Tributação, Mercado e Mínimo Existencial: Leitura da obra "Lei, Legislação e Liberdade", de Friedrich August von Hayek
De Eduardo Tuma
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Tributação, Mercado e Mínimo Existencial - Eduardo Tuma
EDUARDO TUMA
TRIBUTAÇÃO, MERCADO E MÍNIMO EXISTENCIAL –
LEITURA DA OBRA
LEI, LEGISLAÇÃO E LIBERDADE,
DE FRIEDRICH AUGUST VON HAYEK
TRIBUTAÇÃO, MERCADO E MÍNIMO EXISTENCIAL –
LEITURA DA OBRA LEI, LEGISLAÇÃO E LIBERDADE, DE FRIEDRICH AUGUST VON HAYEK
Copyright Eduardo Tuma
Copyright da presente edição Editora Max Limonad
Capa: Régis Strévis
ISBN EPUB - 978-65-88297-78-0
Editora Max Limonad
www.maxlimonad.com.br
editoramaxlimonad@gmail.com
2021
Aos meus pais, amor eterno.
Ao mestre e amigo Márcio Pugliesi.
À Maria Fernanda Pessatti de Toledo pela demonstração de amizade.
NOTA DO AUTOR
No ano em que se acentuaram as contradições do sistema capitalista – 1974 – Friedrich August von Hayek, um dos expoentes da chamada Escola Austríaca de Pensamento Econômico, escreveu a memorável obra Law, Legislation and Liberty (Direito, Legislação e Liberdade), alvo de estudo e análise do presente trabalho.
Ordem espontânea, liberdade e intervenção mínima do Estado na sociedade: estas são as expressões que representam a essência do pensamento do autor, que sugere um modelo constitucional, em oposição tanto à concepção keynesiana quanto às socialistas.
Até os dias atuais, as ideias expostas na leitura da obra de Friedrich August von Hayek assumem especial importância, pois propõem conceitos fundamentais para garantir o funcionamento do Estado, especialmente no que se refere à necessidade de fixação prévia do ônus que deve ser distribuído aos indivíduos, o que exige um controle total dos gastos públicos.
Não se pode negar que a obra, publicada há quase cinco décadas, sobrevive e serve de estímulo para o Estado que almeja alcançar a denominada justiça fiscal sem olvidar a manutenção da ordem espontânea, necessária para a conservação da livre economia.
Tal tema, que foi abordado em minha dissertação, defendida perante banca examinadora na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, em 2010, sob orientação do ilustre Professor Márcio Pugliesi, foi por mim revisitado, momento em que foi possível trazer algumas experiências acumuladas nesse período, especialmente relativas ao exercício da atividade parlamentar no município de São Paulo. Trouxe para o texto anterior, minimamente, um olhar que se pauta por um capitalismo humanista e pelo disposto na Agenda 2030 da ONU.
Espero que o leitor, a partir da leitura deste texto, prossiga no estudo das principais teorias econômicas, sempre em busca de conhecimentos que propiciem o melhor para a sociedade.
Primavera de 2021,
Eduardo Tuma
PREFÁCIO
Num momento de defesa do livre debate acadêmico, bem como da revisitação das ideias clássicas, faz-se necessário refletir sobre as novas bases teóricas do Estado Social brasileiro do século XXI. Nesse sentido, chega em boa hora este estudo sobre um dos pilares da discussão da teoria econômica do século XX, independentemente da corrente teórica à qual nos filiemos.
Em Tributação, Mercado e Mínimo Existencial – Leitura da Obra "Lei, Legislação e Liberdade", de Friedrich August Von Hayek, Eduardo Tuma optou por discorrer sobre uma das principais obras do pensador austro-húngaro (1899 – 1992), um dos expoentes da chamada Escola Austríaca de Pensamento Econômico, que exerce influência até hoje, inclusive no Brasil. Tal escola, assim denominada pelo fato de seus principais pensadores serem austríacos ou de terem desenvolvido seu trabalho científico na Áustria, teve como primeiro grande nome Carl Menger (1840 – 1921), autor da obra Princípios da Economia Política, lançada em 1871. Já no século XX, ganhou projeção Ludwig Von Mises (1881 – 1973), economista que estruturou as ideias deixadas por Menger. Depois dele, Hayek, outro economista austríaco, destacou-se por expor os princípios da Escola Austríaca, defendendo com ênfase o livre mercado, que deveria funcionar de acordo com a lei da oferta e da demanda, assim como a intervenção mínima do Estado na economia.
A Escola Austríaca teve certa influência no século XX, mas acabou perdendo espaço para o keynesianismo, um conjunto das teorias e medidas propostas principalmente pelo economista britânico John Maynard Keynes (1883 – 1946), que propunha, conforme os limites do mercado livre capitalista, a necessidade, em certos momentos, de forte intervenção econômica do Estado na economia para garantir o pleno emprego e controlar a inflação.
Não é foco do autor a análise da Escola de Chicago, criada a partir dos ideais acolhidos pela Escola Austríaca, com enfoque no neoliberalismo, associada à teoria neoclássica da formação de preços e ao liberalismo econômico e que teve como principais expoentes George Joseph Stigler (1911 – 1991) e Milton Friedman (1912 – 2006), ambos ganhadores do Prêmio Nobel de Economia.
O estudo de Hayek, Law, Legislation and Liberty, revisitado neste livro, que tenho a honra e o prazer de prefaciar, foi uma excelente escolha do autor, já que publicado em 1974, numa época em que se acentuavam as contradições do sistema capitalista, mesmo ano em que Hayek recebeu o prêmio Nobel de Ciências Econômicas.
Com a experiência de pesquisador, legislador e Conselheiro do Tribunal de Contas do Município de São Paulo, Eduardo Tuma, ao examinar os fundamentos da ordem social liberal, conseguiu, com proeza, extrair do texto a corrente defendida por Hayek, quanto à necessária instituição de um sistema socialmente organizado, que culmine na formação de uma ordem social que, conforme sua visão, nasceria de maneira espontânea.
Além disso, expôs o pensamento de Hayek de forma detalhada, sendo abordados temas caros ao pensador, como liberdade individual, separação de poderes, características de um governo democrático e intervenção mínima do Estado na ordem de mercado. Destaco aqui o Capítulo 8, sobre tributação no Estado Neoliberal, em que se enfatiza a relação entre mercado e tributação, abordando esta como forma de financiamento do Estado. Traz, ainda, as percepções do filósofo e economista sobre a tributação numa economia de mercado e a noção de justiça social por meio da tributação. Com isso, pugna, no âmbito da arrecadação e do investimento estatal, por uma tributação que seja racional em sua essência.
O autor finaliza a obra com interessante abordagem sobre a tributação e a dimensão do setor público, preocupando-se com a adequação dos gastos públicos e a escolha dos serviços públicos que devem ser financiados pelo Estado, ou seja, com o conjunto dos direitos fundamentais sociais que buscam garantir um patamar elementar de dignidade humana, o que retrata, por sua vez, a preocupação de Hayek com aqueles indivíduos que não podem ganhar a vida no mercado.
Com isso, Hayek e o Professor Tuma defendem uma política governamental, sob a ordem do liberalismo, que ampare os necessitados, não a igualando com a tese da política de correção de injustiças sociais, já que se trataria de dever do governo, que arrecada recursos para fins comuns e deve administrá-los em favor do interesse coletivo.
Trata-se de excelente trabalho de investigação do Estado Tributário na visão de Hayek, que revela ao leitor como o premiado economista defende a normatização das especificidades dos tributos, do poder de tributar e das regras que limitam este poder, além do estabelecimento prévio do montante de recursos arrecadados e sua consequente destinação.
Ao apresentar, de forma didática e direta, os pilares do pensamento de Hayek, traduzindo para as gerações presentes e futuras parte das ideias que circularam no último quartel do século XX, Eduardo Tuma faz uma grande contribuição às ciências jurídicas, cujos estudos estão cada vez mais interligados à ciência econômica.
Parabéns ao autor e à Editora Max Limonad!
São Paulo, novembro de 2021
Alexandre Naoki Nishioka
Professor Doutor de Direito Tributário
da Universidade de São Paulo – USP
(Faculdade de Direito de Ribeirão Preto)
INTRODUÇÃO
"É-nos lícito dar tributo a César ou não? E, entendendo ele a sua astúcia, disse-lhes: por que me tentais? Mostrai-me uma moeda. De quem tem a imagem e a inscrição? E, respondendo eles, disseram: de César. Disse-lhes, então: dai, pois, a César o que é de César e a Deus, o que é de Deus". (Evangelho de Lucas, capítulo 20, versículos 22 a 25)
Friedrich August von Hayek¹, no transcorrer de seis décadas de intensa atividade intelectual, publicou dezenas de livros e centenas de artigos. Em 1974, recebeu o prêmio Nobel de Ciências Econômicas, mesma época em que publicou Law, Legislation and Liberty (Direito, Legislação e Liberdade), objeto de estudo do presente trabalho.
Na obra, defende o crescimento natural, a evolução, a situação em que as práticas e os princípios adotados espontaneamente pelos membros da comunidade permitiram a vida em grupo e, em consequência, como um sistema socialmente organizado culminou na formação de uma ordem social.
O primeiro capítulo deste livro tem como objetivo analisar o que se entende por sociedade boa
, ou seja, uma sociedade que protege tanto a liberdade quanto a ordem social. Tem-se aqui a pretensão de examinar os fundamentos da ordem social liberal – baseados na tradição do Liberalismo clássico – que deu berço a uma ordem que nasce de maneira espontânea.
O capítulo 2 analisa o ponto de vista normativo da obra Law, Legislation and Liberty. Para o autor, as normas editadas devem ser gerais, não arbitrárias e aplicadas de forma indiscriminada a todos aqueles que a elas estão submetidos. Destarte, com um sistema jurídico previsível, que oferece segurança jurídica, os membros aprendem, adaptam-se e coordenam suas ações na busca dos fins desejados.
Aquilo que Frederich August von Hayek denomina de nomos (direito como salvaguarda da sociedade) e thesis (ordem resultante de decisão deliberada), são tratados no capítulo 3.
As noções e críticas sobre a expressão justiça social
trazidas na obra do autor, foram analisadas no capítulo 4.
Muito embora o presente estudo não tenha como fim discorrer sobre perspectivas exclusivamente econômicas, é essencial abordar a ordem de mercado e seu aspecto jurídico (capítulo 5), uma vez que o austro-húngaro trata da ordem de mercado como o elo que une os membros da sociedade, uma vez que todos os indivíduos dependem do sistema econômico. Adiante, o contexto de sociedade e da ordem de mercado sob a base neoliberal da obra são sopesados no capítulo 6. Vale ressaltar que a Escola de Chicago², considerada por muitos como uma das mais importantes para a economia e que também foi uma das difusoras dos ideais neoliberais, não será aqui abordada, haja vista que não é o foco deste estudo.
Buscou-se analisar temas como intervenção mínima do Estado na ordem de mercado, liberdade individual, separação de poderes e as características de um governo democrático.
Em seu pensamento o autor afirma que é realmente necessária a quebra dos paradigmas antigos (e por que não dizer, atuais) – em que a política é feita por poucos e para poucos – e destaca suas convicções políticas adequadas aos novos ideais liberais não intervencionistas (política mencionada por Abraham Lincoln "a democracia é o governo do povo, pelo povo, para o povo"³) em um Estado constitucional liberal.
Não se olvidou neste estudo do epílogo do texto analisado, que trata das três fontes de valores humanos: os valores inatos, os que são produtos do pensamento racional e os que são fruto da evolução cultural. É sobre este último valor que no presente trabalho se discorrerá com maior ênfase (capítulo 7), uma vez que se afirma ter sido esquecido nos estudos da sociologia, embora seja o fator mais importante quando se trata das mudanças nas normas de conduta.
Finalmente, o capítulo 8 discorre sobre a tributação no Estado Neoliberal. As ideias encontradas na obra sobre a tributação numa economia de mercado e a noção de justiça social por meio da tributação são aspectos discutidos no último capítulo. Assim, a análise do livro, feita no decorrer dos capítulos anteriores, servirá de alicerce para tratar da justa tributação.
Em tempo, é de extrema valia mencionar que Hayek produziu a maior parte de suas obras, inclusive Law, Legislation and Liberty, no período pós-guerra e final de uma conjuntura capitalista tardia. Ou seja, uma sociedade pós-capitalismo e depois desta uma sociedade de controle – nessa visa-se a redução da jornada de trabalho, constatado o excedente de mão de obra. Todavia, olhando-se com os olhos atuais, o autor, mesmo com a disponibilidade de menos material de estudo do que se tem na atualidade, produziu uma obra visionária que tem aplicação mesmo após décadas.
¹ Frederich August von Hayek nasceu em 08 de maio de 1899, na cidade de Vienna – Áustria – e faleceu em Freiburg – Alemanha – no dia 23 de março de 1992. O Austro-Húngaro ingressou na universidade de Vienna em 1918 e teve como professores Friedrich von Wieser e Othmar Spann. Conquistou dois doutorados, o primeiro em Direito com ênfase em economia, em 1921, e o segundo em Economia Política, baseado na tradição liberal clássica, em 1923. Em 1929, ano de depressão econômica mundial, Frederich August von Hayek publicou a obra cujo titulo em inglês é Monetary Theory and the Trade Cycle. Hayek se tornou um paradigma da economia dentre os anos 1950 e 1980 com suas ideias sobre o capitalismo. Em 1930, foi convidado a lecionar em Londres na renomada London School of Economics
, onde assumiu a cadeira de Ciências Econômicas e Estatística até 1950. Em 1931, produziu, em decorrência de suas palestras, a obra Prices and Production. Assim, passou a residir na Inglaterra, e ali se naturalizou cidadão britânico. Foi nesse período que se tornou conhecido mundialmente como um pensador da escola liberal clássica.
² A Escola de Chicago de Economia é uma escola de pensamento econômico defensora do livre mercado, associada à teoria neoclássica da formação de preços e ao liberalismo econômico, e que ganhou tal nome por ter sido disseminada por professores da Universidade de Chicago. Seus principais expoentes foram George Stigler e Milton Friedman, ambos ganhadores do Prêmio Nobel da Economia.
³ RIBEIRO, Darcy. As Américas e a Civilização – processo de formação e causa do desenvolvimento desigual para os povos americanos. São Paulo: Companhia das Letras, 2007, p. 379.
Capítulo 1 - PRESSUPOSTOS TEÓRICOS DE FRIEDRICH AUGUST VON HAYEK
1.1. A ordem espontânea
Existe uma grande questão a ser tratada numa sociedade livre: a intervenção do Estado de forma abrupta, e até certo ponto totalitária, e, por outro lado, a intervenção mínima do Estado na sociedade.
Nesse contexto, pode-se ter o Estado que impõe uma ordem por intermédio de regras preestabelecidas, obrigando seus membros a cumprir e a seguir determinados passos e, por outro lado, o Estado que apenas oferece alguns balizamentos, numa ordem que espontaneamente surge entre os membros da sociedade em consonância com a democracia e a liberdade individual, conceitos que serão aprofundados no decorrer do trabalho.
Sobre a ordem feita e a espontânea
, Hayek esclarece que:
a ordem feita, a que já nos referimos como uma ordem exógena ou uma ordenação, pode ainda ser designada como uma construção, uma ordem artificial ou, especialmente quando estamos tratando de uma ordem social dirigida, como uma organização. Por outro lado, a ordem resultante da evolução a que nos referimos como autogeradora ou endógena, tem sua designação mais adequada na expressão ordem espontânea⁴.
De tais ordens espontâneas – econômica e jurídica – surgem as mais variadas ações intencionais dos membros da sociedade, mesmo que isso promova um fim que não fazia parte de suas intenções
.
⁵, ⁶
Nas lições de Hayek, tem-se em mira uma ordem que possibilita a utilização do conhecimento e das capacidades de todos os membros da sociedade. Para tanto, utiliza a descentralização da coordenação social, que origina um intercâmbio entre os membros e, em consequência, uma eficiente produção material.
O Liberalismo oferece subsídios para a manutenção e evolução da organização social, com destaque para o papel da razão humana, intimamente ligado à noção de ordem espontânea. Crê, portanto, que as instituições sociais não são o produto de um planejamento racional consciente, ou seja:
Não seria exagero dizer que a teoria social começa com a descoberta da existência de estruturas ordenadas que são produto da ação de muitos homens, embora não resultem de intenção humana e que só devido a essa descoberta tem um objeto⁷.
Vale mencionar que Celso de Castro, ao discorrer sobre a mudança social e o direito, aponta para a questão de que em diversas ocasiões somente análises posteriores de fatos ocorridos podem revelar as causas, fatores e circunstâncias dos mesmos, considerando suas consequências. Entende-se que assim como Hayek pensa, a sociedade desenvolve-se de maneira natural e espontânea e, com isso, nos dizeres de Celso de Castro, o fato social é dinâmico. Um fenômeno presente não raro é consequência de um anterior, causa de um posterior e circunstância para outro presente
⁸.
Com foco na ordem jurídica, a ordem espontânea tem papel fundamental, pois é responsável pela regulamentação da atividade econômica por intermédio das instituições jurídicas criadas para oferecer regras de conduta. Porém, na sua visão, apesar de tais criações serem fruto das intenções dos governantes, na verdade, são consequências da ordem social e econômica, ou melhor, são necessidades surgidas a partir