Momentos
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Sobre este e-book
Elizabeth van Biene
Formada em Educação Artística pela Universidade Estácio de Sá. Trabalhou durante dez anos na Escola Municipal Castelnuovo como professora de teatro no Ensino Fundamental. Publicou dois livros infantis e um de contos, todos por esta editora. Escreveu uma peça sobre o Forte Copacabana que foi encenada no auditório do Forte por alunos da Escola Penedo, peça ganhadora de um prêmio. Escreveu também uma peça sobre o compositor Cartola que foi encenada no Centro Cultural Cartola pelos alunos da escola Castelnuovo.
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Momentos - Elizabeth van Biene
Copyright desta edição © 2016 by Elizabeth van Biene
Direitos em Língua Portuguesa reservados a Litteris Editora.
ISBN - 978-85-374-0444-7 (2019)
ISBN - 978-85-374-0312-9 (versão impressa)
Conversão: Cevolela Editions
440Litteris Editora Ltda.
Av. Marechal Floriano, 143 - Sl. 805 - Centro | 20080-005 Rio de Janeiro - RJ
tel (21) 2223-0030; (21) 2263-3141
litteris@litteris.com.br
www.litteris.com.br
Sumário
Capa
O começo. Carolina e Alfredo
Madalena
João De San Adriano
Carolina
João e Madalena
Carolina e Alfredo
O Tempo
A Morte
Lembranças
A Morte de João
Carolina e João
Camila
O casamento do Doutor Alfredo
Damiana
Os filhos de Alfredo
Damiana e Antero
O Tempo.
Caroline e o Pianista
João Antônio o Filho de Juvenal
Maria Eugênia e o Padre
Os anos de chumbo
Camila e Maria Eduarda
Camila e a Revolução de 64
A vingança de Camila
Camila e Daniel
A morte de Caroline
Camila e Daniel.
O Sindicalista
O encontro
A plantação de orgânicos e a vida
Tempos de festa
Maria Eduarda
O remédio de tarja preta
As novas gerações - João e Priscila
Maria Eduarda e o perdão
Clarice e Pedro
A droga
O Alzheimer e as mortes
Damiana.
Doutor Alfredo
O rio e a enchente
A era Lula
Uma nova vida
Lembranças.
Os descendentes
As manifestações
Carol
O livro
A volta
A morte de Camila
O assalto
Clarice e o reencontro
A saudade
O inesperado
O destino
O último momento
Sobre a autora
Aos meus filhos e nora companheiros de sempre
Aos que já se foram mãe e marido que sempre me incentivaram
Às mulheres da minha família grandes contadoras de histórias
Aos médicos que tanto se dedicaram ao meu marido e à minha mãe
Aos meus amores Nick e Spike que ficam no meu pé enquanto escrevo
O COMEÇO
CAROLINA E ALFREDO
Um quarto de hotel barato. Alfredo espera. Carolina bate à porta, ele abre. Ela entra, e os dois se abraçam... Alfredo pergunta ansioso:
— E a escola?
— Minhas irmãs falaram para as freiras que eu estava passando mal. Eu fingi que estava com febre.
— Carolina, você tem certeza?
— Nós vamos nos casar, seu bobo. E eu não posso demorar. Vim de uniforme mesmo.
Os dois tiram a roupa, se abraçam, deitam na cama e fazem amor.
A política de Pereira Passos de saneamento econômico reergue o país, mas causa aumento de custo de vida. Mas as famílias abastadas ainda vivem muito bem.
A sala de dona Florinda é impecável, com móveis maciços e uma grande quantidade de enfeites, como era moda na época. Seu Antero, o dono da casa, é um próspero comerciante, que arranjou o casamento de uma das filhas com outro comerciante. Os dois queriam um casamento digno do seu status, com muita fartura de comida e bebida. Mas o pai do noivo era jogador e devia muito dinheiro.
A noiva e o noivo nunca tinham se encontrado, por isso o dia da apresentação dos dois foi um dia de preparativos na casa e de expectativa de Carolina, a noiva, e das suas irmãs, que, depois dela, seriam as próximas a casar. Segundo as tradições da família, enquanto a filha mais velha não se casasse as outras tinham que esperar.
As meninas escolheram os seus melhores vestidos e colocaram fitas no cabelo. Estavam alegres e falavam sem parar, com a novidade na casa e a curiosidade por conhecer o noivo. A vida delas era irem de casa para a escola e domingo à missa, onde tinham oportunidade de olhar, sem que os pais notassem, os rapazes da cidade. Carolina era a mais feliz de todas.
Na hora marcada para a chegada do noivo, a mãe colocou as cinco meninas sentadas no sofá. Todas tinham postura perfeita, que aprendiam na escola. A mãe ficou de pé, controlando o comportamento das filhas. Na hora exata, porque naquela época ninguém se atrasava, a campainha tocou e a empregada veio anunciar a chegada do noivo.
— Dona Florinda, o senhor Alfredo está aí.
Dona Florinda, que já estava nervosa, se abanava sem parar.
— Manda-o entrar, criatura.
Alfredo entra muito encabulado, segurando o chapéu. A empregada tira o chapéu da mão dele. Dona Florinda cumprimenta Alfredo, que beija a sua mão, como era de praxe entre pessoas distintas na época. É um rapaz muito bonito, e as meninas se olham em sinal de aprovação, pois sabiam que todas morriam de medo de ter que casar com um rapaz horroroso, já que era o pai quem escolhiao futuro marido.
— Boa tarde, senhor Alfredo. Deixe-me apresentar-lhe as minhas filhas. Carolina, cumprimente o senhor Alfredo. Esta é minha filha mais velha. E esta é sua noiva, Letícia.
Os dois se cumprimentam de longe. Letícia se levanta e faz uma reverência.Ele acena com a cabeça.
Alfredo não sorri, apesar de Letícia ser muito bonita e ele ter dito ao pai que, se a noiva fosse feia, ele fugiria de casa, mas não casaria com ela. Alfredo tinha ideias modernas e não entendia, nessa época de progresso, um casamento arranjado pelos pais. Só tinha aceitado porque o pai estava falido e o pai delas era rico e tinha emprestado muito dinheiro ao seu. Mas ele amava Carolina.
— Encantado, senhorita Letícia. Boa tarde a todas.
As outras irmãs o cumprimentam com a cabeça, olham entre si e dão um risinho. A mãe olha com severidade para elas, que engolem o riso. Carolina não ri. Pensa no seu futuro, na irmã casada com o amor da sua vida. Alfredo não consegue olhar para ela, sentia-se um covarde por não brigar por ela.
— Sente-se, senhor Alfredo.
— Obrigado, dona Florinda.
Ele se senta, muito sem graça, olhando para a porta, como se quisesse sair. Mas tinha que ficar porque, se saísse, desfazia o casamento, que era a solução para sua família, e o pai o mataria. As meninas sorriem, solidárias, para ele. A mãe puxa assunto. Mas ele só pensa em Carolina.
— Lindo dia, não é, senhor Alfredo?
— Realmente está um lindo dia, dona Florinda.
— Meninas, o doutor Alfredo é médico.
Ele pigarreia.
— Trabalho com Oswaldo Cruz. A febre amarela está matando muita gente.
— Deus me livre. Vamos falar de coisas mais amenas. Quais são as novas, senhor Alfredo?
— A senhora já sabe, dona Florinda? O homem já pode voar, Santos Dumont corta os céus a bordo de suas invenções.
Letícia se manifesta.
— Cáspite,voar?
A mãe olha para ela com olhar recriminador. As irmãs riem. Letícia abaixa a cabeça, encabulada, e Alfredo pigarreia de novo e faz que não ouviu. Muda de assunto. Carolina fica séria.
Brevemente vamos comemorar a instalação da Light.
— É o progresso chegando.
— Não tenha dúvida, imagine a senhora, agora temos luz elétrica.
O assunto vai morrendo. Dona Florinda fala para as meninas em tom de comando.
— Meninas, vocês têm seus afazeres, peçam licença ao senhor Alfredo.
— Com licença, senhor Alfredo. Boa tarde!
Elas se levantam para sair da sala. Carolina olha para ele. Alfredo se levanta e olha para ela. Fala com a noiva, sem graça, ainda achava que ia conseguir casar com Carolina.
— Boa tarde, senhorita Letícia. Mas não há um engano nesse noivado?
Ficam na sala dona Florinda e Alfredo, ele olha para a porta querendo fugir, mas a senhora puxa o braço dele e o faz sentar de novo. Finge que não ouviu o que ele disse. Obedecia ao marido.
— Um momentinho, senhor Alfredo, que eu vou pedir para a Vicentina trazer um chá com biscoitos para o senhor. Vamos combinar o casamento. O Antero quer uma grande festa aqui em casa. Na verdade, eu queria conversar com o senhor, pois devia se casar com Carolina, que é a nossa filha mais velha, mas meu marido decidiu por Letícia, que é mais sossegada. Carolina é muito independente, precisa de um marido mais velho, que lhe ponha freios, não é para o senhor. Tome o seu chá.
— Agradecido, dona Florinda.
Alfredo fica a sós. Para ele nem importava a festa e todos aqueles rapapés. Mas sabia de uma coisa, nunca ia amar Letícia, só queria Carolina. Letícia olha o rapaz pela porta da cozinha, sem ele ver. Sabia também que estava apaixonada por ele e ia casar mesmo que ele não gostasse dela.
Carolina não chora nem fala nada. Vai para o seu quarto.
Do lado de fora, um menino anuncia um jornal, gritando.
— Vacina contra a febre amarela em vez de imunizar provoca a doença. Revolução contra ela. Fora, Oswaldo Cruz." Alfredo vai até a janela e a fecha com raiva.
— Assim, esse país não vai para a frente. Muita gente vai morrer, quando basta a vacina para não ter a doença.
Depois daquele dia, Letícia e Alfredo namoraram sempre sob as vistas de dona Florinda, que costurava numa cadeira. Quando a senhora saía para buscar o chá com bolinhos, Alfredo dava um beijo furtivo no rosto de Leticia ou pegava na sua mão. Ela ficava encabulada, mas gostava muito. E foi assim até o dia do casamento.
E, depois, ele e Carolina se encontravam no quarto do hotel e se amavam apaixonadamente.
— Por que não fui eu, Alfredo, eu sou a mais velha? E agora, eu nem mais virgem sou.
— Eu não posso viver sem você. Nós damos um jeito de continuar nos encontrando.
— Mas ela é minha irmã. E foi meu pai quem o escolheu, e o seu lhe deve muito dinheiro.
O casamento foi como era de praxe na época, com uma enorme festa e uma mesa farta de comidase bebidas, com um bolo de quatro andares. Todos comentavam que Letícia era a noiva mais linda do ano, com um vestido feito pela melhor costureira da cidade, com bordados que brilhavam como estrelas. E Alfredo só tinha olhos para Carolina, mas tinha que salvar a família dele da falência.
Quando os dois ficaram sozinhos, Letícia ficou muito encabulada, pois não sabia nada do que ia acontecer. Mas quando Alfredo tirou a camisola dela e a deitou na cama, Letícia descobriu um novo mundo e jurou que só a morte poderia separá-la do marido.
Alfredo trabalhava muito porque a febre amarela se espalhava pela cidade. Muitas pessoas tinham medo de tomar a vacina. Mas, aos domingos, os dois passeavam na praça de braços dados com suas melhores roupas, e todas as pessoas que passavam admiravam o lindo casal que eles formavam.
As irmãs de Letícia foram casando e tendo filhos, mas ela, apesar de amar tanto o Alfredo, não conseguia dar um filho para ele. Isso ficou sendo um enorme motivo de tristeza para ela, que bordava o enxoval dos sobrinhos pensando que um dia ia bordar para o seu próprio filho. Mas isso não acontecia. Alfredo dizia que o amor deles era suficiente para serem felizes, mesmo sem filhos, mas ela não se conformava.
Quando dava, ele e Carolina se encontravam no hotel, deixavam do lado de fora as convenções e se entregavam a uma completa paixão, sem limites. Seu amor era tão grande que, em uma noite, juraram que ficariam juntos para sempre, mesmo depois que morressem, em algum lugar sempre iriam se encontrar.
Como Alfredo trabalhava muito no hospital, Letícia ficava muito sozinha em casa, pois as irmãs viviam ocupadas com um monte de filhos. Ela se tornou uma dona de casa perfeita.
Carolina não se casou, fez curso de enfermeira e pediu a Alfredo que a deixasse trabalhar no hospital também. No princípio, Alfredo relutou, pois lugar de mulher naquela época era em casa, mas, como tinha muita gente doente e o hospital estava lotado, ele deixou que o ajudasse na ala das crianças. Assim, Carolina podia ficar perto dele.
Ela adorou o trabalho e se dedicava totalmente às crianças doentes. E como era muito doce e carinhosa, as crianças adoravam Carolina. Nunca ficava cansada, mesmo quando tinha muito trabalho, não achava justo dizer que estava cansada quando Alfredo trabalhava tanto. Assim, os dois passavam o dia no hospital e quando se encontravam no hotel se esqueciam dos problemas do dia e se amavam muito. Letícia não desconfiava de nada, mas nesse tempo teve um filho, e Alfredo o amava demais. E o tempo dela se encheu com o bebê.
Carolina tocava piano e cantava para as crianças e o seu canto ecoava pelo hospital e deixava os doentes mais felizes. Os médicos se espantavam porque muitas crianças estavam ficando curadas, e as enfermeiras diziam que ela devia ser um anjo que fazia esse milagre.
A mãe e o pai de Carolina se preocupavam com ela, pois tinham criado as filhas para serem donas de casa, e não para trabalhar num hospital. A mãe falava com ela:
— Minha filha, larga esse trabalho, seu lugar é cuidando da casa. Tem que arranjar um marido, como todas as senhoras da nossa sociedade.
Mas Carolina não queria nem pensar em largar o trabalho que ela adorava.
— Eu não quero casar, minha mãe. E as crianças do hospital preenchem o vazio da minha vida. O que é que eu vou fazer em casa o dia inteiro?
E a mãe acabava desistindo porque via que a filha estava realmente feliz, embora parecesse cansada. Tentava convencer o marido, mas o pai de Carolina não aceitava que ela trabalhasse de jeito nenhum e tentava arranjar um marido mais velho para ela. Um marido com autoridade, que não deixasse a mulher fazer o que bem entendesse. Mulher trabalhar era inadmissível na época.
Mas ela e Alfredo continuavam apaixonados e se encontrando no hotel quando tinham tempo livre no hospital.
Alfredo olhava Carolina trabalhando com as crianças doentes e se impressionava com a sua capacidade de dar amor. Cada vez mais, achava que ela devia ser um anjo que aparecera na sua vida.
Uma tarde depois de terem feito amor, Alfredo falou com Carolina:
— Eu a amo tanto, se houvesse alguma maneira de nós ficarmos juntos não só nesta vida que é tão curta — eu vejo tantas pessoas morrendo todo o dia, mas por toda a eternidade, eu faria de tudo para descobrir.
— Alfredo, se não existe ainda, nós vamos inventar, vamos fazer um pacto.
— Um pacto de amor. Mas como?
— Vamos unir nosso sangue e jurar que ficaremos juntos para sempre.
— Você quer mesmo fazer isso?
— Eu nunca vou amar ninguém como eu a amo, por toda a eternidade.
Ele pegou um estilete e cortou o dedo dele e o dela. Os dedos se juntaram, e o sangue do corte também. Colocaram o sangue numa bolinha de ouro e a penduraram no pescoço. Os dois repetiram.
— Para sempre.
— Para sempre.
E essas palavras ecoaram no Universo e plasmaram o desejo dos dois. O que eles sentiram foi tão forte que se abraçaram e se beijaram como nunca, pois sabiam que o destino deles estava ligado onde quer que eles estivessem, agora e sempre.
A febre amarela se espalhava pela cidade que, apesar do progresso, não tinha boas condições de higiene. Oswaldo Cruz conseguiu debelar a peste bubônica com o extermínio dos ratos e fazia campanhas de saneamento.
Mas o combate à febre amarela foi muito difícil, pois a população e os próprios médicos acreditavam que a doença era transmitida pelo contato com as roupas, o suor, o sangue e outras secreções dos doentes. Só Oswaldo Cruz acreditava que era transmitida por um mosquito. As brigadas que ele criou, que percorriam as ruas e as casas eliminando o foco do inseto, provocaram reações populares violentas. O povo não aceitava a vacinação, e os jornais lançaram violenta campanha contra ela. O Congresso organizou uma liga contra a vacinação obrigatória e houve até uma rebelião popular. O governo derrotou a rebelião, mas suspendeu a obrigatoriedade da vacina.
Os pais de Letícia diziam que a vacina era uma grande bobagem, e o pai dela morreu de febre amarela. Só assim, Alfredo conseguiu que a família dela tomasse a vacina. Ele não se conformava com o fato de as pessoas não aceitarem a vacina.
Carolina tocava piano e cantava com as crianças todos os dias e tinha um garotinho que se sentava ao lado dela no banquinho do piano sempre que ela cantava. Ela adorava o menino.
Mas surgiu no Brasil uma doença mais devastadora do que a febre amarela, a varíola. Não havia cura para a varíola. Apesar de a vacina contra a doença ter chegado ao Brasil, mais uma vez ocorreu uma revolta contra a obrigatoriedade dela, tendo a população até promovido cenas de vandalismo. Assim muita gente não tomou a vacina. O vírus da varíola ficava incubado de sete a dezessete dias, depois causava febre alta, mal-estar e abatimento. Finalmente a doença assumia a sua forma mais violenta quando apareciam erupções pelo corpo.
O amiguinho de Carolina pegou a doença na sua forma mais letal, e ela cuidou dele dia e noite, às vezes até dormindo na cama com o menino. Alfredo se preocupava mesmo ela tendo tomado a vacina, mas Carolina dizia que era forte e não ia pegar a doença. E depois o garotinho pedia por ela. Assim, ela ficou cuidando dele até ele morrer.
Como estava muito cansada, Alfredo fez com que ela ficasse em casa por um tempo, mesmo porque tinha muita gente doente no hospital e o risco de pegar a doença era cada vez maior. Mas ela se sentia bem e gostava do trabalho e de ficar perto dele.
Com o tempo, porém, Letícia foi se sentindo muito fraca. E um dia, ao chegar do trabalho, Alfredo a encontrou na cama ardendo em febre. Alfredo sabia o que ela tinha e que não havia cura, era a varíola. Ele mandou que as empregadas da casa não entrassem no quarto e avisou a família delas para que tomasse a vacina. Carolina estava resolvida a cuidar dela e do filho dele até o fim, pediu dispensa no hospital, não queria ficar longe dela nem um minuto. Mesmo fraca, Letícia lhe pedia:
— Vá para casa, Carolina. Você vai pegar a doença.
— Eu tomei a vacina.
A vida, para Alfredo, sem Carolina, não tinha mais nenhum sentido. A mãe e as irmãs vinham visitá-la, mas ele não deixava que cuidassem de Letícia nem do filho deles, não as queria na casa. Muitas vezes se sentia culpado porque, quando a mulher dormia de noite, ele e Carolina faziam amor na sala. Muito rápido, Letícia piorou. Ela já estava muito fraca. As feridas tinham tomado o seu corpo, mas Carolina não saia do seu lado. Um dia, Letícia pegou a mão dela e falou:
— Cuida do meu filho!
Nesse dia, ela morreu. Depois do enterro, Alfredo achou que ia poder assumir o seu amor. Mas, diferentemente disso, ele passou a sentir a presença de Letícia na casa o tempo todo. Ouvia os seus passos, sentia o seu perfume e até na cama sentia como se ela estivesse deitada do seu lado. Alfredo era cético, não acreditava em espíritos, mas, de alguma forma, sabia que Letícia continuava ao seu lado. O sentimento por Carolina e pelo filho lhe deu forças para sobreviver. Continuou a trabalhar muito no hospital, mas seu maior medo era chegar em casa, pois era onde sentia a presença dela. Carolina voltou para casa, pois as convenções da época não deixavam uma moça solteira na casa de um viúvo. Mas ia sempre visitar o menino e se encontrar com Alfredo.
Alfredo não comentava o que acontecia com ninguém nem com ela. Até que um senhor que estava no hospital falou para ele enquanto era examinado:
— Ela está se vingando de você.
Alfredo levou um susto.
— Do que é que o senhor está falando?
— Eu vejo a moça do seu lado todo o tempo. Ela é muito bonita e deve sentir muito a sua falta, mas você fez alguma coisa para ela. E ela quer se vingar.
— O senhor consegue vê-la?
— Mas ela está triste, porque você está triste também.
— Como é que eu posso ser feliz se ela morreu?
— Você não ama tanto a sua esposa, mas alguma coisa está lhe segurando ao seu lado e a fazendo infeliz. Um dia vocês vão se encontrar de novo. Mas não nessa vida.
No dia seguinte, quando Alfredo chegou ao hospital, soube que o senhor tinha morrido.
Alfredo continuava sentindo a presença de Letícia, principalmente na casa. Ouvia o farfalhar do seu vestido, como se ela andasse pelos cômodos. Com o tempo, começou a ouvir o piano tocar as músicas que ela tocava quando estava viva. Sentia a sua presença na cama ao seu lado e o seu perfume de flores no travesseiro. Ele só saia para ir ao hospital, e as pessoas começaram a achá-lo muito estranho porque mandava a empregada colocar dois lugares na mesa todas as noites no jantar.
A empregada contou para Carolina, que resolveu conversar com ele A empregada contou para mãe delas, que, apesar de sentir muita falta da filha, era espírita e estava conformada com a sua morte. Mas sabia que o que o genro sentia não era bom, nem para ele, nem para a sua filha, que sofria pela dor do marido.
Carolina foi até a casa dele, e Alfredo lhe contou tudo. Os dois acharam que, talvez se separassem, ela fosse embora. Talvez quisesse se vingar do amor dos dois. Carolina se preocupava com o menino, pois Alfredo não ia poder cuidar dele do jeito que estava.
Letícia, depois de morrer, continuou na casa. Achava que aquele era o seu lugar, embora espíritos, como o de seu pai e da sua avó, a quem ela amava tanto, tivessem vindo buscá-la. Ela não queria ficar longe do Alfredo e ainda achava que aquele era o seu lugar. Dormia na cama com ele e se sentava à mesa quando ele jantava. Alfredo ouvia o fru-fru do seu vestido e sabia que ela andava pela casa. O quartodeles continuava como se ela estivesse viva, com as roupas dela no armário e sua coisas no toucador.
Quando a empregada saía, Alfredo conversava com a esposa e contava do seu dia no hospital, às vezes, lia para ela. Cada vez ele trabalhava menos, porque era na casa que sentia mais a presença da esposa. Os amigos tentavam segurar o seu emprego no hospital porque era muito bom médico e muitas pessoas ficavam doentes na época por causa das questões de higiene na cidade. Qualquer médico era essencial.
Alfredo continuava a usar a bolinha de ouro com o sangue de Carolina e dele no pescoço. Temia que, se tirasse, perderia Carolina para sempre. Mas a bolinha dela, Carolina guardou numa caixinha de joias dentro de uma gaveta da cômoda. Sabia que um dia os dois iam se encontrar de verdade, e ele colocaria a bolinha de novo no pescoço dela.
Carolina, muitas vezes, ia até o hospital com ele. Mas, sem saber porque sentia muita tristeza quando via as crianças doentes. E continuava a cuidar do filho de Letícia.
As famílias de Alfredo e Carolina se reuniram um dia porque os pais e irmãos dele acharam que estava ficando louco, já que quase nem falava mais com eles e só vivia dentro da casa. O irmão dele falou:
— Eu acho melhor nós internarmos o Alfredo para se tratar. Nem com meus pais ele fala mais, e eu tenho