A educação física na educação de jovens e adultos: Experiências da realidade brasileira
De Maria Cecília da Silva Camargo, Maria da Conceição dos Santos Costa e Rosa Malena de Araújo Carvalho
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Sobre este e-book
Nesse cenário historicamente adverso, através da obra A EDUCAÇÃO FÍSICA NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS NO BRASIL – experiências da realidade brasileira, afirmamos a defesa radical da EJA enquanto um direito público subjetivo à escolarização no Brasil, assim como o direito ao trabalho do(a) professor(a) de educação física que vem construindo possibilidades educativas, lúdicas e críticas para a atuação pedagógica com os sujeitos da EJA. O presente livro é expressão de um trabalho coletivo, com representantes de diversas regiões do Brasil, diferentes pensamentos teórico-metodológicos que trazem as resistências, os estudos e as pesquisas de sujeitos históricos que pautam a Educação Física na Educação de Jovens e Adultos.
Ao publicar tornamos público, colocamos este livro em debate e nos somamos aos docentes de educação física que integram a EJA no Brasil; aos demais docentes que vivem - junto com jovens e adultos trabalhadores - a educação básica neste país; aos coordenadores pedagógicos e gestores que compreendem o papel formativo da educação física na EJA e que possibilitam a realização de ações educativas pautadas no direito, no acesso e na permanência à escolarização com qualidade e; aos docentes que estão nas universidades formando para a educação básica.
As organizadoras
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Pré-visualização do livro
A educação física na educação de jovens e adultos - Maria Cecília da Silva Camargo
A EDUCAÇÃO
FÍSICA
NA EDUCAÇÃO
DE JOVENS
E ADULTOS
EXPERIÊNCIAS
DA REALIDADE
BRASILEIRA
ORGANIZADORAS
MARIA CECÍLIA DA SILVA CAMARGO
MARIA DA CONCEIÇÃO DOS SANTOS COSTA
ROSA MALENA DE ARAÚJO CARVALHO
EDITORA UFSM
SANTA MARIA, RS – 2021
"A necessária promoção da ingenuidade à
criticidade não pode ou não deve ser feita a distância de
uma rigorosa formação ética ao lado sempre da estética.
Decência e boniteza de mãos dadas [...].
Mulheres e homens, seres histórico-sociais, nos tornamos
capazes de comparar, de valorar, de intervir, de escolher,
de decidir, de romper, por tudo isso nos fizemos seres éticos.
Só somos porque estamos sendo. Estar sendo
é a condição, entre nós, para ser.
Não é possível pensar os seres humanos longe,
sequer, da ética, quanto mais fora dela."
(FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia.
26ª ed. São Paulo: Paz e Terra, p. 32-33)
SUMÁRIO
PREFÁCIO
APRESENTAÇÃO
CENTRO-OESTE
EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS EM MOVIMENTO: ALTERNATIVAS HISTÓRICAS DA EDUCAÇÃO FÍSICA NA ESCOLA PÚBLICA
Lênin Tomazett Garcia
NORDESTE
NEXOS E RELAÇÕES ENTRE A ELEVAÇÃO DA CAPACIDADE TEÓRICA DE CRIANÇAS, JOVENS E MULHERES E A EDUCAÇÃO EM ÁREAS DE REFORMA AGRÁRIA NA BAHIA: CONTRIBUIÇÕES DA PEDAGOGIA HISTÓRICO-CRÍTICA E DA ABORDAGEM CRÍTICO-SUPERADORA DA EDUCAÇÃO FÍSICA
Celi Nelza Zulke Taffarel, Clara Lima de Oliveira, Erica Cordeiro Cruz Sousa, Márcia Morschbacher e Matheus Lima de Santana
A EDUCAÇÃO FÍSICA E A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS (EJA): REFLEXÕES A PARTIR DO MUNICÍPIO DE NATAL – RN
Joyce Mariana Alves Barros, Maria Aparecida Dias, Allyson Carvalho de Araújo e José Pereira de Melo
NORTE
SER PROFESSOR DE EDUCAÇÃO FÍSICA NA EJA: UM RITO DE PASSAGEM
Walisson Santos da Silva, Emanuela Lima Rodrigues, Adelzita Valéria Pacheco de Souza e Adriane Corrêa da Silva
TRABALHO DOCENTE EM EDUCAÇÃO FÍSICA NA ESCOLA PÚBLICA COM JOVENS E ADULTOS TRABALHADORES NA AMAZÔNIA PARAENSE
Maria da Conceição dos Santos Costa
SUDESTE
NO CORPO AS EXPERIÊNCIAS E MEMÓRIAS DOS EDUCANDOS DA EJA: AS POSSIBILIDADES DE DIÁLOGO DA EDUCAÇÃO FÍSICA COM A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS
Luis Olavo Fonseca Ferreira
EDUCAÇÃO FÍSICA E EJA: O QUE TEMOS A CONTAR
Vinícius Penha
CORPOREIDADE: CONCEITO MOBILIZADOR DA EDUCAÇÃO FÍSICA AO ENSINO, À PESQUISA E À EXTENSÃO NA EJA
Rosa Malena Carvalho
SUL
TRAJETÓRIAS NA VIDA, NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS E NA EDUCAÇÃO FÍSICA: AS VOZES DOS ESTUDANTES-TRABALHADORES
José Antônio Padilha dos Reis e Vicente Molina Neto
EDUCAÇÃO FÍSICA NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: CONSIDERAÇÕES A PARTIR DA REALIDADE DE SANTA MARIA/RS
Maria Cecília da Silva Camargo, Alessandra dos Santos Paim, Ariéle de Carvalho Soares e Cristina de Vargas Marconato
SOBRE OS AUTORES
CRÉDITOS
PREFÁCIO
EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS – EDUCAÇÃO FÍSICA: DIÁLOGOS POR OUTRO PARADIGMA PEDAGÓGICO
Miguel G. Arroyo
¹
Como aproximar-nos destas análises sobre a educação de jovens-adultos? Na sua diversidade apontam para uma questão nuclear: se pretendemos entender, afirmar a EJA e especificamente afirmar a função da Educação Física, somos obrigados a repensar as formas de pensar, de segregar os jovens-adultos que, como Passageiros da noite², vêm do trabalho e continuam lutando por direitos, por educação, por uma vida justa. Humana.
Lendo estas análises, reforcei minha convicção de que o histórico isolamento-segregação da EJA é inseparável da histórica segregação desses coletivos sociais, de gênero, raça, etnia, classe, que até jovens-adultos teimam em lutar por direitos. Por educação. A diversidade de análises traz Outra EJA, Outra Educação Física ao trazer um Outro olhar sobre esses jovens-adultos.
O referente de qual EJA, de qual Educação Física e que formação de educadores têm de ser para entender os sujeitos-educandos concretos, sociais. Entender de quais percursos de lutas, de resistências à opressão chegam. Que saberes, valores, culturas, identidades, consciência levam. Em que matrizes de formação humana, de resistências à opressão-desumanização se formam, humanizam.
As diversas análises se aproximam, coincidem em pôr o foco nos jovens-adultos, em como olhá-los para olhar-nos e avançar em qual EJA, qual Educação Física, qual formação de profissionais. Olhamo-nos como docentes-educadores com o olhar com que olhamos os educandos. As elites, o Estado, segregam a escola pública e a EJA com o mesmo olhar com que segregam os trabalhadores desde a infância à vida adulta.
As análises na diversidade de ênfases são um convite a repensar, reeducar o olhar sobre os educandos como uma exigência para repensar, reeducar o olhar sobre a EJA, a Educação Física, sobre sua função social, política, ética, pedagógica, sobre a formação inicial e continuada de seus profissionais. Que indagações vêm das análises desta coletânea?
Nesta apresentação socializo alguns dos apontamentos que a leitura destas análises me provocou.
Como vemos os jovens-adultos na EJA.
Superar ver os jovens-adultos com olhares escolarizantes.
Vêm do trabalho e das lutas do campo para a EJA. Que radicalidades afirmam?
Juventude-vida adulta, tempos humanos de formação humana.
Educar jovens-adultos roubados de suas humanidades.
Sujeitos de resistências humanizadoras.
Que Educação Física na Educação desses jovens-adultos?
Os textos-análises podem ser uma oportunidade-desafio para temas geradores de estudo, formação de educadores-profissionais na educação inicial e continuada. De maneira específica, temas geradores de formação de educadores de Educação Física.
COMO VEMOS OS JOVENS-ADULTOS NA EJA
A leitura destas análises nos interroga sobre como vemos os jovens-adultos com quem trabalhamos. Parto da hipótese de que como os vemos, nos vemos, vemos nosso ser docente-educador, vemos nossa formação profissional, pautamos nossa docência, o que ensinamos, como, com que didáticas.
Desde o livro Ofício de Mestre (ARROYO, 2000), acompanha-me a certeza de que nós, profissionais que trabalhamos com pessoas, vemo-nos na imagem social, no espelho no qual vemos educandas, educandos, crianças, adolescentes, jovens ou adultos. Quando os educandos são Outros, obrigam-nos a vê-los como Outros, e somos obrigados a pensar-nos, a ser Outros.
Quando, como Secretário da Rede Municipal de Belo Horizonte, chegava às escolas, no início dos 90, ouvia dos professores: os alunos são Outros, temos que ser Outros
. Com a chegada de crianças, adolescentes e de jovens-adultos com vidas tão quebradas, percebemos que as imagens que tínhamos dos educandos se quebraram, e com elas também se quebraram nossas autoimagens docentes. O livro Imagens Quebradas: trajetórias e tempos de alunos e mestres (ARROYO, 2004) sintetiza esses processos de sermos obrigados a quebrar nossas autoimagens profissionais quando os educandos são outros.
Esse repensar nossas identidades no espelho dos educandos com quem trabalhamos merece tempos de estudo-formação especial nos educadores de jovens-adultos. Como os vemos? Uma pergunta persistente a orientar tempos de formação inicial e continuada. A especificidade dos jovens-adultos que chegam à EJA nos obriga a vê-los com Outros olhares em relação a como foram olhados, pensados, no ensino fundamental ou médio. São Outros exigindo ser olhados, pensados, tratados como Outros. Uma lição persistente nestas análises: Quem são esses jovens-adultos na EJA? Teremos de mudar nosso olhar para vê-los como realmente são?
Os textos nos defrontam com essa questão. Como olhamos esses jovens-adultos? Como olhamos os educandos? O como olhamos as escolas públicas, a EJA, tem como referente o como olhamos os educandos. A função esperada das escolas públicas, da EJA, tem como referente o que esperamos, o que a sociedade espera ou nem espera dos educandos populares, dos jovens-adultos trabalhadores. Começar por perguntar-nos com que olhar olhamos os jovens-adultos será o melhor caminho para avançar no entender a EJA e a Educação Física na EJA.
SUPERAR VER OS JOVENS-ADULTOS COM OLHARES ESCOLARIZANTES
A diversidade de textos reforça o peso do olhar escolarizante que incide sobre a EJA e a Educação Física. Uma pergunta a merecer tempos de estudo: se as diretrizes curriculares da EJA não carregam um olhar escolarizante sobre a própria EJA, por que não superam o olhar escolarizante sobre os jovens-adultos?
A ênfase continua vendo-os como não letrados na idade certa, logo letrados na idade incerta – juventude, vida adulta. Vendo-os como analfabetos, logo EJA para erradicar o analfabetismo – vergonha nacional. Adolescência, juventude, adultos com percursos escolares truncados, reprovados, repetentes. EJA – novas oportunidades de suprir percursos escolares. EJA – suplência de escolarização não feita, de corrigir o fluxo escolar incompleto.
Essa visão escolarizante perpassa não só a EJA, como todo o direito à educação dos grupos populares. O E do MEC e do PNE reduzido a E de ensino, não como E de educação. Uma visão reducionista que tem marcado a função das escolas, da EJA e a autoimagem dos profissionais da educação, reduzidos a ensinantes. É significativo que o termo Níveis de Ensino Fundamental e Médio tenha prevalecido na LDB, mas carrega um significado especial que na própria LDB se reserve o termo educação para a Educação Infantil, Educação de Jovens e Adultos e Educação Física.
Os textos criticam como o reducionismo do ensino invade essas modalidades reconhecidas como Educação, reduzidas a ensino, educadores ensinantes, alunos jovens-adultos, até crianças aprendizes. Visões escolarizantes reducionistas que se impõem na educação de jovens-adultos e até na educação da infância.
Os textos se defrontam com essa visão escolarizante. Tentam avançar aprofundando como os jovens e adultos se pensam, como seus educadores se pensam. Como reagem a essas imagens de reprovados, de analfabetos, sem cabeça para as letras, irracionais – com problemas de aprendizagem ou sem hábitos de estudo, trabalho, disciplina. Os textos sugerem análises críticas dessas imagens tão negativas, antiéticas, antipedagógicas com que a sociedade e até as escolas persistem em ver, segregar os jovens-adultos desde as infâncias. Lembrando Paulo Freire, formas antipolíticas, imorais, antipedagógicas, de opressão, de roubar-lhes suas humanidades. Voltam à EJA esperando serem olhados com olhares, tratos, mais positivos para recuperar suas humanidades?
VÊM DO TRABALHO E DAS LUTAS DO CAMPO PARA A EJA. QUE RADICALIDADES AFIRMAM?
Há textos que problematizam como superar olhares escolarizantes, reconhecendo as radicalidades que afirmam os jovens-adultos que chegam à EJA, do trabalho e das lutas nas cidades, nos campos. Desses jovens-adultos vêm radicalidades para repensar, afirmar Outra EJA, Outro paradigma pedagógico e da EJA?
No livro Passageiros da Noite: do Trabalho para a EJA: itinerários pelo direito a uma vida justa (ARROYO, 2017), lembro que da Educação de Jovens e Adultos na educação do campo vem lições a aprender sobre como ver os jovens-adultos trabalhadores em lutas por terra, territórios. Os significados radicais dados à educação do e no campo, indígena, quilombola radicalizam a EJA-Campo, trazem propostas radicais para toda a educação dos jovens e adultos trabalhadores, radicalidades que vêm das tensões postas pelos movimentos sociais por Outro projeto de educação (Outra EJA), em outro projeto de sociedade, de campo, de cidade. Lutas em que se mostram Outros, obrigando a vê-los como Outros.
De onde vêm essas radicalidades para a EJA-Campo? De reconhecer que os jovens-adultos chegam Outros, afirmam-se Outros, com outra consciência, outros saberes a exigir a apropriação de Outro saber sistematizado que fortaleça seu ler a realidade, seu ler-se na condição de classe, etnia, raça, gênero, resistindo por libertação. Chegam construindo, afirmando uma consciência de classe, saberes e cultura de classe.
Dos tempos de EJA, não esperam conhecimentos que fortaleçam esses saberes, essa consciência e cultura, que fortaleçam sua capacidade teórica? Um projeto de EJA que os reconheça produtores de saberes produzidos como classe trabalhadora nas lutas por teto, terra, pela transformação social. Uma lição: não fechar o olhar vendo a EJA, os estudantes na EJA, mas começar por vê-los de onde chegam das lutas coletivas, sabendo-se e afirmando-se sujeitos de saberes, valores, culturas, consciências dignas de serem entendidas, reconhecidas, fortalecidas.
Juventude, vida adulta: tempos humanos de formação humana.
Os textos trazem propostas corajosas que vêm avançando em tentar recuperar o direito à educação como direito a mais do que ensino: direito à formação humana como consta na Constituição e na LDB. Tentativas de superar o empobrecimento do direito à educação reduzido a ensino. Tentativas de ver os educandos como sujeitos de direito a ser humanos, a se formar como humanos, o que acompanha todos os humanismos pedagógicos desde a Paideia. Tentativas abafadas pela ênfase no ensinar-aprender na idade certa, ou incerta, na EJA, no nível, na série certos.
Reafirmar o direito à educação como formação humana traz uma exigência: qual a especificidade de cada tempo humano como tempo de formação? A especificidade formadora como humanos na totalidade de dimensões – intelectual, cultural, moral, política, identitária de classe, gênero, raça em cada tempo humano?
Por aí é possível repensar a EJA como um tempo humano específico de formação humana. Não uma modalidade de ensino. Não ver a EJA como um tempo de suplência de percursos não feitos na infância, adolescência, mas o tempo de juventude e de vida adulta como tempos específicos na empreitada de formar-nos humanos, tarefa de toda vida. Reconhecer os jovens-adultos como sujeitos de direito à formação na condição de jovens-adultos muda radicalmente a visão da EJA, dos próprios educandos e dos seus educadores. Avançar nesse olhar seria a forma radical de desescolarizar a visão da EJA. Por que se resiste a reconhecer os jovens-adultos sujeitos de direito à formação humana na especificidade de seus tempos humanos? Porque nos defronta como profissionais com questões identitárias: o que é ser profissional da formação humana na especificidade desses tempos humanos: juventude, vida adulta? O que saber sobre esses tempos humanos? Que dimensões da formação humana plena entender, acompanhar, fortalecer? Questões nucleares nos currículos, nos tempos de formação inicial e continuada de profissionais da educação de jovens-adultos.
EDUCAR JOVENS-ADULTOS ROUBADOS EM SUAS HUMANIDADES
Paulo Freire, na Pedagogia do Oprimido (1987), é lembrado como trazendo outro método de educação de jovens-adultos. Será preferível lembrar Paulo Freire com um olhar mais radical: vendo-os como oprimidos ou desconstruindo o olhar escolarizante, e trazendo Outro paradigma pedagógico, Outro humanismo pedagógico (ARROYO, 2019). Paulo Freire os vê oprimidos roubados em suas humanidades, proibidos de ser como humanos.
Estamos celebrando mais de 50 anos desse Olhar. Tempos em que a opressão persiste, desumaniza, rouba humanidades de crianças, de adolescentes e, sobretudo, de jovens-adultos. Não são esses oprimidos roubados em suas humanidades os Passageiros da Noite para a EJA?
Que formação profissional para entender os processos desumanizantes que os oprimem e que os levam para a EJA? Entender processos de desumanização é mais radical do que ser docentes a suprir letramentos na idade incerta. Seria essa uma dimensão radical exigida de profissionais e tempos humanos tão marcados pelos processos de opressão-desumanização? Como a sociedade, a pobreza, a segregação de classe, raça, etnia, gênero os condenam a que processos de desumanização? Não lutam por EJA em itinerários por direito à vida justa-humana? Por recuperar humanidades roubadas?
Saber-se roubados em suas humanidades exige dos mestres-educadores mais do que entender de como dominar letramentos, e até mais do que suprir suposta consciência ingênua, acrítica. Exige enfrentar a própria função social, política, da pedagogia: entender, acompanhar os processos de formação humana. Ser educadoras, educadores, de oprimidos que chegam à EJA roubados em suas humanidades exige entender os processos de desumanização, entender, acompanhar, fortalecer as tentativas de recuperação das humanidades roubadas por serem condenados à desumanização. Questões que esses jovens-adultos trazem para o pensamento político-pedagógico e para a formação inicial e continuada. Para um repensar radical da EJA e da formação de seus profissionais.
SUJEITOS DE RESISTÊNCIAS HUMANIZADORAS
Os textos avançam em análises críticas a respeito da imagem supletiva que persiste sobre a EJA, criticam pressupor que os jovens-adultos chegam carentes de letramentos, conhecimentos, valores a serem supridos, recuperados com a volta às aulas ao 1º. e 2º. segmentos. Criticam também pensar os jovens-adultos como inconscientes, sem saberes de si, a serem conscientizados para resistirem, para se libertarem da opressão. Um olhar subalternizado persistente no paradigma político, cultural, pedagógico com que, desde a pedagogia colonizadora e capitalista, foram e continuam sendo olhados, decretados os Outros com carência de humanidade. Essas formas inferiorizantes como que se concentraram no olhar dos educandos, dos pobres, das crianças, dos adolescentes nas escolas públicas e jovens-adultos trabalhadores, trabalhadoras, na EJA.
Paulo Freire traz Outro paradigma pedagógico ao reconhecer que os oprimidos se sabem roubados em suas humanidades, mas resistem, e resistindo se educam, se humanizam. Reconhecer os jovens-adultos sujeitos de consciência, saberes, valores, culturas, identidades – Sujeitos de Pedagogias de humanização – muda radicalmente o olhar sobre os jovens-adultos, a EJA, as identidades de educadores da EJA.
As indagações que se impõem como centrais na educação inicial e continuada de educadores desses jovens-adultos consistem em saber mais sobre suas resistências como matriz de sua formação intelectual, cultural, ética, identitária. Consciente, humana. De que percursos desumanos chegam, mas como resistindo, que identidades positivas constroem, repõem, a serem fortalecidas nos tempos de EJA? Saber mais sobre que consciências, valores, saberes, que Pedagogias de Oprimidos afirmam.
Outras Matrizes de Formação como Humanos que interrogam as visões hegemônicas, supletivas de EJA e de seus profissionais. Reconhecer que à EJA chegam não analfabetos, sub-humanos, mas chegam sujeitos de resistências políticas conscientes por emancipação, por humanização, muda radicalmente a função da EJA e a função dos seus profissionais. Como dedicar tempos de formação inicial e continuada a avançar nesses reconhecimentos de trabalhar com educandos resistentes-conscientes em processos de humanização?
QUE EDUCAÇÃO FÍSICA NA EDUCAÇÃO DESSES JOVENS-ADULTOS?
As análises repõem essa pergunta com insistência. Que Educação Física, que profissionais, o que trabalhar com jovens-adultos em itinerários de corpos de trabalho para a EJA? Os textos mostram que as incertezas e as buscas de que Educação Física nas escolas se radicalizam, sendo educadores de jovens-adultos. Na riqueza da diversidade de análises podemos encontrar propostas que mostram que dimensões são possíveis, urgentes, de trabalhar. Permito-me destacar algumas dessas dimensões que as análises apontam:
Corpos de jovens-adultos. No ir-voltar do trabalho para a EJA revelam seus corpos com marcas tão próximas dos corpos em movimentos, em marchas, ocupações, no ir-voltar dos trabalhos. Ver sujeitos corpóreos. Mas que corpos? Seria essa uma das funções pedagógicas da Educação Física na educação dos jovens-adultos. Educar o pensar pedagógico-docente para mais do que mentes a instruir, do que espíritos a moralizar?
Problematizar os sentidos atribuídos aos corpos, nos ideais, ideários hegemônicos dos corpos, nas concepções segregadoras, moralizadoras dos corpos na sociedade e nas escolas. Problematizar as dicotomias corpo-espírito, o vigiar, punir os corpos como violentos, indisciplinados. Problematizar o ver os corpos como incômodos, ao fazer pedagógico-docente. Problematizar didáticas estáticas, imobilizantes dos corpos. Afirmar pedagogias de corpos em movimentos para além da Educação Física.
Afirmar o paradigma da cultura corporal como virada política-pedagógica. A corporeidade como condutor de projetos de Educação Física na EJA. Mas que cultura corporal priorizar? Que corporeidades? Não de culto aos cuidados com os corpos, mas ver, valorizar, os corpos como matrizes de culturas, de identidades culturais, individuais e coletivas. Corpos matrizes de identidades corpóreas, de gênero, etnia, raça, trabalho, classe, orientação sexual... Desconstruir culturas hegemônicas, segregadoras das diversidades, de segregações dos corpos. Como trabalhar identidades corpóreas de etnia, raça, gênero segregadas em nossa história?
Que experiências corpóreas carregam? Negativas, positivas? Um trato da cultura corporal realista, priorizando trabalhar a especificidade de suas trajetórias de vida em corpos precarizados desde a infância (ARROYO, 2012), e que são um traço marcante nos corpos que chegam à EJA. Trabalhar a Educação Física com educandos com vivências de corpos oprimidos exige uma pergunta persistente: que cultura corporal carregam dessas vivências? Cultura corpórea de opressão? De rejeição dos seus corpos? De resistências à opressão formando culturas corpóreas resistentes, afirmativas?
Corpos testemunhas de histórias-memórias coletivas. Trabalhar com as artes, literatura,