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Umbigo Sujo: Nordeste Independente
Umbigo Sujo: Nordeste Independente
Umbigo Sujo: Nordeste Independente
E-book160 páginas2 horas

Umbigo Sujo: Nordeste Independente

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Sobre este e-book

“É melhor você não me levar a sério”, avisa o autor. A vida vista de forma crua e realista pode ser muitas coisas: engraçada, reveladora ou um baita soco no estômago: “Umbigo Sujo” é uma crítica social para você ler e reler, identificar-se, e tentar não ser mais uma dessas pessoas que conseguem apenas olhar para o próprio umbigo, afinal, seja você quem for, seu umbigo está com certeza...Sujo!'You'd better not take me seriously,' warns the author. Life seen in a crude and realistic way can be many things: funny, revealing or a bad punch in the stomach: 'Dirty Belly Button' is a social criticism for you to read and reread, identify yourself, and try not to be one of those people who can only see their own belly button, after all, no matter who you are, your belly button is certainly ... Dirty!Marcelo Paes de Carvalho
IdiomaPortuguês
Data de lançamento17 de jul. de 2022
ISBN9781526003805
Umbigo Sujo: Nordeste Independente

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    Umbigo Sujo - celso costa

    cover.jpg

    Quando eu era menino meu pai disse que Inópia era uma das cidades que mais chovia em todo o Brasil. Talvez seja mais uma lembrança criada pelas minhas caraminholas que davam sentido as fantasias da minha infância. Pelo menos alguns meses do ano, dizia ele. Alguns dias da semana. Alguns minutos. Longos minutos.

    Para uma criança o tempo é uma muralha grande e intransponível. Os dias de escola e o dever de casa duram uma eternidade, as férias nunca chegam. Crianças enxergam de baixo para cima. Depois que crescem o contrário.

    Começam com a mania de reclamar e comentar o tempo. A redundância da vida. -

    Meu Deus! Você percebeu como o ano passou rápido?

    Deveriam perguntar: - Você viu a vida por ai?

    O tempo é um anão eternamente medido em detalhes incontáveis.

    Eu e um amigo meu de Sorocaba costumávamos escrever a duas mãos contos, prosas, versos, merdas. O nível alcoólico subia e as merdas ficavam mais complexas. Se é que isso é possível. Em uma dessas noites de cervejadas, merdas e filosofias supostamente fundamentadas, ele escreveu um conto que nunca mais esqueci. Zé Carlos, vulgo Juninho, era o seu nome.

    O conto relatava a saga de um homem que corria desesperadamente sem um rumo certo. Corria, corria, olhava para trás como se fosse um cacoete e voltava a correr mais. Dois passos e uma olhada para trás. Vez ou outra parava para beber alguma coisa, depois voltava a correr o mais rápido que suas pernas o permitia vencer a resistência do cansaço. Seus olhos eram pesados e vermelhos. Seu corpo era visualmente composto de ossos e pele. Suas roupas cheiravam a medo. Sua alma era carregada em um balão furado, perdido num eterno eclipse existencial. Mas depois de anos nesse ritmo ele simplesmente se entregou ao cansaço e se jogou na grama orvalhada de uma praça esquecida pela correria cega do nosso cotidiano. Ele não fazia a menor idéia de onde estava. Isso não fazia a menor diferença. Ele estava cansado. Pensava que com certeza teria escapado. Então se levantou, sentou-se confortavelmente, enxugou o suor da testa e começou a respirar como a muito não lembrava ser capaz. Mas ao olhar para trás, percebeu que a vida continuava ali. Ela sempre esteve ali.

    Claro que enfeitei um pouquinho o conto, mas era isso que ele queria dizer. Algumas pessoas nem percebem a vida. Seu Umbigo fétido e cheio de nada dá sentido a alguma coisa que chamam vida. Outros fogem dela como quem foge de Deus. Ao contrário dos adultos, as crianças sentem o bater das asas da vida correndo em suas veias. Não é a quantidade de hormônios em formação, energia... A verdade é que a sensibilidade dos nossos olhos vai perdendo nitidez não com o passar dos anos, mas com o acomodar das conquistas. Isso pode durar uma semana, um ano, uma vida. Os sonhos deixam de existir quando se realizam. Sonhamos com um bom trabalho, bem remunerado, uma pessoa para compartilhar nosso cotidiano, entre outras coisas hoje corriqueiras, e quando vivemos isso, queremos um trabalho diferente, mais dinheiro, uma pessoa que se encaixe em nossos padrões de perfeição... O tempo passa e nossos objetivos também. Quando criança sonhamos, quando adultos traçamos objetivos.

    Um sonho não tem pernas, tem asas. Um objetivo tem pernas porque perdeu as asas da inocência.

    Percebi isso quando perdi minha virgindade com uma secretária do lar na escadaria do prédio onde morava em Olinda. A empregadinha gostosinha do prédio é a palavra correta. Nós e nossas tentativas de valorizar nominando coisas, pessoas, profissões, cor, raça... O que nos valoriza deveria ser o que somos (ainda que descubramos a verdade...) e não como nos chamamos. Essa é mais uma das trezentas e noventa e sete tentativas da sociedade se descobrir como sociedade. Pura auto-afirmação babaca. Cagar e pensar cria essas merdas. Deveríamos relaxar e sentir esse momento único! Valorizar o alívio de uma boa evacuada.

    As pessoas nem sabem quem são individualmente! O que dizer de um coletivo?

    Foda-se! Esse assunto dá metros de pergaminho de histórias e argumentos dubitáveis.

    E quem sou eu? Mais um nada em meio a um monte de nada.

    É melhor nós voltarmos a falar de putaria.

    Eu tinha doze anos e ela quatorze. Moreninha, magrelinha, safadinha até a última ponta dos seus poucos pentelhos. Eu morava no sexto andar e na cobertura, logo acima do meu, tinha uma porta sempre trancada que deixava a escada escura. Foi ali que toquei pela primeira vez numa pererequinha. Era meu sonho sentir o perfume de uma xoxotinha, tocar nos seis durinhos de uma garota, sentir suas mãos no meu pintinho e finalmente penetrar como via nos filmes VHS e revistas pornô. Me masturbava e flutuava sonhando com esse tão desejado momento. Já tinha matado em punhetas homéricas todas as garotas da rua, algumas mães e até minhas primas nas longas horas de banho quente. Nem os berros de minha mãe interrompiam meu tesão. Litros de água, toneladas de imaginação. E lá estava eu com Zefinha. Não lembro o nome dela. Aliás, não lembro nome de quase ninguém da época. Vai esse mesmo. Zefinha. Estávamos no pega, pega. Mão aqui, outra ali. Até que achei a pererequinha. Meu deus, que delícia! Meu pintinho doía na cueca. Depois de uns bons amassos, comecei a tentar achar a fendinha da Zefinha. Eu achava que seria mais fácil, mas no escuro e na minha primeira vez foi foda. Depois de algumas tentativas e com ajuda da mãozinha da minha amante, senti pela primeira vez em minha vida o calor úmido de uma perereca. Foi sensacional. Gozei rápido, mas o pintinho não baixava nem a pau. Assim passamos o resto da tarde e todos os dias até ela ser mandada de volta para sua terrinha natal. Metendo sem parar. Mandaram a coitadinha embora só porque descobriram que ela dava pra todos os meninos e alguns pais do Edifício Marques de Abrantes. Mas ela dizia que eu era o preferido dela. Mentirosa. O tipo de mentira que toda mulher ou já disse ou um dia dirá! As boas meninas que negam essa verdade veementemente que me desculpem. Só tenho um conselho. Aquele clichê inegável: Nunca diga nunca!

    Que saudades daquelas mentirinhas e das muitas outras que devo ter sido vítima feliz.

    Aos poucos comecei a perceber que minha vida girava em torno de uma xoxota. Comecei a perceber que o sonho se tornara a mera realização de um instinto. Claro que continuo sendo um tarado inveterado. Mas sinto falta do sonho. A cada nova experiência desejo mais experiências.

    Essa eterna insatisfação é uma paraquedas rasgado em queda livre. Nunca sabemos onde cairemos, mas continuamos segurando nossa vida nos restos do nosso consumismo irracional.

    Sinto falta da chuva torrencial do dia que meu pai me contou da cidade da chuva. Hoje conhecida como Inópia City.

    E foi em um desses dias nublados, de ruas vazias e fétidas que tudo terminou na primeira parte de uma quase reação.

    Sempre morremos na cova que nós mesmos cavamos.

    Eu caminhava pensando tudo isso, depois de comer o resto de uma marmita e de cochilar sobre um andaime quebrado no Lixão de Olinda.

    As boas lembranças sempre nos machucam quando estamos em situações difíceis. Ainda assim, insistimos em alimentá-las. As vezes é tudo que nos resta.

    Caminhando e lembrando, observava com desdém as montanhas e montanhas de tudo que uma cidade de quatro milhões de habitantes embala em sacolas e joga fora com o suposto nome de lixo. Só sabe o que é lixo quem vive dele. Montanhas de pessoas que nem percebem que nós que moramos aqui somos parte delas. Quase tudo aqui é reaproveitado. Pelo menos deveria ser. Quase tudo aqui volta para elas que nem percebem que consomem seus próprios lixos. Olhar esse mar de restos é como olhar o centro de uma cidade em horário comercial. Pessoas comprando, depois chegando em casa, consumindo e finalmente jogando fora. Vestindo, gastando e desgastando. Comprando, comendo e cagando. Parte do tempo, dos momentos, das dores.

    Eu estava cercado de vida em pleno Lixão.

    Acordei com a capivara querendo sair da toca, ou seja, louco pra cagar. Suava frio. Eu estava nu...

    Depois explico essa parte...

    Estava nu, procurando utensílios que me ajudasse na minha próxima atividade. Assim, peguei um pedaço de papelão, algumas folhas de jornal e uma garrafa de refrigerante verde. Tinha de todas as cores, mas sempre gostei de verde. Uns dizem ser esperança, mas pra mim acho que era uma identificação... O lodo da umidade, as bactérias dos restos de comida... Eu gostava e pronto! Depois de breve caminhada, achei um lugar perfeito para a tão esperada cagada. Como a chuva era de vento, fiquei atrás de um monte de lixo, joguei o papelão no chão, me abaixei e deixei a capivara se espalhar livremente, me trazendo um alívio próximo da felicidade. Mas, como existem pessoas que nasceram para serem merda, e eu era o rei do pedaço, a alegria foi embora na mesma velocidade do alívio.

    Sinto falta do barulho de uma descarga e de ver a bosta descendo no redemoinho. Principalmente quando estava bêbado. A visão de um caleidoscópio de cocô era incomensurável. Sempre quis fazer uma exposição de caleidoscópios feitos de merda sob o efeito do álcool. Já imaginou todas as pessoas bêbadas num espaço de dezesseis metros quadrados?! Seria demais!... Quatro paredes cobertas de caleidoscópios orgânicos, assim como o teto e o chão. No meio um vaso sanitário transparente suspenso, com tubulações transparentes e todos ao redor admirando o caleidoscópio de merda e mijo iluminado por luzes neon. Serviria várias saladas de repolho, água, cerveja e vodca. Não esquecendo das centenas de incensos espalhados pelo espaço. Eu seria convidado para fazer essa montagem no mundo todo.

    Mas agora tudo o que me restava era sentir o alívio passar, a felicidade se esvair e a realidade mostrar sua cara deformada.

    Depois de cagar me limpei com os jornais e mijei na garrafa pet. Essa era a única regra da comunidade do Lixão. Ninguém mijava no chão. Afinal morávamos ali. Dormíamos ali. Já bastava a sociedade estar cagando e andando sobre nossas cabeças. Juntei a merda no jornal, fechei a garrafa pet e coloquei no nosso aterro comunitário.

    Sempre achei que a vida era para os mais fortes, mais inteligentes, mais espertos... Definitivamente

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