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Crime na Quinta das Lágrimas: O sangue volta a manchar as águas da fonte
Crime na Quinta das Lágrimas: O sangue volta a manchar as águas da fonte
Crime na Quinta das Lágrimas: O sangue volta a manchar as águas da fonte
E-book396 páginas5 horas

Crime na Quinta das Lágrimas: O sangue volta a manchar as águas da fonte

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Sobre este e-book

Quando Alice e Diogo escolheram a Quinta das Lágrimas para celebrar o casamento, estavam longe de imaginar o horror em que se tornaria o dia mais feliz das suas vidas.


Naquela semana de inverno, com o hotel reservado em exclusivo para noivos, familiares e amigos, os preparativos são concluídos com sucesso.


Contudo, na manhã do casamento, os convidados acordam em sobressalto: a noiva desapareceu. Não a encontram em parte nenhuma e rapidamente se dá início a uma busca pelo exterior da Quinta.


O jardim está coberto por um frio gélido e o cadáver de Alice é descoberto em circunstâncias macabras…


A chegada da Polícia Judiciária põe o hotel em alvoroço. Os inspetores estabelecem que o homicídio foi cometido por um dos hóspedes, mas as mentiras propagam-se e ampliam-se as suspeitas.


Quem matou Alice?


Assim que as evidências se encaixam e começam a formar uma imagem concreta, a polícia inicia uma corrida contra o tempo no encalço de um assassino que não ficará por ali…


Há mais alguém que não sairá vivo da Quinta das Lágrimas.

IdiomaPortuguês
EditoraCultura
Data de lançamento6 de jul. de 2023
ISBN9789898860941
Crime na Quinta das Lágrimas: O sangue volta a manchar as águas da fonte

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    Crime na Quinta das Lágrimas - Lourenço Seruya

    NOTA DO AUTOR

    AQuinta das Lágrimas é um dos sítios mais deslumbrantes do nosso país e fica em Coimbra, mesmo à beira do rio Mondego.

    No século xiv, foi palco do romance mais trágico da História de Portugal, protagonizado por D. Inês de Castro e D. Pedro. Na época, a Quinta era apenas uma mata com nascentes de água e um pavilhão de caça.

    D. Pedro era casado com D. Constança, mas foi pela sua aia D. Inês de Castro que o príncipe se perdeu de amores. E era precisamente na mata da Quinta das Lágrimas que decorriam os encontros secretos entre os apaixonados Pedro e Inês.

    Em 1345, D. Constança morreu ao dar à luz o terceiro filho.

    Algum tempo depois, D. Pedro e D. Inês juntaram-se e tiveram quatro filhos, gerando reprovação por parte da corte e do rei D. Afonso iv. Quer fosse por questões de moralidade ou por questões políticas, começou-se a conspirar contra aquela união e a única solução que se apresentava era a morte de D. Inês.

    A 7 de janeiro de 1355, aproveitando o facto de D. Pedro estar ausente numa caçada, o rei D. Afonso iv e três fidalgos foram a Coimbra para executar D. Inês, encontrando-a na mata junto a uma das fontes. Ela desfez-se em lágrimas, disse-lhes que tinha filhos pequenos, que decerto sofreriam com a perda da mãe, implorou misericórdia, mas só o rei pareceu comover-se com a situação, tendo-se afastado e deixado o destino dela na mão dos outros homens. Os fidalgos mostraram-se indiferentes às súplicas de D. Inês e apunhalaram-na até à morte.

    Por ter sido o local onde ela chorou pela última vez, a fonte passou a ser designada por Fonte das Lágrimas. Diz a tradição que o sangue de D. Inês jorrou para as suas águas mas não se diluiu, ficando gravado na pedra do fundo sob a forma de uma mancha vermelha. A marca perpétua de um dos crimes mais horrendos da História de Portugal.

    Em 1995, a Quinta das Lágrimas abriu as portas ao público enquanto hotel, sendo igualmente possível deslocarmo-nos até lá apenas para visitar o jardim ou tomar refeições nos dois restaurantes.

    No palacete impera o bom gosto e o jardim é absolutamente maravilhoso, permitindo uma capacidade de evasão ímpar. Enquanto passeamos por entre as fontes e árvores, é fácil deixarmo-nos ir e acreditarmos que estamos noutro tempo, noutra época, numa realidade diferente que nos conforta e encanta.

    É neste local fascinante que decorre a ação do livro.

    No entanto, tenho de salientar que a história e as personagens são totalmente fictícias. Todos os acontecimentos e pessoas que surgem nestas páginas são fruto da minha imaginação e, portanto, qualquer semelhança entre eles e a realidade é pura coincidência.

    De: magda.vasconcelos@qdl.com

    Para: Reservas; Receção; Restaurante;

    Assunto: Informações sobre a reserva de amanhã

    Bom dia a todos,

    Relembro que a partir de amanhã teremos o hotel reservado em exclusivo para os familiares do cirurgião plástico Diogo Santiago e da sua noiva Alice Vargas.

    Durante uma semana, e atendendo ao pedido do Dr. Santiago, não iremos receber outros hóspedes nem visitantes. O acesso à Quinta das Lágrimas e ao jardim estará, pois, limitado aos noivos e aos convidados do casamento.

    Passo a identificar a lista de hóspedes, bem como os quartos que lhes foram atribuídos:

    Diogo Santiago (noivo) — Suíte do Rei

    Alice Vargas (noiva) — Grand Suíte

    Beatriz Lobo (madrinha da noiva) — Quarto 5

    André Cunha (amigo da noiva) — Quarto 8

    Camila Vargas (irmã da noiva) — Quarto 9

    Maria Adelaide Vargas (avó da noiva) — Quarto 12

    Graça e Eduardo Santiago (tios do noivo) — Quarto 6

    Tomás Brandão (padrinho do noivo) — Quarto 10

    O Dr. Santiago pediu-nos total discrição relativamente ao casamento, pelo que não são permitidos quaisquer comentários sobre o assunto com pessoas externas ao hotel.

    Reforço a importância de prestarem a máxima atenção e simpatia a este grupo, trata-se de um cliente muito importante e bastante exigente.

    Com os melhores cumprimentos,

    Magda Vasconcelos

    Diretora

    Hotel Quinta das Lágrimas

    Dois dias depois

    (Véspera do casamento)

    1

    —I magina que o Diogo desistia do casamento.

    Eduardo baixou o jornal e franziu o olhar para a mulher. O quarto onde estavam na Quinta das Lágrimas era espaçoso e decorado em tons creme e rosa. Tinham acabado de lhes entregar uma garrafa de champanhe, mergulhada em gelo num recipiente de prata.

    — O que é que disseste?

    — Imagina que o Diogo mudava de ideias e cancelava o casamento — repetiu Graça.

    — Eu ouvi o que disseste. Só não percebi a razão de teres feito esse comentário.

    — Se o nosso sobrinho desistir, amanhã não há casamento. Será que temos de voltar logo para Lisboa? O Diogo reservou o hotel para uma semana inteira, é um desperdício irmo-nos embora assim.

    — Por que razão haveria o Diogo de cancelar o casamento? Ele parece tão entusiasmado e feliz.

    — As vontades mudam — disse Graça. — Ontem, quando chegámos, pareceu-me cabisbaixo. Não seria o primeiro a desistir de um casamento na véspera. Se ele perceber que a Alice não é a mulher da vida dele, não tenhas dúvidas de que porá um ponto final. Por outro lado, seria uma pena termos de voltar amanhã para casa. Estamos tão bem aqui… Comida boa, bebida ainda melhor, empregados para nos servir… Sempre poupamos alguma coisa.

    Eduardo não respondeu e virou a página, concentrando-se de novo nas notícias. Graça tirou os sapatos e estirou-se no sofá aos pés da cama. Ajustou a posição até ficar confortável e disse:

    — Se o Diogo fosse um pobretana, queria ver se a Alice se tinha apaixonado tanto por ele.

    — O nosso sobrinho não é parvo.

    — Pois não. Mas gosta dela. E um homem apaixonado torna-se tão ingénuo como uma criança.

    — Eu continuo apaixonado por ti e não me considero nem um bocadinho ingénuo.

    Graça sorriu-lhe.

    — Isso é porque estamos juntos há mais de trinta anos — disse ela, estendendo-lhe o copo. — A ingenuidade tem um prazo de validade. Não é por acaso que estas palavras terminam da mesma forma.

    Eduardo levantou-se, pegou na garrafa de Veuve Clicquot e serviu-a. Graça deu um gole e fechou os olhos para saborear melhor o champanhe.

    — Achas que o teu irmão teria aprovado este casamento?

    — Duvido — respondeu Eduardo, sentando-se de novo na poltrona junto à janela. — Já faz sete anos que eles morreram...

    — Parece que foi ontem — murmurou ela. — Coitado do Diogo, tão novo e sem pais. Honra nos seja feita, quando eles morreram, fomos nós quem mais lhe deu a mão. Bem que merecíamos alguma…

    — Não fizemos mais do que a nossa obrigação — disse o marido. — Somos os únicos tios dele.

    — A Alice também já perdeu os pais e pelo que sei os tios dela não lhe deram grande ajuda. Aliás, ela nem sequer os convidou para o casamento.

    Eduardo mantinha o jornal aberto sob a perna cruzada, mas o olhar distraiu-se das letras impressas e perdeu-se na vista para além da janela. Os ramos das árvores oscilavam ao sabor do vento frio.

    — Já reparaste que os filhos deles nunca vão ter avós?

    — Não tenho dúvidas de que ela usou esse trunfo quando conheceu o Diogo. Sou órfã. Ah! Tu também? Que coincidência, isto só pode querer dizer que fomos feitos um para o outro.

    Eduardo expressou um leve divertimento perante a imitação da mulher.

    — Não te preocupes, querida. Bebe mais um pouco.

    Maria Adelaide estava hospedada no quarto 12, uma suíte em tons pastel que ficava ao lado da biblioteca. Eram quatro da tarde e ela pedira que lhe trouxessem um chá e uma sanduíche de salmão fumado e tomate.

    Sentou-se na sala adjacente e quando estava quase a terminar o lanche, bateram à porta. Camila disse quem era e foi introduzida no quarto.

    — Desculpe, avó, estava a dormir?

    — Não, estava a comer. Sente-se.

    Camila recostou-se no sofá ao lado de Maria Adelaide e ficou a vê-la acabar a sanduíche.

    — A sua irmã tem tudo pronto para amanhã?

    — Não sei. A Alice só quer saber da Beatriz, não me conta nada. Acredita que nem me chamou para assistir à última prova do vestido de noiva? Eu é que devia ser madrinha dela, afinal somos irmãs…

    — Não seja infantil. Você tem trinta e cinco anos, não tem quinze. A sua irmã e a Beatriz são muito amigas desde miúdas, é natural que a tenha escolhido para madrinha.

    — Pois, eu sou apenas irmã — replicou Camila. — Não é suficiente, pois não? Se os pais fossem vivos, ela não se atrevia a fazer-me isto.

    A avó bebeu o chá e ficou em silêncio durante uns momentos. Optou por ignorar o último comentário da neta e dirigir a conversa noutra direção.

    — Já tem o seu vestido pronto?

    — Sim, a miúda da lavandaria foi entregá-lo ao meu quarto há bocadinho. Precisava de ser passado a ferro — explicou Camila.

    — É de que cor? Não se vista de encarnado, que isso excita os homens.

    — Ainda bem, o objetivo é mesmo esse.

    — Não seja vulgar. Para isso, já basta a sua irmã. — Maria Adelaide emitiu um estalido com a língua. — Onde é que já se viu uma rapariga convidar o antigo namorado para o casamento?

    — O que é que tem? A Alice e o André ficaram amigos depois de acabarem o namoro. Para além de que isso já foi há anos.

    — Não sei como é que o Diogo permite isso. No meu tempo as raparigas davam-se ao respeito, não havia amizades com antigos namorados. Aliás, nem chegávamos a namorar mais do que uma vez. Acertávamos logo à primeira. E ai de nós que nos atrevêssemos sequer a trocar correspondência com outro homem.

    — Avó, já não estamos em 1920.

    — Não seja insolente.

    — Se o Diogo estivesse desconfortável com a situação, o André não teria vindo.

    — A sua irmã é teimosa que nem uma mula. Mesmo que o Diogo não aprovasse a presença do André, a Alice ia convidá-lo na mesma. O problema é esse, o Diogo faz tudo o que ela quer. Pena que ele já não tenha os pais vivos, algum deles certamente o ia chamar à atenção. E que pena que os vossos também já cá não estejam, de certeza que também não aprovariam isto.

    Camila suspirou e rodou a cabeça para a janela. O céu estava cada vez mais cinzento.

    — Espero que amanhã não chova.

    — Também espero que não — disse a avó, levantando-se. — Agora vá-se embora que ainda quero descansar antes do jantar. E amanhã no casamento livre-se de aparecer de encarnado. Use uma cor mais discreta.

    Camila revirou os olhos e saiu do quarto.

    André saiu para o jardim pela porta lateral do hotel.

    O ar frio fê-lo apertar o casaco até cima e refugiar as mãos nos bolsos. Apesar de ser inverno e de as árvores estarem despidas, o jardim assemelhava-se a uma enorme mancha verde. Alguma vegetação e folhagem resistiam vivas.

    Percorreu o caminho de terra em silêncio, indiferente aos plátanos, araucárias e sequoias que povoavam a mata. Os pensamentos isolavam-no e consumiam-no de tal forma, que André olhava sem ver. As copas, troncos e folhas passavam-lhe diante dos olhos mas não ficavam gravados na memória. A sua atenção estava noutro sítio. Noutra pessoa.

    Quando chegou à Fonte dos Amores, deteve-se por uns instantes. A água corria num canal junto ao chão e por detrás havia a reprodução em pedra de duas janelas neogóticas. Aproximou-se delas e entregou-lhes o peso do corpo, ficando ali encostado durante vários minutos. O passado chegou-lhe em imagens dispersas e cada memória projetada era como um soco, um impacto doloroso mas do qual não se queria desviar. Só recuperou a consciência de onde estava quando ouviu uma voz atrás de si.

    — Estás a ver se a Inês de Castro aparece?

    Beatriz aproximou-se e pôs-se ao lado dele. Olhou para a mata através das janelas de pedra, tentando identificar o alvo da atenção de André.

    — Até agora não a vi.

    — Há quem diga que o espírito dela ainda anda por aqui… — murmurou ela.

    Ficaram calados a olhar para as árvores, tendo como melodia de fundo a água a deslizar pelo canal. Era um som refrescante que os hipnotizava.

    — Como está a Alice? — perguntou ele ao fim de um tempo.

    — Um bocadinho nervosa. Tivemos há pouco a última prova do vestido.

    — Se calhar arrependeu-se…

    Houve uma pausa e, quando Beatriz se voltou, reparou que os olhos dele brilhavam. Devagarinho, pousou-lhe uma mão no ombro.

    — Porque é que vieste, André?

    Ele não reagiu durante um longo momento, preenchendo um espaço para lá do silêncio. O rosto fechado, mas o olhar marejado. Um sentimento tão doloroso, que parecia não caber em palavras.

    — Eu e a Alice somos muito amigos, achei indelicado recusar o convite. — Baixou os olhos, fitando o chão de terra. — Ela… Ela disse-te alguma coisa?

    Beatriz suspirou e abanou a cabeça. Preferia não estar naquela posição.

    — Tudo bem — murmurou André. Rodou o corpo para a direita e encaminhou-se para a figueira australiana, cujo tronco era larguíssimo. As raízes enormes e salientes lembravam tentáculos de polvo e ele sentou-se numa delas.

    — Se foi por isso que vieste, devias ter ficado em Lisboa — disse Beatriz. Contrariou o impulso de se sentar ao lado dele e manteve-se de pé. — Desde que chegámos que reparei que estás a fazer um esforço para parecer feliz.

    — Eu estou feliz.

    — André… Comigo não precisas de fingir. Acredito que queiras ver a Alice feliz, mas não com o Diogo.

    — Não é verdade. Eu gosto do Diogo. E hoje em dia conseguimos ter uma boa relação.

    Beatriz coçou a cabeça e desviou o olhar para as raízes. As suas proporções eram de tal forma grandes, que os buracos entre si conseguiriam esconder uma pessoa.

    — Se a Alice te tivesse dito alguma coisa sobre mim… — começou André. Esperou que Beatriz concluísse a ideia, mas ela não o fez. A pouca esperança que ainda restava foi-se esmagando em pedacinhos. — És a melhor amiga dela. Nunca mo dirias, pois não?

    Beatriz demorou a responder.

    — Tenho de ir, o Tomás está à minha espera para revermos o discurso dos padrinhos.

    Tocou-lhe mais uma vez no ombro e regressou ao hotel.

    — A que horas sai?

    A empregada do bar corou e os lábios curvaram-se num sorriso. Pegou no pano e passou-o pelo balcão antes de responder.

    — Às onze.

    — Perfeito — disse Tomás. — Posso raptá-la a essa hora para beber um copo? Ou o seu namorado vai ficar chateado?

    — Não tenho namorado.

    — Que pena. Tinha muito mais graça se você fosse comprometida.

    — Vai desejar outro? — perguntou ela, apontando para o copo vazio.

    Tomás acenou com a cabeça e respondeu que sim. Nesse momento, Beatriz surgiu no bar.

    — Olha quem é ela! Achei que te tinhas esquecido de mim. O que estiveste a fazer no jardim? Vi-te pela janela.

    — Vamos para os sofás? Estes bancos altos dão-me cabo das costas.

    Ele acedeu. Beatriz pediu um café e encaminharam-se para lá. A decoração em tom verde-escuro e em madeira tornava o espaço acolhedor e a lareira acesa fazia-os esquecer o frio que se sentia lá fora.

    — Tenho aqui nas notas um esboço do meu discurso — disse ela, pegando no telemóvel. — Lê e diz-me o que achas. Se estiver parecido com o teu, faço algumas alterações. Não faz sentido os padrinhos dizerem exatamente a mesma coisa.

    Tomás foi assentindo com a cabeça à medida que lia o texto de Beatriz.

    — Parece-me bem, o fio condutor é parecido mas os textos estão diferentes. Em que parte da missa é que vamos ler isto?

    — Não é na missa… Já te expliquei que é no fim do almoço.

    — Ah, exato. Achas que… Sim, pode pousar aí.

    A empregada deixou o café e o gin tónico sobre a mesinha à frente do sofá, bem como duas bases redondas. Tomás seguiu cada movimento com o olhar e esticou ligeiramente o pescoço quando ela se retirou para o balcão.

    — Podes desligar a antena por uns momentos? Estamos a falar do casamento do teu melhor amigo.

    — Hum? Ah, pois. O casamento. Então: o padre casa-os, almoçamos, e depois é a nossa vez de dizer umas palavrinhas. Mais alguém vai discursar para além de nós?

    Beatriz abanou a cabeça e respondeu que não. Pegou na chávena e deu um gole no café antes de lhe perguntar se ele tinha noção da responsabilidade que era apadrinhar uma união daquelas.

    — A responsabilidade é do Diogo, ele é que me convidou. Mas sim, sei muito bem qual é o nosso papel neste casamento. Acompanhá-los ao longo da vida e garantir que eles se mantêm juntos até ao fim.

    — Exato — concordou Beatriz, pegando outra vez na chávena. — Até que a morte os separe.

    — Essa expressão é ridícula. Na maior parte das vezes, é a vida que separa os casais.

    — É por isso que continuas solteiro? — atirou Beatriz.

    Tomás sorriu com a pergunta e bebeu mais um pouco de gin. Estava mais forte que o anterior.

    — Essa conversa dá pano para mangas — disse ele, pousando o copo na base de cortiça.

    — O teu estado civil?

    — Não. As razões pelas quais os casais se separam. E o facto de as relações já estarem no fim da linha quando a morte os separa.

    — Sim, essa conversa dá mesmo pano para mangas.

    — Ainda temos tempo até ao jantar — comentou Tomás, olhando para o relógio de pulso.

    — Não dá, tenho de tratar de uma coisa com a coordenadora de eventos do hotel.

    — Que pena. Talvez possamos continuar a falar mais tarde? Tenho um compromisso às onze, mas, se a nossa conversa sobre relações estiver boa, cancelo-o sem qualquer problema.

    — Combinado — respondeu Beatriz, levantando-se. — Até logo.

    2

    Alice e Diogo caminhavam de mão dada pelo jardim. Tinham saído pela porta principal do hotel e virado à direita, chegando ao relvado defronte do anfiteatro. No meio havia um lago redondo onde descansavam dois patos.

    O percurso até ali teria durado apenas um minuto, não fossem as paragens a cada três passos para se abraçarem.

    — Nem acredito que o casamento é já amanhã.

    Alice esticou os braços e beijou-o mais uma vez, prolongando o momento com ternura.

    — Amanhã por esta hora seremos marido e mulher — disse Diogo, sorrindo.

    O beijo seguinte partiu dele e admirou-se por o desejo ser cada vez maior. Achava que já tinha atingido o patamar cimeiro há muito tempo e que não seria possível sentir-se ainda mais atraído por ela. Os olhos de Alice assumiam um tom verde-claro hipnotizante e ele não se cansava de os admirar. Fitava-os, embevecido, durante bastante tempo, como se ainda houvesse algum milímetro por descobrir naqueles círculos.

    Alice tinha cabelo liso, castanho-claro, e Diogo passou a mão por ele, afagando-lhe a nuca. Sabia que a noiva adorava aquelas carícias.

    Contornaram o lago e sentaram-se num dos blocos de pedra do anfiteatro. Dali, avistavam à esquerda a Fonte das Lágrimas.

    — Não imagino sítio mais bonito que este para celebrarmos o nosso amor — comentou Alice, encostando a cabeça ao peito dele. — Se fosse verão, até fazíamos o casamento aqui fora, junto à fonte. Combinei com o fotógrafo virmos aqui ao jardim depois da missa, há tantos sítios bonitos para fotografias a dois.

    — Claro que sim, meu amor. Podias pintar umas telas com a imagem da fonte. Adorava ter um quadro desses no nosso quarto, para nos lembrarmos todos os dias deste sítio.

    — É uma ótima ideia. Mas sabes que prefiro pintar paisagens marítimas…

    — A fonte tem água — apontou Diogo, sorrindo. Levou os dedos à barriga dela e as cócegas fizeram-na desatar a rir.

    — Para!... Diogo!

    As gargalhadas impediam-na de falar e Alice sacudiu o corpo até o noivo parar. Estava ofegante e fixou-se nos olhos azuis dele enquanto a respiração acalmava. Lembravam-lhe o mar que tanto a impulsionava na pintura. Alice ficava horas sentada na areia a olhá-lo, cada onda trazendo consigo uma inspiração renovada e fresca que a conduzia à tela e às tintas. A cor dos olhos do noivo fora a primeira causa de tamanho encanto.

    — Estou ansioso por te ver com o vestido — confessou ele.

    Alice desencostou-se e pôs-lhe os braços à volta dos ombros.

    — E eu ansiosa por te ver de fato. — Aproximou-se do ouvido e baixou a voz. — Já te disse que ficas lindo de fato e gravata?

    — Já — respondeu Diogo, baixando também a voz.

    — Dá-me logo vontade de te saltar para cima. — Alice mordiscou-lhe a orelha. — Não sei se vou aguentar até à noite de núpcias.

    — Então somos dois… — Diogo procurou os lábios carnudos dela e beijou-a. Mesmo ao fim de seis anos, quando as suas bocas se encontravam, os corpos vibravam de vontade como no primeiro beijo. A memória do primeiro toque mantinha-se viva e ardente, e tudo à volta se desvanecia.

    O grasnar dos patos no lago interrompeu-os.

    — Parece que alguém ficou desconfortável — comentou Diogo.

    Alice riu-se e levantou-se, puxando-o pela mão.

    — Anda, vamos espreitar a fonte.

    A Fonte das Lágrimas tinha um canal junto ao chão que desembocava num lago retangular de grandes dimensões. Aí, a água assumia um tom verde-escuro e estava polvilhada de nenúfares em algumas zonas. Na pedra ao lado da fonte, via-se uma inscrição com uma estrofe do terceiro canto dos Lusíadas.

    — As filhas do Mondego, a morte escura… — leu Alice. Arrepiou-

    -se com a frase e aproximou-se mais de Diogo. O resto da estrofe de Camões foi lida para dentro.

    Baixaram-se para observar melhor o canal que ligava a fonte ao lago. A água corria límpida sobre a pedra e nela via-se uma mancha avermelhada por entre o musgo e as pedrinhas.

    — O sangue da Inês de Castro — apontou Diogo.

    — A diretora do hotel disse-me que essa cor vem de uma microalga — contou Alice. — Mas prefiro continuar a acreditar que é o sangue dela que ficou gravado aqui. É mais romântico…

    — Mais trágico, queres dizer.

    Sentaram-se no banco de pedra junto à fonte e entregaram-se ao reconforto de ouvir apenas a água em movimento. Era esse um dos maiores trunfos daquele jardim: a presença constante da água, captada tanto pela visão, como pela audição. Havia fontes e lagos pelos recantos, rodeados de árvores e plantas, assentes numa harmonia apenas acessível à Natureza. Uma harmonia inexplicável, como o amor, e que sugeria o silêncio como a melhor forma de a apreciar. Tal como o amor.

    — Será que vamos ser tão felizes como D. Inês e D. Pedro? — perguntou Alice.

    — Espero que sim. Mas a verdade é que a história deles não acabou bem.

    — Isso foi porque as pessoas próximas deles não os queriam ver juntos. Não é o nosso caso, a nossa família e amigos estão tão felizes como nós.

    O chilrear de um pássaro ecoou pelo jardim, sobrepondo-se ao som da água a correr.

    Pouco depois, Diogo levantou-se.

    — Vamos para dentro, está a ficar frio.

    Meia hora mais tarde, os noivos encontraram-se com a coordenadora de eventos do hotel na Sala Jardim, onde iria decorrer o almoço depois da cerimónia. Havia uma mesa larga no meio, mesmo por baixo do lustre, com nove lugares postos. Cristina informou-os de que as plantas que compunham o centro de mesa tinham vindo do próprio jardim da Quinta.

    — Como veem, está tudo pronto para amanhã. Guardámos uma surpresa para vocês, vou terminá-la

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