É Legítima a Pena Privativa de Liberdade?
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É Legítima a Pena Privativa de Liberdade? - Andréia Regis Vaz
Sumário
INTRODUÇÃO
capítulo 1
O DIREITO FUNDAMENTAL DA DIGNIDADE HUMANA
1.1 CONCEITO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS
1.2 HISTÓRICO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
1.3 GERAÇÕES DE DIREITOS FUNDAMENTAIS
1.4 A DIGNIDADE HUMANA
1.5 DIREITO À LIBERDADE
1.6 O PODER-DEVER DE PUNIR DO ESTADO
1.7 A CONSTITUIÇÃO DE 1988 E O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE HUMANA
1.8 A LEI DE EXECUÇÃO PENAL E O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE HUMANA
capítulo 2
A PENA
2.1 DEFINIÇÃO
2.2 ESCORÇO HISTÓRICO
2.2.1 A pena como vingança da natureza
2.2.2 Fase da vingança penal
2.2.2.1 Vingança privada
2.2.2.2 Fase da vingança divina
2.2.2.3 Vingança pública
2.2.3 Direito penal dos hebreus
2.2.4 Direito romano
2.2.5 Direito germânico
2.2.6 Direito canônico
2.2.7 Direito medieval
2.2.8 Período humanitário
2.2.9 Escola Clássica
2.2.10 Período científico ou criminológico e a Escola Positiva
2.2.11 As prisões
2.3 O SISTEMA PENAL BRASILEIRO
2.3.1 Evolução histórica
2.3.2 Princípios
2.3.3 Espécies de penas
2.3.3.1 Penas privativas de liberdade
2.3.3.1.1 Reclusão, detenção e prisão simples
2.3.3.1.2 Regimes
2.3.3.1.2.1 Fechado
2.3.3.1.2.2 Semiaberto
2.3.3.1.2.3 Aberto
2.3.3.2 Penas restritivas de direitos
2.3.3.2.1 Prestação pecuniária
2.3.3.2.2 Perda de bens e valores
2.3.3.2.3 Prestação de serviços à comunidade
2.3.3.2.4 Interdição temporária de direitos
2.3.3.2.5 Limitação de fim de semana
2.3.3.3 Pena de multa
capítulo 3
A PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE E A LEGITIMIDADE DA ATIVIDADE DO ESTADO NA SUA APLICAÇÃO
3.1 O SURGIMENTO DAS PRISÕES
3.2 OS PRINCÍPIOS LEGITIMADORES DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE
3.2.1 A legalidade e a anterioridade da pena privativa de liberdade
3.2.2 O princípio do devido processo legal
3.2.2.1 Contraditório
3.2.2.2 Ampla defesa
3.2.2.3 Imparcialidade do juiz
3.2.2.4 Motivação das decisões judiciais
3.2.2.5 Duplo grau de jurisdição
3.2.3 A individualização da pena
3.2.4 O respeito às garantias dos presos – a manutenção da dignidade humana e dos direitos não atingidos pela privação da liberdade quando da execução da pena
3.3 ALTERNATIVAS À PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
INTRODUÇÃO
A prática de crimes é, infelizmente, corriqueira na vida em sociedade. Pelo ordenamento jurídico pátrio, sempre que ocorre um delito surge a obrigação do Estado de apurar sua autoria e as condições em que ele ocorreu. Comprovadas autoria e materialidade do delito, não sendo o caso de exclusão de ilicitude, inimputabilidade ou isenção de pena, ao Estado, na pessoa do juiz, cabe a aplicação de uma pena. Em muitas situações, a pena a ser aplicada será a privativa de liberdade.
Por outro lado, uma das maiores conquistas do ser humano ao longo da história foi o reconhecimento e o respeito à sua dignidade e, consequentemente, à sua liberdade. É de se ressaltar que o princípio da dignidade humana se encontra positivado nas legislações modernas, inclusive no ordenamento legislativo nacional. O que, então, harmoniza o direito individual à liberdade de locomoção com a obrigação estatal de punir e aplicar penas privativas de liberdade àqueles que praticam crimes graves? O que torna legítima a função jurisdicional de punir com a privação de liberdade?
É de se ressaltar que a pena privativa de liberdade representa um avanço na escala evolutiva das punições, pois, mesmo privando-se a liberdade do indivíduo, não lhe inflige castigos corporais, desumanos ou atrozes, tampouco ceifa a vida ou mesmo a liberdade do apenado de forma definitiva.
De fato, há mecanismos que legitimam a aplicação, pelo juiz, de uma pena privativa de liberdade. Dentre esses, destacar-se-ia o respeito ao princípio da dignidade humana, pois, devidamente implementado, permite não apenas a punição do criminoso, mas também sua ressocialização, de forma que, ao deixar o sistema prisional, o antigo apenado esteja apto a conviver com seus pares em harmonia e afastado da seara criminosa. É a essa análise que o presente livro se propõe.
A obra divide-se em três capítulos, além desta Introdução
e das Considerações Finais
.
No primeiro capítulo, aborda-se o princípio da dignidade humana como direito fundamental do ser humano, expondo que se trata de uma garantia conquistada ao longo da história. Na sequência, é feito um cotejo entre o direito individual à liberdade – constitucionalmente assegurado – e o poder-dever de punir como função estatal, sempre que houver a comprovação da prática de algum ilícito penal. Analisa-se, ainda, a codificação e aplicação do princípio da dignidade humana tanto na Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB/88) quanto na Lei de Execuções Penais (LEP).
O segundo capítulo faz uma análise da pena ao longo da história, expondo a evolução que teve desde os primórdios, quando ainda era extremamente cruel, sanguinária e bárbara, até se chegar ao surgimento das prisões. Faz, também, uma digressão sobre as penas privativas de liberdade existentes no Brasil, assim como sobre as demais penas previstas no sistema nacional, que são as penas restritivas de direitos e a pena de multa. Traz, ainda, uma análise dos princípios que norteiam o julgador quando da aplicação de uma pena.
O terceiro capítulo, por seu turno, apresenta os elementos que legitimam e justificam a previsão da pena privativa de liberdade no ordenamento legal brasileiro, bem como fundamentam a sua aplicação pelo juiz, quando julga e condena um réu em um processo criminal. Coloca que a legitimação da pena não se limita ao processo de conhecimento, instrução e julgamento de um crime, estendendo-se, portanto, à etapa da execução penal. A execução penal é o momento fundamental, ou seja, é quando se torna ainda mais necessário que a autoridade pública observe o princípio da dignidade humana.
Seguem-se ao terceiro capítulo as Considerações Finais
, nas quais são apresentados os pontos conclusivos sobre os fatores que legitimam a pena privativa de liberdade.
capítulo 1
O DIREITO FUNDAMENTAL DA DIGNIDADE HUMANA
1.1 CONCEITO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS
Direitos humanos e direitos fundamentais constituem dois conceitos que, frequentemente, são confundidos e usados como expressões sinônimas. Assim, faz-se necessário conceituar as expressões direitos humanos e direitos fundamentais, de forma a demonstrar o sentido em que elas serão usadas na presente obra.
Ingo Sarlet¹ conceitua como humanos aqueles positivados no direito internacional, enquanto que, segundo o mesmo autor, direitos fundamentais são aqueles assegurados de forma expressa na Constituição de cada país. Na sua dicção:
[...] o termo direitos fundamentais
se aplica para aqueles direitos do ser humano reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional positivo de determinado Estado, ao passo que a expressão direitos humanos
guardaria relação com os documentos do direito internacional, por referir-se àquelas posições jurídicas que se reconhecem ao ser humano como tal, independentemente de sua vinculação com determinada ordem constitucional, e que, portanto, aspiram à validade universal, para todos os povos e tempos [...].²
Em sentido idêntico, posiciona-se José Joaquim Gomes Canotilho, para quem os direitos humanos são aqueles [...] válidos para todos os povos e em todos em tempos
³, enquanto os direitos fundamentais são [...] garantidos e limitados espaço-temporalmente
⁴. Em resumo, conforme o autor lusitano: Os direitos do homem arrancariam da própria natureza humana e daí o seu caráter inviolável, intemporal e universal; os direitos fundamentais seriam os direitos objetivamente vigentes numa ordem jurídico concreta
⁵.
É difícil definir, claramente, o que são direitos do homem. De acordo com Norberto Bobbio⁶, direitos humanos constituem uma expressão muito vaga. Entretanto ele explica que o problema atual em relação aos ditos direitos não é justificá-los, mas protegê-los, pois tais direitos constituem uma classe variável, estando em constante modificação paralelamente ao desenvolvimento da sociedade, de forma que direitos considerados absolutos no passado atualmente não mais o são: o que parece fundamental numa época histórica e numa determinada civilização não é fundamental em outras épocas e em outras culturas
⁷.
Vicente Paulo, no mesmo sentido, expõe que os direitos fundamentais são aqueles que estão claramente positivados no ordenamento jurídico vigente. Esclarece, entretanto, que tais direitos variam conforme a ideologia do Estado do qual fazem parte, de forma que cada Estado possui e normatiza seus próprios