Encontre milhões de e-books, audiobooks e muito mais com um período de teste gratuito

Apenas $11.99/mês após o término do seu período de teste gratuito. Cancele a qualquer momento.

Estudos das Masculinidades na Educação Física e no Esporte
Estudos das Masculinidades na Educação Física e no Esporte
Estudos das Masculinidades na Educação Física e no Esporte
E-book354 páginas4 horas

Estudos das Masculinidades na Educação Física e no Esporte

Nota: 0 de 5 estrelas

()

Ler a amostra

Sobre este e-book

Estudos das Masculinidades na Educação Física e no Esporte é um livro necessário no campo dos estudos das Masculinidades e também no campo da Educação Física, conferindo organicidade às reflexões sobre as relações de gênero no Esporte. A obra reúne estudiosos de diferentes inserções acadêmicas e áreas disciplinares, envolvendo principalmente a Educação Física, mas também a Antropologia. Diversos também são os objetos de análise e tipos de investigações trazidos nos capítulos, como ensaios, revisões de literatura, etnografias, questionários e entrevistas, nos quais os 14 autores se unem no esforço de sistematizar discussões e resultados de pesquisas sobre as masculinidades femininas, as transmasculinidades no esporte, as masculinidades negras e homossexuais na prática esportiva, a homofobia na disciplina escolar de educação física e a formação de professores.
IdiomaPortuguês
EditoranVersos
Data de lançamento28 de out. de 2021
ISBN9786587638539
Estudos das Masculinidades na Educação Física e no Esporte

Relacionado a Estudos das Masculinidades na Educação Física e no Esporte

Ebooks relacionados

Métodos e Materiais de Ensino para você

Visualizar mais

Artigos relacionados

Avaliações de Estudos das Masculinidades na Educação Física e no Esporte

Nota: 0 de 5 estrelas
0 notas

0 avaliação0 avaliação

O que você achou?

Toque para dar uma nota

A avaliação deve ter pelo menos 10 palavras

    Pré-visualização do livro

    Estudos das Masculinidades na Educação Física e no Esporte - Fabiano Pries Devide

    capafront

    Sumário

    Prefácio

    Ao falar de homens e masculinidades, falamos do mundo, e aí está o nó da questão

    Apresentação

    Uma obra necessária

    1

    Estudos das masculinidades na Educação Física e no esporte: reflexões e contribuições sobre as teorias de Raewyn Connell e Eric Anderson

    Referências

    2

    Por uma perspectiva pós-fundacional para os estudos sobre homens e masculinidades na Educação Física

    Referências

    3

    Transmasculinidades e esporte

    Referências

    4

    Educação Física escolar, raça e gênero: uma reflexão interseccional sobre as masculinidades negras

    Referências

    5

    Masculinidades na Educação Física escolar: reflexões necessárias sobre um tema velado

    Referências

    6

    Nocaute de gênero: masculinidade feminina nas artes marciais mistas (MMA)

    Referências

    7

    O rugby como uma arena de fronteiras entre masculinidades alternativas e a homossexualidade

    Referências

    8

    Masculinidades subordinadas no esporte: o voleibol em foco

    Referências

    9

    O corpo que se quer sujeito: corporeidades e masculinidades na psicoterapia corporal Core Energetics

    Referências

    Currículos

    Landmarks

    Cover

    Table of Contents

    Copyright © 2021 by Fabiano Pries Devide e Leandro Teofilo de Brito.

    Licença exclusiva cedida à nVersos Editora. Todos os direitos reservados.

    Diretor Editorial e de Arte: Julio César Batista

    Produção Editorial: Carlos Renato

    Revisão: Nathália Florido Osorio

    Capa e Editoração Eletrônica: Hégon Henrique de Moura

    Edição e-book: Matheus Pfeifer

    Imagem da Capa: DEVIDE, Fabiano Pries. [Lutadores] (série masculinidades contemporâneas). 2011. Pintura acrílica sobre papel, 160x120cm.

    Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

    (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

    Estudos das masculinidades na educação física e no esporte / organização Fabiano Pries Devide , Leandro Teofilo de Brito. -- São Paulo: nVersos Editora, 2021.

    1. Ciências sociais 2. Educação física

    3. Esportes 4. Masculinidade I. Devide, Fabiano Pries. II. Brito, Leandro Teofilo de.

    Índices para catálogo sistemático:

    1. Masculinidade : Sociologia 305.3

    21-80228 CDD-305.3

    índice para catálogo sistemático:

    1. Masculinidade : Sociologia 305.3

    Aline Graziele Benitez - Bibliotecária - CRB-1/3129

    A nVersos Editora e a autora não pretendem prestar serviços e orientação profissional ao leitor. As ideias, procedimentos e sugestões contidos neste livro são substituem consultas com o seu médico ou terapeuta. Todas as questões relativas à sua saúde requerem supervisão médica. A autora e a nVersos Editora se isentam da responsabilidade por qualquer perda ou dano supostamente decorrente de qualquer informação ou sugestão neste livro.

    1a edição – 2021

    Esta obra contempla o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa

    Impresso no Brasil - Printed in Brazil

    nVersos Editora: Rua Cabo Eduardo Alegre, 36 - CEP: 01257060 - São Paulo – SP

    Tel.: (11) 3995 - 5617

    www.nversos.com.br

    nversos@nversos.com.br

    Prefácio

    Ao falar de homens e masculinidades, falamos do mundo, e aí está o nó da questão

    Falar de masculinidades envolve vários níveis de contexto e um vocabulário diverso, que inclui termos como masculino, virilidade, homem, homens, força, coragem, hombridade, paternidade e variado léxico. Pode ser algo do tipo: ele é muito masculino, referindo-se a um sujeito específico. Pode ser alguém cantando: recebe o afeto que se encerra em nosso peito varonil, e aqui a conexão se dá entre um símbolo pátrio e um cidadão que ama sua pátria, no caso, claramente um varão, de onde o termo varonil pode ser um anúncio publicitário, como: uma barba bem aparada deixa os homens mais viris, associando o conjunto de pelos no rosto com um grau superior de masculinidade. Ou podemos ler na imprensa: a honestidade para o homem público não é uma virtude, mas uma obrigação, estabelecendo clara conexão entre modos honestos de gerir a política e o exercício da função pública, com referência explícita ao mundo da política como mundo dos homens. Em um desfile cívico, podemos escutar o narrador no rádio gritando entusiasmado: é o heroísmo do nosso povo que demonstra a virilidade da nação, estabelecendo conexões entre ser herói, demonstrar virilidade, construir a nação e ser portador de atributo claramente masculino. Em revista dedicada ao mercado de automóveis, matéria comenta as modificações estéticas sofridas por um determinado modelo, e ali se lê que as formas arredondadas deixavam o carro longe da preferência masculina, agora com linhas mais angulosas o veículo certamente vai agradar ao público dos homens, estabelecendo certas conexões entre linhas retas e curvas e produção de masculinidades. Ainda no terreno do automobilismo, ao comentar o que viu no salão do automóvel, o jornalista escreve: "o

    Chevrolet Malibu ganhou mais musculatura na nova série", estabelecendo uma qualidade claramente masculina sobre um automóvel.

    Ao folhear as páginas de um manual profissional, nos deparamos com alguns atributos desejados na profissão: entonação da voz clara e firme; olhar direcionado para o horizonte, e não para baixo; postura correta, e não curvada, e logo sabemos que se está descrevendo um homem e tratando de atributos da masculinidade, embora tais palavras não constem no manual. Ao ler a bula de um remédio para dor de cabeça, verificamos que a primeira parte das indicações não indica gênero, ou seja, não se fala de homem ou mulher. São as indicações ditas gerais de uso. Mas elas são claramente masculinas, se referem aos homens, o que se confirma ao ler a segunda parte do texto, quando aparecem os chamados casos particulares: ser mulher, estar grávida, ser criança, ser velho. Poderíamos seguir esse exercício muito longe, associando a ele cores (azul, por exemplo), flores (como o cravo), sons (baixos, graves), textura de materiais (ásperos, terrosos), e muito mais adiante ainda. Em qualquer tema, a masculinidade é o aspecto positivo ou mais valorizado da balança.

    A masculinidade é uma espécie de grande regra do mundo, assim como ser branco e ser ocidental. Basta assistir um pouco de televisão, folhear uma revista, ler uma bula de remédio ou analisar dados da riqueza mundial. A linguagem é sempre masculina, os homens brancos com roupas e feições ocidentais ocupam as posições de maior destaque e constituem o padrão estético desejado. Um homem branco, jovem, ocidental, que sinta atração erótica por mulheres e que viva no meio urbano de classe média não precisa explicar nada de si. Ele está na norma. Já se ele for negro, terá que dar explicações em muitas situações. Se for um homem que sinta atração erótica por outros homens, mais explicações ainda ele terá que prestar. Se for ainda criança, ou se já for muito velho, estará fora da masculinidade hegemônica. Além de ser a grande regra do mundo, a masculinidade é também a grande régua do mundo. É por conta dos atributos ditos masculinos que se medem as mais variadas coisas, de grau de honestidade a força, de raciocínio lógico a capacidade de gestão, de coragem a inteligência. Valores típicos da masculinidade são uma espécie de segunda pele de muitas instituições quando estas se descrevem a si mesmas ou a seus integrantes. Os casos mais clássicos são as polícias, as forças armadas, a classe política, os executivos de grandes empresas, os atletas de renome, os engenheiros, os bancos, as empresas do mundo digital e quase tudo o que existe nesse campo. Entender das estratégias de produção, manutenção e modificação das masculinidades é praticamente entender de ciência política. Essa grande regra do mundo configura a norma, aquela que não precisa dizer de si, que atua no silêncio, que conforma nossos corpos. A norma é heterossexual, branca, cisgênera. O que nos governa é a heteronormatividade, a branquitude, a cisgeneridade, a pertença cristã em conexão com elementos de ocasião. Para enfatizar, além de regra, a masculinidade é uma régua, a medir o valor das pessoas. O maior valor é atribuído ao masculino, ao viril, em associação com outros marcadores sociais da diferença, a depender dos contextos.

    Mas essa masculinidade que se apresenta como regra e régua do mundo é produzida em contextos específicos, situações concretas, práticas determinadas, ambientes históricos definidos, conjuntos de rituais precisos, tradições inventadas, dispositivos de poder cuidadosamente indicados, territórios bem marcados, envolvendo atores sociais localizados no tempo e no espaço. E que depois, por um conjunto de estratégias e dispositivos que dizem do funcionamento da norma, são apresentados como modelos de validade mundial. E se passa então da regra para a régua, medindo o valor de povos, países, grupos sociais, pessoas, sejam elas homens ou mulheres, brancos ou negros, orientais ou ocidentais, pessoas com deficiência ou não, falantes de tal ou qual língua, habitantes do campo ou da cidade, com esta ou aquela pertença religiosa. A masculinidade é, enfim, a regra e a régua do mundo. O mundo é masculino, outras posições de gênero entram de modo subordinado na hierarquia social. Ao mesmo tempo, cada homem elabora seus modos masculinos a partir de contextos específicos e concretos de trajetórias muito próprias. A escolarização tem grande influência nesse processo, e as práticas esportivas também.

    Com olhar atento a essa dinâmica que é simultaneamente micropolítica e macropolítica, este livro se estrutura em um adequado equilíbrio entre três direções. Um conjunto de reflexões teóricas, que nos permitem conhecer melhor os estudos sobre masculinidades, especialmente ligados aos autores mais conhecidos do campo, e lidando com as questões em gênero e sexualidade que atravessam os debates no cenário contemporâneo, pensados tanto na Educação Física escolar quanto no mundo dos esportes. Um segundo conjunto de reflexões que aborda a cultura escolar, e nela a Educação Física, permitindo conhecer melhor o funcionamento dos mecanismos de produção de masculinidades aí situados. E um terceiro conjunto de reflexões que apresenta as estratégias de produção corporal e das masculinidades no campo dos esportes, e seus impasses políticos e teóricos, especialmente frente aos avanços do feminismo e das disputas entre os muitos modos de produzir-se homem no cenário contemporâneo. Ao adotar tal estrutura, este livro, embora de pequenas dimensões, não apenas soma, mas multiplica o que vem sendo feito no grande campo de estudos das masculinidades.

    Embora as tentativas de grupos conservadores em banir o termo gênero de muitos lugares, em particular nos processos de escolarização, estamos, todos e todas, o tempo inteiro, mergulhados e mergulhadas em relações de gênero, que nos produzem, e as quais ajudamos a produzir. Para fazer frente a tais dinâmicas, temos que entender tanto de contextos específicos de produção de masculinidades, quanto de teorias mais gerais que vinculam a masculinidade à produção e manutenção da norma social. Os dois campos escolhidos para estudo neste livro têm grande importância nesse processo. A Educação Física escolar por suas origens ligadas aos ambientes militares, e pela enorme ampliação de sua presença nos percursos de escolarização no país desde a Constituição Federal de 1988. O mundo dos esportes dispensa comentários, basta ligar a televisão para perceber seu enorme poder simbólico e econômico nos dias de hoje. A cultura escolar e o mundo dos esportes estão fortemente implicados tanto na produção da norma, quanto nas possibilidades de transgressão a ela, o que se aborda também neste livro. Os processos de produção, manutenção e modificação das masculinidades comportam estratégias em todas as áreas. Em todos os momentos, são pequenos, repetitivos e dizem muito da rotina das aulas e dos processos de produção de atletas. Para entender dinâmicas macropolíticas é necessário também olhar os processos micropolíticos, e o livro oferta artigos nos dois sentidos. A norma heterossexual e masculina não é de ferro, ela vaza, experimenta tensões, pode ser subvertida em um ou outro momento, ela falha. E o conhecimento disso, no plano da micropolítica e no plano da macropolítica, é fundamental.

    As aulas de Educação Física e a prática de esportes constituem, historicamente, dispositivos de produção de masculinidades conformadas ao padrão da norma. Em outras palavras, na maior parte das vezes, um homem se torna mais masculino se for reconhecido como hábil praticante de algum esporte. Um jovem aluno será igualmente tido como mais viril se gostar das aulas de Educação Física e nelas obtiver destaque. Na contramão, um homem que não aprecie esportes, que não se dedique a prática desportiva alguma, é, com certeza, percebido como menos viril. E um aluno que fuja das aulas de Educação Física, como regra geral, desfruta de uma masculinidade percebida como inferior frente aos demais, mesmo que busque se valorizar sendo muito inteligente ou mesmo um tanto nerd. A produção de corpos masculinos está desde muito tempo implicada com a escolarização e com os esportes. Dentre os muitos estigmas que se podem gerar neste campo, destacamos aqueles ligados ao gênero e à sexualidade, e também ao capacitismo, modalidade de discriminação contra pessoas com deficiência onde se estabelece que esses indivíduos são incapazes de gerirem suas vidas com autonomia. Em geral, tais preconceitos e discriminações favorecem manobras de exclusão do convívio social pleno, construção de barreiras ao acesso de boas oportunidades e implicam marginalização social, quando não a eliminação física desses sujeitos, vistos como vidas de menor valor. A Educação Física escolar e o mundo dos esportes têm grande impacto em definições correntes da norma acerca do corpo perfeito, padrão ou normal, ligado em geral a noções de desempenho marcadas pela virilidade.

    Mas, como já dito acima, ali onde a norma atua para reiterar seus valores, aparecem as oportunidades de transgressão, e disso este livro traz exemplos. A Educação Física e os esportes são terrenos onde assistimos a grandes investimentos para reiteração das normas do que é ser uma masculinidade heterossexual. Mas também são campos onde há manobras das mais interessantes nas transgressões da norma. A leitura do livro permite adentrar em algumas dessas estratégias. Os artigos mostram tensões, hesitações na atuação da norma e, sobretudo, resistências. Recomendo muito que se leiam os artigos deste livro para entender dessa economia de gestos, movimentos e posturas que produz homens; para pensar conexões entre o treinamento físico e a produção de identidades masculinas que se pretendem superiores, com evidentes impactos nos processos de ascensão social; para saber dos mecanismos que socialmente permitem identificar alguns homens como mais senhores de si do que outros, porque portadores de força e autonomia; para reconhecer vínculos entre a virilidade, a produção da violência de gênero e as aparentemente inofensivas aulas de Educação Física ou práticas esportivas. Enfim, para saber melhor o que se chama de um homem de verdade, nos dias de hoje muito associado ao dito cidadão de bem. E entender as estratégias pelas quais tais verdades se constroem, e como podem ser subvertidas, em nome de uma sociedade mais plural, mais aberta à valorização da diversidade e menos desigual.

    Fernando Seffner¹

    Porto Alegre, inverno de 2021.


    1 Professor no Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Educação UFRGS. Coordenador do Grupo de Estudos de Educação e Relações de Gênero.

    Apresentação

    Uma obra necessária

    Foi com muito prazer que aceitei o convite para fazer a apresentação deste livro. Adianto: um livro necessário no campo dos estudos das masculinidades, sem falar no da Educação Física, que sem dúvida acaba de assistir à entrada de um clássico que veio para ficar, conferindo organicidade às reflexões sobre as relações de gênero no esporte. A obra reúne estudiosos de diferentes inserções acadêmicas e campos disciplinares. Aborda, sobretudo, elementos da Educação Física, mas devido à sua amplitude se alastra à seara da Antropologia, da História e da Educação. Diversos também são os objetos de análise e tipos de investigação trazidos nos capítulos, como ensaios, revisões de literatura, etnografias, questionários e entrevistas, nos quais os quatorze autores se unem no esforço de sistematizar discussões e resultados de pesquisas sobre as masculinidades femininas e as transmasculinidades no esporte, as masculinidades negras e homossexuais nas lutas e esportes de intenso contato físico, corporeidades a homofobia na Educação Física Escolar, psicoterapia e a formação de professores. Importante destacar também a mescla de pesquisadores sêniores nos estudos de gênero e das masculinidades com a nova geração que têm desenvolvido leituras importantes sobre alguns desses temas da sociologia do esporte no Brasil. Os capítulos reunidos possibilitam ao leitor um panorama privilegiado de abordagens que dão dinamismo ao corpus teórico e conceitual dos estudos das masculinidades que tem crescido no país nos últimos vinte anos.

    A obra está dividida em três partes, tendo como fio condutor o conceito de masculinidade hegemônica, devidamente problematizado e escrutinado com destreza ao longo dos nove capítulos que compõem o livro. Apresento então, daqui em diante, algumas considerações trazidas pelas leituras, em cujos relevos me incentivaram a refletir sobre as masculinidades na Educação Física e no Esporte.

    Na primeira parte do livro, Reflexões Teóricas, situam-se os fundamentos conceituais de teorias da masculinidade na contemporaneidade. No capítulo 1, Fabiano Devide inicia alertando para a emergência da produção acadêmica sobre estudos de gênero no esporte, que pouco a pouco foi se descolando dos primórdios em que as reflexões se centravam nas mulheres, sobretudo na ausência e nas dificuldades de inserção e ascensão delas no esporte. Em seguida, a discussão se foca nas fases dos estudos de masculinidades com destaque para a Teoria da Masculinidade Hegemônica de Raewyn Connel (1995, 2000, 2003) e para a Teoria da Masculinidade Inclusiva de Eric Anderson, (2005a, 2005b, 2009). Mais que tomar partido dessas abordagens, o autor afina pontos de vista comparativos entre eles, valorizando os encontros, os confrontos e as contribuições para o campo dos estudos das masculinidades no contexto esportivo. Ainda nessa pegada reflexiva, Leandro Brito, no capítulo 2, discute alguns caminhos epistemológicos para o estudo dos homens e das masculinidades na Educação Física. Apoia-se em autores que comungam de uma mirada pós-fundacional para pensar o descentramento do sujeito, recusando a unicidade, a fixidez e a estabilidade dos sentidos atribuídos às estruturas sociais. Desde um olhar emancipado de um modelo estrutural e hierárquico das relações de gênero, a proposta do autor é ir além das dicotomias e dos binarismos, rompendo com qualquer hierarquização de um modelo de masculinidade perante o outro, para que possa potencializar as disputas discursivas que favorecem a emergência de novas configurações. Nesse capítulo, também é enfrentada a questão da hegemonia e suas imbricações com a representação de uma totalidade ou um determinado sentido de verdade no que tange às masculinidades.

    Vagner Prado no capítulo 3, nos convida a refletir sobre os corpos transmasculinos no âmbito esportivo de rendimento. Trata-se de um belo ensaio reflexivo sobre um tema pouco explorado no campo dos Estudos de Gênero em interface com a Educação Física no Brasil. O autor nos provoca a pensar sobre os processos e produção de corpos transexuais. Seus achados mostraram-se uma poderosa fonte de inspiração cheia de insumos que fazem (re)pensar os lugares comuns sobre as masculinidades trans, citando o Caso de Pat, pugilista norte-americano que desafiou as normas héterocisnormativas que prevalecem na arena esportiva. Os corpos insubmissos permitem analisar as arbitrariedades instauradas por discursos biofisiológicos sobre a verdade dos corpos. Ao romperem com o imperativo da diferença sexual, eles denunciam os efeitos de naturalizações sobre expressões de gênero masculinas e femininas, evidenciando sua apropriação como uma tecnologia de produção de corpos divergentes, subversivos, queers.

    A parte II do livro aborda o tema Pesquisas na Educação Física Escolar. O capítulo 4, tem por objetivo estimular o debate sobre gênero e raça na EFE, articulado aos estudos das masculinidades e fazendo uso da perspectiva da interseccionalidade. Muitos questionamentos trazidos pelos autores tiveram como ponto de partida justamente os pontos finais em que chegam os trabalhos nesse campo, portanto, em uma espécie de jogo de espelhos entre a homofobia, o machismo, o anti-intelectualismo e a autoagressão – práticas reproduzidas no ambiente escolar por docentes e discentes do ensino fundamental de uma escola no Rio de Janeiro. Nisso se insere o sintagma da violência, frequentemente acionado como uma marca da identidade de gênero masculina e expressão de poder. Fernandes, Devide, Brito e Foganholi descrevem as relações de cumplicidade que se estabelecem entre as masculinidades, através da dominação de meninas e meninos, com o uso do bullying homofóbico nas escolas – dispositivo que exerce grande influência na construção das masculinidades violentas. Esse capítulo oferece insumos valiosos para a interpretação da centralidade do espaço escolar na propagação de estereótipos racistas e sexistas destinados aos alunos negros. Emblemas como a hipervirilidade e a fisicalidade são manipulados nesse contexto e acionados pelos garotos pobres como forma de reconhecimento público e mecanismo de compensação do déficit de perspectivas sociais. Tem-se que para uma parte da juventude masculina das periferias, privada de recursos econômicos e cuja formação educacional é quase sempre depreciada, o capital viril permanece como uma espécie de bem valioso que ela pode se valer. Paradoxalmente, o ambiente escolar funciona mais no sentido da relegação do que da integração dessa juventude, valorizando esse capital em proveito de outros valores como sofisticação intelectual, serenidade, sentido de diálogo e autoconfiança, aos quais as meninas, em geral, se adequam melhor. Apesar de a reprodução desses padrões historicamente construídos serem uma constante naquele microcosmo, a observação das práticas e interações entre os alunos e o corpo docente nas aulas, mostrou haver transgressões à imposição do hábito viril heterossexista que se exerce sobre os meninos, do qual alguns poucos são capazes de se distanciar. A adoção de estilos e sociabilidades juvenis articulados à música e à dança contribuem para libertar os jovens e encorajar a desconstrução da posição marginal de meninos e meninas negros na escola.

    Masculinidades na Educação Física Escolar é o tema do capítulo 5. Nele, Pelluso e Devide discorrem sobre a escassez do debate sobre gênero e sexualidade da EF. As repercussões dessa lacuna desempenham papel complexo na reprodução de modelos de masculinidades hegemônicas no ambiente escolar. É o caso da incorporação de noções relacionadas a espaços como as quadras, tidas como uma área reservada para o masculino – concepção partilhada pelos alunos, porém, sutilmente reforçada pelos professores, o que ajuda a perpetuar a naturalização de divisões rígidas entre os gêneros. Para os autores, é essencial, do ponto de vista de uma educação que combata às desigualdades entre os gêneros, a reestruturação na formação inicial de professores de Educação Física. Porém, ela ainda não encontrou esse caminho do debate. Apesar de algumas tentativas, os impasses continuam, e não há, por assim dizer, consenso de como executar uma perspectiva coeducativa no ambiente escolar que viabilize a construção substantiva da diversidade. Ainda que as propostas de aulas mistas estejam em funcionamento desde a década de 1990, isso não se mostrou eficiente para uma problematização efetiva das relações de gênero. As falas dos professores giram em torno mais de habilidades físicas e motoras, contribuindo para reproduzir e naturalizar diferenças biológicas entre os sexos. Uma prova da persistência de uma dinâmica de funcionamento na EF, em que prevalece uma visão segregada entre os gêneros, é a participação de meninas no futebol. Atualmente é uma prática bem mais aceita. Por outro lado, os meninos que dançam ou prefiram jogos que demonstrem menos habilidades viris, como competitividade e força, ainda continuam a ser discriminados. E mais que isso, eles experimentam o ônus de uma lógica heteronormativa ao cruzarem as fronteiras de gênero, como a exclusão ou a estigmatização entre os próprios pares. Há aqui, mais uma vez, o apelo para que os estudos das masculinidades sejam mais explorados na formação superior de professores de Educação Física, incentivando a inovação e o debate qualificado sobre gênero e esporte no cenário brasileiro.

    A Parte III do livro trata de pesquisas sobre corpo e esporte. Essa seção

    Está gostando da amostra?
    Página 1 de 1