher Vogler, Monica Martinez e Joseph Campbell e mitodológica, proposta por Ana Taís Martins Portanova Barros, com a identificação de mitos pela mitocrítica e mitanálise.

    Na segunda parte sobre apropriações, é apresentada uma discussão sobre os conceitos de mediações culturais e análise dos debates e questionários dos filmes exibidos em sala de aula. Por fim, há a parte das conclusões, das referências e dos anexos. Os anexos incluem uma análise sobre a imagem do jornalista no cinema brasileiro e uma lista de filmes em que esse profissional aparece. Além disso, há a transcrição das entrevistas realizadas com professores e autores especializados em Journalism movies no período em que realizei um estágio na University of California, Los Angeles como Joe Saltzman, da University of Southern California (USC), Ph.D. Silvia Kratzer e Ph.D. Douglas Kellner, professores da UCLA e dos debates realizados com os alunos.

    PARTE I

    REPRESENTAÇÕES

    Capítulo I

    Mitos contemporâneos

    Junho de 1972. O cheiro de cigarro toma conta do pequeno cômodo. Dois jornalistas olham aflitos para a máquina de escrever e tentam anotar e relembrar tudo o que já sabem a respeito do caso. A ansiedade é grande, pois sabem que suas vidas não serão mais as mesmas após a publicação daquela verdadeira bomba. Seus nomes? Carl Bernstein e Bob Woodward, repórteres do jornal The Washington Post, designados para cobrir um acontecimento policial aparentemente corriqueiro: a invasão da sede do Partido Democrata em Washington. Mas à medida que investigam as causas, as ramificações, acabam escrevendo a maior reportagem do século, sobre o escândalo político que culminou com a renúncia do então presidente dos Estados Unidos, Richard Nixon.

    A introdução acima, escrita de forma poética, segundo o gênero New Journalism, refere-se ao episódio Watergate, apresentado no filme Todos os homens do presidente. A obra de Alan Pakula é uma verdadeira aula de jornalismo, mostrando como obter informações de fontes sigilosas e até como escrever uma reportagem com credibilidade. Filmado na própria redação do jornal The Washington Post, a pedido de Robert Redford, o filme apresenta dois jornalistas com perfis um pouco diferentes. Talentoso, o veterano Carl Bernstein, interpretado por Dustin Hoffmann, tem segurança em seu trabalho, escreve bem e é elogiado pelos colegas. No entanto, fuma compulsivamente, sempre deixa sua barba por fazer e sua mesa de trabalho está sempre uma bagunça. Já Bob Woodward (Robert Redford) é organizado, detalhista, preocupado com a aparência pessoal e que apesar de não ser tão talentoso como Bernstein sabe fazer muito bem o trabalho de campo, como apuração, entrevista e verificação de informações. Mas os dois possuem características em comum: são íntegros, apaixonados por sua carreira e procuram obter um furo jornalístico.

    São imagens que marcaram a carreira dos dois atores e passaram a fazer parte do que chamamos de imaginário coletivo a respeito de uma profissão: o jornalismo. E o cinema, assim como a televisão, com seu alcance e persuasão acaba influenciando e determinando comportamentos, criando mitos contemporâneos, auxiliando inclusive na decisão de jovens a respeito de sua profissão. Mas de que maneira o cinema influencia na determinação de uma carreira, como o jornalismo? E quais imagens são mais presentes na sétima arte sobre o profissional de imprensa? O presente capítulo busca responder a essas questões. Assim, são trazidas nas próximas páginas as seguintes problematizações: o lugar da cultura na sociedade, a cultura midiatizada, mediações e midiatizações, imagem, imaginário e cinema e, por fim, articulações entre mídia, mito e cultura.

    O lugar da cultura na sociedade

    Estudei na escolinha da vila, logo adiante de minha casa [...] Com 11 anos fui para a escola secundária local e mais tarde para a Universidade de Cambridge. Parece uma história como tantas outras. Mas trata-se do primeiro parágrafo de um dos ensaios mais importantes para os estudos culturais: Culture is ordinary (Cultura é ordinária presente na obra Resources of hope), de Raymond Williams e publicado em 1958. O narrador descreve uma experiência corriqueira: uma visita a uma catedral, uma viagem de ônibus e a paisagem urbana e depois a rural que se vê da janela. Mas afinal, o que une esses pontos díspares? Nessa jornada o ônibus passa por locais importantes na vida do autor: como a fazenda, a catedral e até os castelos que via pela janela. De acordo com Williams, ao longo da história, a cultura já foi utilizada para designar tudo isso, desde os campos arados, o ferro trabalhado da escarpa, as fazendas, o moinho, o gasômetro e as minas até a catedral, o cinema e os castelos. Unindo a natureza até obras criadas pelo gênio humano.

    Originária do latim colere (habitar), a palavra cultura é relacionada à natureza, ao cultivo da colheita, que no caso do ser humano se relaciona ao cultivo das faculdades mentais. Como explica Terry Eagleton em A ideia de cultura, a palavra colere também se relaciona à questão de adoração e à palavra cultus, de culto e se desenvolveu na Idade Moderna com o sentido de divindade e transcendência:

    Verdades culturais – trata-se da arte elevada ou das tradições de um povo – são algumas vezes verdades sagradas, a serem protegidas e reverenciadas. A cultura, então, herda o manto imponente da autoridade religiosa, mas também tem afinidades desconfortáveis com ocupação e invasão; e entre esses dois polos, positivo e negativo, que o conceito, nos dias de hoje, está localizado.¹

    Depois começa a ser usada como a abstração de um processo ou o produto de um processo de desenvolvimento mental ou espiritual a partir do século XIX. Durante o movimento romântico passou a designar também o modo de vida de um povo, como seus valores humanísticos em oposição aos materiais que a Revolução Industrial colocava no centro da vida.

    Williams explica que não se deve comparar alta cultura, cultura popular e de massa. Tanto uma biblioteca quanto o cinema tem seu valor. Podemos ler com interesse a obra Crime e castigo do escritor russo Fiódor Dostoiévski e assistir a uma versão cinematográfica da mesma obra. Cultura engloba todas essas acepções para Williams, como explica Maria Elisa Cevasco na obra Para ler Raymond Williams. A cultura não está assim enclausurada em um castelo de saber, em universidades, bibliotecas ou para poucos iluminados. Ou em casas de chá que apresentam uma versão aristocratizante da cultura como uma forma de comportamento, uma maneira de falar, os sinais externos e exclusivos de uma mente cultivada, posse de pessoas distintas. Em sua opinião, a cultura é:

    [...] ordinária, você e eu também a experimentamos, mesmo que não entremos na catedral, não vejamos a biblioteca, não entremos no cinema. A cultura já está dada no nosso modo de vida. Pensar que a cultura é ordinária vai também de encontro às formulações mais tradicionais, hegemônicas no momento em que Williams escreve o ensaio, que afunilam o sentido de cultura e o especializam. Contra esse sentido de cultura como um domínio separado da esfera da vida cotidiana, um espaço único onde se produzem as grandes obras da humanidade, mais que argumentos, é preciso apresentar provas.²

    Dessa forma, Williams revoluciona o estudo da cultura até o momento, aproximando-a do cidadão comum. Ele considera ainda que a cultura tem uma definição mais prosaica, sendo utilizada para definir um modo de vida, como a cultura de um povo ou pode ser usada para se referir a produtos artísticos:

    Uma cultura tem dois aspectos: os significados e direções conhecidos, em que seus membros são treinados e as novas observações e significados, que são apresentados e testados. Esses são os processos ordinários das sociedades humanas e das mentes humanas, e observamos através deles a natureza de uma cultura: que é sempre tanto tradicional quanto criativa; que é tanto os mais ordinários significados comuns quanto os mais refinados significados individuais. Usamos a palavra cultura nesses dois sentidos: para designar todo um modo de vida – os significados comuns; e para designar as artes e o aprendizado – os processos especiais de descoberta e esforço criativo.³

    Williams aposta na crítica da cultura como forma de compreender e especificar a organização da vida em um determinado momento histórico. Cultura seria assim não um processo cultural secundário, pois a produção de significados e valores é uma atividade humana primária que estrutura formas, instituições, relações

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