Pés Trocados: A Violência Simbólica em Bailarinos e Jogadoras de Futebol
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Pés Trocados - Fábio Tadeu Reina
Editora Appris Ltda.
1ª Edição - Copyright© 2017 do autor
Direitos de Edição Reservados à Editora Appris Ltda.
Nenhuma parte desta obra poderá ser utilizada indevidamente, sem estar de acordo com a Lei nº 9.610/98.
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COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO EDUCAÇÃO FÍSICA
Dedico este livro às pessoas que muito contribuíram com minha formação humana, acadêmica, profissional e literária. Embora não estejam presentes neste mundo, são elas as responsáveis pelos valores que herdei e tento perpetuar com minha esposa, Ana Lúcia, e meus filhos, Willian, Bárbara e Júlia. Amor, honestidade, força de vontade e dedicação são alguns desses valores que me fizeram chegar até aqui, nesta trajetória de vida.
A vocês,
minha amada avó, Maria Ribas Reina, e
meu querido avô, Vicente Reina.
AGRADECIMENTOS
Agradeço a todos os amigos, indistintamente do quanto participaram e estiveram presentes nesta jornada da minha vida. A vocês, meu carinho e respeito por todos os aconselhamentos, interditos, gostos, costumes e escolhas que fiz, pautados sempre em alguma fala, demonstração e execução de gestos nobres direcionados em prol de uma vida digna, honesta e mais fraterna. Portanto muito obrigado amigos. Tenham a certeza do quanto contribuíram para que esta obra pudesse ser realizada. Deixo aqui esta mensagem, que representa minha gratidão a todos:
Soneto do amigo
Enfim, depois de tanto erro passado
Tantas retaliações, tanto perigo
Eis que ressurge noutro o velho amigo
Nunca perdido, sempre reencontrado.
É bom sentá-lo novamente ao lado
Com olhos que contêm o olhar antigo
Sempre comigo um pouco atribulado
E como sempre singular comigo.
Um bicho igual a mim, simples e humano
Sabendo se mover e comover
E a disfarçar com o meu próprio engano.
O amigo: um ser que a vida não explica
Que só se vai ao ver outro nascer
E o espelho de minha alma multiplica...
(Vinicius de Moraes)
Com efeito, para que sejam favorecidos os mais favorecidos e desfavorecidos os mais desfavorecidos, é necessário e suficiente que a escola ignore, no âmbito dos conteúdos do ensino que transmite, dos métodos e técnicas de transmissão e dos critérios de avaliação, as desigualdades culturais entre as crianças das diferentes classes sociais, ou seja, tratando todos os educandos, por mais desiguais que sejam eles de fato, como iguais em direitos e deveres, o sistema escolar é levado a dar a sua sanção às desigualdades iniciais diante da cultura.
(Pierre Bourdieu)
APRESENTAÇÃO
Este livro vem elucidar minha trajetória de vidas acadêmica e profissional, e o quanto me dedico, em prol de apontar, as violências simbólicas que permeiam os ambientes escolares e que muito tornam a vida dos alunos que por ali passam mais difíceis e mais conflituosas.
Portanto ele vem desvelar a dominação masculina a partir da violência simbólica que se instaura na trajetória de vida de meninos que praticam balé e de meninas que jogam futebol, e nessa direção mostrar o enfretamento diário que os cercam socialmente, tanto nos campos específicos dessas práticas quanto no âmbito escolar, salientando as aulas de Educação Física.
Para tanto foi utilizada a teoria bourdieusiana, cuja perspectiva aponta que a ordem masculina, na realidade da sociedade brasileira, está inserida nos corpos, fazendo vítimas tanto os meninos como as meninas que contrariam a lógica social e, diante disso, mostrar como a escola (agência hegemonicamente reestruturadora de habitus), por meio de juízos de valores e sanções, e tendo a disciplina de Educação Física como possibilidade pedagógica para o desenvolvimento dessas práticas corporais, perpetua, constrói ou desmistifica as identidades de gênero, desconstruindo a violência simbólica verificada e fundamentada em suas trajetórias de vida.
Entendo que os gestos que realizamos todos os dias são permeados de signos e significados, muitas vezes estereotipados na realidade social das pessoas, nominando-as com pejorativos nocivos a sua identidade de gênero.
Tento, assim, desconstruir esse pensamento e mostrar que as associações feitas aos movimentos nada mais são do que preconceitos arraigados na sociedade, que foram construídos dentro da lógica masculina das coisas e que levam pessoas a serem excluídas dos ambientes sociais, principalmente da escola, por contrariarem a lógica existente.
Romper com esse pensamento hegemônico que demarca as ações masculinas e femininas na sociedade e, portanto, levar o leitor a refletir que cada campo de atuação tem suas necessidades motoras e que elas nada mais são que cumprimentos de tarefas necessárias ao bom êxito de performances, é a razão pela qual me propus a escrever este livro.
Neste livro, os capítulos estão organizados para tentar levar o leitor a romper com esse paradigma hegemônico socialmente e levá-los a desnaturalizar aquilo que foi naturalizado e eternizado na sociedade sobre o que pode e o que não pode ser realizado por homens e mulheres, como se os movimentos delimitassem nosso ir e vir, o agir e reagir; nosso corpo fala por si só, mas fala como condição de dar respostas motoras às tarefas diárias e explicitar nossos sentimentos e emoções.
A ideia desta obra é levar o leitor a construir novas possibilidades de enxergar a realidade dos movimentos, seus signos e significados, ampliar o conhecimento da realidade social que cerca bailarinos e jogadoras de futebol, para que possam entender realmente o motivo dessas posturas e gestos, e que nada disso deve interferir nos aprendizados escolares.
Assim, no primeiro capítulo abordei as representações que o corpo assumiu na sociedade em vários momentos históricos e, depois, aquelas que surgiram na realidade da sociedade brasileira.
No segundo capítulo enfatizei a mulher no esporte, especificando o futebol feminino, pois o livro traz trajetórias de vida de jogadoras de futebol. Nessa mesma direção, o capítulo três, mostra a dança no seu processo histórico e a figura do homem nesse contexto, elucidando os bailarinos para apresentar a violência simbólica surgida em suas trajetórias de vida.
No quarto capítulo destaquei a Educação Física escolar, pois a considero uma disciplina importante no ambiente escolar para tentar desconstruir o imaginário social que demarca os movimentos que rotulam e preconceituam meninos e meninas por contrariarem a lógica masculina na realização de práticas esportivas e culturais.
E no último capítulo, mostrei as trajetórias de vida, tanto dos bailarinos quanto das jogadoras de futebol, seus percalços e vitórias nos ambientes específicos dessas práticas e na escola, explicitando a violência simbólica sofrida por elegerem práticas corporais paradoxais ao legitimado socialmente.
Assim, entendo que com este livro posso trazer novos conhecimentos a todos aqueles que porventura pretendam entender e trabalhar com essa temática.
PREFÁCIO
Azul é cor de menina, rosa é cor de menino
...
Reflexões sobre a normatização de comportamentos
socialmente esperados para homens e mulheres
Quando o professor Fábio Reina me procurou para realizar seu estágio de pós-doutorado e apresentou a proposta de pesquisa, imediatamente me entusiasmei pelo tema, atual e socialmente relevante: Pés trocados: a violência simbólica em bailarinos e jogadoras de futebol.
Nos últimos anos, o Brasil tem revelado de forma mais ostensiva sua face preconceituosa, discriminatória e machista
, em que comportamentos, ações e atitudes que confrontam valores heteronormativos padronizados e construídos historicamente, são marginalizados e atacados por setores que se arvoram como defensores da boa conduta. Crenças religiosas, geralmente fundamentalistas, têm influenciado ações políticas que desqualificam, reprimem e impedem iniciativas voltadas para a cidadania, os direitos humanos, o combate à igualdade de gênero e à homofobia.
A mídia tem mostrado atitudes violentas que resultam em agressões físicas contra mulheres em contextos antes inimagináveis, como lugares públicos, com presença de pessoas que testemunham o ocorrido. O fato de uma mulher recusar a companhia de um homem em uma balada ou em um bar pode ser justificativa para ser agredida fisicamente.
Nesse contexto, estudos que contribuam para tornar visíveis essas relações de violência e discriminação são muito bem-vindos e extremamente necessários no processo de autoconhecimento das pessoas envolvidas, na identificação de atitudes e práticas que necessitam ser tematizadas e debatidas, e na valorização de uma cidadania ativa que promova o reconhecimento dos direitos individuais.
No entanto passa-se despercebida uma violência que não é aparente, mas que está presente na sociedade de forma simbólica, e justamente por essa característica, podemos considerá-la a eliciadora (no sentido behaviorista mesmo) de respostas condicionadas das formas concretas de violência descritas anteriormente.
Desde que nascem, meninos e meninas são direcionados(as) a seguirem normas socialmente construídas que estabeleçam aquilo que é dos homens e aquilo que é das mulheres. Esse direcionamento é estabelecido desde a escolha da cor das roupas dos bebês: azul para os meninos e rosa para as meninas. E para quem se defenda dizendo que hoje há cores alternativas, como o amarelo e o verde, eu insisto: alguém compra roupa rosa e coloca em um bebê do sexo masculino? A naturalização
dos atributos, comportamentos e escolhas das pessoas a partir de seu sexo genital continua vida afora. Nos primeiros anos escolares, na arrumação da sala de aula para alguma comemoração, quando a professora pede às meninas para varrerem a sala e aos meninos, que são fortes
, que arrastem as carteiras para o canto... Em casa, quando a mãe manda a irmã arrumar a cama dela e a do irmão... E até nas escolhas profissionais, pois há cursos que são mais femininos (Pedagogia, Psicologia, Enfermagem, Terapia Ocupacional) e cursos que são mais masculinos (as Engenharias, por exemplo). Essa discriminação também se dá nos esportes, pois há aqueles que são considerados masculinos (futebol, lutas) e os que são considerados femininos (balé, dança), e geralmente a sociedade não vê com bons olhos uma inversão na escolha que meninos e meninas façam em relação às práticas desportivas.
A pesquisa explorada neste livro se refere exatamente a este contexto: a dominação masculina a partir da violência simbólica que se instaura na trajetória de vida de meninos que praticam balé e de meninas que jogam futebol
.
A escola é um dos espaços mais apropriados para as práticas desportivas, mas como