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Caderno de Ciências Penais: reflexões sobre as Teorias da Culpabilidade
Caderno de Ciências Penais: reflexões sobre as Teorias da Culpabilidade
Caderno de Ciências Penais: reflexões sobre as Teorias da Culpabilidade
E-book318 páginas4 horas

Caderno de Ciências Penais: reflexões sobre as Teorias da Culpabilidade

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Sobre este e-book

A obra visa trazer à baila algumas das principais questões, teóricas e práticas, atinentes à categoria dogmática da culpabilidade e, assim, fomentar as discussões nos mais variados espectros da sociedade civil: desde a academia até as instituições do poder político encarregadas da elaboração, aplicação e fiscalização das leis. Os textos que compõem a obra buscam, ainda, de uma forma mais direta, fornecer aportes para o aprimoramento dogmático da culpabilidade, que se revela essencial para propiciar a aplicação de um Direito Penal humanizado e atento às nuances da realidade social em que se insere.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento18 de out. de 2021
ISBN9786525209296
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    Caderno de Ciências Penais - Alexis Couto de Brito

    CULPABILIDADE PSICOLÓGICA, INIMPUTABILIDADE E MEDIDAS DE SEGURANÇA: DA CONCEPÇÃO DE LISZT-BELING AO CENÁRIO ATUAL BRASILEIRO

    André Lozano Andrade¹, Natália Macedo Sanzovo²

    e Orly Kibrit³

    Resumo : O presente artigo tem por objetivo analisar as contribuições de LISZT-BELING sobre o conceito de Culpabilidade Psicológica e Inimputabilidade e, a partir de tal observação, verificar as finalidades e os fundamentos adotados para aplicação da medida de segurança atualmente no ordenamento jurídico brasileiro, considerando a exclusão da culpabilidade aos inimputáveis, bem como a problemática envolvendo a utilização do instituto. A partir de referidos estudos, objetiva-se analisar as alternativas e perspectivas das medidas de segurança no Brasil, a partir da compreensão de reinserção social do agente.

    Palavras-chave: Culpabilidade Psicológica; Inimputabilidade; Medida de Segurança; Periculosidade; Reinserção Social; Teoria do delito.

    SUMÁRIO

    Introdução, 15 | 1. Inimputabilidade por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto: de LISZT-BELING ao Código Penal brasileiro, 16 | 2. Finalidade da aplicação de medida de segurança aos inimputáveis, 21 | 3. Alternativas e perspectivas das medidas de segurança no Brasil: reinserção social do agente, 33 | Conclusão, 37 | Referências, 39

    INTRODUÇÃO

    Dentre as categorias do Direito Penal, a culpabilidade é a mais discutida e a mais imprescindível dos elementos da teoria do delito, tendo em vista que constitui critério central de toda a imputação, de modo que nenhum Direito Penal Moderno pode prescindir do princípio da culpabilidade.

    Em linhas gerais, LISZT-BELING consideram que a imputabilidade consiste no primeiro requisito para a verificação da culpabilidade e o julgador, ao verificar o cometimento da conduta delituosa típica e ilícita, deve indagar se o agente, ao tempo da ação ou omissão, possuía desenvolvimento mental completo para agir com plena capacidade de entendimento e autodeterminação.

    Nesse sentido, para fins do presente trabalho, objetiva-se analisar especificamente a inimputabilidade por doença mental e o desenvolvimento mental retardado, tendo em vista o intuito de compreender o modo pelo qual as referidas hipóteses acarretam o afastamento da culpabilidade e, consequentemente, da própria pena.

    Apesar da ausência de pena, o ordenamento jurídico brasileiro prevê atribuição de medida de segurança caso, constatada a comissão do injusto penal, existam indícios de periculosidade futura. Porém, como determinar o grau de probabilidade que o sujeito possui de cometer novos delitos e, ainda, como justificar o problemático instituto da medida de segurança, vez que o principal fundamento para sua aplicação é a prevenção especial e não a finalidade retributiva?

    Com base em com tais indagações, o presente artigo busca dialogar e propor reflexões. A partir dos referidos estudos, analisa-se a problemática envolvendo a utilização da medida de segurança, bem como as alternativas e perspectivas do instituto no Brasil, buscando não a exclusão, mas a reinserção social do agente.

    1. INIMPUTABILIDADE POR DOENÇA MENTAL OU DESENVOLVIMENTO MENTAL INCOMPLETO: DE LISZT-BELING AO CÓDIGO PENAL BRASILEIRO

    Para que uma conduta seja tida como crime, é preciso, em suma, que estejam presentes a tipicidade, concebida como adequação da conduta à proibição penal, ilicitude, entendida como atuação ilegal do sujeito, e culpabilidade, referente à reprovabilidade da conduta. Sem a existência destes três elementos na atuação do agente não é possível falar em fato criminoso.

    Nesse artigo, trataremos do terceiro requisito para caracterização do ilícito penal, ou seja, a culpabilidade, sob a perspectiva de que para atuar de modo culpável é preciso que o sujeito possua capacidade de entender o caráter ilícito do fato no momento da ação.

    A culpabilidade, enquanto categoria dogmática, insere-se dentro da teoria do delito e configura-se como pressuposto da pena, tendo em vista que serve de suporte e legitimação a todo o Direito Penal⁴. Significa dizer que sua função principal relaciona-se com

    a garantia de que o Estado somente poderá aplicar uma pena às condutas que o autor poderia ter evitado. Em outras palavras, assegura que se o sujeito não pôde ter evitado o cometimento do delito não há sentido submetê-lo a um castigo. A culpabilidade cumpre, portanto, diversas tarefas. Uma delas consiste em dar fundamento à pena. Outra é de caráter negativo ou limitador, pois significa estabelecer limites ao ius puniendi estatal⁵.

    Somente é admissível atribuir o juízo de culpabilidade ao sujeito que tenha realizado um injusto, um ato criminoso com todos os elementos necessários: conduta, típica e ilícita⁶.

    Nesses termos, a reprovabilidade da conduta deve ser entendida como a censura jurídica⁷ dirigida ao agente pela prática de determinado fato, impondo que, antes que seja analisado o juízo de culpabilidade, já tenha sido constatado que o sujeito praticou um ato típico e antijurídico.

    Por culpabilidade, entende-se a reprovabilidade ou censurabilidade da conduta, o que nos permite dizer que é proibida a punição de um sujeito apenas pela ocorrência de um resultado lesivo, como por um resultado lesivo que tenha sido ocasionado pelo mero acaso, ou, ainda, pela responsabilização penal objetiva⁸.

    A culpabilidade pode ser explicada, em linhas gerais, como a capacidade psíquica do agente de entender e se determinar de acordo com o direito (imputabilidade), que possa conhecer o caráter ilícito do fato (potencial consciência da ilicitude) e, por fim, que possua liberdade para atuar conforme o direito (inexigibilidade de conduta diversa). Desse modo, pode-se dizer que a liberdade de escolha, a capacidade psíquica e o juízo de legalidade da conduta realizada pelo agente são inerentes ao juízo de culpabilidade.

    Para que o conceito de culpabilidade seja aplicado, é preciso que o sujeito tenha liberdade para escolher a sua forma de atuação, que possa escolher entre o atuar lícito e o atuar ilícito. Isso pressupõe que o indivíduo conheça a ilicitude da conduta e as consequências advindas de sua atuação contrária ao direito.

    A ideia de culpabilidade penal, então, está relacionada com a liberdade e exigibilidade de atuação do sujeito conforme o direito. Assim, só é possível falar em culpabilidade se o sujeito possui capacidade de atuar conforme o direito, na medida em que entende e pode se posicionar conforme ou contrariamente ao direito, de modo que somente se é culpável porque se é livre⁹. Em outras palavras, para se imputar o crime a uma pessoa, é preciso que essa pessoa tenha condições para escolher entre a atuação lícita e ilícita, escolher entre o legal e o ilegal.

    Somente haverá liberdade se a pessoa puder avaliar os motivos que o levem a atuar, ou seja, fazer uma crítica de uma conduta alheia e ser capaz de uma autocrítica quanto ao seu comportamento. Dessa forma, diante de alternativas de atuar, haverá vontade livre quando for consciente¹⁰. Aquele que, por qualquer motivo, não entenda o caráter ilícito da conduta, não possua os freios morais e sociais ou, ainda, tenha sua capacidade de atuação extremamente limitada, agirá sem culpabilidade.

    Os freios sociais e morais são muito importantes para verificação do juízo de culpabilidade, pois aquela pessoa que, em decorrência de enfermidade mental, pratica uma conduta livre desses freios pode desconhecer a ilicitude da conduta ou as consequências dos seus atos, motivo pelo qual sua liberdade está limitada, na medida em que por vezes, é incapaz de realizar uma autocrítica com relação à sua atuação.

    Nesse sentido, a culpabilidade pressupõe que o agente deva entender o caráter ilícito do fato para que sua atuação possa ser considerada criminosa, uma vez que la norma penal se dirige a individuos capaces de motivarse en su comportamiento por los mandatos normativos (...); lo que importa es que la norma penal le motiva com sus mandados y prohibiciones¹¹.

    Aquele que não é capaz de entender, devido a fatores psíquicos – sejam esses fatores transitórios ou permanentes –, mas pratica uma conduta típica e ilícita não pode ser penalmente responsabilizado. Assim, somente será culpável o sujeito imputável no momento da ação.

    A respeito:

    La imputabilidad supone, pues, que la psiquis del autor disponga de la riqueza necesaria de representaciones para la completa valoración social; que la asociación de representaciones se produzca normalmente y con la velocidad normal; que la base afectiva (Gefühlsbetonung) de las representaciones y, por consiguiente, la fuerza motivadora de las normas generales, jurídicas, morales, religiosas, etc., corresponda a la medida media, y que la dirección y vigor de los impulsos de la voluntad (Willensimpulse) no ofrezcan nada esencialmente anormal.¹²

    Desse modo, somente pode ser considerado imputável aquele que goze das faculdades psicológicas a ponto de ser possível entender e se determinar conforme o direito. Ainda, é necessário que o sujeito seja capaz de entender as consequências da ação criminosa, inclusive as possíveis consequências penais¹³.

    A pessoa que está impossibilitada de entender o caráter ilícito da conduta ou de se determinar conforme o direito, seja em razão da falta de capacidade psíquica, seja em razão da falta de maturidade¹⁴, não poderá responder criminalmente.

    Segundo BELING, o direito penal somente pode basear-se no autodeterminismo, que possui como seu limitador o poder de resistência, consistente na capacidade de limitar seus impulsos primitivos e decidir a forma de sua atuação, podendo agir conforme ou contrariamente ao direito¹⁵. As pessoas dotadas de desenvolvimento mental completo e possuidoras de sanidade mental podem optar por utilizar ou não os freios éticos impostos pelo direito, ou seja, possuem liberdade de atuar conforme ou contrariamente ao direito. É importante ter em mente que essas pessoas sabem a que consequências eventual atuação em desconformidade ao direito pode gerar. Também conhecem, ou deveriam conhecer, as consequências que a prática de um crime possa trazer para outras pessoas – incluindo-se aqui a vítima – e para si mesmo, pois poderá a ele ser imposta uma pena. De outro lado, a consciência das consequências trazidas pelo crime pode não estar clara àquelas pessoas que sofram de determinadas enfermidades psíquicas.

    Partindo desse pressuposto, BELING entende que

    Si el poder de resistencia es precisamente el fator que condiciona en general el concepto de culpabilidad, es evidente que aquellos hombres que carecen de poder de resistencia, están exentos de culpa en su obrar, y no pueden ser castigados. La imputabilidad es la fase criminal de la libertad del querer: es aquella disposición espiritual en la cual está presente el poder de resistencia como poder de ser obediente al Derecho. Es la condición previa, siempre que una acción concreta sea examinada para establecer si ha sido cometida culpablemente. Las acciones de los inimputables escapan por adelantado a ese examen.¹⁶

    Não por outro motivo que a imputabilidade consiste no primeiro requisito para verificação da culpabilidade da pessoa¹⁷. Ao verificar que a conduta praticada é típica e ilícita, o julgador deve, ato contínuo, indagar se aquela pessoa possuía, ao tempo da ação ou omissão, higidez mental e desenvolvimento mental completo para atuar com plena capacidade de entendimento e autodeterminação¹⁸.

    É importante frisar que não é toda doença psíquica capaz de excluir a culpabilidade do sujeito. Assim como há diversas doenças mentais, com diversas graduações, também é possível constatar graus de exclusão ou redução da culpabilidade.

    Há casos em que a capacidade de compreensão e de se posicionar de acordo com o direito não é completamente excluída, mas reduzida, por isso o parágrafo único do artigo 26 do Código Penal brasileiro estabelece a redução de um a dois terços da pena caso fique demonstrado que o agente sofre de perturbação mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado capazes não de excluir, mas de reduzir a sua capacidade de discernimento e atuação.

    Apenas serão isentas de pena, pois não haverá crime em decorrência da exclusão da culpabilidade, aquelas pessoas cuja a enfermidade mental ao tempo do fato seja tal que retire quase completamente os freios éticos e sociais, de modo que não se pudesse exigir dela, no momento da prática do fato, qualquer comportamento conforme o direito, pois lhe faltava a autocrítica quanto ao seu próprio comportamento, o que lhe daria a liberdade de atuação necessária.

    Importante repisar que é no momento da prática que deve ser analisada a imputabilidade do sujeito, de modo que para uma ação seja considerada criminosa é preciso verificar se o sujeito possuía todas as faculdades mentais sadias no momento da prática do fato típico. Conforme ensina BELING, "lo que importa es el estado anímico del sujeto en el tempo de la acción"¹⁹, pois é no momento em que o autor manifesta a sua vontade que a conduta deve ser valorada.

    O Direito Penal, dentro da estrutura democrática, não pode se voltar apenas à personalidade do autor. O foco principal deve ser a conduta realizada, de modo que o juízo de censura não recaia somente sobre o agente, mas, em especial e necessariamente, sobre a ação por este praticada²⁰. Todavia, é muito importante dizer que a análise de culpabilidade se faz de forma mista, no sentido que para o Direito Penal o importante é a realização do fato, mas deve-se manter o olhar sobre o agente no momento da prática da conduta.

    Sobre a questão, aponta-se que

    O sujeito não ingressa no conceito de culpabilidade por seus defeitos de caráter, conduta de vida ou mediante formulação de juízos éticos ou normativos. Sua participação se torna relevante à medida que, com sua análise diante do fato, a conduta deixe de ser caracterizada como conduta criminosa. Por outro lado, a constatação da culpabilidade não se esgota na análise dos elementos vinculados à conduta.²¹

    Para realizar a análise de culpabilidade é necessário verificar se, ao tempo do fato, o sujeito possuía as capacidades mentais de um indivíduo são. A análise da culpabilidade incidir sobre o autor do delito não indica a negação de um direito penal do fato, mas apenas indica que no momento do fato é importante que o autor possua liberdade de atuação e de se definir conforme o direito.

    Assim, a análise da estrutura psicológica do autor deve ser feita não para ampliar a incidência da norma penal, mas para restringi-la, de modo que o juízo de culpabilidade impõe ao julgador a necessidade de verificação da real liberdade de atuação e de definição do acusado conforme o direito.

    2. FINALIDADE DA APLICAÇÃO DE MEDIDA DE SEGURANÇA AOS INIMPUTÁVEIS

    De acordo com o estabelecido no item anterior, a imputabilidade (ou a capacidade de culpabilidade), trata-se da capacidade para compreender a ilicitude do fato e determinar-se conforme a esse mesmo entendimento²². Em outras palavras, a imputabilidade pressupõe a capacidade psíquica de motivação pela norma jurídica²³.

    Desta forma, considera-se como inimputáveis aqueles que não possuem capacidade para compreender a ilicitude do fato, nem motivação para se determinarem de acordo com a norma jurídica: são os sujeitos que por padecerem de certos transtornos ou atrasos de natureza psiquiátrica ou de caráter, permanentes ou transitórios, não podem ser motivados pela norma jurídico-penal²⁴.

    Nesse sentido, o artigo 26 do Código Penal estabelece: É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. Por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, compreende-se um grande número de anomalias psíquicas e alterações em desenvolvimento mental, sempre que influenciem na capacidade de compreender a ilicitude do fato ou de determinação conforme a esse entendimento²⁵.

    A primeira hipótese de inimputabilidade elencada pelo artigo 26 – por doença mental - trata-se de uma fórmula ampla que engloba vários quadros de transtornos ou alterações mentais e compõem o conceito de enfermidade mental, estabelecidos nas classificações da OMS (Organização Mundial de Saúde) e na Associação de Psiquiatria dos Estados Unidos²⁶.

    O Código Penal, no artigo 26, prevê ainda as hipóteses de inimputabilidade por desenvolvimento mental incompleto, situação em que o agente não atingiu sua maturidade física e intelectual e, consequentemente, possui compreensão limitada do fato ilícito, são os casos, por exemplo, dos menores de idade e, também, o desenvolvimento mental retardado, situações nas quais o sujeito não pode chegar a alcançar os parâmetros psíquicos normais²⁷ e, ainda, não possuem capacidade de se autodeterminar. A doutrina brasileira estabelece como exemplo os retardados mentais e a surdo-mudez²⁸.

    Para fins do presente trabalho, objetivou-se analisar especificamente a inimputabilidade por doença mental e o desenvolvimento mental retardado, tendo em vista o intuito de compreender o modo pelo qual as referidas hipóteses acarretam o afastamento da culpabilidade e, consequentemente, da própria pena.

    Neste sentido, considerando-se que a culpabilidade é um juízo de reprovação no qual o sujeito somente pode ser responsabilizado pelo cometimento de um delito que era capaz de compreender o caráter ilícito de sua conduta e de agir conforme esse entendimento, nos casos de inimputabilidade por doença mental e/ou desenvolvimento mental retardado, haverá exclusão da culpabilidade, logo, da pena.

    Assim, uma das principais causas de exclusão da culpabilidade é a ausência de capacidade de motivação normativa²⁹, pois, segundo os mesmos autores, diante da impossibilidade de motivação, a pena não pode cumprir nenhuma finalidade preventiva³⁰.

    Todavia, apesar da ausência de pena, o ordenamento jurídico prevê algumas consequências jurídicas se, "uma vez constatada a comissão do crime, existam indícios de periculosidade futura e, neste caso, poderão ser aplicadas as medidas de segurança"³¹.

    Neste sentido, embora a declaração da inimputabilidade permita a exclusão da culpabilidade e, por consequência, da pena, a mesma declaração determinará a imposição de medida de segurança.

    Tal entendimento é justificado no risco de periculosidade futura. Neste sentido, as medidas de segurança não se baseiam na culpabilidade, mas em uma dupla dimensão da periculosidade criminal (passada e futura) com finalidade de prevenção especial ³².

    As medidas de segurança surgiram no final do Século XIX para tentar solucionar um dos principais problemas que os cientistas da época enfrentavam: "a impossibilidade de justificar a aplicação de uma pena retributiva a um sujeito mentalmente enfermo ou a um menor de idade³³".

    Esta situação gerou uma série de iniciativas e reformas neste período, impulsionadas, principalmente, pelos positivistas, sendo LISZT o primeiro a elaborar uma proposta para abordar a questão.

    Em 1883, em sua obra A ideia de fim no Direito penal (Der Zweckgedamke im Strafrecht), o autor propõe a manutenção do conceito de pena, mas substitui a ideia de pena retribuição pela de pena fim³⁴. Segundo sua proposta, uma pena fim (sob a fórmula de pena inocuizadora indeterminada) deveria ser aplicada para ‘eliminar a periculosidade’ na luta contra a criminalidade habitual"³⁵. Nos dizeres do autor:

    A sociedade deve se proteger dos irrecuperáveis, e como não podemos decapitar nem enforcar, e como não nos é dado deportar, não nos resta outra coisa que a privação de liberdade pela vida (em seu caso, por tempo indeterminado) (...) O Código Penal deveria determinar (...) que uma terceira condenação por um dos crimes mencionados acima levaria a uma reclusão por tempo indeterminado. A pena seria cumprida em comunidade e recintos especiais (presídios). Ela consistiria numa servidão penal, sob a mais severa obrigação de trabalho. Como sanção disciplinadora, a pena corporal seria quase inevitável. Uma perda obrigatória e perpétua dos direitos civis e honoríficos devesse assinalar o caráter incondicionalmente desonroso da pena. A reclusão individual somente operaria como sanção disciplinadora, combinada com reclusão em câmara e jejum estrito³⁶.

    Como se observa, a proposta de LISZT para o tratamento dos inimputáveis (tido como os indesejáveis) era a de segregação por tempo indeterminado, com imposição de repressão, a partir da servidão penal, câmara escura e jejum forçado, além da possibilidade de atribuição de pena corpórea e da perda obrigatória e perpétua dos direitos civis.

    Diversos foram os autores que se dedicaram posteriormente à questão de como atribuir punição a um sujeito mentalmente enfermo ou a um menor de idade, sendo que o tratamento dado a inimputáveis, antissociais e criminosos habituais marcou definitivamente a história do direito penal³⁷.

    Neste contexto, diversas propostas foram criadas para estruturar as consequências jurídicas do crime e contar com uma resposta penal para prevenir estados perigosos pós-delitivos³⁸, dentre elas destaca-se o monismo, o dualismo e o sistema vicariante.

    Em linhas gerais, o monismo configura-se como a proposta que busca resolver as situações de periculosidade criminal exclusivamente através da pena ou das medidas de segurança³⁹. Como expoente do monismo destaca-se LISZT, o qual estabelecia a pena de retribuição e da prevenção geral especial e, nos casos dos sujeitos perigosos, penas de duração indeterminada⁴⁰.

    O dualismo é o sistema que admite tanto as penas privativas de liberdade como as medidas de segurança, sendo que as penas baseiam-se na culpabilidade (retributivas) enquanto as medidas o fazem na periculosidade (preventivas).⁴¹ Trata-se de um sistema problemático tendo em vista a possibilidade de ocorrer o chamado duplo binário, ou seja, a acumulação de uma medida de segurança após o cumprimento da pena. São os casos em que se aplica a pena privativa de liberdade – fundamentada na retribuição – e, após o seu cumprimento integral, começa a execução da medida de segurança, fundamentada na prevenção especial. Nestes casos são aplicadas duas sanções sucessivas ao condenado pelo mesmo fato, incorrendo em evidente violação ao princípio nom bis in idem⁴².

    O Código Penal adota o sistema dualista, estabelecendo especificamente a aplicação das penas e medidas de segurança, sem qualquer possibilidade de alternação entre si no momento da execução⁴³.

    Por fim, o sistema vicariante é aquele que permite, durante a execução, a substituição de uma pena privativa de liberdade por uma medida de segurança e vice-versa, conforme as condições pessoais do condenado⁴⁴.

    O histórico das medidas de segurança e de sua implementação foi caraterizado pela supressão das garantias individuais, com internações perpétuas em condições deploráveis e medidas sem controle jurisdicional, configurando-se tais medidas como verdadeiras penas para inimputáveis, ou, nos dizeres de EUGENIO RAUL ZAFFANONI, consagração de autênticas penas para incapazes psíquicos⁴⁵.

    Atualmente, os defensores das medidas de segurança justificam sua importância e necessidade, pois elas desenvolvem

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