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Arsène Lupin: Contra Herlock Sholmès
Arsène Lupin: Contra Herlock Sholmès
Arsène Lupin: Contra Herlock Sholmès
E-book259 páginas3 horas

Arsène Lupin: Contra Herlock Sholmès

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Sobre este e-book

A derradeira batalha de inteligência entre o mais ágil ladrão francês e o mais astuto detetive britânico.


Este clássico contém duas aventuras que colocam Arsène Lupin contra o único homem capaz de detê-lo: o detetive mais famoso do mundo, Herlock Sholmès. Quem sairá triunfante?


Com um tom por vezes irónico, Arsène Lupin Contra Herlock Sholmès traz todas as marcas da ficção policial clássica e acelerará o pulso dos fãs de mistério e policial.


Encarado como a irónica resposta francesa a Sherlock Holmes, este é o segundo livro de uma série de vinte títulos empolgantes que Maurice Leblanc dedicou a Lupin, uma das personagens mais marcantes do policial de sempre.

IdiomaPortuguês
EditoraCultura
Data de lançamento11 de nov. de 2021
ISBN9789899039469
Arsène Lupin: Contra Herlock Sholmès
Autor

Maurice Leblanc

Maurice Leblanc was born in 1864 in Rouen. From a young age he dreamt of being a writer and in 1905, his early work caught the attention of Pierre Lafitte, editor of the popular magazine, Je Sais Tout. He commissioned Leblanc to write a detective story so Leblanc wrote 'The Arrest of Arsène Lupin' which proved hugely popular. His first collection of stories was published in book form in 1907 and he went on to write numerous stories and novels featuring Arsène Lupin. He died in 1941 in Perpignan.

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    Arsène Lupin - Maurice Leblanc

    Primeiro episódio

    A mulher loura

    O número 514 — série 23

    No dia 8 de dezembro do ano passado, o Sr. Gerbois, professor de matemática no liceu de Versalhes, desenterrou, da confusão de um comerciante de bugigangas, uma pequena secretária de mogno que, pela abundância de gavetas, lhe agradou bastante.

    «É justamente do que eu preciso para o aniversário da Suzanne», pensou ele.

    Engenhoso como era, na medida dos seus modestos recursos, para agradar à filha regateou o preço e pagou a soma de sessenta e cinco francos.

    No momento em que fornecia o seu endereço para a entrega, um jovem, de maneiras elegantes, após bisbilhotar um pouco por todo o lado, apercebeu-se do mesmo móvel e perguntou:

    – Quanto?

    – Está vendido – devolveu o comerciante.

    – Ah! Ao cavalheiro, talvez?

    O Sr. Gerbois fez uma saudação e, ainda mais contente por agora possuir um móvel cobiçado por um semelhante, retirou-se.

    Mas não tinha chegado ainda a dar dez passos pela rua quando foi alcançado pelo rapaz, que, de chapéu na mão e num tom de perfeita cortesia, lhe disse:

    – Peço-lhe mil perdões, cavalheiro… eu quero colocar-lhe uma pergunta indiscreta… o senhor estava à procura especificamente dessa secretária?

    – Não. Estava à procura de uma balança em saldo, para umas experiências de física.

    – Consequentemente, não faz muita questão dela?

    – Gostei dela, apenas isso.

    – Porque é antiga, talvez?

    – Porque é prática.

    – Nesse sentido, consentiria trocá-la por uma escrivaninha igualmente prática, mas em melhor estado?

    – Esta está em bom estado, e a troca parece-me inútil.

    – E no entanto…

    O Sr. Gerbois é um homem facilmente irritável, de temperamento suscetível. Respondeu secamente:

    – Peço-lhe, cavalheiro, não insista.

    O desconhecido plantou-se à sua frente.

    – Ignoro o preço que pagou, senhor… ofereço-lhe o dobro.

    – Não.

    – O triplo?

    – Oh! Paremos com isto – exaltou-se o professor, impaciente –, o que me pertence não está à venda.

    O rapaz olhou-o fixamente, com uma expressão de que o Sr. Gerbois não iria esquecer-se, e depois, sem nada dizer, girou os calcanhares e afastou-se.

    Uma hora mais tarde, entregavam o móvel na pequena casa que o professor ocupava na estrada de Viroflay. Ele chamou a filha.

    – É para ti, Suzanne, se gostares.

    Suzanne era uma rapariga bonita, expansiva e feliz. Atirou-se ao pescoço do pai e abraçou-o com a mesma alegria que o teria feito se ele lhe tivesse oferecido um presente digno da realeza.

    Naquela mesma noite, após a ter instalado no quarto com a ajuda de Hortense, a empregada, ela limpou as gavetas e arrumou cuidadosamente os seus papéis, as suas caixas de envelopes, a sua correspondência, a sua coleção de postais e algumas lembranças furtivas que ela conservava afetuosamente do seu primo Philippe.

    No dia seguinte, às sete e meia, o Sr. Gerbois foi para o liceu. Às dez horas, Suzanne, seguindo o hábito quotidiano, esperava-o à saída, e para ele era um grande prazer avistar, no passeio em frente ao portão, a figura graciosa dela, com aquele sorriso de criança.

    Voltaram juntos.

    – E a tua secretária?

    – É uma pura maravilha! Hortense e eu polimos os detalhes em cobre. Ficou a parecer feita de ouro.

    – Então estás contente?

    – Se estou! Nem sei como pude viver sem ela até aqui.

    Atravessaram o jardim que precedia a casa. O Sr. Gerbois propôs:

    – Vamos dar-lhe uma olhadela antes do almoço?

    – Oh! Sim, é uma boa ideia.

    Ela subiu primeiro, mas, ao chegar à porta do quarto, gritou de assombro.

    – O que se passa? – balbuciou o Sr. Gerbois.

    De seguida, entrou no quarto. A secretária já não estava lá.

    O que espantou o juiz de instrução foi a admirável simplicidade dos meios aplicados. Na ausência de Suzanne, e enquanto a empregada tinha ido às compras, um transportador, devidamente identificado – os vizinhos viram a sua matrícula –, parara a carroça em frente ao jardim e tocara duas vezes. Os vizinhos, ignorando a ausência da empregada, não alimentaram qualquer suspeita, de modo que o indivíduo executou o serviço na mais absoluta tranquilidade.

    De notar que nenhum armário fora arrombado, nenhum relógio de parede fora deslocado. Ademais, o porta-moedas de Suzanne, que ela tinha deixado no tampo de mármore da secretária, estava na mesa ao lado e com as moedas de ouro que continha. A motivação, portanto, estava claramente determinada, o que o tornava o roubo ainda mais inexplicável, pois, afinal, por que razão correr tantos riscos por um saque tão irrisório?

    O único indício que o professor pôde fornecer foi o incidente da véspera.

    – Imediatamente, o rapaz manifestou, perante a minha recusa, uma viva contrariedade e fiquei com uma impressão muito nítida de que ele se despediu com uma ameaça.

    Isto era muito vago. Interrogaram o antiquário. Ele não reconheceu nenhum dos dois cavalheiros. Quanto ao objeto, comprara-o por quarenta francos na Chevreuse, num leilão decorrente de um falecimento, e acreditava tê-lo revendido por um valor justo. A investigação que se seguiu nada acrescentou.

    Mas o Sr. Gerbois continuou convencido de que sofrera um prejuízo enorme. Uma fortuna devia estar escondida no fundo falso de uma das gavetas, devia ser essa a razão pela qual o rapaz, conhecedor do esconderijo, agira com tanta determinação.

    – Meu pobre pai, que teríamos feito com essa fortuna? – repetia Suzanne.

    – Como? Ora, com um dote desses, podias aspirar aos melhores partidos.

    Suzanne, que limitava as suas pretensões ao primo Philippe, que constituía um partido medíocre, suspirava amargamente. E, na pequena casa de Versalhes, a vida continuou, menos alegre, menos calma, assombrada por arrependimentos e deceções.

    Dois meses se passaram. E, subitamente, um atrás do outro, os acontecimentos mais graves, uma série inesperada de coincidências e de catástrofes!

    A 1 de fevereiro, às cinco e meia, o Sr. Gerbois, que acabava de chegar com um jornal vespertino nas mãos, sentou-se, colocou os óculos e começou a ler. A política não lhe interessava, virou a página. Imediatamente um outro artigo chamou-lhe a atenção, intitulado:

    «Terceiro sorteio da Lotaria das Associações da Imprensa.

    O número 514 — série 23, ganha um milhão…»

    O jornal escorregou-lhe das mãos. As paredes vacilaram diante dos seus olhos e o seu coração parou de bater. O número 514 — série 23 era o seu número!

    Tinha-o comprado por acaso, para fazer um favor a um amigo, pois não acreditava, nem minimamente, nos favores do destino, e eis que ganhava!

    Pegou imediatamente na sua caderneta. O número 514 — série 23 lá estava escrito, para que ele não se esquecesse, na primeira página. Mas e o bilhete?

    Correu na direção do seu gabinete de trabalho para o procurar na caixa de envelopes, entre os quais guardara o precioso bilhete, e, mal entrou, parou, vacilando outra vez e com o coração apertado: a caixa de envelopes não estava ali e, coisa aterradora, deu-se subitamente conta de que a caixa de envelopes não estava ali há semanas! Há semanas que ele deixara de a ver durante as horas nas quais corrigia os trabalhos dos seus alunos!

    Um barulho no cascalho do jardim… Chamou:

    – Suzanne! Suzanne!

    A filha veio a correr. Subiu precipitadamente. O pai balbuciou, numa voz engasgada:

    – Suzanne… a caixa… a caixa de envelopes?

    – Qual?

    – Aquela do Louvre… que eu tinha trazido numa quinta-feira… e que estava na ponta desta mesa.

    – Mas lembre-se, pai… Estávamos juntos quando a guardámos…

    – Quando?

    – Naquela noite… você sabe… na véspera do dia…

    – Mas onde? Responde… Estás a matar-me com isso…

    – Onde? Na secretária.

    – Na secretária que foi roubada?

    – Sim.

    – Na escrivaninha que foi roubada!

    Ele repetiu aquelas palavras baixinho, numa espécie de pavor. De seguida, agarrou na mão da filha e disse num tom ainda mais baixo:

    – Ela continha um milhão, minha filha…

    – Ah! Pai, porque não me contou? – murmurou ela ingenuamente.

    – Um milhão! – repetiu. – Era o número vencedor da Lotaria da Imprensa.

    A enormidade do desastre desgraçou-os e, por muito tempo, guardaram um silêncio que não tinham coragem de romper.

    Por fim, Suzanne pronunciou-se:

    – Mas pai, eles vão pagar-lhe de qualquer maneira.

    – Por que razão? Com que provas?

    – É preciso provas?

    – Que pergunta!

    – E você não tem provas?

    – Sim, tenho uma.

    – Então?

    – Ela estava na caixa.

    – Na caixa que desapareceu?

    – Sim. E outro irá ficar com o dinheiro.

    – Mas isso é abominável! Então, pai, você não pode opor-se?

    – Não sei! Não sei! Esse homem deve ser muito forte! Dispõe de muitos recursos! Lembra-te… o assunto do móvel…

    Ele levantou-se num sobressalto, batendo com o pé no chão:

    – Pois bem, não, não, ele não ficará com esse milhão, não ficará! Porque o receberia? No final de contas, por mais hábil que seja, ele também não pode fazer nada. Caso se apresente para o receber, será preso! Ah! Vamos ver, meu rapaz!

    – Tem então uma ideia, pai?

    – Defender os nossos direitos até o fim, aconteça o que acontecer! E triunfaremos! O milhão pertence-me: será meu!

    Alguns minutos mais tarde, enviou o seguinte telegrama:

    «Diretor do Crédit Foncier, Rua Capucines, Paris.

    Sou detentor do número 514 — série 23, rejeite por todas as vias legais qualquer outra reivindicação. Gerbois.»

    Quase ao mesmo tempo chegava ao Crédito Foncier este outro telegrama:

    «O número 514 — série 23, está em minha posse.

    ARSÈNE LUPIN.»

    Sempre que começo a contar alguma das inumeráveis aventuras de que se compõe a vida de Arsène Lupin, fico verdadeiramente confuso, pois parece-me realmente que até a mais banal dessas aventuras já é do conhecimento de todos os que me irão ler. De facto, não há um gesto do nosso «ladrão nacional», como tão graciosamente o apelidaram, que não tenha sido destacado da maneira mais estrondosa, nenhuma façanha que não tenha sido estudada sob todos os seus ângulos, nenhum ato que não tenha sido comentado com essa abundância de detalhes que habitualmente reservamos ao relato das ações heroicas.

    Quem não conhece, por exemplo, a estranha história da «Mulher Loura», com aqueles episódios que os jornalistas transformavam em títulos escritos em letras muito grandes: O número 514 — série 23… O crime da Avenida Henri-Martin…! O diamante azul…! Que alvoroço à volta da intervenção do famoso detetive inglês Herlock Sholmès! Que efervescência após cada uma das peripécias que marcaram a luta entre esses dois grandes artistas! E que rebuliço pelas ruas no dia em que os ardinas vociferaram: «A prisão de Arsène Lupin!»

    A minha desculpa é que trago uma novidade: trago a chave do enigma.

    Subsiste sempre um pouco de sombra à volta destas aventuras: eu dissipo-a. Reproduzo artigos lidos e relidos, copio antigas entrevistas: mas tudo isso eu coordeno, classifico e submeto à exatidão da verdade. O meu colaborador é Arsène Lupin, cuja complacência a meu respeito é inesgotável. E é também, nesta ocorrência, o inefável Wilson, amigo e confidente de Sholmès.

    Todos se lembram da formidável gargalhada que acolheu a publicação dos dois telegramas. O próprio nome de Arsène Lupin já era uma garantia de imprevisibilidade, uma promessa de divertimento para a plateia. E a plateia era o mundo inteiro.

    Das buscas imediatamente operadas pelo Crédito Foncier, resultou que o número 514 — série 23 fora vendido por intermédio do Crédit Lyonnais, sucursal de Versalhes, ao comandante de artilharia Bessy. Ora, o comandante morrera na consequência de uma queda de cavalo. Soube-se, por colegas com os quais ele desabafara, que, pouco antes da sua morte, ele cedera o bilhete a um amigo.

    – Esse amigo sou eu – afirmou o Sr. Gerbois.

    – Prove-o – objetou o diretor do Crédit Foncier.

    – Quer que eu o prove? Facilmente. Vinte pessoas poderão dizer-lhe que eu mantinha relações assíduas com o comandante e que nos encontrávamos no café da Place des Armes. Foi lá que, um dia, a confortá-lo num momento difícil, lhe comprei o bilhete pela soma de vinte francos.

    – Tem testemunhas desse negócio?

    – Não.

    – Nesse caso, em que baseia a sua reivindicação?

    – Na carta que ele me escreveu a esse respeito.

    – Qual carta?

    – Uma carta na qual tinha o bilhete fixado.

    – Mostre-a.

    – Mas ela estava na escrivaninha roubada!

    – Encontre-a.

    Arsène Lupin divulgou-a. Foi inserida no Écho de France – o qual tem a honra de ser seu órgão oficial e do qual ele é, parece, um dos principais acionistas –, uma nota que comunicou que ele entregava nas mãos do Dr. Detinan, seu advogado, a carta que o comandante Bessy lhe escrevera pessoalmente.

    Foi uma explosão de alegria: Arsène Lupin contratava um advogado! Arsène Lupin, respeitoso para com as leis estabelecidas, designava um membro oficial para o representar!

    Toda a imprensa acorreu a casa do Dr. Detinan, influente deputado radical, homem ao mesmo tempo de alta retidão e inteligência aguda, um pouco cético, paradoxal.

    O Dr. Detinan nunca tivera o prazer de encontrar Arsène Lupin – o que lamentava profundamente –, mas, realmente, acabava de receber instruções suas, e, muito lisonjeado com a escolha, que o honrava bastante, tinha intenção de defender vigorosamente o direito do seu cliente. Abriu então o dossiê recentemente começado e, sem mais demoras, exibiu a carta do comandante. Ela provava realmente a cessão do bilhete, mas não mencionava o nome do adquirente. «Meu caro amigo…», dizia simplesmente.

    «Meu caro amigo», sou eu, acrescentava Arsène Lupin numa nota anexada à carta do comandante. «E a melhor prova é que tenho a carta comigo.»

    Uma nuvem de repórteres abateu-se imediatamente sobre a casa do Sr. Gerbois, que nada mais fazia além de repetir:

    – «Meu caro amigo» não é outro senão eu. Arsène Lupin roubou a carta do comandante com o bilhete de lotaria.

    – Ele que o prove! – replicou Lupin aos jornalistas.

    – Mas se foi ele que roubou a secretária! – protestou o Sr. Gerbois aos mesmos jornalistas.

    E Lupin ripostou:

    – Ele que o prove!

    E foi um espetáculo encantadoramente delirante esse duelo público entre os dois detentores do número 514 — série 23, as idas e vindas dos repórteres, o sangue-frio de Arsène Lupin perante a agonia do pobre Sr. Gerbois.

    O infeliz enchia o noticiário com as suas lamentações! Ele expunha os seus infortúnios com uma ingenuidade tocante.

    – Compreendam, senhores, que é o dote de Suzanne que o bandido me está a roubar ! De minha parte, quero que se dane, mas e Suzanne? Pensem um pouco, um milhão! Dez vezes cem mil francos! Ah! Eu bem sabia que a secretária continha um tesouro!

    Sem sucesso lhe objetaram que, ao levar o móvel, o seu adversário ignorava a presença de um bilhete de lotaria e que, fosse como fosse, ninguém podia prever que seria o vencedor da lotaria. Em todo o caso, o Sr. Gerbois lamuriava-se:

    – Ora, então, ele sabia! Caso contrário, por que motivo se teria dado ao trabalhado de roubar aquele miserável móvel?

    – Por razões desconhecidas, mas certamente não seria para se apoderar de um pedaço de papel que valia então a modesta soma de vinte francos.

    – A soma de um milhão! Ele sabia-o… Ele sabe tudo…! Ah, vocês não o conhecem…! Ele não vos roubou um milhão!

    O diálogo poderia ter durado. Contudo, ao décimo segundo dia, o Sr. Gerbois recebeu de Arsène Lupin uma missiva que trazia a inscrição «confidencial». Leu-a, com uma inquietude crescente:

    «Senhor, a opinião pública diverte-se às nossas custas. Não lhe parece ter chegado o momento de falarmos a sério? Da minha parte, estou firmemente convencido disso. A situação é clara: eu possuo um bilhete que não me dá, a mim, o direito de receber, enquanto o senhor, por sua vez, tem o direito de receber, mas não possui o bilhete. Assim, nada podemos um sem o outro. Ora, nem o senhor consentiria ceder-me O SEU direito, nem eu ceder-lhe O MEU bilhete. O que fazer? Vejo apenas uma forma, dividamos. Meio milhão para si, meio milhão para mim. Não acha justo? Esta sentença de Salomão não satisfaz a sede de justiça que ambos temos? Solução justa, mas solução imediata. Não é uma oferta que possa ser discutida, mas uma necessidade à qual as circunstâncias o obrigam a curvar-se. Dou-lhe três dias para refletir. Sexta-feira de manhã, gostaria de ler, nos classificados do Écho de France, uma discreta mensagem dirigida ao Sr. Arsène Lupin contendo, em termos velados, a sua adesão pura e simples ao pacto que lhe proponho. Mediante tal, o senhor entrará na posse imediata do bilhete e receberá o milhão – disposto a entregar-me quinhentos mil francos pela via que lhe indicarei posteriormente. Em caso de recusa, tomarei as minhas diligências para que o resultado seja idêntico. Mas, além dos aborrecimentos muito graves que lhe causaria tal obstinação, o senhor ainda acabaria subtraído de mais vinte e cinco mil francos, a título de despesas suplementares. Queira aceitar, senhor, a expressão dos meus sentimentos mais respeitosos. Arsène Lupin.»

    Exasperado, o Sr. Gerbois cometeu o grande erro de mostrar esta carta e de permitir que a copiassem. A sua indignação impelia-o a disparates.

    – Nada, ele não terá nada! – exclamou ele perante o enxame de repórteres. – Dividir o que me pertence? Jamais. Que ele rasgue o bilhete, se quiser!

    – No entanto, quinhentos mil francos são melhor do que nada.

    – Não é disso que se trata, mas do meu direito, e esse direito eu fá-lo-ei prevalecer nos tribunais.

    – Processar Arsène Lupin? Isso seria engraçado.

    – Não, mas o Crédit Foncier tem obrigação de me entregar o milhão.

    – Contra a apresentação do bilhete, ou pelo menos mediante a prova de que o

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