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O Cabra: As Metáforas Animais e Seus Situamentos Socioculturais
O Cabra: As Metáforas Animais e Seus Situamentos Socioculturais
O Cabra: As Metáforas Animais e Seus Situamentos Socioculturais
E-book270 páginas3 horas

O Cabra: As Metáforas Animais e Seus Situamentos Socioculturais

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Sobre este e-book

O livro O cabra, as metáforas animais e seus situamentos socioculturais lança um olhar sobre a instigante relação entre pensamento, linguagem e cultura, uma das questões mais debatidas no âmbito dos estudos linguísticos, antropológicos e filosóficos. A obra se propõe a discutir perguntas que intrigam a autora na condição de linguista. Por exemplo: em que medida o regionalismo "cabra" resulta das relações entre linguagem, pensamento e cultura? Por que comunidades como a nordestina entendem o homem em termos de cabra? Segundo o folclore sertanejo, não há doce ruim nem cabra bom. Já para o sociólogo pernambucano Gilberto Freyre, o cabra seria o primeiro exemplar de um homem genuinamente brasileiro, isto é, um mestiço oriundo de etnias que se encontravam em solo brasileiro durante a colonização. No entanto, para os falantes residentes na atual Fortaleza, cabra seria apenas um homem qualquer. Dessa forma, a autora, ao analisar romances, peças de teatro, dicionários e dados de campo, conclui que os diferentes significados desse regionalismo seriam resultado de processos metafóricos responsáveis pela estruturação entre os domínios conceptuais SER HUMANO e animal CABRA, dada a importância sociocultural e econômica que esse animal tem na região.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento29 de abr. de 2021
ISBN9786525005812
O Cabra: As Metáforas Animais e Seus Situamentos Socioculturais

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    O Cabra - Fernanda Carneiro Cavalcanti

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    COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO LINGUAGEM E LITERATURA

    Aos meus pais e à minha querida família,

    porque é onde tudo nasce e para onde tudo volta.

    Agradecimentos

    É sempre dito e nunca poderá ser negado que nada se faz sozinho, especialmente um livro. Assim, os meus primeiros agradecimentos vão para o afeto, o cuidado e o suporte que sempre recebo e recebi de minha mãe Doía, meu pai Fernando, in memoriam, meus irmãos Andréa e Fernando, meus cunhados Augusto e Raquel, meus queridos sobrinhos Guto e Fernando Neto e minha linda avó Maria, in memoriam. Agradeço ainda à professora Ana Cristina Pelosi, por ter me mostrado o caminho para os estudos da Linguística Cognitiva; ao professor Raymond Gibbs, por ter me orientado nas questões e questionários e no exercício da interdisciplinaridade entre os campos da Linguística Cognitiva e da Psicologia; e às agências de pesquisa Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Funcap).

    Ainda é necessário mencionar a colaboração preciosa d@s professore@s Claudiana Nogueira (Uece), Homero Lima (UFPE), Karla Patrícia Holanda Martins (UFC), Leonel Blum (UFC), Márcio Acserald (Unifor) e Rosa Primo (UFC).

    Por fim, mas não menos importante, gostaria de agradecer a tod@s @s demais pessoas amig@s e desconhecid@s que contribuíram direta e indiretamente para que o tema deste livro fosse investigado, especialmente a@s amig@s Angelique Abreu, Ernesto Gadelha, Fernanda do Val, Fran Viana, Helano Araripe, João Guilherme, Juliana Carneiro Kiko Bloc-Boris, Leonardo Pinto, Priscila Gadelha, Rafaela Macêdo, Simeão Veras, in memoriam, e Valdo Aderaldo.

    Se as portas da percepção estivessem limpas, tudo apareceria

    para o homem tal como é: infinito.

    (Aldous Huxley)

    Prefácio

    Estudar a categorização semântica é se debruçar sobre a própria essência do que somos: seres pensantes capazes de fazer emergir sentidos intra e intersubjetivamente por meio do processo categorizacional que se projeta ad infinitum. Pois, sempre haverá o novo, o inusitado a ser categorizado a partir de conceitos acessíveis, que são parte do nível básico de categorização, conforme a teoria roschiana (ROSCH et al., 1976). A partir desse nível, conceitos se alargam ou se tornam mais específicos como resultado de tensões de ordem social, cultural, política, econômica, entre outras. Tão essencial é essa habilidade que assim se expressa Lakoff:

    Sem a capacidade de categorizar, não poderíamos funcionar bem, de forma alguma, nem no mundo físico, nem nas nossas vidas sociais e intelectuais. A compreensão de como categorizamos é fundamental para qualquer entendimento de como pensamos e agimos e, portanto, é fundamental para compreender o que nos torna humanos. (LAKOFF, 1987, p. 6, tradução nossa).

    A partir de processos de ordem ecológica e biopsicossociais, essa capacidade é enriquecida sobremaneira, estando na base de modelos cognitivos e culturais e de processos metafóricos e metonímicos que favorecem, ao longo do tempo, a expansão de significados que refletem constrangimentos e possibilidades de engendramentos de sentidos relevantes no âmbito de uma cultura.

    O trabalho apresentado, neste livro, supre uma lacuna importante no resgate da evolução de sentidos associados ao uso regional da expressão cabra. Como linguista cognitiva, a autora se preocupa em entender como significados associados a um conceito básico – no caso do trabalho em pauta, a expressão cabra – evoluem e se tornam convencionalizados no âmbito de uma cultura – no caso, a nordestina. Com tal propósito em mente, a autora dialoga, por um lado, com os pressupostos da Linguística Cognitiva, que entende a linguagem como uma emergência resultante de fatores corpóreos, situados socioculturalmente; e, por outro, com a Semântica Cognitiva, que busca, entre outras coisas, explicitar como se organizam os sistemas conceptuais e os processos atinentes à expansão de significados a partir de processos corpóreos e de influências socioculturais que incidem sobre tais processos. A motivação que impulsiona Cavalcanti na execução do trabalho se prende a três fatores primordiais. Primeiramente, interessa à autora colocar a Teoria dos Modelos Cognitivos Idealizados (TMCI) à prova, por acreditar na sua robustez para tratar o fenômeno complexo da polissemia. Igualmente, é de seu interesse compreender mais profundamente que fatores subjazem a concepção de cabra como homem comum, mestiço, morador ou originário de zona rural, sujeito valente e viril (cabra macho), sujeito violento (capanga e cangaceiro), companheiro e amigo (cabra bom) . (CAVALCANTI, 2014). Essa concepção é muito provavelmente estabelecida a partir de uma base experiencial responsável pela instauração das metáforas SER HUMANO É ANIMAL, PESSOAS COMUNS SÃO ANIMAIS e PESSOAS ABJETAS SÃO ANIMAIS, a primeira genérica e as outras específicas. Por último, a motivação para a obra se atrela ao desejo de prover para o fenômeno polissêmico (especificamente o ligado à expressão cabra) uma compreensão mais abrangente do que a explicação de caráter meramente linear provida pelo dicionário.

    O livro é sólido do ponto de vista teórico e metodológico. A pesquisa de cunho qualiquantitativo é robusta, respaldada por dados coletados e analisados a partir de um processo de triangulação de dados que envolveu a análise de definições da expressão convencional cabra fornecidas por dicionários gerais, por dicionários regionais de cearês, por especialistas e por falantes nativos do português brasileiro, em especial do Nordeste e de Fortaleza. Com a aplicação de cinco questionários a falantes nativos do português brasileiro, a autora, em consonância com Gibbs (2009), busca examinar os tipos de imagens mentais evocadas por falantes nativos ao ouvirem ou lerem a expressão em pauta. Além disso, avalia os julgamentos dos usuários sobre o significado metafórico de cabra em diferentes gêneros textuais, cumprindo assim não apenas com o objetivo de analisar textos e definições sobre os significados e usos da expressão sob investigação, mas também, de certa forma, com a meta de acessar a realidade psicológica dos sentidos atrelados à expressão cabra.

    Como resultados das análises, a obra aponta para algumas das tensões e questões corpóreas socioculturalmente situadas que parecem estar na base das metáforas animais sob análise. A autora conclui ressaltando possíveis contribuições que as discussões abordadas na obra podem oferecer para os estudos linguísticos de modo geral e, mais especificamente, para a Linguística Cognitiva.

    Assim, a obra supre uma lacuna importante nos estudos pertinentes à Linguística Cognitiva, uma área ainda carente de publicações e pesquisas no Brasil, que por revelar resultados de análises robustas provenientes de uma pesquisa integrada do ponto de vista antropológico, linguístico e biopsicossocial, provê uma visão integrada: [...] do ser, como agente atuante no mundo, [...] que mais adequadamente traduz a inseparabilidade entre cognição e linguagem, conforme refletida nas línguas naturais. (PELOSI, 2014, p. 26).

    Prof.ª Dr.ª Ana Cristina Pelosi

    Professora associada (aposentada) do Programa de Pós-Graduação em Linguística da Universidade Federal do Ceará

    Orcid: 0000-0002-7624-2757

    http://lattes.cnpq.br/7075430199627895

    Referências

    PELOSI, A. C. Cognição e Linguística. In: PELOSI, A. C.; FELTES, H. P. de M.; FARIAS, E. M. P. (org.) Cognição e Linguística: explorando territórios, mapeamentos e percursos. 2. ed. revisada e atualizada. Caxias do Sul: EDIPUCS, 2014.

    LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

    Sumário

    1

    INTRODUÇÃO 19

    2

    CONSIDERAÇÕES FILOSÓFICAS E TEÓRICAS 27

    2.1. Os postulados da Semântica Cognitiva e suas implicações filosóficas 27

    2.2. A Teoria da Metáfora Conceptual 36

    2.3. A Teoria dos Modelos Cognitivos Idealizados 46

    3

    POLISSEMIA: QUESTÕES E TENSÕES 61

    3.1. Algumas abordagens teóricas 61

    3.2. A polissemia segundo a Teoria dos Modelos Cognitivos Idealizados 73

    4

    METÁFORAS ANIMAIS E SEUS SITUAMENTOS SOCIOCULTURAIS 81

    4.1. Os modelos culturais 81

    4.2. As metáforas universais 91

    4.3. As metáforas e a variação cultural 92

    5

    DADOS, ANÁLISE E RESULTADOS 103

    5.1. Questões, problemas e decisões 103

    5.2 A análise da polissemia da expressão convencional cabra 107

    5.2.1. As sete definições 108

    5.2.2. Os documentos literários 121

    5.2.3. Os cinco questionários 140

    5.3. Os resultados 162

    5.3.1. Os significados prototípicos e não prototípicos 162

    5.3.2. As normas culturais 164

    5.3.3. A estruturação dos significados: o MCI proposicional HOMEM 167

    6

    CONSIDERAÇÕES FINAIS 171

    REFERÊNCIAS 175

    ÍNDICE REMISSIVO 181

    1

    INTRODUÇÃO

    O tema que discuto aqui abrange os campos da cognição, da linguagem e da cultura a partir dos postulados da Linguística Cognitiva, doravante LC. A linguagem, no âmbito da LC, é vista como uma forma pela qual os indivíduos conhecem o mundo. Segundo Fauconnier (1999), a LC, ao advogar uma visão não autônoma da linguagem, recupera a tradição dos estudos linguísticos para os quais a atividade da linguagem é a de construir e comunicar significados. Dessa forma, o autor avalia que, para um linguista cognitivo, a linguagem é como uma janela para a mente; e, para que o linguista cognitivo veja através dessa janela, é necessário correlacionar traços profundos do pensamento, dos processos cognitivos e da comunicação social, além das manifestações linguísticas.

    Por outro lado, de acordo com Lakoff e Johnson ([1980] 2002), autores precursores de uma abordagem cognitivista da linguagem, não seria possível conceber uma mente operando e produzindo conhecimento sem embasamento corpóreo, sem entornos, sejam eles de ordem físico-motora, de ordem sociocultural ou de ordem ambiental. Em outras palavras, para esses autores, a cognição humana é corpórea e norteada por princípios que caracterizam o Paradigma Experiencialista ou Realismo Experiencialista.

    Segundo Rakova (2003), a essência da explanação experiencialista em Lakoff e Johnson consiste em responder à velha questão de como a experiência se relaciona com a gênese dos conceitos e da organização da estrutura conceptual. Ou seja, ainda segundo a mesma autora, uma das noções centrais do Paradigma Experiencialista é a noção do corpóreo, de acordo com a qual o pensamento e a compreensão são caracterizados em termos tanto das configurações próprias do corpo humano (sensório-motoras) como de seu funcionamento e ação no mundo. Dessa forma, é plausível afirmar que, para um linguista cognitivo ver a mente operando através da janela da linguagem, faz-se necessário estabelecer correlações entre linguagem, pensamento, processos cognitivos e experiência corpórea humana tanto física como socioculturalmente situada.

    Por outro lado, sabe-se que a definição de cultura levanta continuadas polêmicas devido à abrangência desse campo de conhecimento. Contudo, para esta discussão, adoto a seguinte definição usada por Kövecses (2005) e igualmente empregada por antropólogos cognitivos, a exemplo de D’Andrade (1995): a cultura é o compartilhamento de um conjunto de entendimentos por parte de membros de determinada comunidade.

    Ainda em consonância com Kövecses (2005), considero que, muito embora essa não seja uma definição exaustiva, ela abarca e destaca a ideia de que membros de determinada comunidade compartilham entendimentos a respeito de objetos, artefatos, eventos e entidades, isto é, dos significados que atribuem ao mundo em que vivem. Dessa forma, essa definição estabelece como nível de análise os processos de categorização. É sobre esse nível de análise que se debruçam a Teoria dos Modelos Cognitivos Idealizados, doravante TMCI, e a Teoria da Metáfora Conceptual, doravante TMC, a partir das quais discuto a expressão convencional cabra na condição de uma metáfora animal.

    É importante destacar que a visão de convencionalidade aqui adotada se refere ao grau de estabilização e internalização da metáfora conceptual e de suas manifestações linguísticas correlatas. Ou seja, a natureza da convencionalidade da expressão cabra é abordada com base em Kövecses (2010), segundo o qual as metáforas e suas expressões linguísticas correspondentes devem ser classificadas em relação ao grau de internalização e estabilização em que se encontram. Assim, quanto mais o usuário se utiliza, de forma automática e sem esforço, de procedimentos conceptuais metafóricos em seus propósitos comunicacionais de natureza verbal, mais estabilizados e internalizados se encontram esses procedimentos, bem como suas manifestações linguísticas correlatas.

    Nesse sentido, de acordo com Freyre (2004), a figura do cabra teria relação com o nascimento do que chama de civilização da cana-de-açúcar, particularmente aquela que floresceu no Nordeste do Brasil no século XVI. Dessa forma, considera-se que tanto as metáforas conceptuais que licenciam a expressão cabra como a própria expressão vêm sendo utilizadas por usuários do português do Brasil por tempo suficiente para terem sido internalizadas e devidamente estabilizadas.

    Nessa perspectiva, se, por um lado, o tema da discussão aqui levantada a situa nos campos de conhecimento a serem investigados por um linguista cognitivo, isto é, nos campos da linguagem, do pensamento e da cultura; por outro lado, o seu recorte temático a instala no âmbito da Semântica Cognitiva, doravante SC, ou melhor, no âmbito do estudo dos sistemas conceptuais, do significado e das inferências. Isso ocorre porque, ao abordar a expressão convencional cabra como uma metáfora animal, discuto, necessariamente, a questão de sua polissemia na condição de um fenômeno de natureza semântico-conceptual.

    Com efeito, a polissemia se encontra aqui tratada com base na definição proposta por Lakoff (1987), de acordo com a qual tal fenômeno é uma relação entre conceitos disjuntos, de natureza primordialmente conceptual, sistemática e aberta. Adoto, portanto, para este estudo, a visão de que a polissemia deve ser explicada a partir do funcionamento do sistema conceptual humano tal qual é abordado pela TMCI.

    O sistema conceptual humano é definido por Lakoff (1987) como tendo base corpórea, cujo funcionamento se dá de forma independente da linguagem e por meio de diversos procedimentos cognitivos de natureza fundamentalmente corpórea e imaginativa (esquemas imagéticos, conceitos de nível básico, metáforas, metonímias). Tal visão a respeito do sistema conceptual humano permitiu o aparecimento da expressão pensamento conceptual (ou metafórico) no âmbito dos estudos da TMC e da TMCI.

    Nesse sentido, Lakoff (1987) postula que as estruturas complexas de significados, isto é, os Modelos Cognitivos Idealizados, doravante MCIs, são responsáveis pela organização do conhecimento humano. Ou seja, tais recursos cognitivos se constituem como estruturas responsáveis pela organização do sistema conceptual humano, tendo, igualmente, base experiencial e imaginativa, de maneira que não se adequariam necessariamente à realidade. Em razão do caráter idealizado dessas estruturas, o autor assinala que o que consta num MCI é determinado por necessidades, crenças e valores humanos. Para Feltes (2007, p. 127), por exemplo, os MCIs seriam utilizados para organizar diferentes domínios da experiência humana, para entender o mundo e para dele construir sentido.

    Lakoff (1987) classifica os MCIs em cinco tipos básicos: (i) os proposicionais; (ii) os de esquemas imagéticos; (iii) os metafóricos; (iv) os metonímicos; e (v) os simbólicos. Os MCIs simbólicos seriam mais associados ao funcionamento da linguagem, ao passo que os MCIs proposicionais e de esquemas imagéticos seriam associados à estruturação dos sentidos que emergiriam diretamente da interação entre o aparato sensório-motor humano e o meio físico e socioculturalmente situado. Quanto aos MCIs metafóricos e metonímicos, esses seriam associados à estruturação dos sentidos indiretos, de natureza mais abstrata.

    Desse modo,

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