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Sophia
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E-book351 páginas5 horas

Sophia

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Sobre este e-book

É a vingança sedenta de um funcionário que faz com que um crime seja cometido no interior da mansão da família de Sophia — uma adolescente, que de uma só vez perde a mãe e a avó, brutalmente assassinadas, depois de serem submetidas a verdadeiros atos de tortura. Esbulhada precocemente da presença diária das pessoas que mais amava, a vida de Sophia passa a ser um verdadeiro inferno, no literal sentido da palavra. Não obstante a frágil situação em que se encontra, o pai, que quase não pára em casa, decide contrair novo matrimónio, agudizando mais ainda o ambiente no interior da mansão, com a presença indesejada da madrasta, pessoa que desde o primeiro dia deixou claro como água cristalina a enorme antipatia pela enteada.Cansada da constante ausência do pai, do seu novo matrimónio, associado à difícil convivência com a madrasta, Sophia decide agir por sua conta e risco, no sentido de chamar a atenção para os problemas que a afligem. Objetivo alcançado, surpreende o pai e faz um pedido inusitado que é aceite, mesmo com reservas. A partir desse dia, Sophia volta a ser aquela adolescente de outros tempos, com mais vida e alegria. Mesmo com o aval do pai, algo impede a felicidade plena. Diante do obstáculo, em conluio com a empregada, ela arquiteta um plano, no sentido de afastar de casa e da família a madrasta.É durante a visita ao cemitério, onde a mãe está sepultada, quatro anos depois da sua morte, que os planos de Sophia esbarram, ao avistar o vulto da genitora que lhe surge numa visão clara, vestida de branco com a aparência de um ser angelical. A imagem da mãe causa grande impacto na menina, deixando-a confusa e impressionada, motivo pelo qual decide visitar mais vezes o túmulo. Sempre que o faz é surpreendida com a aparição da genitora que lhe dá a conhecer factos relativos à sua existência, assim como a gênese de tudo o que sucedeu e vai suceder, a ela e à família. Mesmo com tudo o que escuta, algo de inesperado sucede, mudando para sempre os planos e estrutura familiar da pequena Sophia.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento21 de mar. de 2022
ISBN9789897823572
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    Sophia - Marques da Rosa

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    Sophia

    Marques da Rosa

    Sophia

    Sophia

    Marques da Rosa

    © Marques da Rosa, 2021. Todos os direitos reservados.

    O conteúdo deste livro é da inteira responsabilidade do autor.

    Revisão: Ana Simão

    Capa: Jess Foami

    Impressão e acabamento: Líberis – Print on demand

    1.ª Edição: Setembro de 2021

    ISBN [Edição Impressa]: 978-989-782-356-5

    ISBN [Edição Digital]: 978-989-782-357-2

    Depósito Legal N.º 487434/21

    Rua da Boavista, 719, 1.º T

    4050-110 Porto

    Telef.: 222 038 145

    Tlm: 919 455 444

    www.5livros.pt

    info@5livros.pt

    Prólogo

    Quatro anos antes

    Cansado das constantes humilhações de que é alvo na mansão, Euclides, o empregado, homem de pouco mais de trinta anos, detentor de um porte atlético impressionante, acima da estatura mediana, peito estofado, ombros largos, rosto enrugado e nariz achatado, encontra-se na cozinha numa acirrada conversa com a mãe da dona da mansão.

    Andreia, mulher de pouco mais de sessenta anos, confronta Euclides, e cada um faz jus à razão. A dada altura a situação fica fora de controle. O clima que por si só é difícil, azeda por completo. As acusações de parte a parte surgem em fracções de segundos. O tom das suas vozes é estridente e ameaçador. Cada um invoca as suas razões, declarando-as pertinentes e superiores em relação às do outro. Na verdade, o clima azeda tanto que fica insustentável, sendo o rastilho para que um crime seja cometido ali mesmo.

    Munido de raiva e ódio exacerbado, num ato tresloucado, Euclides pega numa faca, esquecida em cima da pia da cozinha e desfere um golpe certeiro no pescoço da desprotegida Andreia, que logo cambalea no meio do sangue que começa a jorrar. Ela contorce-se enquanto encara Euclides. Começa a desfalecer. Sabe que estará morta em segundos e tomba em definitivo junto à porta, antes de dizer qualquer coisa imperceptível.

    – Morre, sua miserável! Morre! – sarcástico, Euclides grita furioso, enquanto avista Andreia fechar os olhos pela última vez.

    O acúmulo de raiva é tanta, que Euclides mistura-o ao descontrolo. A seguir arrasta o corpo de Andreia para um exíguo compartimento: a despensa, onde o deixa sem que antes desconte a raiva, desferindo golpes e mais golpes. Desprotegido por completo do equilíbrio emocional, Euclides grita colérico a cada golpe que desfere:

    – Morre, sua miserável, morre…

    As marcas do ato tresloucado ficam latentes no rosto, braços, mãos e roupas de Euclides, que mesmo no estado em que está, tem consciência do crime que covardemente comete. O seu ato jamais representa perigo – assim o considera – já que está legitimado perante as constantes humilhações de que é alvo ao longo dos anos, sendo esse o pretexto da vingança. Um dia explodo e não sei o que poderá acontecer, várias vezes, Euclides falou a si mesmo. Ele, que há muito planeia um final triste para Andreia, sem sequer ter conjecturado que o mesmo ocorresse daquela forma, já que as circunstâncias do imediato o obrigaram a agir de forma covarde, mormente por impulso.

    Não satisfeito, na tentativa de apagar qualquer vestígio que o incrimine, a Euclides veio-lhe naturalmente uma vontade incontida em dar prosseguimento, eliminando fisicamente Nilda, a filha de Andreia, mesmo que favorecido pela coincidência da ausência do genro em viagem de negócios, assim como da outra empregada em período de férias, e dos motoristas dispensados excepcionalmente nessa semana.

    Euclides decide igualmente eliminar a neta de Andreia, contudo, chega à conclusão de que não será possível. Sophia, neta de Andreia e filha de Nilda, naquela altura permanece na escola e o regresso à mansão só se dará ao final do dia. Ele não pode esperar a chegada da menina, ao contrário de Nilda, que em poucos minutos estará de regresso com o intuito de almoçar com a mãe, depois de haver saído pela manhã, deslocando-se à empresa do marido, onde assina diversos documentos, já que na ausência dele, é ela quem responde pelos negócios. Euclides tem conhecimento desse facto.

    ***

    Vinte minutos depois, Nilda, filha de Andreia, mulher de pouco mais de trinta anos, corpo esbelto, cabelos louros e compridos, olhos azuis, pele branca, estaciona o carro na garagem da mansão.

    Ao sair, sem saber como, é acometida por uma estranha sensação. O ambiente mostra-se sombrio e gélido. Algo aconteceu. É essa a sensação com que fica desconhecendo o motivo. Sem o saber, Nilda está certa. Serão os seus últimos momentos de vida. Tal como a mãe, Nilda será igualmente vítima de um homem tresloucado e sedento de vingança.

    Ao caminhar para o interior da mansão, depara-se com o funcionário, cujo rosto parece-lhe carregado e sombrio. Rapidamente, e sem saber o motivo, é acometida por um horripilante calafrio. Euclides havia eliminado qualquer evidência do crime, consumado minutos antes, ao ponto de limpar as poucas marcas de sangue que o denunciariam. Do mesmo modo, troca de vestimenta.

    Nilda estranha a ausência da mãe, com a qual existe forte ligação, já que é recorrente Andreia ir ao seu encontro sempre que chega à mansão. É justamente a ausência da mãe que deixa Nilda com uma pulga atrás da orelha. Sem delongas, interpela o funcionário:

    – Onde está a minha mãe? O Euclides sabe?

    – A tomar banho – informa ele.

    – A esta hora? – comenta Nilda, ao estranhar.

    – Sim, dona Nilda. A sua mãe está a tomar banho – confirma Euclides.

    – Estranho! A minha mãe nunca toma banho neste horário.

    – Mas está.

    Nilda não se convence na sua totalidade, ainda assim, deixa para lá. De súbito, repara no olhar profundo e ressabiado do funcionário. Assustada, fica com medo e pergunta:

    – Por que me olha assim, Euclides?

    – É impressão minha ou a senhora está mais magra?

    – De facto é impressão sua. Sempre fui assim. – Responde Nilda ressabiada.

    Uma feliz coincidência facilita o plano de Euclides. Por descuido, Nilda deixa a porta do carro semiaberta. Providencial, ele não deixa escapar a oportunidade.

    – A dona Nilda deixou a porta do carro aberta – diz, alertando-a.

    – Feche-a para mim Euclides, por favor. – Dito isso, Nilda reinicia os passos em direção ao interior da mansão.

    Nesse ínterim, Euclides dá início à segunda fase do sórdido plano de eliminar fisicamente Nilda. Tomando-a de surpresa, segura-a com firmeza pelas costas e pescoço, comprimindo uma faca de mola contra a sua garganta.

    – Quietinha! Nada de abrir o bico, senão enfio isto no teu pescoço! – ameaça Euclides.

    Apanhada de surpresa, Nilda é obrigada a estancar o passo, sentindo um aperto no peito com o gesto inesperado de Euclides. Ela teme o pior, sendo pressionada com violência por um homem, detentor de uma força descomunal, que encosta ao seu pescoço uma arma com a clara intenção de eliminá-la fisicamente, caso não obedeça. Apavorada e com medo, Nilda sente que o chão lhe escapa dos pés. Com a voz que o medo abafa, quer saber:

    – O que significa isto Euclides? O que é que te deu?

    – Cala a boca! – ordena Euclides, gritando. – Já te disse, se abrires o bico enfio isto no teu pescoço, como fiz com a tua mãe!

    As palavras de Euclides caem como um raio, atingindo o corpo de Nilda. Agora, tem a certeza de que a sua vida está nas mãos do perturbado funcionário. Apavorada, assumindo o mesmo tom na voz, arrisca dizer:

    – Como quê? Tu mataste a minha mãe, seu…

    – Cala a boca! – brusco, interrompe-a, enquanto a obriga a caminhar para o interior da mansão.

    Um pensamento sombrio, rapidamente absorve Nilda, que teme pela própia vida. As palavras de Euclides são sinistras, no literal sentido de sua interpretação, ao confirmar com todas as letras haver subtraído a vida da mãe. Em desvantagem, Nilda terá de obedecer às determinações do empregado, caso queira sair dali com vida. Decide colaborar, caminhando em silêncio até ao interior da mansão, enquanto é agarrada com força por Euclides.

    Mesmo que Nilda ouse desafiar Euclides gritando, é impossível que alguém a escute. Ela tem conhecimento dessa dificuldade, devido à distância da mansão em relação à estrada, pois os ecos de seus desesperados e desafiadores gritos de socorro perder-se-iam no horizonte da extensa propriedade da família. Impotente, sentindo-se perdida, Nilda somente pensa no marido e em Sophia – a filha —, pedindo forças e proteção ao Divino. Na situação em que está, somente lhe resta a proteção Divina. Mesmo perto da morte, sem nunca ter passado por terrível experiência, Nilda tem medo de morrer.

    Ao entrar no interior da mansão, Nilda avista rastos de sangue no chão. Indefesa, vem-lhe naturalmente à memória o quanto a mãe sofreu nas mãos do homem que a segura com força. Diante do que vê sente repulsa e ódio. Tem ímpetos de se debater com o algoz, sabendo de antemão que de nada lhe valerá a atitude heroica, já que a sua manifesta vontade esbarraria na força descomunal de Euclides, que mais parece um animal enfurecido. Impotente, Nilda arrisca. A sua voz sai em tom de súplica:

    – Euclides, faço tudo o que quiseres. Por favor, poupa a minha vida! Já mataste a minha mãe. Isso não te basta?!

    – Cala a boca! Anda, encosta aí, na parede!

    Temerosa, Nilda obedece.

    – Fica aí quietinha! – pede Euclides, enquanto deixa a faca em cima de uma mesa próxima.

    Nesse ínterim, Nilda consegue avistar, numa fracção de segundos, um revólver debaixo da roupa do funcionário. Em desespero, faz-lhe novo pedido em tom de súplica:

    – Por favor, Euclides. Nunca te fiz mal algum, por que me queres matar? Por amor de Deus, desiste dessa loucura!

    – Cala a boca! – ordena Euclides, fora de si.

    Corajosa, Nilda não desiste. Assumindo o mesmo tom na voz persiste e tenta demovê-lo:

    – Por amor de Deus, o que é que tu queres Euclides? É dinheiro? Se for dinheiro, tu sabes que eu tenho, mas por amor de Deus, poupa a minha vida e eu garanto que nada te acontecerá.

    Euclides sabe que não pode confiar em Nilda. Esnoba um sorriso e diz:

    – Como posso confiar?

    – Tu sabes…

    Sarcástico, ele interrompe:

    – Não quero dinheiro, coisa nenhuma! Se eu quiser, sei onde encontrar nesta casa. O que eu quero é outra coisa.

    – O que é que tu queres? – Nilda assusta-se mais ainda. – É a mim que queres?

    – Até que não seria má ideia, já que és boa como o milho… não é isso que eu quero.

    – Não estou a entender. Se não é a mim que queres e dinheiro… afinal, o que é que queres de mim e da minha mãe, já que a mataste?!

    – Tu e a tua mãe sempre me humilharam nesta casa. Sempre! Sempre me trataram abaixo de cão, só porque se achavam ricas! Tudo isto é do doutor. Vocês não prestam! Vocês não sabem o quanto sofri com as vossas humilhações!

    – Eu nunca te humilhei Euclides, nun…

    – Cala a boca! – além de interromper, Euclides desfere um golpe com a mão na altura do supercílio. Nilda tomba no meio de um gemido de dor. – É verdade, tu nunca me humilhaste, mas também nunca foste capaz de chamar a atenção da tua mãe quando ela me humilhava na tua frente. Quem cala consente! Para mim isso é humilhação, e quem me humilha tem de pagar por isso.

    – Já infringiste sofrimento em mim ao matar a minha mãe. Maior sofrimento do que esse não te basta?

    Euclides sorri com sarcasmo enquanto a fuzila com os olhos.

    – Há muito que esperava por este dia. Só queria apanhar o doutor, a menina Sophia e a Lurdes fora de casa para fazer isto! – diz, depois.

    – Mas Euclides, eu…

    Euclides não permite que Nilda conclua. Sem lhe dar qualquer chance de defesa, retira debaixo das calças um revólver, calibre 38, e dispara um tiro certeiro na testa. Inanimada, sentada no chão, Nilda somente cai para o lado.

    Capítulo I

    O casal está sentado ao redor da grande mesa, na sala de refeições, degustando o almoço, preparado com primor pela empregada da família. De súbito, são surpreendidos com o som da campainha da mansão. Interrogativos, marido e esposa trocam olhares.

    Pressurosa, depois de autorizada, a empregada sai junto do casal com o intuito de atender ao chamado. Ao abrir a porta, dá de frente com um homem alto, forte e de aparência amistosa.

    – Boa tarde. – Saúda ela, com voz doce.

    – Boa tarde. – Retribui o homem, exibindo as credenciais. – Sou o delegado de polícia, Laerton. Desejo falar com o doutor Luís. Ele está?

    – Está sim. – Confirma a empregada, deixando escapar a natural apreensão.

    Astuto, o delegado percebe. Não dá importância e pergunta:

    – O doutor Luís pode dispensar uns minutos do seu tempo?

    – O doutor está no horário de almoço.

    – Ah, sim. – O delegado oferece um discreto sorriso. – Peço desculpa. Na verdade, devia ter ligado antes, mas como passava por perto decidi falar pessoalmente com ele. Se achar oportuno virei noutro horário.

    – Não carece, senhor delegado. O doutor não tem por hábito deixar de atender as pessoas seja a hora que for. Vou falar com ele. Aguarde, por favor.

    – Com certeza que aguardarei. Entretanto, caso o doutor Luís a questione, transmita que o assunto tem a ver com a filha.

    – A menina Sophia? – preocupada, a empregada quer saber.

    – Pode ficar tranquila. A filha do doutor Luís está bem. Nada de grave aconteceu.

    Aliviada, a empregada suspira. O delegado percebe e ignora.

    – Vou dar conhecimento da sua presença ao doutor. – Confirma a empregada.

    O delegado agradece, com um leve sorriso.

    ***

    Ao chegar junto do casal, a empregada, mulher de pouco mais de sessenta anos, corpo delgado, cabelos brancos, rosto bonito e amistoso, olhos verdes e profundos – com a voz que o medo abafa – informa a presença do agente da autoridade. Além da surpresa e da inesperada visita, não se sabe o motivo, ao escutar, o empresário é acometido ao prenúncio de que algo de ruim estaria para acontecer. Sem o saber, o seu prognóstico está certo. A seguir converge o olhar na esposa, que de cara feia envia uma mensagem cristalina de que, uma vez mais, a enteada fizera algo de errado. Ele ignora a reação de Mariana, mulher próxima dos trinta anos, cabelos louros, olhos azuis, rosto de boneca, corpo delineado e curvas definidas, pernas torneadas e pele branca e bem cuidada.

    – O que foi desta vez, Luís? Faz algum tempo que a tua filha tem causado problemas. – Os comentários da esposa são desdenhosos.

    Tanto o empresário como a empregada não apreciam as palavras de Mariana. O marido não perde tempo e diz, demonstrando o seu descontentamento:

    – Deixa esse assunto comigo. Ela é minha filha. Quem resolve sou eu.

    – Faz tempo que te aviso sobre os desmandos da Sophia. Aquelas amizades dela em nada a ajudam.

    – Já chega, Mariana! – rude, o marido interrompe. – A Sophia é minha filha. Quem resolve os assuntos relacionados com ela sou eu. Já te disse mais do que uma vez. Por favor, não dês palpites em relação a este assunto.

    Surpresa com o pedido, Mariana procura engolir a raiva e diz:

    – Calma, meu amor! Calma. Só quis ser útil. Não está aqui mais quem falou. – Dito isso, ergue as mãos ao alto, num aparente gesto de rendição.

    – É bom mesmo. – Conclui o marido, mal-humurado, que se dirige à empregada e pede:

    – Dona Lurdes, peça ao delegado que espere um minuto até eu acabar de almoçar. Introduza-o na sala, por favor.

    – Com certeza, doutor.

    A empregada sai. Um silêncio gélido instala-se no ambiente que é quebrado pela esposa, momentos depois, ao admitir a sua culpa.

    – Desculpa, meu amor. – Diz com voz suave, enquanto deposita a mão na mão do marido, num gesto compreensivo. – A Sophia é uma menina boa, contudo, está a precisar de um basta. Tu tens conhecimento disso e sabes do que eu falo.

    – Mesmo assim não vou admitir interferências tuas. Já não basta ter perdido a mãe da forma que a perdeu. Não deve ser fácil para ela excluir as terríveis lembranças daquele dia horrível, quando soube da morte da mãe, sobretudo da maneira de como foi encontrada morta.

    – Eu sei, meu amor. Só acho que ela não pode andar por aí a aprontar como que… – Mariana procura a palavra adequada – … respaldada pelo que sucedeu à mãe e à avó.

    – Está bom. Depois continuamos esta nossa conversa. – Interrompe o marido.

    Mariana sabe que aquela conversa jamais terá continuidade. O marido é um acérrimo defensor da filha e jamais admite que ela se intrometa num assunto que considera seu. Sem muita opção, Mariana engole em seco, uma vez mais.

    Luís, homem na faixa dos cinquenta e dois anos, olhos azuis, carismático, detentor de uma mente brilhante e incisiva, físico impressionante, rosto levemente pintalgado, tem conhecimento do clima crispado e da animosidade da filha para com a madrasta e vice-versa. Contudo, ao seu jeito, mitiga por si só a incómoda situação.

    Sophia e Mariana respeitam-se mutuamente numa espécie de armistício. Todavia, o ódio, o rancor e a indiferença são os sentimentos que dominam ambas, e no meio de toda aquela situação está Luís como que deslocado, fazendo de tudo na tentativa de preservar a boa harmonia da família. Luís adora a filha, assim como, nutre avassaladora paixão por Mariana. É justamente nesse clima azedo que é compelido a conviver, além de lidar diariamente, com a responsabilidade dos negócios da empresa, os quais absorvem a maior parte do seu tempo.

    Para Sophia, a madrasta ocupou precocemente o lugar da mãe. Na sua ótica, jamais deveria ter acontecido. Já Mariana, de invejosa que é, acusa a enteada de reclamar para si a maior atenção do marido em seu detrimento. Na verdade, Sophia somente pretende desviar a atenção do pai em relação à madrasta e, em parte, consegue os seus intentos, pois não aprova o casamento dos dois. Enquanto isso, de igual modo, Mariana retribui o desprezo que recebe da enteada. Tanto Mariana como Sophia nutrem exacerbados ciúmes uma da outra. Ciúmes doentios. No entanto, qualquer uma delas de orgulhosas que são, jamais admitem essa característica. Transferem a responsabilidade de toda a situação de uma para a outra, logo após Luís celebrar matrimónio pela segunda vez, após a morte de Nilda.

    Como forma de não agudizar a atual situação, Sophia evita ao máximo cruzar-se com Mariana; só o faz quando estritamente necessário ou quando já não resta alternativa, procurando refúgio noutros ambientes, junto do seu grupo restrito de amigos, aqueles que Mariana constantemente critica e repudia.

    Luís pede licença e vai ao encontro do delegado de polícia, que o aguarda na sala de espera. Munida de raiva, trincando os dentes, Mariana limita-se a olhar o marido a abandonar a sala de refeições.

    Meu Deus, não sei mais o que fazer. Já fiz de tudo. As minhas energias estão no limite. Ai, se aquela pirralha fosse minha filha, sabia muito bem colocá-la no devido lugar. O lugar que ela merece. O Luís dá-lhe muita liberdade e libertinagem. Mariana fala para si própria, em pensamento, levantando-se em seguida com o intuito de ir à cozinha ao encontro de Lurdes.

    ***

    Um aperto de mão sela o encontro dos dois homens, instantes depois.

    O delegado é convidado a sentar-se numa poltrona. Enquanto isso, Luís senta-se noutra ficando de frente ao agente da autoridade, que logo repara no aspecto de interrogação do homem ali à sua frente.

    – Pretende falar comigo, doutor Laerton? Qual é o assunto? – quer saber Luís.

    – A sua funcionária não lhe deu conhecimento do motivo que me trouxe a esta casa?

    – Não, não deu. – Omite Luís, munido de cautela.

    – Nesse caso, devo informar que o assunto que me trouxe aqui é a sua filha Sophia.

    – A minha filha Sophia? – Luís simula surpresa. – O que tem a minha filha, doutor Laerton? Ao que eu sei, a esta hora tem de estar na escola… julgo eu.

    – Antes estivesse, doutor Luís. Antes estivesse.

    – Como assim? Antes estivesse?

    – Veja bem doutor, neste exato momento a menina Sophia encontra-se apreendida na delegacia de polícia. – Informa o delegado com frieza.

    Um curto silêncio mortal instala-se na sala. As palavras do delegado causam abalo no pai de Sophia que diz:

    – A minha filha apreendida numa delegacia de polícia?

    – Infelizmente é a mais pura verdade, doutor Luís.

    – Qual o motivo da minha filha ter sido levada à delegacia?

    – Distúrbios na via pública.

    – Distúrbios na via pública? – Luís parece não acreditar. – Como assim, doutor Laerton? Se a minha filha é uma adolescente? Ela tem somente doze anos.

    – Lamento informar, doutor Luís. É justamente esse o motivo da apreensão da sua filha. Entendo a sua… decepção como pai.

    Luís não quer acreditar. Em simultâneo sente uma ponta de tristeza, mesclada por decepção e diz:

    – Tem a certeza, doutor Laerton? A minha filha não é capaz de um ato tão extremado como esse de provocar distúrbios na via pública.

    O delegado deixa escapar um risinho de canto de boca. Sabe da delicadeza do assunto. Decide prosseguir, suavizando a voz e acrescenta:

    – Bem sei que para o senhor é duro escutar uma notícia como esta. É pai como eu. Sei o quanto é difícil digerir uma contrariedade desta natureza. Na verdade, foi o que sucedeu com a sua filha.

    O pai da menina não reage. O delegado interpreta o silêncio como um momento de profunda reflexão, na tentativa desesperada de assimilar a mais recente notícia. Ele tem conhecimento de que o homem ali à sua frente é apanhado de surpresa, demonstrando incrédulidade no gesto da filha. Como o pai de Sophia não se manifesta, o delegado prossegue:

    – A sua filha cometeu um crime, muito embora de menor gravidade. Uma viatura policial casualmente passava no local e foi célere a abortar os desacatos, onde a sua filha se encontrava com os demais que lhe faziam companhia.

    – Distúrbios na via pública? Meu Deus, não consigo encaixar essa contrariedade. – Desabafa Luís.

    Um curto silêncio instala-se. O delegado respeita o desabafo. Luís fica sem ânimo para responder, tamanha é a decepção. O delegado percebe, mesmo assim, tem de dar prosseguimento. Vai direto ao assunto:

    – Entendo o senhor. Sou pai também, como lhe disse, mas como sabe não cabe a mim avaliar a relação do senhor com a menor apreendida, lá na delegacia. Espero que entenda, doutor.

    Luís segura um sorriso e diz:

    – Perfeitamente. Vamos ser práticos. O que pretende de mim?

    – Veja bem, por se tratar de uma menor…

    Em poucas palavras o delegado dá conhecimento dos trâmites a serem seguidos, no sentido de Sophia retornar à mansão da família.

    ***

    Ao passar na sala, a caminho da biblioteca, Luís cruza-se com a empregada. Sem preâmbulos, ele quer saber:

    – Dona Lurdes, a senhora sabe onde está a Mariana?

    – Está lá fora no jardim, doutor.

    – O que faz ela por lá?

    – Foi colher flores.

    – Tudo bem. Nesse caso, diga-lhe que vou sair, ao encontro da Sophia.

    – Perfeitamente, doutor.

    Ao entrar na biblioteca, Luís escuta a empregada chamá-lo.

    – Diga, dona Lurdes? – E vira-se para trás.

    – A menina Sophia está bem?

    – Está sim.

    – Permita-me uma questão.

    – Faça-a.

    – O que aconteceu com a menina Sophia?

    – Encontrava-se na companhia de pessoas com as quais jamais deveria estar.

    – Com más companhias? É o que está a querer dizer, não é?

    – Justamente, dona Lurdes. Esta juventude de hoje é problemática. ­– Dito isso, Luís entra na biblioteca e fecha a porta.

    A empregada fica em silêncio enquanto olha o vulto de Luís cruzar a porta. Vários pensamentos passam-lhe pela cabeça. O que pensa, só ela e Deus sabem, no entanto, para Lurdes o que mais a preocupa é a súbita mudança de Sophia, logo após o pai ter contraído matrimónio com Mariana. Ela tem perfeito conhecimento quanto a isso, bem como sabe o quanto adora imensamente a filha do patrão. Para Lurdes, Sophia podia ter os defeitos que tivesse, contudo, é uma menina dócil e carinhosa, necessitando de ajuda, somente isso.

    Em poucos segundos, Lurdes retorna às tarefas.

    ***

    Ao deixar a biblioteca, Luís dá de caras com a esposa. Mariana traz consigo um ramo de flores. O cheiro intenso a clorofila entra pelas narinas do marido.

    – Vais sair, meu amor? – indaga Mariana.

    – Vou sim. Aliás, já estou atrasado.

    – O delegado já foi embora?

    – Ainda não. Ele espera por mim. Vou sair com ele.

    – Ah sim, vais sair com ele. E a Sophia?

    – O que tem a Sophia?

    – O que aconteceu com ela?

    – Más companhias. Somente isso. – Luís é evasivo na resposta.

    Mariana não gosta e repete, fazendo uso de uma leve ironia:

    – Humm!… Más companhias?

    – Isso mesmo, Mariana. Graças a Deus ela não fez nada e saiu ilesa. Podes ficar tranquila, se isso te deixa tranquila. – Ironiza Luís do mesmo modo.

    Mariana não aprecia e rebate:

    – Como posso ficar tranquila, meu amor? Temos aqui em casa um delegado de polícia com um objetivo definido: falar sobre a tua filha Sophia. – Afirma, colocando acentuado ênfase no nome da menina.

    Luís engole em seco e pergunta:

    – Sim, e daí?

    – Tu, por acaso, vais sair com ele?

    – Já disse que sim. Bem sei que não moves uma palha a favor da Sophia, cabe a mim resolver o assunto.

    – Isso é grave. Se vais sair com

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