Historinhas de terror
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Historinhas de terror - Rodolfo Campos
Cyber zumbi
No ano de 2026, a sensação do momento era SimWorld, um jogo multiplayer baseado no The Sims, sendo que o jogador, através de um capacete, entrava em um mundo virtual, vivendo a vida do seu personagem em primeira pessoa, literalmente.
A pessoa poderia criar o seu avatar, escolher suas habilidades, preferências... Poderia ser quem quisesse.
O grande atrativo do SimWorld era a sua realidade; assim como na vida real; a pessoa deveria trabalhar para ganhar dinheiro, tinha que seguir leis para não ser preso, poderia criar amizades, ter relacionamentos, casar, praticar relações sexuais, dirigir carros; tudo como se fosse na vida real.
Em poucos meses, o jogo tornou-se uma febre mundial, pessoas de todas as idades estavam comprando o seu capacete do SimWorld e se conectando ao mundo paralelo.
Mário era um aficionado pelo jogo. Passava várias horas sendo outra pessoa no SimWorld. Na vida real, ele era um garoto de dezessete anos – tímido, cheio de espinhas na cara, com complexo de inferioridade; mas, no jogo, ele era Dudu, um rapaz forte, atlético, cheio de auto estima, praticante de esportes radicais.
Assim como Mário, qualquer um tinha a chance de ser feliz no SimWorld – O gay enrustido poderia sair do armário sem medo; o homem, descontente com sua esposa, poderia ter quantas amantes quisesse; a prostituta, marginalizada na sociedade real, no jogo poderia ser uma mulher séria, recatada; enfim, o SimWorld era a solução virtual para os problemas da vida real.
Com o passar do tempo, começaram a surgir os efeitos colaterais...
A mãe preparou o café da manhã. O filho ainda não havia saído do quarto. Já estava quase na hora do ônibus passar.
— Mário, hora de acordar! – disse a mãe, batendo na porta. Só que o filho não respondeu. A mãe entrou. Encontrou o filho deitado no chão. Estava usando o capacete do SimWorld. Ela tentou acordá-lo. Notou que seu corpo estava duro, os olhos opacos – Mário não respirava.
O médico legista atestou: morte cerebral.
Em todo o mundo, milhares de pessoas estavam sendo encontradas mortas usando o capacete do jogo. Cientistas foram chamados para explicar o fenômeno que estaria matando os jogadores do SimWorld.
O Dr. Farias, cientista especializado em cybernomia, deu a seguinte explicação à impressa:
— Todos os jogadores que morreram jogando SimWorld tiveram morte cerebral, todos, sem exceção. Isto é fato! Por que eles tiveram morte cerebral? A resposta é simples: passando tanto tempo jogando em um mundo paralelo
, a consciência da pessoa começou a assimilar o mundo do SimWorld como se fosse real; chamo isso de fenômeno da transferência subjetiva, quando a consciência humana já não sabe mais distinguir o real do abstrato; porém, a partir deste fenômeno da transferência subjetiva, criou-se outro fenômeno, o qual eu particularmente gosto de chamar de cyber-zumbi.
Os repórteres começaram a perguntar o que era o fenômeno cyber-zumbi. E Dr. Farias respondeu:
— Vou tentar ser objetivo: o cérebro do jogador morre na vida real; mas no SimWorld, o seu avatar continua ativo; em outras palavras, a pessoa morre neste mundo; mas, continua viva no SimWorld. Por isso o nome cyber-zumbi, eles estão meio que vivo e mortos. Mortos na Terra, vivos no SimWorld. O que é mais espantoso, os cyber-zumbis não sabem que estão mortos, pois não se lembram da vida passada. Eles realmente pensam que o SimWorld é um mundo de verdade. Eu entrei no jogo e encontrei diversos avatares de pessoas que já haviam falecido.
— Doutor, o que a pessoa deve evitar para não morrer enquanto estiver jogando SimWorld?
— Qualquer jogador do SimWorld pode morrer. Basta que ele acredite que aquele mundo é real para ocorrer o fenômeno da transferência subjetiva.
— E as pessoas que ficaram presas no jogo, os cyber-zumbis, até quando elas irão permanecer vivas neste mundo virtual?
— Até quando existir um servidor do SimWorld ligado. Se isso durar cem anos, elas vão viver por cem anos, pois no jogo você não envelhece, você não morre. Ou seja, todos são imortais enquanto o servidor do jogo estiver ligado.
Após as revelações do Dr. Farias sobre o fenômeno da transferência subjetiva, aconteceu algo sinistro: seduzidas pela imortalidade, as pessoas começaram a jogar SimWorld com mais freqüência para se transformarem em cyber-zumbis.
Mas não era apenas o desejo de imortalidade que faziam as pessoas se viciarem no jogo – os miseráveis queriam se mudar para o SimWorld para fugirem da pobreza; os criminosos, para escaparem de suas penas; os suicidas, para tentarem uma nova vida; os fugitivos, para se esconderem; pessoas idosas, para recobrarem a juventude; enfim, todos tinha um bom motivo para sair da vida real e entrarem definitivamente no jogo. Era como se o SimWorld fosse uma espécie de paraíso virtual.
Em quatro meses, o SimWorld exterminou um terço da população mundial, em números exatos, o jogo matou 2,4 bilhões de pessoas.
A Maxis, fabricante do jogo, entrou em colapso devido a milhares de indenizações que teve que pagar aos familiares das pessoas mortas pelo jogo. Fora isso, a fabricante também foi processada e julgada criminalmente por induzir as pessoas à morte. Os criadores do jogo, para escaparem das penas e multas, também morreram para entrarem em definitivo no SimWold.
O jogo foi terminantemente proibido de ser fabricado. Independente deste fato, a ONU ordenou a destruição de todos os capacetes do jogo. Em qualquer parte do mundo, ninguém podia jogar SimWorld.
Uma dúvida pairou no ar – e os cyber-zumbis? Deveria o mundo real deixar ligado os servidores do SimWorld?
A empresa Google, se disponibilizou em resguardar os servidores do jogo, em troca, pediu apenas aos governos que se dispusessem a financiar uma pesquisa cientifica com o intuito de trazer os cyber-zumbis a vida real.
Muitos governos não aceitaram a oferta, e os cyber-zumbis originários desses países foram sumariamente desligados, tanto na vida real, quanto no mundo virtual.
O governo brasileiro aceitou a oferta da Google, com isso, os cyber-zumbis brasileiros permaneceram ativos no SimWorld.
Atualmente, a Google está trabalhando no Projeto Frankenstein, a pesquisa que busca encontrar um meio capaz de trazer os cyber-zumbis a realidade.
Não há previsão de resultados.
Acampando no Vale dos Perdidos
Existe em Pouso Alegre uma floresta chamada Vale dos Perdidos
.
Este nome se deve ao fato de que o lugar tem uma alta incidência de suicídios.
Os moradores de Pouso Alegre dizem que o Vale dos Perdidos é assombrado pelas almas dos suicidas, boato que faz com que as pessoas passem longe da floresta.
Porém, o boato também chama atenção de jovens à procura de mistérios e coisas sombrias.
Foi Lidia quem convidou Edivaldo e Solange para acamparem no Vale dos Perdidos.
A data foi escolhida a dedo: sexta-feira, 13.
Para um grupo que já tinha pousado dentro de um cemitério, passar a noite em uma floresta, dita mal assombrada
, não seria problema.
Edivaldo, Lidia e Solange chegaram ao Vale dos Perdidos antes do pôr do sol.
Deixaram o carro à beira da estrada de terra, e saíram caminhando a pé pela floresta.
— E se a gente se deparar com alguém enforcado? – perguntou Solange.
— Vamos tirar fotos e colocar no Facebook, o que mais poderíamos fazer? – comentou Edivaldo. – Pensando bem, é melhor fazer um vídeo e soltar no whatsapp. A galera adora!
— Seria muito sinistro alguém se matar em plena sexta-feira 13, ainda mais nesta floresta! – falou Lidia.
Eles caminharam por um bom tempo e chegaram a uma área fechada por densas árvores.
Armaram a barraca, fizeram uma fogueira e sentaram-se em volta do fogo.
— Quantas pessoas se mataram aqui? – perguntou Edivaldo, olhando para as árvores em sua volta.
— Ninguém sabe ao certo – respondeu Solange.
— Seis pessoas – respondeu Lidia. – Eu pesquisei.
— Seis pessoas? Só isso? Toda essa conversa de floresta assombrada só porque seis pessoas se mataram aqui? – disse Edivaldo, em tom de deboche.
— Sei pessoas só no ano passado – complementou Lidia.
— Nossa! – exclamou Edivaldo, surpreso.
— Por que será que as pessoas se matam? – perguntou Solange.
— São vários os motivos – disse Edivaldo – dividas, amor mal resolvido, depressão, doenças...
— Para mim, suicídio é uma pura covardia – afirmou Lidia – um meio para você fugir dos seus problemas.
— Quem pode saber o que se passa na cabeça de uma pessoa suicida? – ponderou Solange.
— Se eu fosse me suicidar, primeiro eu pegaria todo o meu limite do banco, compraria um monte de coisas no crediário, e faria a maior zueira – falou Edivaldo, para divertimento de suas amigas.
— Quem quer comer bolo de chocolate? – perguntou Solange, pegando uma vasilha em sua mochila.
Ela repartiu o bolo com seus amigos e todos comeram