Deus nos lê pela sua Palavra: Lectio Divina para a Quaresma e Páscoa

De Altierez dos Santos

Deus criou toda a realidade existente e um dia desceu até sua criação para completar nela tudo aquilo que havia começado em seu favor (cf. Sl 137). A vinda de Deus na Pessoa do Filho, conhecida como kenosys (isto é, "abaixamento"), foi o início de uma nova criação, para a qual Ele mesmo chamou a você a mim. As Lectios Divinas contidas neste livro são um itinerário de crescimento na fé, de conhecimento interior e de reforma íntima a partir da Palavra de Deus que é o próprio Cristo. Faça a experiência de um profundo encontro com o Senhor pela Palavra a partir destas páginas.

• Idioma: Português
• Editora: Paulus Editora
• Data de lançamento: 21 de fev. de 2022
• ISBN: 9786555624885

Pré-visualização do livro

Apresentação

Alegria e Paz!

No início de 2020 vi uma notícia preocupante no noticiário: a expansão de uma epidemia desconhecida que vitimava muitas pessoas. Seu alastramento por países e continentes a converteu em pandemia, que infelizmente espalhou um rastro de morte por onde passou. Naquela ocasião estava envolvido com o projeto missionário da Editora Paulus, minha casa, a serviço de diversas dioceses pelo país. Eu me reunia a catequistas, religiosas e clérigos para palestras sobre evangelização ou retiros espirituais. Era comovente e inspirador ver como as pessoas levavam a sério suas missões na Igreja! Muitas vezes atuando em situações difíceis e até contrárias às suas missões, elas não esmoreciam em apresentar sempre o rosto sorridente de Cristo para todos.

Mas infelizmente a pandemia que havia chegado com furor, afetou de forma profunda nossas vidas, como sabemos. Impossibilitado de oferecer os retiros presenciais, passei a gravar algumas meditações sobre o Evangelho e enviar para as pessoas com as quais deveria me encontrar. Seria uma forma de estarmos próximos e juntos passarmos pela situação caótica que se abatia sobre nosso país. Foi assim que surgiram os apontamentos que agora estão neste livro, e que ofereço a amigas e amigos que de Norte a Sul levam a sério a missão de serem o sorriso de Deus no mundo.

O nome deste livro pode não revelar, mas está ligado aos textos escolhidos para essas meditações: são os Evangelhos do Ciclo Pascal do Ano Litúrgico A. Reuni as meditações ao redor de três centros ligados à vida do Senhor:

Encontrar Jesus, que medita os Evangelhos da Quaresma;

Conhecer Jesus, que medita os Evangelhos da Semana Santa;

Seguir Jesus, que medita os Evangelhos dos Domingos Pascais.

A cada ano litúrgico, temos variação de alguns dos textos, mas os eventos celebrados permanecem os mesmos: paixão, morte e ressurreição de Nosso Senhor. Por isso rezar essas meditações no Ciclo Pascal pode auxiliar ainda mais a evolução moral para nossa conversão.

A lectio divina é um antigo e precioso tesouro da Igreja. Desde os primeiros séculos, nossos santos e santas nos ensinaram a iluminar a vida com a Palavra por meio da lectio divina. Ela possui quatro DEGRAUS em direção a DEUS.

O primeiro degrau (I) é a LEITURA.

O segundo (II) é a MEDITAÇÃO.

O terceiro (III) é a ORAÇÃO.

E o quarto (IV) é a CONTEMPLAÇÃO.

Segundo o grande mestre dom João Evangelista Martins Terra, a lectio divina é uma prática tão antiga quanto a veneração pela Sagrada Escritura. No episódio relatado no Santo Evangelho segundo São Marcos 1,21¹, dom Terra identifica o próprio Senhor Jesus Cristo realizando uma lectio divina!

Com efeito, os vários escritos rabínicos de antes e depois de Cristo trazem traços marcadamente semelhantes à oração profunda que brota das páginas milenares da Bíblia. São páginas que se assemelham a pinturas repletas de detalhes e segredos que espelham a nossa própria vida. Presume-se, por isso, que é uma prática antiquíssima, certamente inspirada pelo Espírito Santo em tempos imemoriais.

Os registros da utilização da expressão lectio divina são muito antigos e a fixação em quatro degraus como a conhecemos hoje foi dada pelo monge Guido (ou Guigo) no século II. Por muitos séculos a lectio divina foi a piedade central da vida religiosa nas antigas ordens, mas com o passar do tempo perdeu importância diante de outras práticas de piedade e, recentemente, no século XIX, ela passou a ser novamente incentivada e vivenciada.

Em todos os países aonde chegou, produziu frutos e até inspirou formas de oração baseadas nos quatro degraus. Foi assim que nasceu a Leitura Orante no Brasil, que não é, a rigor, sinônimo de lectio divina. Temos a riqueza própria da leitura orante, essa flor que nasceu das sementes da tradição mais antiga, mas é importante destacar que estamos diante de duas práticas de piedade valiosas. Lectio divina é introspectiva, silenciosa, focada na conversão do nosso interior. Leitura Orante, por sua vez, é dialogal, expositiva, ligada a aspectos da vida exterior. As duas formas, como mãe e filha, são belas, nobres e distintas. E aqui tratarei da lectio divina.

Em retiros pelo Brasil, costumo lembrar que a Sagrada Escritura é como um lago muito extenso, calmo, que reflete em suas águas, como um poderoso espelho, tudo o que está ao seu redor. Visto de longe, esse lago parece uma lâmina de água, muito rasa, até mesmo de água parada. Mas é um engano. Estamos diante do lago mais profundo do mundo. Quem ousar ler a Bíblia ao pé da letra irá ter uma visão equivocada, pois as águas desse lago não são rasas! Elas possuem uma profundidade que nem sempre suspeitamos.

Ao praticar lectio divina percebemos isso.

O modo como proponho partilhar esse precioso tesouro da Igreja neste livro deve servir mais como inspiração que como forma. Pensando nisso, acredito que deveríamos preparar meditações usando dois critérios:

que a meditação seja capaz de ligar o texto bíblico com a vida da pessoa;

que a meditação não apenas sensibilize a emoção, mas também que ela ajude a pessoa a dar passos em sua evolução moral em direção a Deus.

Espero que, ao ler as páginas seguintes, seja como leitura espiritual, seja como inspiração para criar ou oferecer retiros, o mesmo Espírito de Deus que pairava sobre as águas, sopre também sobre as águas espelhadas desse lago que reflete o mundo e a vida e revele os tesouros que estão depositados lá no fundo do mesmo lago, esperando por você.

Para

encontrar Jesus

Jesus supera as tentações

1. REZAR SOBRE AS TENTAÇÕES

Convido você a rezar sua vida hoje diante

da Palavra de Deus com o texto do Evangelho

segundo São Mateus 4,1-11.

Por ser um texto que nos ilumina durante todo o ano,

a sagrada liturgia fixou esse texto como Primeiro Domingo

da Quaresma.

Você sente a tentação perto de si?

Quando isso acontece?

Coloque esse sentimento em oração neste momento.

} Como está sua vida hoje?

2. PREPARE-SE

} Procure um ambiente de repouso.

} Desligue-se das preocupações exteriores.

} Coloque-se em uma posição confortável.

} Coloque sob a proteção de Deus sua vida, sua história, seu coração e todos os que ama...

3. EM NOME DO PAI E DO FILHO E DO ESPÍRITO SANTO

4. PEÇA AS LUZES DO ESPÍRITO SANTO

5. OREMOS

Concedei-nos, ó Deus onipotente, que, ao longo

deste tempo, possamos progredir no conhecimento

de Jesus Cristo e corresponder a seu amor por uma

vida santa. Por Nosso Senhor Jesus Cristo, Vosso Filho,

na unidade do Espírito Santo.

I. LEITURA

Evangelho: Mt 4,1-11

II. MEDITAÇÃO

O deserto, na Bíblia, é o local da sabedoria e da purificação. No deserto estamos a sós conosco mesmos e somos obrigados a olhar para nós como nós somos. Muitos dos santos da Bíblia levaram ao deserto suas fragilidades e procuraram suas conversões. Jesus, que era perfeito, também foi ao deserto para nos ensinar. No deserto encontramos o Espírito de Deus. Temos a tentação de fugir da purificação do deserto... O texto pergunta: qual parte, qual área da sua vida você gostaria de levar ao deserto hoje para purificá-la? É algum sentimento de tristeza, de decepção? É uma dificuldade em lidar com alguma pessoa? É um sentimento pesado de rancor? É uma busca por algo melhor em sua vida? Uma pessoa? Uma situação? O que você quer levar ao deserto para purificar?

Quarenta dias e quarenta noites. A Bíblia nos ensina que o número quarenta simboliza o tempo da transformação, o tempo da ação de Deus. O dilúvio ocorreu por quarenta dias, trazendo um deserto de água ao mundo; o povo de Deus esteve no deserto por quarenta anos; Moisés esteve no deserto em Midiã por também quarenta anos e Elias esteve por quarenta dias na montanha. E agora Jesus também por quarenta dias esteve no deserto. Quarenta simboliza o tempo do agir de Deus. Quarenta sempre é um tempo longo. É o tempo de sermos conduzidos pelo Espírito Santo. Muitas vezes temos a tentação de não aceitar o tempo de Deus agir sobre nossa vida...

Aqui convido você a iluminar algum acontecimento que já passou durante a vida. Só compreendemos bem o sentido dos fatos quando passamos por eles. Peço que você se lembre de algo triste que lhe ocorreu. Visite esse momento mais uma vez para rezarmos sobre sua vida. Pode ter sido quando você sofreu uma ofensa, uma calúnia, quando experimentou a traição de quem não esperava. É possível que naquela situação você sentiu-se só e tenha experimentado a humilhação. E pode ter sido que esse tempo demorou a passar. Foi sua quarentena, enquanto você se refazia. Reveja este momento com toda a nitidez. O que você sentiu? Respire. É aqui que vem a iluminação de Deus: todas as vezes que você passou por algo semelhante, uma parte ruim e pesada de sua vida ficou para trás: você libertou-se de uma amizade nociva, de um relacionamento abusivo, de uma situação que fazia você sentir-se triste. Convido você a olhar mais uma vez para esse acontecimento e compreender que foi uma libertação.

Agora, a partir da palavra libertação pense em outro acontecimento marcante de sua vida. Peço que se recorde de um momento em que você sentiu-se uma pessoa abençoada por uma graça, por algo que aconteceu em sua vida e você nem esperava. Pode ter sido uma pessoa iluminada que chegou em sua vida, pode ter sido o reconhecimento de sua família ou de seus amigos sobre algo nobre que você fez. Quero que reveja esse momento com toda a nitidez, com todos os detalhes e inclusive experimente novamente a mesma sensação de alegria e realização.

Sim, nossas vivências são exatamente o tempo que Deus tem para agir em nossa vida. São nossos quarenta dias, nossas quarenta noites, nossos quarenta anos nos quais a voz de Deus sussurra ao nosso ouvido. Por isso precisamos prestar atenção a ela. Respire. Deixe o Espírito de Deus conduzir sua vida, suas memórias e sua história.

As três tentações. Jesus é tentado pelo diabo, que, mesmo sendo submisso a Deus, faz três tentações contra Seu Filho:

sabendo que Jesus experimentava a fome, o diabo sugere que ele transforme as pedras em pães;

sabendo que muitas pessoas não acreditavam no Evangelho, o diabo pede que Jesus se jogue do Templo e mande seus anjos para salvá-lo;

por fim, o diabo apela ainda para uma vaidade que Jesus também não tem: o apego a riquezas do mundo.

Preste atenção: as três tentações do diabo têm um ensinamento muito importante. Elas são resumidas à busca de TER, SER e PRAZER. Você e eu somos seres marcados pela fragilidade e pela limitação.

Quero que você imagine um grande coração. O seu coração. Porém ele possui três buracos, três aberturas, três lacunas enormes. Esses buracos foram colocados em nós pela nossa história de vida, pela nossa sociedade e principalmente pelas nossas inclinações naturais. Essas lacunas são buracos difíceis de preencher... E é por causa delas que fazemos muitas escolhas erradas e desastrosas. Como Jesus, vamos rezar cada uma delas:

Ter:Quais são minhas tentações do ter? Como passar por elas?Mostre gratidão a Deus por todas as coisas que você possui. Sua casa, seus objetos, as coisas que você gosta. Tudo isso é também sagrado, se você não as coloca acima de Deus e das pessoas. Pense em algo que você gostaria muito de ter em sua vida. Algo que lhe ajudaria a ser uma pessoa mais feliz, mais realizada. O que seria? Um carro, uma nova casa? Seus estudos? Um trabalho melhor? Pense com carinho nisso. E agradeça a Deus porque no tempo oportuno você vai alcançar.

Para vencer as tentações, cultive a gratidão.

Ser:Quais são minhas tentações do ser? Como passar por elas? Em nossa história de vida, muitas vezes somos provocados e desafiados porque não somos isso, não somos aquilo. Muitos de nós possuem marcas profundas da infância e da juventude causadas por não termos sido bem acolhidos nas vidas de nossas famílias; por não termos sido bem tratados por quem nos devia respeito; por não termos tido acesso a algo que precisávamos tanto, desde amor até recursos básicos de vida. Isso certamente fez um grande rasgo, um buraco em nosso coração. Mas veja: aqui quero convidar você a olhar para as consolações de Deus. Quantas vezes você foi uma pessoa generosa, amorosa e carinhosa para quem está ao seu redor? A grande graça aqui é que você tem o poder de reescrever a história daquelas pessoas que Deus lhe deu. Faça diferente. Seja a pessoa que preenche as lacunas dos corações. Pense nas pessoas que você ama; pense nos teus amigos; pense nos teus adversários, pois é com eles que você aprenderá a mais importante das lições.

Para vencer as tentações, cultive a generosidade.

Prazer: Quais são minhas tentações do prazer? Como passar por elas? O prazer é a mais antiga das tentativas que temos de preencher as feridas da nossa história. O prazer não é ruim. Tudo é bom se for iluminado pela luz de Deus. Quando se fala em prazer, imediatamente vem à nossa mente uma série de pensamentos, muitos deles relacionados a algo errado, oculto, reprovável. Isso é resultado de uma compreensão errada que temos do prazer. Nossos prazeres estão relacionados às sensações do nosso corpo no mundo. Eles nos lembram que temos um corpo. Mas não podemos esquecer que somos pessoas e não bichos. Há uma regra que nossas santas e santos nos ensinaram: os prazeres vividos de forma correta nos humanizam, mas vividos de forma errada, nos animalizam. Os prazeres estão relacionados às saudáveis alegrias. Pense em qual área da sua vida precisa experimentar uma alegria autêntica, sincera, iluminada por Deus?

Para vencer as tentações, cultive a bondade.

Vá embora, Satanás. Na última imagem do Evangelho, Jesus nos dá uma lição: manda embora aquilo que o atrapalhava. Quantas vezes nós fazemos exatamente o contrário? Esta é uma tentação perigosa: a tentação de reter o lixo, o impuro, os detritos na nossa vida... Muita gente fala: Não vai embora, satanás! Fica mais um pouquinho. Não seja essa pessoa! Isso acontece quando guardamos em nossa memória, em nossas palavras, em nosso coração, como se fosse ouro, justamente aquilo que devíamos ter mandado embora. Isso vale para muita coisa... Frustrações, mágoas, rancores, decepções... É preciso deixar ir embora para que nosso coração não ganhe ainda mais buracos. O que você precisa mandar embora de sua vida hoje?

III. ORAÇÃO

A partir dessa meditação, faça uma pequena e breve oração a Deus.

IV. CONTEMPLAÇÃO

Na contemplação, é o rosto de Deus que se coloca sobre nossa vida. Feche os olhos e imagine o próprio Jesus diante de você. Ele possui uma veste muito branca e transmite uma paz muito profunda. Permita que nesse momento Jesus se aproxime de você. Veja-o próximo de você e olhe nos olhos dele. Ele sabe por quais dificuldades e tentações você passa. Ele conhece tuas fragilidades. Ele espera que você conheça também as realidades de seu coração que necessitam ser curadas. Permita que ele toque seu coração neste momento. Sinta a aproximação das mãos de Jesus, o calor e a paz que elas trazem. Ele coloca as mãos sobre seu coração e em silêncio, recolhe as tuas orações. Experimente colocar-se e colocar toda a sua vida nas mãos de Jesus.

ORAÇÃO FINAL

Glória ao Pai e ao Filho e ao Espírito Santo.

Como era no princípio, agora e sempre. Amém.

A nossa proteção está no Nome do Senhor.

Que fez o Céu e a Terra.

Bendito seja o Nome do Senhor.

Agora e para sempre.

Abençoe-nos Deus eterno e Todo-Poderoso,

Pai e Filho e Espírito Santo.

Amém.

Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo!

Para sempre seja louvado!

A Transfiguração

1. TRANSFIGURAR COM CRISTO

Reze a sua vida pela Palavra.

Hoje nos iluminará o texto do Evangelista

São Mateus 17,1-9.

A sagrada liturgia fixou esse texto como

Segundo Domingo da