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Saluki À Deriva
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E-book376 páginas5 horas

Saluki À Deriva

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Sobre este e-book

”Presa no passado não resolvido, a pessoa nervosa não consegue definir um caminho para o futuro”. Dr. Robert Von Reichman. A vida de Peter Federson foi repleta de divórcios, empregos perdidos e fracasso na faculdade, o que levou a uma passagem miserável pelo Vietnã e uma vida fragmentada no século XXI. Um dia, Peter percebeu que era o culpado. ”Por favor, Deus, deixe-me começar de novo!” Vinte e quatro horas depois, o destino jogou Pete quarenta anos no passado. Agora, ele tem a chance de conseguir aprovação no século XX e ser promovido para o século XXI. Mas uma sombra escura o segue pelas décadas e sabota seus esforços. Com isso, a primavera de 1971 ameaça ser um eco mórbido de si mesma. Confira salukimarooned.com pra saber mais sobre uma universidade única em uma era turbulenta.

Peter Federson, de 58 anos, se casou com a garota errada e rejeitou o verdadeiro amor. Ele desistiu da universidade, o que resultou em problemas para se alistar, nos empregos e nos relacionamentos. Um dia, Pete tomou alguns comprimidos com vodka no trailer em péssimas condições em um subúrbio de Chicago. Em um transe, Peter pegou um trem para Carbondale, Illinois, e desmaiou na Universidade do Sul de Illinois, onde acordou em 1971. Peter Federson está de volta à faculdade. Agora, ele pode se casar com seu verdadeiro amor, Catherine, passar em álgebra - a matéria que fez com que deixasse a faculdade na primeira vez - e finalmente conseguir o diploma. Mas um professor de álgebra malévolo tenta reprová-lo, sua futura esposa não o deixa ir embora, uma revolta sacode o campus e algo dentro de Peter não quer mudar. As cores da universidade são marrom e branco, e seu mascote é o saluki. Mas, nesta história, isso tem um significado mais sinicro, pois Peter Federson está preso em 1971 - um Saluki à Deriva. Confira em salukimarooned.com.
IdiomaPortuguês
EditoraTektime
Data de lançamento10 de jan. de 2018
ISBN9788873049876
Saluki À Deriva

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    Pré-visualização do livro

    Saluki À Deriva - Robert P. Rickman

    AGRADECIMENTOS

    Passei quase 8 anos olhando para a tela de um computador, com a mente nos anos 1970, enquanto escrevia este livro. Apesar de ser um trabalho solitário, eu não estava sozinho, pois tive Nathan Beck como consultor. Nathan, que se formou na SIU, ensinou a um escritor de notícias a escrever ficção. Sandra Barnhart, da Biblioteca Pública de Carbondale, teve um papel essencial na formatação do manuscrito para publicação. Mary Mechler, MBA da turma de 1993, do Centro de Desenvolvimento de Pequenos Negócios da SIU, me ajudou a desenvolver um plano de marketing para Saluki à Deriva, além de me ajudar em tudo, de desenvolvimento de sites a cartões de visitas. A fotografia da capa do Lago do Campus no crepúsculo foi tirada por Taylor Reed, BA de turma de 2009. Bob Kerner de La Vergne, Tennessee, tirou a fotografia da capa traseira. Apesar de Bob não ser ex-aluno da SIU, usou uma camiseta marrom na ocasião. A Associação de Ex-alunos da SIU me ajudou com o marketing do livro para ex-alunos de todo o mundo. Finalmente, um agradecimento especial para Bob Smith, da turma de 1973, e Roger Davis, da turma de 1972, do curso de Rádio e TV da SIU, que ajudaram com o marketing e a revisão deste livro.

    Prefácio

    Dois rios selvagens se chocaram no centro dos Estados Unidos no século XX - o movimento para a paz e a juventude. Foi algo intenso, com garotos dançando ao som das músicas extremas, modas sendo lançadas, garotas dançando, uso de drogas e violência. A UC Berkley liderou o caminho com as revoltas no campus.

    A 3.200 quilômetros para o leste, ficava a Berkley do centro oeste - a Universidade do Sul do Illinois em Carbondale. Em 1969, um incendiário queimou a Reitoria, o prédio mais antigo. Quando a Guarda Nacional matou quatro alunos na Kent State, em Ohio, na primavera de 1970, revoltas fecharam a universidade e seu reitor renunciou. 

    Para aumentar a tensão, houve um cadastro extenso nos treze condados mais ao sul de Illinois. O terremoto mais violento nos 48 estados contíguos destruíra a região no começo do século XIX. Em 1922, 23 mineradores de carvão foram mortos durante o Massacre de Herrin. O grande tornado que percorreu três estados, o mais mortal da história dos Estados Unidos, ocorreu em 1925, matando 695 pessoas. Abaixo do solo, a explosão na Mina Novo Oriente tirou a vida de 119 mineradores em 1951. E, em tempos mais recentes, o furacão de maio de 2009 iniciou três tornados no sul de Illinois, arrancando árvores, explodindo janelas e demolindo prédios.

    Naquele outono, Peter Federson, com 58 anos de idade, entrou na Universidade do Sul de Illinois depois de consumir drogas e álcool. Profundamente deprimido, o ex-Saluki rastejou para baixo de uma canoa no lago, caiu em um estupor e entrou para a longa lista de estatísticas extraordinárias da região. Pois, quando Pete acordou em 1971, o mundo estava caótico, exatamente como ele se lembrava.

    Capítulo 1

    Há algo de errado com meu termostato emocional. Coisas boas me deixam nervoso, coisas ruins me deixam ainda mais nervoso e a incerteza me deixa maluco. Mesmo assim, odeio o tédio e a rotina. Foi assim durante os 58 anos da minha vida.

    Há um esquadrão de gremlins, vivendo no fundo da minha mente, que giram esse termostato, que trazem à tona lembranças ruins, distorcem-nas em paródias de si mesmos, amplificam-nas grosseiramente e lançam-nas rudemente na minha consciência. Os gremlins usam as lembranças para atacar meus nervos sensíveis até que eu me contorça em agonia. 

    Há uma linha dessas substâncias químicas — pois é o que são, substâncias químicas cerebrais desorganizadas — que inicia no fim dos anos 1960 e estende-se até o presente. Essa linha longa e irregular representa um resumo demoníaco da minha história de trabalho. Trabalhei como segurança, revisor, instrutor de escola para adultos, zelador, garçom, bilheteiro, carpinteiro, DJ de bar, DJ de rádio, fotógrafo e empacotador de mercearia. Depois de abandonar a faculdade, fui cabo do Exército dos Estados Unidos. Foi o pior emprego. 

    O melhor emprego foi trabalhar como repórter e âncora de noticiários em estações de rádio em Iowa e na Califórnia. Estar no ar é meu talento número um. Fui feito para isso, exceto que eu não conseguia tolerar o estresse por muito tempo. Podia aguentá-lo por algum tempo, talvez meses, às vezes até anos, mas, em algum momento, a rolha estourava com um estrondo, soltando os gremlins fulminantes. Quando isso acontecia, eu pedia demissão, era demitido ou, em alguns casos, combinava as duas coisas de tal forma que tanto o ex-empregador quanto o ex-empregado ficavam confusos sobre o que acontecera. Fui demitido do último emprego na rádio em 1999 quando discuti com o diretor do noticiário sobre como pronunciar Des Plaines, o nome de um bairro de Chicago. Como sou de Chicago, eu disse a ele que a pronúncia correta era Dess-Planes. Mesmo assim, ele foi ao ar com uma pronúncia francesa estranha e eu o chamei de sapo. Não sabia que ele tinha descendência francesa.

    Meu emprego mais recente terminara da forma espetacular habitual em um dia de outono ensolarado em 2009, em uma empresa chamada Testing Unlimited, localizada na mesma rua onde eu morava em Fox Lake, Illinois, outro subúrbio de Chicago. O emprego era classificado como meio expediente ou ocasional, o que significava que eu não poderia pedir seguro desemprego, não tinha benefícios e trabalhava apenas de seis a oito meses por ano. Em algumas semanas, eu não sabia em que dias trabalharia ou quantas horas por dia teria que trabalhar. Eu não me importava com isso, pois o emprego não me oferecia segurança alguma e, apesar de isso ser ruim, a ideia de mudar para algo melhor era ainda pior.

    Com um sorriso largo, o gerente chamou nosso trabalho intelectualmente equivalente a cavar valas. Nosso grupo de uma centena, todos com algum diploma no bolso, estava sentado em cadeiras dobráveis. Eram duas cadeiras por mesa, com um monitor de computador, um teclado e um mouse à frente de cada um. Nosso trabalho era corrigir provas da escola fundamental. Algumas vezes, havia parágrafos sobre o bicho de estimação preferido de uma criança. Em outras, corrigíamos dissertações inteiras sobre o que uma criança fizera durante as férias de verão. 

    O último trabalho que eu fizera para a empresa envolvia como soletrar a palavra gato. Nossas instruções no início do projeto eram simples: gato soletrado corretamente valia dois pontos e, se fosse próximo, como g-a-t-u, g-o-t-o ou c-a-t-o, valia um ponto. Tudo o mais valia zero. Mas os pais de uma criança contestaram a pontuação com a lógica de que um r-a-t-o podia ser perseguido por um g-a-t-o e que um rato também era um animal de quatro patas com cauda. Portanto, r-a-t-o deveria receber um ponto, pois um rato era soletrado de forma semelhante e tinha a aparência geral de um gato... se fosse um rato grande e uma pessoa se encolhesse ao vê-lo. O conselho estadual de educação concordou com os pais e, por causa disso, as instruções de duas frases simples se transformaram em cinco páginas de frases complexas. Tínhamos que completar 6 testes por minuto, 360 por hora, 2700 em um dia de oito horas, com dois intervalos de quinze minutos e meia hora para o almoço. O computador marcava nosso horário com precisão implacável.

    Depois de um mês de g-a-t-o, r-a-t-o, m-a-t-o, s-a-p-o e amigo (um ponto), meu cérebro começou a vagar, o que resultou em uma queda na precisão e na velocidade, e um medo grande. Portanto, decidi definir metas de produção e acompanhar meu progresso fazendo uma marca em uma nota adesiva sempre que pontuava um teste. 

    Uma tarde no outono de 2009, eu deslizara os óculos grossos para a ponta do nariz para conseguir ver de perto e contava a marca número 552 quando Jim, o cavador de valas chefe, subitamente acabou com a minha concentração. 

    — Ahhh, Peter — disse ele, falando com tom monótono e suave.

    O lápis voou da minha mão. — O quê?

    — Olhe só este teste... — Ele se inclinou sobre mim, digitou algumas letras no meu teclado e clicou com o mouse. Um teste apareceu na tela.

    — ... deveria receber um — disse ele.

    Eu olhei para ele com uma careta. — Parece g-a-t-o para mim. 

    — Bom, se você olhar direito para a penúltima letra, o que parece ser o traço que corta o t é apenas uma marca aleatória.

    — Ainda parece um t para mim. — Olhei para ele com expressão dura.

    — Mostrei a Becky e ela concorda comigo que a penúltima letra não é um t. Portanto, precisamos mudar a pontuação para um.

    — Precisamos, é? E quanto tempo você e Becky passaram estudando essa letra?

    Jim pareceu desconfortável.

    — Cerca de dez minutos. Depois levamos para Bill... você sabe, Bill, o capitão do projeto. Ele o examinou com o programa Challenger. Você sabe, o programa especial que usa lógica difusa para analisar a caligrafia de uma criança. De qualquer forma, Bill concordou conosco que a pontuação deveria ser um. — Jim agora me encarava.

    Virei-me para ele e perguntei: — Ora, então, quem diabos está analisando esse teste? Você, Becky, Bill ou eu?

    — Ora, você, é claro. — Jim pareceu assustado.

    — Ótimo. Então é dois.

    — Sr. Federson, acho que precisamos falar com Bill. — Subitamente, o doce Jim não era mais tão doce.

    É difícil entender como uma pessoa com doutorado, duas pessoas com mestrado em inglês e um cara com dois anos de faculdade (eu) conseguiram entrar em uma competição de berros sobre como soletrar g-a-t-o, mas foi assim que perdi o emprego na empresa de testes. Como sempre, era irrelevante eu pedir demissão ou ser demitido. No final, o Capitão do Projeto! Bill sugeriu que eu procurasse ajuda profissional. 

    Como se eu nunca tivesse ouvido aquilo antes.

    Joguei o crachá sobre a mesa da recepcionista, andei até o estacionamento com determinação e... não consegui abrir a porta do meu Dodge Charger 1976. Depois de bater nela com o punho algumas vezes, a porta se abriu com um rangido enferrujado. Logo, eu estava saindo do estacionamento em uma nuvem de fumaça azulada. 

    Dirigi sem rumo, gastando uma gasolina preciosa enquanto queimava a ansiedade. O Charger era um desastre. Eu nunca o lavara nem encerara, nunca trocara o óleo — nunca nem verificara a vareta de nível — e nunca consertara o amassado enorme na parte traseira esquerda da lataria. O painel estava todo rachado. O rádio e o ar-condicionado não funcionavam havia anos. Embalagens de lanches, cupons fiscais de mercearia e envelopes de correspondências antigas cobriam o piso. E, no banco traseiro, havia uma pilha de roupas sujas que se acumulara durante semanas. Olhei para a pilha pelo espelho retrovisor e, em seguida, para a roupa que vestia: uma camisa listrada suja com o colarinho desabotoado e meias diferentes. Apesar de eu odiar a rotina, chegara o momento de lavar roupas. 

    Logo depois, estacionei em frente à lavanderia automática e, como acontecia no dia de lavar roupas, meu humor piorou, pois revivi a lembrança de alguém tirando minhas roupas úmidas da secadora, jogando-as em uma pilha no chão e colocando as próprias roupas no lugar. Essa lembrança intensificada pelos gremlins era de um incidente na lavanderia do dormitório da época em que eu frequentava a Universidade do Sul do Illinois. Como sempre, os gremlins me atormentaram enquanto eu via minhas roupas girarem na secadora. Quando a máquina parou, coloquei a mão para testar as roupas.

    Ainda molhadas! Merda!

    Quando coloquei a mão no bolso para pegar mais duas moedas preciosas, os dedos encostaram na capa de couro grudenta do celular. Eu não falava com Ronald Stackhouse havia algum tempo. Ele me ajudara a organizar as ideias enquanto eu trabalhava para a WSIU, a estação de rádio da faculdade, para que, quando o disco terminasse, não ficasse sentado sem ter nada a dizer. Em 1999, ele me ajudara a encontrar outro emprego depois de eu ter sido jogado para fora da WREE, a estação de rádio de notícias, e ajudara-me a entrar nos eixos depois de ter sido demitido dos empregos de segurança, revisão e zeladoria. Ele sempre lidara comigo com muito tato, como se o fato de não conseguir manter um emprego, apesar de perturbador, ser apenas um problema pequeno no grande esquema da vida. Ronald era a estabilidade personificada e os gremlins tinham medo dele.

    Apertei o botão de discagem rápida, mas nada aconteceu, pois a bateria estava novamente descarregada. Ela não tinha nenhuma carga restante. Guardei novamente o telefone no bolso antes de ceder ao impulso de jogá-lo contra a secadora.

    Uma hora depois, joguei as roupas limpas no banco de trás do carro, um lugar em que elas ficariam por mais algumas semanas, pois seu destino era que voltassem à minha casa uma peça por vez conforme fossem necessárias. A mudança me estressava, até mesmo as pequenas. E, no outono de 2009, eu fazia cada vez menos mudanças na minha vida porque não queria arriscar perder o pouco que tinha.

    Encontrei o carregador do celular no banco traseiro, liguei-o no isqueiro do carro e telefonei para Ronald. Antes mesmo que ele conseguisse dizer Alô, falei:

    — Puta merda, Ron, este foi um dia muito bom!

    — Quem? O quê? Ah, é você, Pete.

    — Claro que sou eu. Estou na lavanderia. Você se lembra do filho da puta que tirou minhas roupas molhadas da secadora e jogou-as no chão quando estávamos na faculdade?

    — Ele fez isso de novo?

    — Ah, que engraçado, Ronald! Você se lembra?

    — Pete, isso foi há quase quarenta anos.

    — Bem, parece que foi ontem, pois fiquei furioso novamente enquanto observava minhas roupas na secadora há alguns minutos.

    — E?

    — E nada. Só isso.

    — Pete, você andou bebendo muito café de novo?

    — Ainda não. Vai ser a próxima parada.

    — Não faça isso. Você sabe que o café aumenta... ahm... você sabe...

    Enquanto a voz de Ronald sumia, liguei o carro. 

    — Ronald, perdi o emprego hoje — disse eu ao dirigir para fora do estacionamento.

    — O quê, não... ahm... o que aconteceu?

    — O de sempre. Uma discussão.

    Houve uma longa pausa no outro lado da linha. Entrei na rua.

    — Pete... — disse Ronald. — Você sabe o que fazer: tire alguns dias de folga, atualize o currículo, prepare roupas bacanas para uma entrevista...

    Eu ouvira aquele conselho muitas vezes de Ronald. E, em todas elas, ele tivera razão.

    — Talvez tenha algo que você possa fazer para mim... — continuou Ronald. — Ainda tem aquele microfone bom e um notebook? Ainda consegue acessar a internet?

    — Sim. — Eu sabia o que estava por vir.

    — Bem, você poderia ler algumas notícias por dia para a estação. Não precisa cobrir nenhuma notícia. Nem terá que escrevê-las. E o pagamento é bom. 

    Ronald trabalhava na WSW em Omaha.

    — Ron, eu não aguento mais rádio... Eu...

    Eu estava começando a desmoronar e acho que Ronald sentiu isso.

    — Pete, escute. Tire uma folga. Coloque a cabeça no lugar e telefone para mim daqui a alguns dias para conversarmos. Ok?

    — Ok — respondi.

    Eu não sabia o que Ronald via em mim. De verdade.

    Joguei o celular no banco de trás do carro, que caiu no topo da pilha de roupas, no momento em que entrei no estacionamento do Shop King. Ele não só tinha as lojas mais baratas em Fox Lake, como também uma beleza ruiva de 25 anos chamada Lilly. Encontrei um frasco de Old Spice rolando no chão, joguei uma quantidade generosa no rosto e saí do carro.

    Em alguns minutos, eu estava parado no final da fila de Lilly, carregando um cesto que tinha um pote com rótulo preto e branco que dizia simplesmente MANTEIGA DE AMENDOIM. Lilly me tirou da depressão mórbida, lançando-me em uma alegria sem limites, ao digitalizar a manteiga de amendoim, um pão de menos de um dólar, uma cebola pequena e um potinho de maionese. Quando ela chegou à lata de atum, eu estava pronto para agir.

    — Isso não é para mim — disse eu. — É para o meu tigre de estimação.

    Lilly ergueu o olhar com expressão de desinteresse. Ela sabia que provavelmente não valia a energia necessária para responder. Mas, como já estava extremamente entediada, praticamente qualquer estímulo seria bem-vindo.

    — Tigre de estimação? — perguntou ela.

    — Sim, ele está no carro. Quer vê-lo? Ele adora garotas bonitas.

    Ops, aquilo foi idiota.

    A expressão de Lilly ficou dura.

    — Não, meu namorado não gosta de tigres — disse ela ao empurrar o saco plástico com as compras na minha direção. Ela garantiu que, quando eu pegasse o saco, nossos dedos não se tocassem. Ela rapidamente se virou para o próximo cliente, com nossa interação esquecida.

    Caí novamente na depressão profunda, mas andei até a saída, agindo como se fosse a pessoa mais feliz do mundo. Até mesmo assoviei um fragmento de uma rapsódia de Liszt.

    Os gremlins rasgaram o saco quando eu o colocava no carro, espalhando as compras por todo lado. Não havia como me livrar daqueles idiotinhas destrutivos. Os profissionais tinham tentado. Um terapeuta desenhara um círculo e colocara um ponto nele, que representava o eu. E, por oito semanas, de dezenas de formas, ele me convencera de que o eu da maioria das pessoas era essencialmente bom e que os problemas ocorriam no círculo externo. As pessoas eram boas, mas as ações delas não. Outra vez, um psiquiatra me receitara antidepressivos tricíclicos e Paxil para a ansiedade. Depois, prescrevera Ritalin para compensar os efeitos de redução da energia do Paxil e tratara um problema secundário, o distúrbio de déficit de atenção. 

    — É melhor viver com química — dissera o psiquiatra com um sorriso alegre ao escrever a receita.

    Tudo que experimentei funcionou por algum tempo até que meu cérebro se rebelou. Eu me esqueci de que as pessoas eram essencialmente boas e comecei a precisar de doses cada vez maiores de drogas para superar a ansiedade, a letargia, a hiperatividade, a depressão, o déficit de atenção. Isso levou a pensamentos cada vez mais difusos até que, no verão de 2009, eu me senti como se estivesse perdendo a personalidade e transformando-me em um disco rígido.

    A próxima parada foi na cafeteria Mellow Grounds e Croissant Factory, localizada em um daqueles prédios modernos construído para parecer que tinha um século. As paredes modernas tinham sido habilidosamente projetadas para parecerem estar rachadas e descascando. As cadeiras de encosto reto provavelmente tinham 70 anos e as mesas de fórmica pareciam ser provenientes do laboratório de biologia de uma escola, onde sapos eram dissecados. As pessoas adoravam o lugar porque relembrava os bons tempos que nunca tinham sido vividos.

    Sempre que eu entrava lá, sentia dor na articulação do ombro direito e uma onda de raiva. Como a lavanderia, a cafeteria me lembrava de um incidente desagradável, desta vez em uma manhã de verão em 2008 no Demonic Grounds Coffee Emporium, do outro lado da cidade. Naquela manhã, eu tomava as doses normais de Ritalin, antidepressivos tricíclicos e Paxil, e sentia-me como se estivesse no limiar entre a apatia e a raiva hiperativa. Quando descobri que cobraram um café com leite triplo, depois de receber apenas uma xícara grande de café puro, exigi falar com o gerente. Depois de uma discussão breve, caí para o lado da raiva hiperativa e avancei sobre ele. Mas errei e caí contra a parede, batendo o ombro e a cabeça, o que machucou a articulação e, por assim dizer, estragou o disco rígido. 

    Depois de sair da prisão na manhã seguinte, joguei o frasco de comprimidos no outro lado do quarto e deixei uma mensagem malcriada no correio de voz do meu psiquiatra, encerrando nosso relacionamento. 

    No outono de 2009, os gremlins tinham acordado do coma induzido pelos medicamentos e batiam novamente no meu cérebro. Isso causou uma sensação estranha no plexo solar que chamei de calafrios. Desejei que houvesse um medicamento que limpasse os calafrios. Se podiam limpar o intestino, por que não podiam limpar a mente?

    No Mellow Grounds naquela noite, tentei usar a força de vontade para evitar uma explosão depois da interação com Lilly, mas o barista estava do lado dos gremlins. Ele falava comigo e com mais alguém do lado de fora da janela de entrega expressa, usando um daqueles microfones que saíam da orelha. Ele parecia que se sentiria à vontade em qualquer torre de controle de tráfego aéreo do país. Depois da confusão normal em relação a quem ele estava dirigindo-se — o motorista irritado na pista expressa ou o cliente com calafrios parado à sua frente — recebi o café e sentei-me na mesa mais próxima. O barista pareceu aliviado.

    Como sempre, eu estava solitário e tinha uma ideia vaga e não realista de interagir com alguém naquela noite. Mas, das cerca de vinte pessoas na loja, parecia que todas estavam enviando mensagens, falando ao celular, ouvindo música em iPods, trabalhando em notebooks ou lendo livros eletrônicos. Todos estavam conectados, exceto eu.

    Tomei meu Grosse Sud Amerikaner Kaffee que, traduzido para o idioma do século XX, era uma xícara grande de café. Talvez fosse grande demais porque, quando levantei, parecia que a parte de trás da minha cabeça explodira e as coisas em seu interior me empurravam em direção à porta com uma velocidade aterrorizante. Mas os pensamentos estavam tão devagar que eu conseguia ver cada pseudo rachadura nas paredes com detalhes fantásticos. Minha mente começou a se fragmentar como a parede, mas, no meu caso, não havia nada de pseudo.

    O percurso até em casa, passando pelas luzes sinistras das ruas e sombras escuras, levou dez minutos. Ao entrar no estacionamento onde ficava meu trailer, o único farol do carro que funcionava iluminou um pátio em miniatura com um brilho sobrenatural, mudando o verde desmaiado do trailer para um branco fosco. A antena de TV no teto parecia um biscoito retorcido graças a uma tempestade, que acontecera dez anos antes. Uma sombra irregular foi lançada pela caixa de correio na qual eu batera com o carro no ano anterior. O farol revelou uma descoloração em toda a parte da frente do trailer que eu não notara antes. Saí do carro, empurrei os óculos sobre o nariz para melhorar a visão e vi que toda a parede lateral do trailer estava soltando da armação. Eu precisava fazer algo a respeito depressa, pois o trailer estava desmanchando-se. E, olhando para ele, pensei: Eu também. 

    Capítulo 2

    No dia seguinte, acordei ao meio-dia com uma ressaca por causa do café. Por alguns segundos, achei que aquele era o pior dos meus problemas. Mas, ao esfregar os olhos, a ansiedade leve que me percorria como uma subcorrente crônica rapidamente se transformou em um ataque de calafrios intenso. Eu perdera o emprego. Os gremlins apertaram um grupo de nervos em volta do coração, o que fez com que eu levantasse de um salto. Corri para a cozinha, abri a única gaveta do trailer que era organizada e peguei uma caneta, um pedaço de papel e um abacate que desaparecera naquele verão. Joguei o abacate na lixeira repleta perto da pia e limpei a mesa da cozinha com um movimento do braço.

    Em uma carta bem elaborada para a Testing Unlimited, questionei a sabedoria dos governos estaduais em exigir testes padronizados para alunos do ensino fundamental para mostrar como as crianças eram inteligentes. Assim, o estado receberia mais dinheiro federal... para mais testes. Eu também achava um desperdício de dinheiro pagar dez dólares por hora para pessoas com diploma universitário para analisar como gato fora soletrado. No fim quase ilegível, escrevi um palavrão e sugeri que um dos supervisores de pontuação de testes com mestrado, recebendo treze dólares por hora, lesse a palavra para o conselho diretor para ver se conseguiam soletrá-la. Assinei a carta com um garrancho, enfiei-a em um envelope, escrevi o endereço, colei três ou quatro selos e fui até a caixa de correio.

    O local onde o trailer estava estacionado parecera bom quando eu me mudara para lá em 1989. Mas, agora, a grama era cortada esporadicamente, as pedras ao longo do caminho estavam fora do lugar, a lixeira estava transbordando e muitos moradores tinham a aparência de pessoas que trabalhavam em tempo integral, ganhando muito pouco, e iam diretamente para um segundo emprego, de meio expediente, para conseguir pagar o aluguel de seiscentos dólares por mês e abastecer os carros velhos. 

    A caixa de correio estava cheia, principalmente com propagandas, sobre as quais estava uma carta dos meus pais. Puxei os óculos para a ponta do nariz para ler a carta. Mamãe e papai tiveram que pagar alguns milhares de dólares para mudar o jardim da frente de gramado para cascalho. Mas isso economizaria na conta de água. Parecia que Los Angeles estava novamente no meio de uma seca.

    Sob a carta dos meus pais, estava uma conta do médico Harry Morton. Normalmente, eu nem teria aberto a conta, mas um desejo perverso, fruto de um estímulo indesejável, pois os gremlins odiavam o tédio, fez com que eu abrisse o envelope. A primeira coisa que vi foi o valor de US$ 4.579,92, o custo de uma tomografia que eu fizera seis meses antes. Meu clínico geral achara que eu precisava de um raio-X do peito por causa de uma tosse crônica e enviara-me para um cardiologista. Ele, por sua vez, pedira a tomografia, pois eu tinha pressão sanguínea ligeiramente alta que era tratada com um inibidor da ECA. 

    Tentei dizer a todos que a tosse era causada pelo inibidor da ECA, que eu parara de usar. A tosse também parara. Mas o clínico geral insistira que eu precisava do raio-X do peito e o cardiologista insistira que também precisava da tomografia, apesar de o eletrocardiograma do teste de esforço e os outros exames estarem todos normais.

    — Você não pode colocar um preço em sua saúde — recriminara o cardiologista com um sorriso de vendedor de carros usados.

    — Relaxe, acabei de falar com seu seguro-saúde. Eles vão pagar! — comentara o assistente.

    O seguro pagara US$ 77,64.

    O resultado foi a pressão alta controlada por medicamentos, o que causou uma tosse de US$ 4.502,28. 

    Segurando a correspondência contra o peito, andei pelo caminho irregular até a porta da minha casa e joguei tudo no chão com o resto das coisas. Precisando de algo que acabasse com a ressaca, abri a despensa, espantei as baratas, abri uma lata de café e preparei um bule de café preto, como eu gostava. Ficar em casa, beber café e evitar todos os estímulos que provocavam os nervos. Era o melhor a fazer.

    Mas, mesmo assim, continuei verificando a correspondência. A próxima carta da pilha era uma carta indesejada de Marta, uma hippie que eu conhecera anos antes na universidade. Do nada, depois de quase 40 anos, várias cartas de Marta começaram a chegar naquele verão. Eu não respondera a nenhuma delas. As cartas me deixavam atônito, mas eu as lia mesmo assim porque eram... interessantes. Aquela era totalmente fascinante:

    Caro Peter,

    Espero que esteja tudo bem com você. Espero que você e seu instrumento tenham chegado a uma epifania e que sua vida esteja bem encaminhada.

    Você se lembra do que conversamos na universidade, que a ciência solucionaria os seus problemas? Bem, se não for a ciência, então talvez a magia!

    Haha!

    Se a vida mudou para você, saberá o que quero dizer. Mas, se não mudou, você não saberá de que porra estou falando. De qualquer forma, escreva para mim. Eu adoraria ter notícias do cara mais são que já conheci.

    Sua amiga,

    Marta

    Eu não me lembrava de ter falado com Marta por mais de dois segundos, apenas para dizer olá e tchau no restaurante da universidade quarenta anos antes. Pela primeira vez, olhei para o endereço

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