Encontre milhões de e-books, audiobooks e muito mais com um período de teste gratuito

Apenas $11.99/mês após o término do seu período de teste gratuito. Cancele a qualquer momento.

Percepções sobre as ciências criminais
Percepções sobre as ciências criminais
Percepções sobre as ciências criminais
E-book850 páginas11 horas

Percepções sobre as ciências criminais

Nota: 0 de 5 estrelas

()

Ler a amostra

Sobre este e-book

Trata-se de trabalhos, aqui concebidos como "percepções sobre as ciências criminais", decorrentes da tarefa de conclusão de curso, em sua interface com a coautoria da orientação, dos participantes do Laboratório de Ciências Criminais e do Grupo de Estudos Avançados, ambos no âmbito do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais do Estado de Minas Gerais.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento23 de ago. de 2022
ISBN9786525249124
Percepções sobre as ciências criminais

Leia mais títulos de Rafhael Lima Ribeiro

Relacionado a Percepções sobre as ciências criminais

Ebooks relacionados

Direito para você

Visualizar mais

Artigos relacionados

Avaliações de Percepções sobre as ciências criminais

Nota: 0 de 5 estrelas
0 notas

0 avaliação0 avaliação

O que você achou?

Toque para dar uma nota

A avaliação deve ter pelo menos 10 palavras

    Pré-visualização do livro

    Percepções sobre as ciências criminais - Rafhael Lima Ribeiro

    1ª APRESENTAÇÃO

    A criação do Grupo de Estudos Avançados (GEA) e do Laboratório de Ciências Criminais do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM) foi, sem dúvidas, o maior passo dado até o momento para a verdadeira nacionalização do instituto. A parceria entre a Direção Nacional do IBCCRIM e as Coordenações Estaduais propiciou a estudiosos(as) das ciências criminais o aprofundamento de um conhecimento crítico por meio de leituras orientadas e diálogos intensos.

    Eis que agora, após a realização de algumas edições do GEA nas Minas Gerais, surge como fruto do trabalho de pesquisadores(as) dedicados(as), orientados(as) por professores(as) que doaram de seu conhecimento e tempo ao IBCCRIM, a obra Percepções Sobre as Ciências Criminais. O compromisso daqueles(as) que cumpriram todas as etapas do GEA com afinco, o empenho dos(as) coordenadores(as) e a colaboração de professores(as) diversos(as) revelam-se nas linhas de cada texto, sempre resgatando o compromisso social do instituto.

    O crescimento do punitivismo em detrimento do que as ciências criminais orientam é uma realidade inegável em nosso país e a consequência tem sido, infelizmente, a ampliação da insegurança social, o descrédito da população nas instituições, o aumento da violência doméstica, a exacerbação do preconceito e o retorno do olho por olho, dente por dente, como a sociedade brasileira assistiu em recentes episódios em que se pretendeu realizar a justiça pelas próprias mãos.

    Em tempos de negação à ciência, de violência estatal elevada e de intolerância, o fomento aos estudos em ciências criminais pautados na Constituição, no respeito às garantias e na construção de um Direito Penal de ultima ratio, em consonância com o avanço das pesquisas, nos traz a esperança e o entusiasmo de que é possível se pensar um país melhor para todas as pessoas. Há quem resista e persista na construção de um Estado Democrático de Direito.

    A caminhada acadêmica construída com seriedade e compromisso produz frutos salutares e revela caminhos para a construção de um novo porvir. E é exatamente o que o(a) leitor(a) encontrará nessa coletânea. Facilmente se verifica que a construção entre pesquisadores(as) e orientadores(as) não se restringiu à participação periódica nos encontros realizados.

    É motivo de alegria para todos nós do IBCCRIM ver os trabalhos que surgiram no breve tempo de criação do GEA em terras mineiras e que são aqui apresentados como capítulos, já ecoando e, consequentemente, permitindo que o saber possa ser compartilhado com tantos(as) outros(as). A todos(as) os(as) envolvidos(as), os nossos cumprimentos e o agradecimento afetuoso!

    CARLA SILENE CARDOSO LISBOA BERNARDO GOMES

    Conselheira Consultiva do IBCCRIM (2021/2022)

    2ª APRESENTAÇÃO

    A presente obra nasceu de pesquisas produzidas junto ao Laboratório de Ciências Criminais do Estado de Minas Gerais.

    O Laboratório de Ciências Criminais é uma atividade de iniciação científica oferecida pelo Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM)¹ e integrante do Núcleo de Educação do Instituto, que visa proporcionar uma experiência de iniciação científica aos estudantes de graduação de todo o país.

    Tal atividade é desenvolvida e fomentada em todos os entes federativos do Brasil através de suas coordenações estaduais. Em outras palavras, a responsabilidade de implementação é da respectiva coordenação estadual, com o apoio e atuação do Núcleo de Educação do IBCCRIM e da Coordenação Nacional do Laboratório de Ciências Criminais.

    Através de encontros semanais para aulas expositivas, dialogadas e interativas, com intuito de integração dos(as) estudantes de todo o Brasil e entre as regiões, o(a) aluno(a) é estimulado(a) a analisar, debater e refletir situações atuais das ciências criminais em sentido amplo, a partir da perspectiva de diversas disciplinas (direito penal, direito processual penal, política criminal, criminologia, execução penal e metodologia científica).

    Considerando o seu intuito de proporcionar ao estudante uma experiência no campo da iniciação científica, a atividade fomenta o desenvolvimento de pesquisas temáticas, com acesso a metodologias adequadas, a partir de orientação personalizada de professores(as) e/ou pesquisadores(as) da área. O(a) estudante elabora um projeto de pesquisa e, posteriormente, redige um artigo científico que poderá ser apresentado no Simpósio Nacional do Laboratório de Ciências Criminais.

    O nosso objetivo central é o amadurecimento intelectual, acadêmico e crítico dos estudantes participantes, futuros(as) operadores(as) das ciências criminais e, dessa forma, caminhar para a concretização de um sistema penal cada vez mais democrático e menos excludente.

    A missão de contribuir para um sistema de justiça penal menos racista e menos seletivo, mais racional e mais humano, perpassa pelo diálogo entre as instituições do poder público e a sociedade civil. A atuação dos(as) estudiosos(as) e operadores(as) da lei, nesse tocante, deve se fazer propositiva e auxiliadora das instâncias de poder, em diálogos de contribuição para a pluralidade e a diversidade que permeiam a sociedade. Preparar os(as) alunos(as) para essa contribuição, através dos laboratórios de estudo, é plantar sementes para germinarem em um futuro de cada vez mais respeito às garantias fundamentais.

    O estado de Minas Gerais tem uma coordenação estadual bastante atuante no país, com inúmeros(as) participantes voluntários(as) que se dedicam a fomentar conhecimento e debate científico sobre o sistema jurídico-penal brasileiro. O laboratório de ciências criminais desse estado é um projeto de enorme sucesso, por onde já passaram grande parte dos(as) operadores(as) do direito e estudiosos(as), de atuação destacada.

    A leitura dos artigos que compõem a presente obra não deixa dúvidas sobre a excelência da pesquisa acadêmica desenvolvida em Minas Gerais através do Laboratório de Ciências Criminais e muito diz sobre a qualidade e o comprometimento dos(as) professores(as) e dos(as) orientadores(as) mineiros(as) participantes, a quem o IBCCRIM parabeniza e agradece o voluntariado em prol do aprofundamento científico e da democratização cada vez maior do ensino e aprendizado das Ciências Criminais.

    É com grande alegria que apresentamos este livro à comunidade jurídica, diante do relevante debate científico aqui desenvolvido pelos(as) profissionais que o assinam, fruto de um projeto construído a muitas mãos.

    MARINA COELHO ARAÚJO

    Presidente do IBCCRIM (2021/2022)

    MARIA CAROLINA DE MELO AMORIM

    Diretora Nacional das Coordenadorias Estaduais (2021/2022)

    DAIANE AYUMI KASSADA

    Coordenadora-Chefe do Departamento de Iniciação Científica do IBCCRIM (2021/2022)


    1 Reconhecido nacional e internacionalmente por sua atuação da área de produção científica, o IBCCRIM foi fundado há 30 anos, após o Massacre do Carandiru (1992), em São Paulo, e tem como escopo a disseminação das ciências criminais em todo o país, promovendo diálogos entre a academia, o poder público e a sociedade civil. O laboratório é apenas mais um dos inúmeros projetos do IBCCRIM, que podem ser acessados e conhecidos através do site www.ibccrim.org.br.

    ASPECTOS DO DIREITO PENAL ATUAL: ENTRE A ULTIMA RATIO E O DIREITO PENAL MÁXIMO

    Amanda Souza Batista²

    Carla Silene Cardoso Lisboa Bernardo Gomes³

    1. Introdução

    O Direito Penal como imagem representativa do ius puniendi do Estado, apresenta como escopo a proteção dos bens jurídicos de maior relevância. De certa forma, a proteção dos bens jurídicos realizada pelo Direito Penal busca promover a segurança e a ordem social, mesmo que possa vir a existir indivíduos infratores em meio a sociedade.

    A priori, vale uma breve definição acerca do conceito de bem jurídico que, nas palavras de Franz Von Liszt, citado por Ferré Olivé, os bens jurídicos são interesses vitais do indivíduo ou da sociedade, protegidos pelo direito (FERRÉ OLIVÉ; ROXIN, 2011, p. 92). Conclui-se, então, que bem jurídico não se resume a qualquer interesse, mas, diz respeito aos interesses essenciais e vitais do cidadão e da sociedade como um todo.

    Entretanto, a concepção de bens jurídicos e de segurança passa e vem passando por modificações em face das transformações socioculturais.

    Quanto aos bens jurídicos tutelados pelo Direito Penal, hodiernamente, tem-se discutido a expansão da matéria penal no que diz respeito aos tipos penais. A referida expansão é consequência dos movimentos sociais da vertente do Direito Penal Máximo, como por exemplo, o Movimento Lei e Ordem, a Teoria das Janelas Quebradas e o Direito Penal do Inimigo.

    Como consequência, cada corrente desse Direito Penal Máximo acompanha e, pode vir a acrescentar, concepções diferentes quanto à natureza jurídica da norma incriminadora. Essas alterações em sua relevância possuem aos olhos da atual conjuntura social, uma aceitação cada vez maior, sendo que se cobra cada dia mais uma efetividade maior do Direito Penal frente às condutas dos infratores ou àqueles que podem vir a cometer determinados atos ilícitos.

    Estes movimentos têm ganhado forças através dos meios de comunicação que apresentam, em sua grande maioria, distorções dos fatos e acontecimentos criminais.

    Observa-se que cada vez mais as notícias que implicam em trazer violações a bens tutelados pelo Direito Penal conseguem expandir em dados de audiência.

    Consequentemente, o reflexo das matérias que trazem consigo uma imagem distorcida e, até mesmo ineficaz do Direito Penal, faz com que a sociedade clame por segurança, originando, assim, o que se denomina a cultura do medo, fortemente presente na situação social atual.

    2. Direito Penal: concepções e finalidades

    2.1 Definição e finalidade do Direito Penal

    A conjuntura histórica pela qual se desenvolveu o atual Código Penal, se deu na década de 1940, tendo como o início da sua vigência o ano de 1942. O atual regime político era a ditadura, que se encontrava sob a Constituição de 1937.

    Em face do status que ocupa no ordenamento jurídico pátrio, o Direito Penal possui como escopo a função de atribuir consequências jurídicas (sanção) a determinados atos considerados reprováveis.

    No que diz respeito à aplicabilidade da sanção, esta última é de competência exclusiva do Estado, pois somente este detém o ius puniendi, sendo que a legislação penal somente poderá vir a ser regulamentada por aquele ente.

    Entretanto, importante ressaltar que as condutas que hodiernamente são consideradas puníveis, não são as mesmas que em determinado período se faziam presentes, ao passo que determinadas condutas deixaram de fazer parte do rol das consideradas proibitivas.

    Nas lições de Prado (2011) o conceito que perpassa o Direito Penal se faz pelo formal e material, o que pelo primeiro vislumbrasse o ordenamento ao qual a matéria se faz presente (Direito Público), assim, estabelece as ações ou omissões delitivas, cominando-lhes determinadas consequências jurídicas - penas ou medidas de segurança. (PRADO, 2011, p. 70).

    Quanto ao segundo conceito, preleciona o mesmo autor que o Direito Penal se refere a comportamentos considerados altamente reprováveis ou danosos ao organismo social, que afetam gravemente bens jurídicos indispensáveis à sua própria conservação e progresso. (PRADO, 2011, p. 70). Nessa linha, aduz Capez:

    O Direito Penal é o segmento do ordenamento jurídico que detém a função de selecionar os comportamentos humanos mais graves e perniciosos à coletividade, capazes de colocar em risco valores fundamentais para a convivência social, e descrevê-los como infrações penais, cominando-lhes, em consequência, as respectivas sanções, além de estabelecer todas as regras complementares e gerais necessárias à sua correta e justa aplicação. (2012, p. 13.).

    Consequentemente, o Direito Penal possui como finalidade a proteção dos bens jurídicos que não podem vir a ser resguardados ou protegidos por outros ramos do direito, o que para Prado (2011), "como ordem jurídica, é importante fator de estabilidade e de harmonia nas relações sociais, enquanto soluciona os conflitos individuais e sociais, impondo, por assim dizer, uma ratio à própria realidade humana". (2011, p. 68).

    Para Greco (2003), o extremo valor dos bens a serem protegidos pelo Direito Penal não possui um caráter econômico, mas tão somente político. Determinada referência política se faz ao passo que os bens a serem tutelados apresentam um valor substancial no que concerne às garantias fundamentais.

    Para o referido autor, o caráter político para a seleção dos bens tutelados pelo Direito Penal, se fundamenta, única e exclusivamente na evolução social, senão vejamos:

    Bens que em outros tempos eram tidos como fundamentais e, por isso, mereciam a proteção do Direito Penal hoje já não gozam desse status. Discute-se muito a sobrevivência, por exemplo, dos delitos de adultério e de sedução. A mulher da década de 40, período em que foi editado nosso Código Penal, cuja parte especial, com algumas alterações, ainda se encontra em vigor, é completamente diferente daquela que participa da nossa sociedade já no século XXI. (GRECO, 2003, p.4).

    Assim, por uma análise ao caráter político, tem-se o momento inicial de atuação do Direito Penal, bem como seu consequente desligamento, devendo, quando ocorrer a última hipótese, a tutela dos outros ramos do direito.

    Entretanto, para que ocorra a seleção do bem jurídico a ser tutelado investe-se a matéria penal de especializada política criminal, pois, somente assim, poderá ocorrer a escolha do bem jurídico a ser tutelado pelo Direito Penal.

    No que diz respeito a este critério político criminal quanto à escolha da sanção a ser atribuída ao infrator, certos apontamentos são levantados, basicamente, no que tange qual o escopo a ser tutelado, bem como a pena a ser aplicada no caso de infração penal (GRECO, 2017, p.80-81).

    Em nosso ordenamento pátrio os bens a serem tutelados podem ser extraídos em um primeiro momento a partir da própria Carta Magna, sendo esta hierarquicamente superior em relação às demais normas legais. Embora ainda possa ser possível vislumbrar bens que não possuem determinado status constitucional. (GRECO, 2017, p.81). Contudo, a busca pela aplicação de um Direito Penal Mínimo vai de encontro aos anseios da atual sociedade.

    O conflito existente entre a aplicação do Direito Penal Mínimo versus Sociedade, se dá ao fato do clamor social em punir qualquer atitude que venha a subverter a paz social, assim, criando-se penas para quaisquer atos irrelevantes.

    Neste sentido, Greco (2017, p. 81) esclarece a postura ideológica presente na atual conjuntura social:

    A tarefa de selecionar os bens parte, primeiramente, da sua valoração, de acordo com uma concepção minimalista, na qual somente aqueles realmente importantes poderão merecer a proteção do Direito Penal. Embora a nossa opção seja por um Direito Penal Mínimo, sabemos que, nem sempre, a sociedade compartilha essa postura ideológica. Na verdade, e como regra, pelo menos em nosso país, a sociedade, cansada de presenciar atos atrozes, que lhe causam repugnância, busca, cada vez mais, a tipificação de comportamentos até então considerados indiferentes para o Direito Penal. Começa a surgir, portanto, um terrível processo de inflação legislativa, que somente conduz ao descrédito e à desmoralização do Direito Penal. (2017, p. 81).

    Ademais, a política criminal se difere em determinadas épocas, o que de plano restará consubstancialmente em confronto com a sociedade a qual encontra-se inserida.

    Destarte, basicamente trata-se de um conflito de política criminal defendida por uma sociedade que pode vir a ser subdividida em minimalista e maximalista. Sendo os primeiros defensores da tese de quanto maior o rol punitivo do Estado, o Direito Penal estaria se nivelando aos outros ramos do direito. (GRECO, 2017, p.81).

    Para os adeptos da segunda corrente — maximalistas — o Direito Penal como único ramo detentor do poder punitivo ao qual confere e compete unicamente ao Estado, possui como finalidade evitar a prática de comportamentos danosos ou perigosos. Portanto, passaria o Direito Penal a ser o educador, pois, àquele que viesse a cometer a infração penal, ser-lhe-á atribuída sanção compatível ao delito. (GRECO, 2017, p. 81).

    Por derradeiro, o fator político, e aqui não mais se configura o termo quanto à seleção do bem jurídico a ser tutelado pelo Direito Penal, mas tão somente, a atividade exercida pelos governantes, faz com que o sistema legislativo venha a subverter o escopo precípuo do Direito Penal, atribuindo a este ramo do direito a função de educador social e, além de tudo, utilizando ainda mais da esfera penal para se valer de campanhas e eleições políticas.

    2.2 Princípio da Intervenção Mínima

    O princípio da intervenção mínima, também conhecido como ultima ratio, tem por base a ideia de que o Direito Penal apenas deve ser usado quando os outros ramos do direito aos quais podemos recorrer, não se mostrem eficazes e não obtêm o resultado necessário.

    Sabemos que o direito penal é a forma mais grave que podemos encontrar quanto a intervenção do Estado, por este motivo não devemos banalizar os efeitos de suas sanções quando há a possibilidade de buscar uma proteção em outras áreas jurídicas.

    Na atualidade o que ocorre é totalmente o oposto do que busca a ultima ratio, o que vemos é a busca por penalizar e intervir cada vez mais nas garantias individuais.

    A criação de leis e o aumento da população carcerária é uma constante que vemos, tudo pela busca de uma resposta rápida e eficaz que de nada tem eficácia. Toda essa maximização da penalidade vem trazendo apenas efeitos negativos e se mostrando cada vez mais incapaz de reduzir a criminalidade. Prova disso, é que, de acordo com o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias de 2014, World Prison Brief 2016 e IBGE, o Brasil teve um crescimento de 618% de sua população carcerária desde 1990 e nem por isso os índices de criminalidade diminuíram e, em contrapartida, o nosso sentimento de segurança não aumentou.

    O princípio da intervenção mínima nos mostra que há certos pontos que o Direito Penal não deve tratar, vez que nem todos os conflitos sociais devem ser resguardados pelo Direito Penal e para isso temos outros ramos do direito, os quais podem nos aparar. Desta forma preceitua Rogério Greco (2007):

    (..) de acordo com o critério proposto pelo princípio da intervenção mínima o direito penal deveria afastar as chamadas contravenções penais, permitindo que a proteção dos bens por elas realizadas fosse 14 destinada a outros ramos do ordenamento jurídico, já que não tem a relevância exigida pelo Direito Penal. (2007, p. 51).

    Podemos falar que o princípio da intervenção mínima busca delimitar o expansionismo do Direito Penal que se torna cada vez maior, no qual se torna notória a criminalização de condutas ínfimas. Assim, referido princípio traz à tona um Direito Penal que deve tratar de questões realmente gravosas, evitando assim as inúmeras prisões que vemos todos os dias, não sendo assim, portanto, solução para questões que se podem resolver de outras formas.

    Sobre o tema acrescentam Gianpaolo Smanio e Humberto Fabretti que

    no sentido de se operar uma redução da intervenção punitiva do Estado, normalmente encontram-se os seguintes processos: Descriminalização, Despenalização e Diversificação: A descriminalização é renúncia formal do Estado em punir penalmente determinada conduta. (2011, p. 163 a 165).

    Para melhor compreensão acerca dos institutos da descriminalização, despenalização e diversificação, utilizar-se-á conceitos abarcados pela doutrina, bem como o exemplo do artigo 28 da Lei de nº 11.343 de 2006 (Lei de Drogas).

    Insta esclarecer que os exemplos e conceitos utilizados aqui não possuem um caráter exaustivo, uma vez que seria tema para um novo trabalho. Portanto, busca somente uma análise comparativa e superficial, a fim de esclarecimento quanto aos institutos.

    Quanto à natureza jurídica do instituto da descriminalização, esta, por sua vez, se apresenta com caráter sui generis, pois, não será a conduta tipificada como crime, nem tampouco como contravenção penal.

    Insta esclarecer que o Estado não busca legalizar a conduta, mas tão somente retirar o caráter ilícito daquela.

    Como melhor exemplo do referido instituto, pode-se mencionar o artigo 28 da Lei nº 11.343 de agosto de 2006, o qual prevê nos três incisos a possibilidade de (i) advertência sobre os efeitos das drogas; (ii) prestação de serviço à comunidade e; (iii) medida educativa de programa ou curso educativo.

    Embora o Capítulo III da referida Lei de Drogas apresente a infeliz redação Dos Crimes e das Penas, as medidas adotadas a serem aplicadas no indivíduo conforme o artigo 28 e incisos tendem a expressar a máxima vertente do Direito Penal Mínimo, ou seja, a aplicação da correção não competirá somente, e tão somente, ao Direito Penal, mas sim por outros ramos do direito ou questões administrativas.

    Neste sentido, quanto ao procedimento da referida Lei de Drogas, tem-se que:

    Disciplina o artigo 48, parágrafo 2º da Lei ora em vigor, a impossibilidade da prisão em flagrante, determinado o encaminhamento ao juízo competente do usuário que for surpreendido cometendo alguma das condutas descritas no artigo 28, restando claramente demonstrado se tratar de um sujeito com tratamento diferenciado e brando. (COLLI; FERRARI, 2012, p.10).

    No que se refere ao instituto da despenalização, o Estado mantém a natureza jurídica do crime – ilícito penal, contudo, há uma mitigação quanto ao uso da pena.

    Utilizando ainda o referido artigo 28 da Lei de Drogas, para os adeptos da corrente do instituto da despenalização, a conduta não deixa de ser crime, nem tampouco perde o seu caráter ilícito.

    O que houve foi apenas uma suavização na resposta penal ao sujeito que incorrer nas condutas descritas no artigo 28, posto que, de acordo com a nova Lei, não há qualquer possibilidade de imposição de pena privativa de liberdade para o sujeito que adquire, guarda, traz consigo, transporta ou tem em depósito droga para consumo pessoal ou para aquele que pratica conduta equiparada, passando a adotar medidas alternativas. Por conseguinte, não houve a descriminalização, mas tão somente a despenalização da conduta. (Colli; Ferrari, 2012, p.11).

    Por derradeiro, ao instituto da diversificação entende-se sobre os inúmeros instrumentos legais em matéria processual penal e direito penal material, com o objetivo de resguardar as sanções penais restritivas de liberdade somente em último caso. (CARVALHO; BRASIL e WEIGERT, 2012).

    2.3 Direito Penal como ultima ratio

    O Direito Penal assim como as formas punitivas dele advindas são essenciais para a manutenção da ordem e do funcionamento do sistema judiciário, mas faz-se necessário observar a utilização deste mecanismo, por se tratar do meio mais rigoroso para essa manutenção.

    Não se pode banalizar os efeitos advindos da utilização do Direito Penal, devendo ele então, ser usado apenas em última opção, para que se busque a todo momento a observância da dignidade da pessoa humana, não obstando aos que se fazem réus às formas mais pacíficas de retratação.

    Em consonância à aplicabilidade do Direito Penal como ultima ratio, tem-se o princípio da intervenção mínima e da fragmentariedade, pois, a atuação do Direito Penal segundo este princípio seria somente em última análise, no qual caberia a proteção dos bens jurídicos imprescindíveis à coexistência pacífica dos homens, o que consequentemente não poderia vir a ser, referidos bens jurídicos, tutelados por outros ramos do Direito Penal, já que a este reveste a natureza de restrições gravosas aos direitos fundamentais. (PRADO, 2011, p.171).

    Embora se estabeleça a aplicabilidade do Direito Penal como ultima ratio, não bastaria somente a fragmentariedade das matérias a serem tutelados pelo ramo penal, mas sim, que se torne possível a sua eficácia. (PRADO, 2011, p.171).

    Ademais, como ressalta Prado (2011), essa fragmentariedade do Direito Penal tem como fim, impor limites necessários a um totalitarismo de tutela, de modo pernicioso para a liberdade. (PRADO, 2011, p.172).

    Neste sentido, conclui o referido autor:

    Desse modo, opera-se uma tutela seletiva do bem jurídico, limitada àquela tipologia agressiva que se revela dotada de indiscutível relevância quanto à gravidade e intensidade da ofensa. Esse princípio impõe que o Direito Penal continue a ser um arquipélago de pequenas ilhas no grande mar do penalmente indiferente. Isso quer dizer que o Direito Penal só se refere a uma pequena parte do sancionado pelo ordenamento jurídico, sua tutela se apresenta de maneira fragmentada, dividida ou fracionada. Noutro dizer: fragmentos de antijuridicidade penalmente relevantes. (Prado, 2011, p.172).

    Outrossim, no que se refere ao Direito Penal como ultima ratio, consubstanciado no princípio da fragmentariedade e intervenção mínima, Greco (2017, p.77) elucida que o referido princípio deve ser analisado sob dois enfoques, quais sejam, a teoria do bem jurídico a ser tutelado e, a aplicação do Direito Penal de forma subsidiária.

    O primeiro enfoque condiz com a política criminal, uma vez que a seleção do bem jurídico a ser tutelado será evidentemente relevante de acordo com os estudos realizados pela política criminal. Quanto ao segundo enfoque, a subsidiariedade do Direito Penal passa pela ideologia do Direito Penal minimalista.

    Para tanto, caso os outros ramos do ordenamento jurídico se demonstrem suficientemente fortes para a proteção de determinados bens jurídicos, é preferível que tal proteção seja realizada por eles, ao invés da drástica intervenção do Direito Penal. (GRECO, 2017, p.87-88).

    Na obra Dos Delitos e Das Penas, Cesare Beccaria se consagrou como um incessante lutador por uma intervenção estatal que tivesse como fim, atender as necessidades, sendo razoável e proporcional.

    Indo de encontro as ideias de Beccaria que eram contra o autoritarismo abusivo dos detentores de poder da sua época, que etiquetavam os infratores como inimigos do Estado, sendo tratados com vingança e crueldade, o Direito Penal como protetor de determinados bens jurídicos, não pode ser visto como um fim em si mesmo, mas como um instrumento que busca proteger a sociedade da violação de direitos tanto individuais, quanto coletivos. Bem dito por Juarez Cirino dos Santos, a função do Direito Penal é proteção de valores relevantes para a vida humana individual ou coletiva, sob ameaça de pena. (Santos, 2010, p. 5).

    Apenas graves ofensas a bens jurídicos de extrema relevância deveriam ser coibidas, vez que representem risco a tal bem jurídico. Afinal, não é possível que se criminalize uma conduta que não ofenda de fato ou represente significativa ameaça ao bem jurídico protegido pela tutela estatal. O Direito Penal deve ser guiado no sentido de discernir quais condutas devem ser criminalizadas a medida de sua ofensa aos bens jurídicos, visto que a cada conduta criminalizada, a liberdade de algum cidadão é violada.

    Nesse sentido, salientou Ferré de Olive:

    O princípio da ultima ratio (também chamado subsidiariedade) indica-nos que a pena é o último recurso de que dispõe o Estado para resolver os conflitos sociais. Em outras palavras, que somente pode recorrer ao Direito Penal quando fracassado as outras instâncias de controle social que tenham capacidade para resolver o conflito é cada vez mais frequente a denúncia de utilização do direito penal, não como ultima ratio senão como sola ou prima ratio para solucionar os conflitos sociais. (FERRÉ OLIVÉ; ROXIN, 2011, p. 94-95).

    Esse posicionamento se torna passível de reflexão ao passo que a nossa Constituição estabelece o Estado Democrático de Direito com base na dignidade da pessoa humana e em garantias fundamentais. Portanto, é de fato, um retrocesso, permitir que o Direito Penal seja instrumento de proteção a bens jurídicos sem relevância, afinal, não é qualquer ofensa a qualquer bem jurídico que deve ser sancionado com uma criminalização, merecendo a intervenção do Direito Penal que é cruel e estigmatizante para o cidadão.

    3. Expansionismo penal

    3.1 Direito Penal máximo: uma definição

    Em sentido contrário ao já mencionado princípio da intervenção mínima, tem-se uma crescente vertente doutrinária quanto ao Direito Penal Máximo, que defende totalmente o oposto da primeira.

    O Direito Penal Máximo pautado no movimento Lei e Ordem, nascido nos Estados Unidos prega a ideologia da tolerância zero, na qual se entende por necessário uma maior efetivação do Direito Penal com a criação de novos tipos penais, redução da maioridade penal, aumento de penas, dentre outros métodos.

    Esta corrente visa a maximização do uso do Direito Penal, pois, entende-se que o controle da violência apenas será exercido com a adequada punição, a qual apenas o Direito Penal dentre todos os ramos do Direito é capaz de exercer.

    Os defensores desse Direito Penal Máximo entendem que o indivíduo que viola leis, passa a ser um inimigo do Estado, julgando-o como tal. Consequentemente, deixariam de ser observadas as garantias e direitos fundamentais que balizam o Estado Democrático de Direito, pois se o cidadão não é capaz de se manter dentro das leis, também não merece a proteção oriunda de tais direitos e garantias.

    Essa linha de pensamento busca tranquilizar o cidadão de bem, mesmo que para isso seja necessária a ampliação das leis e penas e, até mesmo, a forma de tratamento despendido àquele que cometer algum ato criminoso, levando a criação de um estereótipo de um indivíduo sem direitos e garantias processuais.

    Ademais, o movimento globalizado trouxe consigo a insegurança social, que induziu de certa forma o cidadão a questionar e a cobrar políticas de segurança.

    Em face destes desdobramentos e acontecimentos em meio a sociedade, se vê a expansão do Direito Penal, bem como a consequente ampliação para outras áreas. Esse efeito de expansão se torna passível de questionamentos por determinadas normas, a sua efetividade e legitimidade, quanto ao caráter sancionatório.

    Outrossim, à título de exemplo, o questionamento chega além, a ponto do Direito Penal ser analisado sob a ótica de ordenamento garantidor da segurança e, em contrapartida, um ordenamento de liberdade. (GUZELLA, 2008).

    Sobre esse questionamento, pondera Guzella (2008): Quanto à magnitude dos riscos, atuais e futuros, resta dúvidas se eles podem ou não ser previstos e prevenidos, resultando na seguinte dicotomia: pede-se ao direito penal que seja um ordenamento de liberdade, limitativo dos poderes do Estado na intervenção junto da sociedade, porque esta é a melhor forma de proteção dos direitos dos cidadãos; em contrapartida, pede-se que seja, igualmente, um ordenamento de segurança, exigindo-se do direito penal que amplie os poderes do Estado, em nome da proteção, advindos destes novos riscos sociais. (GUZELLA, 2008, p. 3073).

    Embora não exista uma comprovação da eficácia de tal corrente, ainda subsiste na realidade a criação de leis e ampliação de penas e, mesmo assim, os delitos continuam a ocorrer, nada impedindo ou amedrontando seus infratores, fazendo com que eles parem de delinquir.

    No que diz respeito à ampliação dos institutos penais, e aqui se entende quanto à definição do delito até a aplicabilidade da pena, a expansão do Direito Penal se deu em outros ramos do ordenamento jurídico.

    Quanto à expansão do Direito Penal em outros ramos jurídicos, D’Ávila (2012) ilustra:

    O surgimento de novas área de interesse social, como o meio ambiente, a genética, a informática e a economia, muitas vezes associados ao fenômeno da globalização e da transnacionalização dos fatos sociais, inaugurou novos espaços de regulação jurídica, para os quais o Estado se vale também do direito penal como instrumento de solução de conflitos. E, nesse contexto, há uma natural expansão do direito penal. (2012, p.46).

    Contudo, tal expansão do Direito Penal acarreta um aparente conflito, mesmo que seja vislumbrada por uma análise dogmática ou de política-criminal, pois a expansão do Direito Penal em si, não apresenta segurança quanto a questão da qualidade do direito penal. (D’ÁVILA, 2012, p. 46).

    Quanto a qualidade do Direito Penal, para uma melhor compreensão, deve-se entender como qual direito penal o ramo a ser estudado deverá se atentar.

    Como exemplo utilizado por D’Ávila (2012, p.46), sob a ótica de um direito penal em matéria ambiental, essa expansão sob o enfoque das novas características do direito penal (qual direito penal) trouxeram novos contornos quanto aos elementos ensejadores do Direito Penal, pois, para o direito penal aplicado ao meio ambiente, surgem dificuldades quanto a delimitação de categorias tradicionais como sujeito ativo, sujeito passivo, resultado, causalidade, bem jurídico, lugar do crime, entre tantos outros. (D’ÁVILA, 2012, p.46).

    Portanto, a criação de novos tipos penais encontra barreiras quanto à aplicabilidade da sanção, uma vez que o tipo penal dotado de complexidade acarretará consequentemente o difícil cumprimento do ilícito cometido.

    3.2 Movimento Lei e Ordem: breves noções

    O marco inicial do movimento se deu no ano de 1970, surgindo no Estados Unidos da América, sendo denominado de Law and Order⁴ , que teve como um dos percursores o alemão Ralf Dahrendorf, e pode ser conceituado como um sistema político-criminal que objetiva reestabelecer a lei e a ordem através da produção de novos tipos penais, bem como a criação de leis especiais, a redução de garantias processuais e maior rigidez na execução penal.

    O movimento busca demonstrar que a criminalidade somente seria reduzida através da aplicação direta e irrestrita do Direito Penal, pois, para os adeptos deste movimento, somente o Direito Penal seria capaz de separar os infratores dos não-infratores.

    Oportuno citar a elucidação João Marcelo Araújo Júnior citado por Damásio Evangelista de Jesus:

    O Movimento da Lei e da Ordem adota uma política criminal, com sustentação nos seguintes pontos: a)a pena se justifica como um castigo e uma retribuição no velho sentido, não se confundindo esta expressão com o que hoje se denomina retribuição jurídica; b)o chamados delitos graves hão de castigar-se com penas severas e duradouras (morte e privação de liberdade de longa duração); c)as penas privativas de liberdade impostas por crimes violentos hão de cumprir-se em estabelecimentos penitenciários de máxima segurança, submetendo-se o condenado a um excepcional regime de severidade distinto ao dos demais condenados; d)o âmbito da prisão provisória deve ampliar-se de forma que suponha uma imediata resposta ao delito; e)deve haver uma diminuição dos poderes individuais do juiz e o menor controle judicial na execução que ficará a cargo, quase exclusivamente, das autoridades penitenciárias.

    Os adeptos do Law and Order são defensores da máxima direitos humanos para humanos direitos, vez que, para eles, são sujeitos de direitos, cidadãos de bem, aqueles honestos, éticos e morais, que não integram a parcela de criminalidade da população.

    Dessa forma, em dois polos estaria marcada a sociedade, de um lado, com aqueles indivíduos sujeitos de direitos humanos, cidadãos honestos, limpos, de bem e, de outro, os delinquentes, que integram a parcela de criminalidade da sociedade que, por sua vez, devem ser erradicados do convívio social por meio de leis penais mais severas.

    Dentre as várias críticas que se perfazem na órbita do referido movimento ideológico, resta a falha no presente silogismo, qual seja, a alegação de que a sociedade seria dividida entre dois polos, sendo um deles destinados aos marginalizados e, consequentemente, o outro destinado às pessoas de bem.

    Ademais, não se pode considerar que um indivíduo nunca venha a cometer um ilícito penal, mesmo que este seja ínfimo no ordenamento jurídico, portanto, daí se utilizar da expressão não-infratores.

    Destarte, conforme salientado por Curi e Duarte (2015), o movimento Lei e Ordem propõe uma reformulação do Direito Penal, baseada na adoção de penas mais gravosas, como também uma execução penal mais fortalecida e rígida. (CURI e DUARTE, 2015, p. 38).

    Neste sentido, nota-se que para os adeptos do movimento Lei e Ordem, os direitos humanos somente seriam efetivados para reforçar os direitos e garantias fundamentais daqueles considerados indivíduos em potenciais, bem como merecedores de sua proteção.

    Dada a expansão do Movimento Law and Order no mundo, sua ideologia chegou ao Brasil e provocou algumas mudanças nas normas processuais, como também em leis penais extravagantes.

    3.2.1 A manifestação do movimento lei e ordem no direito brasileiro

    Consequentemente pela propagação do movimento em alguns países, aquele veio a fazer parte, mesmo que de maneira indireta no ordenamento jurídico, como bem se pode vislumbrar das alterações legislativas em matéria criminal.

    Referentes alterações foram feitas nas seguintes leis, a saber, Lei de nº 8.072 de 1990 (Lei de Crimes Hediondos) com posterior modificação dada pela Lei de nº 11.464 de 2007 e, seguindo a mesma manifestação do movimento Lei e Ordem, a Lei de nº 10.792 de 2003 alterou consubstancialmente o art. 52 da Lei de nº 7.210 de 1984 (Lei de Execuções Penais).

    Em detrimento das modificações realizadas, algumas ponderações e análises devem ser apresentadas.

    3.2.1.1 Da lei de crimes hediondos e o movimento lei e ordem no ordenamento pátrio

    Em razão da crescente influência do Law and Order no mundo, seus ideais chegaram ao Brasil provocando mudanças legislativas. Exemplo disso é a Lei 8.072/1990, que foi um dos resultados dos influxos do Movimento Lei e Ordem na legislação brasileira.

    Nascida em meados de 1990, referida lei surgiu no Brasil em uma época em que se instalou um surto de sequestros, onde as vítimas pertenciam à classe média alta, entre eles, o do empresário Abílio Diniz.

    Casos como esse, que ganharam grande repercussão na mídia, geraram uma grande comoção de toda a população brasileira que, obviamente, diante de tamanha insegurança, clamou pelo enrijecimento das penas.

    Em resposta, o governo brasileiro editou a referida Lei, que se tornou objeto de inúmeras discussões, que versavam acerca da constitucionalidade de algumas imposições e da conveniência de sua instituição para a construção de uma política criminal eficaz no Brasil.

    Nesse sentido e como já ressaltado, o movimento Lei e Ordem demonstrou mudanças na redação do art. 2º, §1º da Lei dos Crimes Hediondos, ao estabelecer que a pena por crime previsto neste artigo será cumprida integralmente em regime fechado. (BRASIL, 1989).

    Para Curi e Duarte (2015) a influência do movimento Lei e Ordem no ordenamento pátrio acarretou inúmeras críticas e embates judiciais, sendo estes últimos necessários à modificação por parte da redação do aludido §1º do art. 2º da Lei de Crimes Hediondos.

    Esclarecem os referidos autores:

    A Lei 8.072/1990 (Lei de Crimes Hediondos) é um resultado da influência do Movimento Lei e Ordem na legislação brasileira. Já em seu art. 2º, §1º, era possível perceber a clara influência da ideologia americana no texto legal, pois a primeira redação dada a tal artigo dispunha que a pena por crime previsto neste artigo será cumprida integralmente em regime fechado. Somente após inúmeras críticas e enfrentamento judicial é que o aludido parágrafo foi modificado com a redação dada pela Lei 11.464/2007, que passou a constar que a pena seria inicialmente em regime fechado, ou seja, podendo haver, por conseguinte, progressão de regime prisional. (CURI e DUARTE, 2015, p. 38).

    Importante demonstrar que a referida Lei de Crimes Hediondos se deu logo após a vigência da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

    Justamente por afrontar alguns preceitos estampados na Constituição de 1988, as demasiadas críticas se faziam nos diversos meios acadêmicos, doutrinários e jurisprudenciais.

    Dentre as críticas, encontrava-se o fato de o cumprimento da pena ser integralmente em regime fechado, redação utiliza dano art. 2º, §1º da Lei de Crimes Hediondos, antes da alteração trazida pela Lei de nº 11.464 de 2007.

    As críticas se faziam precisamente em volta do inciso XLVI do art. 5º da CRFB/88, o qual estabelece que a lei regulará a individualização da pena, logo, restando a cargo do legislador ordinário a regulamentação da determinada matéria.

    Não obstante, o entendimento doutrinário e jurisprudencial é uníssono ao relacionar que a individualização da pena apresenta três fases distintas, sendo-as; legislativa, judicial e executória.

    No que diz respeito à primeira fase da individualização da pena, Greco (2003), preleciona:

    Interpretando o texto constitucional, podemos concluir que o primeiro momento da chamada individualização da pena ocorre com a seleção feita pelo legislador, quando escolhe para fazer parte do pequeno âmbito de abrangência do Direito Penal aquelas condutas, positivas ou negativas, que atacam nossos bens mais importantes. Destarte, uma vez feita essa seleção, o legislador valora as condutas, cominando-lhes penas que variam de acordo com a importância do bem a ser tutelado. (2003, p.78).

    Como já ressaltado anteriormente, os bens jurídicos tutelados pelo Direito Penal possuem caráter político, pois, somente através da valoração do bem a ser protegido é que o legislador irá estabelecer a pena (sanção) que será imposta ao agente que violar a norma.

    Neste sentido, Prado (2011) explica que a pena deve estar proporcionada ou adequada à magnitude da lesão ao bem jurídico representada pelo delito e a medida de segurança à periculosidade criminal do agente. (PRADO, 2011, p. 173).

    A segunda fase da individualização da pena, precisamente, o aspecto judicial, encontra-se sob exame quando o agente, diante da norma imposta, exemplo, não matar, vem agir de certa é típico, ilícito e culpável restará ao magistrado individualizar a pena correspondente ao ato praticado pelo agente.

    No que diz respeito à terceira fase, esta é exclusivamente adstrita ao cumprimento da pena, sendo de ordem administrativa. (PRADO, 2011).

    Destarte, ultrapassados os preceitos quanto a individualização da pena, resta-nos demonstrar as teorias prós e contras ao aludido art. 2º, §1º da Lei dos Crimes Hediondos, quando da sua promulgação.

    Para os adeptos do cumprimento integral em regime fechado, o que consubstancialmente demonstra a adequação do movimento Law and Order no ordenamento pátrio, aqueles preconizavam a leitura dogmática do inciso XLVI do art. 5º da CRFB/88.

    Dentre os defensores da não progressão de regime, restam as lições de Greco (2003):

    (...), conforme se dessume da leitura do art. 5º, inciso XLVI, a nossa Constituição Federal determinou ao legislador infraconstitucional que, por intermédio de um critério de seleção político, regulasse a individualização da pena, o que efetivamente fora realizado quando determinou que os condenados pelas infrações descritas na Lei nº 8.072/90, em virtude da gravidade dos crimes ali previstos, teriam de, independentemente de requisitos objetivos e subjetivos, tais como cumprimento parcial da pena e bom comportamento carcerário, cumpri-la integralmente em regime fechado. (2003, p. 81-82).

    Ademais, para Greco (2003), ocorreu por parte do legislador a individualização da pena, uma vez que este adotou o critério de distinção quanto ao cumprimento das penas previstas na Lei de Crimes Hediondos, ficando os condenados pela prática dos crimes elencados na Lei nº 8.072/90 impedidos de progredir de regime, ao contrário daqueles que praticaram outras infrações não tão gravosas. (GRECO, 2003, p.82).

    Em rigorosa crítica, Cabette (2012), aduz que para os defensores do cumprimento integral em regime fechado, eles reduziram o princípio da Individualização da Pena ao que metaforicamente os antropólogos tentam reduzir o ser humano ao status irrelevante frente ao desenvolvimento.

    Outrossim, preleciona o autor que reduzir a individualização da pena, no que concerne ao regime prisional, restaria configurado o referido princípio – individualização da pena, somente à fase legislativa, o que de plano constatar-se-ia uma terrível mutilação do sistema. (CABETTE, 2012). Uma maneira a infringir a norma legal em face da infração cometida pelo agente, demonstrando o juiz que o fato praticado.

    Por derradeiro, nota-se que o inciso XLVI do art. 5º da CRFB/88, é expresso ao determinar que a lei, leia-se, legislador infraconstitucional, regulará a individualização da pena. Assim, em momento algum coube ao legislador ordinário sucumbir o referido princípio do ordenamento penal.

    Ainda assim, imperioso ressaltar que somente ocorreu a mudança legislativa do referido art. 2º, §1º da Lei dos Crimes Hediondos, após a promulgação em 2007 com o advento da Lei de nº 11.464, o qual trouxe nova redação ao §1º do art. 2º, estabelecendo que a pena por crime previsto neste artigo será cumprida inicialmente em regime fechado. (BRASIL, 2007).

    Portanto, em face de todo o exposto, resta evidente que o movimento Lei e Ordem se faz presente no ordenamento pátrio, precisamente na Lei de Crimes Hediondos, lei que sucumbiu em dado momento o princípio da individualização da pena.

    Entretanto, debates doutrinários, bem como decisões jurisprudenciais nos levam a concluir que o cumprimento integral da pena em regime integralmente fechado violaria a norma do art. 5º, inciso XLVI da CRFB/88, o que de plano, concomitantemente, afronta a individualização da pena.

    Por derradeiro, através do HC 82.959/SP em fevereiro de 2006, o STF, por seis votos a cinco, o Plenário do Excelso Egrégio reconheceu da inconstitucionalidade do parágrafo 1º do artigo 2º da Lei dos Crimes Hediondos.

    3.3 A Teoria das Janelas Quebradas

    No segmento do movimento Lei e Ordem, na década de 1980, surge a Teoria das Janelas Quebradas (Broken Windows Theory), com a ideia de que, se não reprimidos, os pequenos delitos tornam-se grandes crimes, sendo necessária uma rígida punição mesmo para os menos lesivos.

    Entretanto, não se trata apenas de um delito qualquer, com vistas a prejudicar o patrimônio resguardado pelo âmbito do Direito Penal, mas tão somente os pequenos delitos.

    Assim, os criadores da referida teoria, o psicólogo George Kelling e o cientista James Q. Wilson, acreditavam que aquele que comete uma infração, por menor que seja, deverá ser punido de forma a evitar consequentemente ato futuro que venha a transgredir o equilíbrio, sossego e ordem da sociedade.

    Para tanto, a explicação e justificativa da referida teoria era simples. Utilizava-se a hipótese de um bairro, no qual haveria um determinado prédio em desuso e, caso a primeira janela que fosse quebrada, e posteriormente não fosse consertada, ensejaria o exemplo de um sistema que não pune pequenos delitos, assim, tornando as janelas do edifício alvos de desordeiros, aumentando assim a incidência de pequenos delitos que, com o passar do tempo desenvolveriam crimes mais graves.

    Sobre esses pequenos delitos e nas palavras do mestre Jacinto Coutinho:

    Segundo eles, pequenos delitos (como vadiagem, jogar lixo nas ruas, beber em público, catar papel e prostituição), se tolerados, podem levar a crimes maiores. [...] se um criminoso pequeno não é punido, o criminoso maior se sentirá seguro para atuar na região da desordem. Quando uma janela está quebrada e ninguém conserta, é sinal de que ninguém liga para o local; logo, outras janelas serão quebradas. (2003, p. 24).

    Em artigo publicado acerca da temática Greco (2017, p.19) demonstra os fundamentos e estudos, in verbis:

    Em 1982, o cientista político James Q. Wilson e o psicólogo criminologista George Kelling, ambos americanos, publicaram na revista Atlantic Monthly um estudo em que, pela primeira vez, se estabelecia uma relação de causalidade entre desordem e criminalidade. Naquele estudo, cujo título era The Police and Neiborghood Safety (A Polícia e a Segurança da Comunidade), os autores usaram a imagem de janelas quebradas para explicar como a desordem e a criminalidade poderiam, aos poucos, infiltrar-se numa comunidade, causando a sua decadência e a consequente queda da qualidade de vida. Kelling e Wilson sustentavam que se uma janela de uma fábrica ou de um escritório fosse quebrada e não fosse imediatamente consertada, as pessoas que por ali passassem concluiriam que ninguém se importava com isso e que, naquela localidade, não havia autoridade responsável pela manutenção da ordem. Em pouco tempo, algumas pessoas começariam a atirar pedras para quebrar as demais janelas ainda intactas. Logo, todas as janelas estariam quebradas. Agora, as pessoas que por ali passassem concluiriam que ninguém seria responsável por aquele prédio. Iniciava-se, assim, a decadência da própria rua e daquela comunidade. A esta altura, apenas os desocupados, imprudentes, ou as pessoas com tendências criminosas, sentir-se-iam à vontade para ter algum negócio ou mesmo morar na rua cuja decadência já era evidente. O passo seguinte seria o abandono daquela localidade pelas pessoas de bem, deixando o bairro a mercê dos desordeiros. Pequenas desordens levariam a grandes desordens e, mais tarde, ao crime. Em razão da imagem das janelas quebradas, o estudo ficou conhecido como broken Windows, e veio a lançar os fundamentos da moderna política criminal americana que, em meados da década de noventa, foi implantada com tremendo sucesso em Nova Iorque, sob o nome de ‘tolerância zero’. (2017, p.19).

    Entretanto, como bem ressalva Greco (2017, p. 20), a respectiva falha da teoria foi utilizar o Direito Penal como fator principal de repressão de pequenos delitos. Contudo, não restaria tal alternativa à referida teoria já que advém do movimento Lei e Ordem, e este por seu turno coloca o Direito Penal como prima ratio, o meio de punição para quaisquer delitos.

    Por derradeiro, como também prescreve Greco (2017, p. 20), não se vislumbra a impunidade daqueles que venham a transgredir com pequenos delitos a tranquilidade da sociedade, mas tão somente, deixar a cargo de outros ramos do direito, respectivos danos que não atingiriam a natureza patrimonial resguardada pelo Direito Penal.

    Diante do exposto, observa-se que a Broken Windows Theory e o Movimento Law and Order, visam um Direito Penal Máximo que aplique penas gravosas aos delinquentes desde os pequenos delitos a fim de que se evite os de maior potencial lesivo que, segundo eles, com o passar do tempo, seria consequência da ausência de punição daqueles.

    A política da Tolerância Zero, símbolo maior da Broken Windows, é marcada pelo excesso do soberano e desumanidade das penas; um funcionalismo bipolar, um tudo ou nada, culpado ou inocente; um sistema binário, muito a gosto de uma pós-modernidade reducionista e maniqueísta. (COUTINHO, 2003, p. 26).

    3.4 O Direito Penal do Inimigo

    Em face do que restou demonstrado anteriormente acerca do Direito Penal Máximo, sendo este entendido com a prima ratio quanto à aplicabilidade das sanções, o Direito Penal do Inimigo se faz presente nesta vertente, uma vez que tende a suprimir os direitos e garantias processuais do indivíduo infrator.

    Assim, em resposta ao clamor social a aplicação do Direito Penal como prima ratio é vista como uma garantia ao cidadão de bem, pois a este interessa tão somente a segurança social em face dos atos praticados por indivíduos que subvertem a tranquilidade da sociedade como um todo. (CURI; DUARTE, 2015, p.39).

    A respectiva vertente em análise, que teve os seus fundamentos e estudos foram desenvolvidos por Jakobs em 1990, traz consigo uma visão social do Direito Penal, o qual será analisado sob o enfoque do Direito Penal do Cidadão e o Direito Penal do Inimigo.

    O que nas lições de Greco (2017, p.23) se traduzem:

    Jakobs, por meio dessa denominação, procura traçar uma distinção entre um Direito Penal do Cidadão e um Direito Penal do Inimigo. O primeiro, em uma visão tradicional, garantista, com observância de todos os princípios fundamentais que lhe são pertinentes; o segundo, intitulado Direito Penal do Inimigo, seria um Direito Penal despreocupado com seus princípios fundamentais, pois que não estaríamos diante de cidadãos, mas sim de inimigos do Estado. (2017, p.23).

    Consubstanciado ainda ao caput do artigo 5º da Constituição Federal, que estabelece como numerus clausus a garantia à dignidade da pessoa humana, encontra-se o inciso LIV, o qual estabelece que ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal. (BRASIL, 1988).

    Ainda sob a análise da garantia do devido processo legal, ter-se-ia no ordenamento pátrio a manifestação do Direito Penal em um processo de expansão. (GRECO, 2017, p.24).

    No que diz respeito a este processo de expansão, o Direito Penal do Inimigo apresenta-se com quatro velocidades. A primeira delas se faz presente quanto à aplicação tradicional do Direito Penal, uma vez que a última ação da seara penal seria tão somente a restrição do direito à liberdade. Ainda assim, neste momento se tem resguardados todos os direitos e garantias processuais do indivíduo frente ao Estado.

    A segunda, encontra-se aplicação de penas não privativas de liberdade, a exemplo do que ocorre no Brasil com os Juizados Especiais Criminais, cuja finalidade, de acordo com o art. 62 da Lei nº 9.099/95, é, precipuamente, a aplicação de penas que não importem na privação da liberdade. (GRECO, 2017, p.24).

    Importante ressaltar que as garantias processuais afastadas justamente no que diz respeito à aplicabilidade do artigo 62 da Lei nº 9.099 de 1995, tem por escopo o propósito célere da lei penal, desde que não venha utilizar de tal maneira a pena privativa de liberdade.

    O que nas lições de Greco (2017, p.25) se expressam:

    Percebemos isso com clareza quando analisamos a mencionada Lei dos Juizados Especiais Criminais, que permite a utilização de institutos jurídicos que importem na aplicação de pena não privativa de liberdade, sem que, para tanto, tenha havido a necessária instrução processual, com o contraditório e a ampla defesa, como acontece quando o suposto autor do fato aceita proposta de transação penal, suspensão condicional do processo etc. (2017, p.25).

    Quanto ao que concerne à terceira velocidade, Greco (2017, p.25) esclarece que o Direito Penal do Inimigo, embora com certa resistência, se faz presente àquele, ao passo que, possui natureza jurídica híbrida em sua formação, uma vez que se utiliza da aplicabilidade das penas privativas de liberdade (primeira velocidade) e, consequentemente, como minimização das garantias necessárias do devido processo legal (segunda velocidade).

    Destarte, o Direito Penal do Inimigo tende a retirar a garantia do devido processo legal, pois, vez que o Direito Penal possui duas linhas de raciocínio, sendo a primeira relacionada ao cidadão, no qual o Direito Penal aguarda a prática do delito realizado por ele, para depois aplicar a sanção; e, de outro modo, a segunda, que se revela diretamente ao inimigo, quando o Direito Penal já passa agir em caráter preventivo.

    Portanto, ao utilizar da argumentação de que o delinquente deve ser considerado um marginal à sociedade, essa argumentação vai de encontro às perspectivas da evolução do Direito Penal.

    4. Cultura do medo

    4.1 O medo

    O anseio da sociedade em penalizar o infrator, tem ganhado cada vez mais espaço na atual conjuntura social ilustrada pelo crescimento significativo da violência e do sentimento de insegurança, uma vez que, propagações de veículos de informações apresentam um alusivo Estado fragmentado e um Sistema Penal falido diante das condutas criminais.

    Chega-se a arriscar, senão, até mesmo de certa forma afirmar, que o medo se tornou a fonte dos veículos de informações, pois, a eles somente interessam notícias que apresentam ou quase não apresentam conteúdo algum em matéria argumentativa e intelectual. Sendo, portanto, de fácil aceitação social a veiculação de notícias que tendem a demonstrar a situação criminal de determinada sociedade.

    Entretanto, tal perspectiva, no que diz respeito à veiculação de notícias criminais é um tanto quanto hostil em sua natureza e, até mesmo, falaciosa em seu conteúdo.

    Inegável é que toda e qualquer sociedade apresenta conflitos diários com os infratores em si, pois, estes que comumente congregam a prática de pequenos delitos, nos fazem crer que o sistema penal como um todo, é falho e ineficiente.

    Em consequência do estado de medo que passa a ser explorado pela mídia, pode-se vislumbrar o que ficou denominado por Bauman (2009), como o Medo Líquido.

    Para Bauman (2009) medo líquido encontra-se dividido em três formas, sendo as duas primeiras relacionadas a um aspecto subjetivo quanto à formação da pessoa em si, e a terceira, quanto ao fato da integridade física.

    No que diz respeito à terceira forma do medo líquido, a mídia se faz presente em sua propagação, pois, a esta caberia demonstrar uma imagem distorcida da insegurança social.

    Um pensamento de um sistema falho é inversamente proporcional àquele que vê como única saída a punição do Direito Penal, sendo este visto como forma de adequação das condutas e da tranquilidade social.

    Entretanto, as matérias divulgadas pela mídia (rádio, televisão, jornais etc.) apresentam uma comunicação de massa, pois, são apresentados naqueles meios (des)informativos, crimes que abarrotam o sistema judiciário como um todo e, como consequência, inclusive, ao apelo social, o Poder Judiciário se vê voltado a dar uma resposta imediata a sociedade, sem tratar do problema em si, sendo conduzido ao descrédito da sociedade que a cada dia se sente mais insegura e clama mais por justiça.

    Toda essa perspectiva acerca do medo pode ser entendida através das transformações abarcadas pelo neoliberalismo da primeira metade do século XX, no qual o capitalismo se fez presente naquele sistema e, oportunamente criou-se centros sociais ou, nas explicações de Ribeiro e Silva, cidades globais, passam a constituir o centro de gravidade de indivíduos, com intenso fluxo populacional e de circulação de capitais.

    Para Bauman (2009), parafraseando entre Freud e Castel, alega que nos últimos anos, sobretudo na Europa e em suas ramificações no ultramar, a forte tendência a sentir medo e a obsessão maníaca por segurança fizeram a mais espetacular das carreiras. (BAUMAN, 2009, p.10).

    O mundo líquido apresentado por Bauman trata-se de uma realidade falsa, dentro da qual estamos imersos, vez que o mundo se configura de aparência e ameaças que não são reais, mas explicitadas rotineiramente pela mídia. Posto isso, Bauman expõe o medo de modo inconstante visto que o homem vive em constante ansiedade vivendo sonhos e esperanças frustrantes numa era de horror.

    Nesse sentido, construímos inimigos que não existem, sendo manipulados por toda e qualquer informação que nos é trazida sem ao menos colocá-la à prova quanto sua veracidade. Não negamos a existência de uma sociedade violenta, o problema não é o conhecimento de forma a buscar pela prevenção, mas é enxergar o perigo, a ameaça e o inimigo por todo lado, viver em alerta, excluindo e julgando o outro.

    Esse sentimento de insegurança que construímos não nasce da falta de proteção, mas da falta de conhecimento sobre os fatos, visto que acreditamos e tornamos como verdade real o que nos é passado pelos meios de comunicação que potencializam tais fatos que em nós geram medo. Confiamos em uma mídia que deveria presumir-se verdadeira e legítima, mas que, por outro lado, nos assusta e manipula para que, diante da ignorância e fragilidade humana, acreditemos que o mal está em todo lugar e que atinge todas as pessoas, de uma forma ou de outra.

    Em face da impossibilidade ou possibilidade das questões de sofrimentos relacionadas anteriormente, Bauman (2009) esclarece que a pior de todas está relacionada à miséria de origem social, senão vejamos:

    Tudo o que foi feito pelo homem também pode ser refeito. Não aceitamos a imposição de limites para esse refazer; em todo caso, não os limites que um esforço pudesse superar com boa vontade e justa determinação: Não se entende por que os regulamentos estabelecidos por nós mesmos não representam...benefício e proteção para cada um de nós. Por isso, se a proteção de fato disponível e as vantagens que desfrutamos não estão totalmente à altura de nossas expectativas; se nossas relações ainda não são aquelas que gostaríamos de desenvolver; se as regras não são exatamente como deveriam e, a nosso ver, poderiam ser; tendemos a imaginar maquinações hostis, complôs, conspirações de um inimigo que se encontra em nossa porta ou embaixo de nossa cama. Em suma, deve haver um culpado, um crime ou uma intenção criminosa. (2009, p.10).

    No entanto, nesse sentido, ainda pensando nessa miséria da origem social e como uma brecha a uma reflexão, citam-se as palavras da criminóloga Lola Aniyar de Castro que tanto lutou para compreender e modificar, de alguma forma, a sociedade onde vivia:

    Quando o valor mais importante de uma sociedade é a obtenção a qualquer preço, de status e lucro, é inútil esforçar-se para moralizar diante do pequeno ladrão, do estelionatário ou chantagista de pequena monta. (1983, p.27)

    4.2 O sentimento subjetivo de insegurança

    Consequentemente, com a expansão social, bem como a ideia do medo implementado em meio a sociedade, surge a subjetividade da insegurança, posto que por muitas vezes o cidadão chega a acreditar que se trata de uma vítima em potencial. Esse sentimento subjetivo de insegurança traz como consequência modificações sociopolíticas, vez que governantes com discursos falaciosos procuram de todas as maneiras demonstrar a fragilidade social que oriundos de uma onda de criminalidade que permeia a sociedade e, de maneira consequente, faz com que as pessoas acreditem no estado de insegurança social em que se encontram.

    Ainda assim, em face desse sentimento subjetivo de insegurança, nasce no mesmo instante a necessidade do clamor por uma resposta, que por muitas vezes se mostra encoberta pelo manto da punição severa, sem quaisquer meios de análises que possam criticar

    Está gostando da amostra?
    Página 1 de 1