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Sonhos
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E-book290 páginas4 horas

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Sobre este e-book

Wayne Corrigan e os seus colegas na Dramatic Dreams emitem sonhos directamente para a mente dos seus clientes enquanto eles dormem. Mas depois de uma avaria, Wayne vai ter que salvar milhares de pessoas, incluindo a mulher que ele ama, da morte ou da loucura; para isso, ele vai ter que lutar pelo controlo do Sonho com um génio louco que se apoderou dele...

Num futuro próximo, a emissão de Sonhos vai ser o último grito na área do entretenimento. Ao usar um Capacete enquanto se dorme, as emissoras conseguem emitir Sonhos directamente para as mentes dos seus clientes, proporcionando-lhes uma experiência tão real como se estivessem, de facto, em pessoa a viver a acção. Wayne Corrigan é um dos Sonhadores que produz esses Sonhos e trabalha numa pequena emissora na área de Los Angeles. Janet Meyers, por quem Wayne está apaixonado em segredo graças à sua timidez, é outra. Outro colega é Vince Rondel, um génio Sonhador com o nível de Sonhador Superior que tem uma imaginação suficientemente poderosa para criar e popular mundos inteiros na sua mente e projectá-los para a audiência. Vince é a estrela do estúdio, embora isso não pareça ter-lhe subido à cabeça. No entanto, ele tem outros problemas, como uma mãe que o domina e que é uma fanática religiosa. Quando há uma misteriosa avaria, a empresa chama Wayne para entrar num Sonho iniciado por Vince. Uma vez lá dentro, ele depara-se com uma situação completamente fora de controlo e pessoas escravizadas por Vince, que parece ter tomado um rumo suicida. Agora, dezenas de milhares de pessoas, incluindo Janet, que fazia parte da audiência nessa noite, estão em risco de morrer ou de ficar loucas, a menos que Wayne consiga retirar o controlo do Sonho a Vince. ”Sem que os sonhos te escravizem” é uma história original cheia de acção que nos leva ao interior dos pesadelos na mente de um louco.
IdiomaPortuguês
EditoraTektime
Data de lançamento4 de fev. de 2019
ISBN9788893983525
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    Sonhos - Stephen Goldin

    SONHOS – And Not Make Dreams Your Master. Copyright 1981 por Stephen Goldin. Todos os direitos reservados.

    Arte da capa © Yvonne Less | Dreamstime.com

    Título original: And Not Make Dreams Your Master

    Tradutor: Inês Wellnitz

    *Parte de um verso do poema If, de Rudyard Kipling.

    Este livro é explicitamente dedicado

    (como todos os meus livros, pelo menos implicitamente) a

    ROBERT A. HEINLEIN

    Que Sonhou os Sonhos por todos nós…

    E a Virginia Heinlein

    Por ajudar a fazer dele a pessoa que ele é.

    Primeiro Capítulo

    O corredor estendia-se até ao infinito, com tubos fluorescentes a correr ao longo das paredes brancas brilhantes e do chão. Um homem e uma mulher corriam pelo corredor vazio. Os seus sapatos deviam ter ecoado ao bater no chão de linóleo brilhante, mas não se ouvia nada no estranho corredor – só se viam as paredes brancas a deslizar ao seu lado. O tempo estava contra eles, o tempo era o inimigo. Se não chegassem ao seu destino rapidamente, os terroristas iam destruir Los Angeles com uma bomba artesanal. Mas o corredor continuava sempre, e o homem e a mulher corriam sempre, nunca parando para respirar, nunca parando para descansar. Tinham à frente deles uma eternidade a correr por este corredor enquanto, à sua volta, o mundo sustinha a respiração. Sem nunca olhar um para o outro, os seus pés deslizavam em silêncio pelo chão polido. Corriam.

    O corredor chegou a um fim abrupto. Ao virarem uma esquina, viram um homem com uma espingarda. Estava vestido de preto, com a insígnia dos terroristas, uma serpente vermelha, aplicada ao ombro esquerdo do uniforme. Ele levantou a espingarda devagar, muito devagar, apontando-a ao casal que se aproximava dele.

    O homem que ia a correr acelerou para neutralizar esta ameaça, deixando a companheira para trás. Ao fazê-lo, o guarda… mudou, de alguma forma. O seu perfil piscou e ficou desfocado, e dividiu-se em duas imagens do mesmo guarda, qual gémeos siameses empunhando armas idênticas com a mesma postura ameaçadora. Ele-eles bloqueavam o caminho, impedindo os outros dois de avançar pelo corredor.

    O homem que ia a correr parou a uma velocidade impossível para lutar contra esta ameaça bifurcada mas, na verdade, o guarda-guardas pareciam ser uma ameaça maior para si-eles próprios do que para qualquer outra pessoa. Os seu-seus perfis desfocaram ainda mais e saltaram pelo corredor, tentando juntar-se de novo. As luzes diminuíram de intensidade e as paredes e o corredor apareciam e desapareciam. Aquela frágil maquete da realidade estava a colapsar.

    Então, de repente, tudo voltou ao normal. As paredes estabilizaram, as luzes aumentaram de intensidade, e havia só um guarda com uma espingarda, determinado a manter estes dois intrusos à distância – sem parecer aperceber-se de ter sofrido uma disfunção de personalidade apenas há uns segundos atrás.

    O homem que ia a correr deu um soco ao guarda, o braço a avançar num arco largo em direcção à cara do terrorista. A mão transmitiu toda a sua energia para a cara deste, e o impacto foi semelhante a socar uma almofada. A cara do guarda explodiu numa chuva de faúlhas que caíram como pó brilhante no chão, e o seu corpo decapitado caiu lentamente, derretendo-se numa poça vermelha e evaporando sem deixar rasto.

    O homem e a mulher ouviram um som que lembrava uma campainha. Anda, disse o homem para a companheira. Não temos muito tempo. A bomba vai explodir em cinco minutos.

    A mulher acenou silenciosamente com a cabeça e virou-se para o cruzamento de corredores de onde o guarda tinha aparecido. Começou então a correr outra vez, e o homem juntou-se-lhe enquanto o mundo à volta deles desaparecia uma vez mais…

    Wayne Corrigan estava deitado no seu cubículo escuro, ofegante do esforço que tinha acabado de fazer. Ficou desorientado por um momento, como sempre acontecia quando passava do Sonho para a realidade, sem saber o que era real e o que era imaginado; mas rapidamente o mundo solidificou à sua volta, e ele sentiu-se em casa.

    É engraçado como eu penso neste sítio como sendo a minha casa, pensou ele. Só passo aqui algumas horas de três em três dias, a brincar ao faz-de-conta. E, no entanto, havia momentos em que tudo quanto importava, tudo o que era real para ele, era este cubículo, e o mundo lá fora desaparecia na sua insignificância.

    Abriu os olhos devagar e olhou para a brancura apagada do tecto. Duas dúzias de picadinhas na pele da cabeça, uma sensação de formigueiro, lembraram-lhe de que ainda havia trabalho a fazer. Isto era só o intervalo – o último da noite. Depois disto ele ia ficar preso à realidade até à sua próxima sessão.

    Wayne fez rapidamente a sequência de exercícios da pós-transição. Dobrou e esticou os dedos repetidamente, deixando a sensação de realidade fluir por eles. Ao voltar a senti-los, ele dirigiu o fluxo de energia para o resto do corpo, primeiro para os músculos dos braços e das pernas, sentindo o torso aquecer, até atingir a sua cabeça e o pescoço. Finalmente fez alguns exercícios de isometria para avisar o seu corpo de que ele estava de novo presente e no comando dos seus membros e afastar de vez a rigidez que tinha tomado conta dele enquanto ele estava na Terra dos Sonhos.

    Sempre o surpreendia o quão cansado o seu corpo ficava depois de estar deitado, imóvel, num sofá. Mas ele tinha visto o resultado dos estudos e tinha lido os relatórios técnicos. Durante os Sonhos, o cérebro continuava a enviar ordens de comando aos músculos, mas factores inibidores normalmente impediam-nos de concretizar a ordem. Como ele tinha de projectar os Sonhos dele mais do que uma pessoa normal, era natural que o seu corpo sofresse com isso.

    Ernie White, o engenheiro de serviço nessa noite, meteu a cabeça pela porta do cubículo.

    A Bela Adormecida já acordou?, perguntou ele.

    Wayne sorriu, e o esforço fê-lo estremecer ligeiramente. Até os seus músculos faciais estavam rígidos.

    Acho que estás à procura da dama na porta ao lado.

    Mesmo que esse fosse o caso, seria muito indelicado da tua parte corrigir-me. A cara de White, negra como uma escultura de ébano, desapareceu da abertura.

    Gemendo com o esforço, Wayne ergueu-se lentamente até ficar sentado. A cabeça quase tocava no tecto no cubículo – que não tinha sido feito para comportar pessoas sentadas ou de pé. Ele levantou delicadamente da cabeça a sua coroa de espinhos privada, o Capacete dos Sonhos, pousou-o no sofá ao lado dele, e depois arrastou-se, de lado, em direcção à porta do cubículo.

    As luzes fortes da sala lá fora depois do lusco-fusco em que estava o cubículo fizeram-lhe vir as lágrimas aos olhos. Wayne piscou-os para lhes resistir, enquanto deslizava para fora do seu casulo e olhava para a sua esquerda, onde White estava a ajudar Janet Meyers a sair do casulo dela. Janet também estava a piscar os olhos rapidamente para se habituar à luz, mas Wayne recuperou mais depressa do que ela, e aproveitou a sua cegueira passageira para a observar de perto.

    Objectivamente, Janet Meyers não possuía uma beleza clássica. Era um pouco alta demais e tinha uns ossos um pouco grossos demais para isso. Tinha uma cara redonda e algumas sardas quase imperceptíveis nas bochechas. O cabelo castanho dela era seco e sempre algo rebelde; umas quantas madeixas escapavam-se sempre para algum lado, normalmente para a testa. Era bem proporcionada; qualquer homem com um mínimo de bom gosto olharia para ela algum tempo com atenção, embora provavelmente não se virasse quando ela passasse por ele para olhar para ela de novo.

    Não havia nada de especial nela que não se encontrasse em centenas de outras mulheres. Então porque é que eu continuo a comportar-me como se fosse um raio de um adolescente virgem quando ela está por perto?, perguntou-se Wayne, zangado consigo próprio.

    Quando ela se acostumou à luz, olhou para ele. Wayne desviou rapidamente os olhos para o relógio por cima da porta da cabina de controlo, ficando imediatamente zangado com ele próprio por se sentir culpado por olhar para ela. Joguinhos idiotas de adolescentes, pensou ele. Já me devia ter deixado disto há anos.

    Houve algum problema?, perguntou-lhes White. Pareceu-me ver os ponteiros dar um sacão esquisito por um segundo.

    Wayne recordou-se então da grande confusão com o guarda no corredor.

    Só um pequeno problema na coordenação de uma imagem, disse ele. Posicionámos uma personagem em sítios diferentes, e ele ficou desfocado e deu uns pulos antes de eu ter assumido o controlo.

    A culpa foi minha, disse Janet. A personagem era tua, tu é que ias lidar com ele. Devia ter-te dado controlo total assim que ele apareceu. Simplesmente não pensei, naquele momento. Desculpa.

    A culpa não é tua, insistiu Wayne, sentindo-se muito protector. Como é que eles querem perfeição se mudam os guiões no último segundo? Mal tivemos tempo de o estudar, e nem pudemos ensaiar…

    Foram só alguns saltos, só por um segundo ou dois, continuou Janet. Provavelmente introduziram um elemento de comédia, se é que alguém na audiência reparou. Isto se houve sequer uma audiência.

    Vinte e dois mil, segundo o computador, disse White.

    Wayne fez uma careta. Mort Schulberg não ia ficar feliz com um rating tão baixo – mas, na verdade, ele nunca ficava feliz com coisa nenhuma.

    E a Janet esteve a trabalhar há dois dias atrás, continuou ele a defendê-la. Ela tem de estar exausta. É o tipo de coisa que pode acontecer a qualquer um.

    Hey, não tens de te desculpar comigo. O engenheiro sorriu. Eu só mexo nos botões, lembras-te?

    Temos dez minutos, interrompeu Janet, olhando ela agora para o relógio. Esse erro já passou à história, mas se queremos evitar outros é melhor coordenarmo-nos melhor.

    Ela e Wayne entraram na Sala de Preparação, onde havia um esquema do cenário deles desenhado para eles poderem estudar antes de começarem.

    O corredor tem vinte metros de comprimento, disse ela de forma quase mecânica. Há homens posicionados aqui, aqui e aqui. Uma grelha de metal, como aquelas que se usam nas lojas para as fechar à noite, aqui, que se abre através de um botão que fica aqui. Dois homens depois da grelha. Achas que consegues desarmar a bomba sozinho?

    A pergunta deixou Wayne subitamente inseguro. Mesmo sendo o Sonhador mais novo aqui na empresa, ele tinha tido experiência prévia neste tipo de trabalho. Tentou disfarçar os seus sentimentos com uma piada.

    Bem, não tenho outro remédio, ou tenho? Já não dá para mudar o guião. Além disso, tu vais estar de mãos cheias com aqueles guardas todos.

    Isso é verdade. Tenho de perguntar ao Bill porque é que cada vez há mais. Ele está a transformar-me num raio de uma amazona!

    Talvez se lhe atirares o teu melhor sorriso ele te dê um romance para a próxima vez.

    Deus me livre! A veemência na voz dela surpreendeu Wayne. Se há uma coisa que eu não quero é uma chochice qualquer para donas de casa frustradas. Mais depressa dou conta sozinha de uma horda de mongóis.

    Ela olhou para ele e viu uma expressão estranha nos seus olhos.

    O que é que tu tens?, perguntou ela.

    Wayne desviou rapidamente o olhar.

    Nada, disse ele. A reacção dela tinha deixado muito clara a posição dela em relação a qualquer espécie de romance nesta altura.

    É melhor decidirmos quem é que vai controlar que partes da cena, para evitar mais confusões. Era uma pena estragar o grande final.

    Eles passaram os minutos seguintes a rever a cena passo a passo, decidindo qual deles ia visualizar que partes e que personagens. Finalmente veio Ernie White pôr um fim à conversa, dizendo-lhes para voltarem aos seus cubículos se queriam começar a horas. Ao treparem para as suas respectivas divisões, Janet subitamente sorriu a Wayne e fez-lhe um sinal de vitória com a mão, o que aliviou um pouco o sentimento depressivo que se tinha apoderado dele, e o fez entrar no seu cubículo mais animado.

    Sentado no sofá, ele pegou no Capacete e segurou-o por um momento no colo, virando-o e revirando-o nas mãos e olhando para ele de todos os ângulos. Não havia muito para ver: dois arcos de plástico que se cruzavam, segurados por um círculo que formava a base do Capacete, com fios que o ligavam ao chão. Os quadrantes do Capacete estavam preenchidos com uma teia quase invisível entre vinte e quatro nódulos correspondentes às diferentes áreas do cérebro. Mas por pouco impressionante que fosse, este simples mecanismo tinha criado novas indústrias, e revolucionado a indústria do lazer.

    As primeiras investigações a sério ao funcionamento do cérebro tinham começado há algumas décadas atrás. As ondas cerebrais e os seus percursos tinham sido mapeados com recurso a electroencefalogramas. Cientistas tinham descoberto que as diferentes áreas do cérebro eram responsáveis por diferentes funções corporais. Concluiu-se que era possível estimular algumas partes do cérebro para alterar comportamentos – o melhor exemplo disto sendo a clássica experiência com ratos de laboratório a quem tinham implantado eléctrodos nos centros de prazer do cérebro. Estes ratos estavam dispostos a atravessar uma zona onde recebiam choques eléctricos só para poder pressionar uma barra que estimulava estes centros de prazer. Ratos esfomeados não estavam dispostos a fazê-lo para alcançar comida, mas ratos saudáveis eram capazes de correr quase qualquer risco só para receber aquele estímulo.

    As experiências para mapear o cérebro tinham avançado até psicólogos e neurologistas conseguirem apontar com a mais alta precisão onde é que a maior parte das funções mais comuns do cérebro se desenrolava. Isto foi, em si, um enorme avanço para a Medicina. Muitas doenças debilitantes revelaram ser causadas por disfunções no tecido neuronal correspondente; em muitos casos, a microcirurgia conseguiu corrigir ou aliviar a doença, salvando milhões de pessoas de ficarem incapacitadas.

    No entanto, as áreas de mais interesse para os psicólogos eram aquelas que controlavam as funções superiores do cérebro: aprendizagem, memória, raciocínio, imaginação, e por aí fora. Muitos neurologistas já suspeitavam que algumas formas de esquizofrenia eram causadas não por traumas emocionais na infância, mas por simples desequilíbrios químicos no cérebro. Usando o conhecimento acumulado sobre os seus mecanismos, conseguiram provar que estes desequilíbrios faziam com que os pacientes literalmente experienciassem o mundo de maneira diferente das outras pessoas, explicando o seu comportamento anormal. Esta investigação ainda teve o bónus de os mesmos cientistas perceberem como é que pessoas normais experienciavam o universo.

    Para surpresa de muitos, isto revelou-se notavelmente simples de mapear. Exceptuando aquelas pessoas com problemas físicos – que agora eram fáceis de identificar – toda a gente guardava o mesmo tipo de imagens no mesmo sítio dos seus cérebros. Através de estimulação do mesmo lugar em duas pessoas diferentes, era possível criar imagens idênticas nas suas mentes. No início estas experiências só podiam ser feitas através da implementação cirúrgica de eléctrodos dentro do próprio cérebro – mas em pouco tempo foi encontrado um método para estimular estas áreas usando ondas electromagnéticas em vez dos eléctrodos. Este novo método tinha vantagens óbvias: podia ser aplicado externamente, eliminando a necessidade da cirurgia, e podia ser guiado por computador com extrema precisão, não afectando portanto mais nenhuma área irrelevante para esse processo. Um capacete – o precursor do Capacete dos Sonhos – foi desenvolvido para ser usado pelos sujeitos das experiências. Estimulando o lugar correcto dentro do cérebro dos sujeitos, era possível produzir determinadas imagens nas suas mentes, controladas externamente.

    No início, estas novas tecnologias só podiam ser usadas por neurologistas, e as suas aplicações encontravam-se principalmente no campo da psicoterapia. Analisando a actividade de um cérebro, especialistas conseguiam visualizar o que é que os pacientes estavam de facto a ver. Para os pacientes que sofriam de alucinações e compreensão pervertida de uma situação, o terapeuta podia substituir estas imagens por outras mais correctas. Era literalmente possível mudar a maneira como uma pessoa pensava alterando a maneira como ela experienciava a realidade.

    Mas as implicações destas descobertas eram demasiado vastas para ficarem confinadas a um laboratório. Em países com regimes totalitários, o Capacete dos Sonhos rapidamente se tinha tornado o principal instrumento de lavagem cerebral e controlo. Se um dissidente não cooperava com o regime, as autoridades podiam mandá-lo para um sanatório – um disfarce que a antiga União Soviética e outras ditaduras tinham usado por muitos anos – e imprimir os seus pensamentos, conformes ao regime, no seu cérebro. Se a mente do dissidente aceitasse as novas imagens, a pessoa era declarada curada e deixavam-na ir. Se a mente do dissidente recusasse as imagens, os carcereiros continuariam a tentar, bombardeando o seu cérebro constantemente com novas imagens até que a sua mente não conseguisse mais distinguir entre o que era o seu pensamento ou o pensamento deles. Nesta altura o prisioneiro estava de facto já louco, justificando assim a continuação do encarceramento. Em ambos os casos, a sua capacidade de se insurgir contra o regime tinha sido eliminada.

    Este uso da tecnologia tinha sido criticada em todo o mundo livre e, portanto, tinha sido banida, embora houvesse rumores de que a C.I.A. e outras agências do mesmo género mantinham as suas clínicas de lavagem cerebral. Mas a indústria não ia desperdiçar uma ferramenta tão poderosa sem a desenvolver – não quando ela tinha o potencial de trazer lucros na ordem dos milhares de milhões.

    Era facto conhecido e frequentemente mencionado que as pessoas passam, em média, um terço da sua vida a dormir. Para além da sua função de limpar o corpo da acumulação de toxinas do dia, e para além do facto de que uma mente normal precisava de sonhar, o sono não era visto como algo particularmente útil ou recomendável, e sim como um desperdício de tempo colossal. As horas de sono eram um recurso vasto ainda por explorar, só à espera de ser aproveitado. O Capacete dos Sonhos oferecia a maneira ideal de o fazer.

    Uma das maneiras era através da educação. Embora nada pudesse suplantar a tradicional experiência de aprendizagem na escola e substituir a relação professor-aluno, os Capacetes eram uma dádiva dos céus no campo da educação para adultos. Quem trabalhava o dia todo ainda tinha tempo para, enquanto dormia, aprender uma língua ou actualizar-se quanto às últimas teorias da jardinagem ecológica. Revistas de sono conseguiam manter o público informado através de artigos sobre o estado do mundo. Mas onde a utilização desta tecnologia era verdadeira lucrativa era na indústria do entretenimento. Depois de passar o dia a lidar com questões corriqueiras, a maior parte das pessoas estava mais do que disposta e deixar esses problemas de lado e perder-se num mundo de fantasia. E era a indústria de emissão de Sonhos que oferecia a experiência mais realista nesta área.

    Em todos os meios de entretenimento que antecederam os Sonhos, o meio de transmissão interpunha-se entre o contador de histórias e a audiência – no caso dos livros as páginas impressas, ou os écrãs no caso dos filmes e da televisão. A audiência tinha de receber as imagens artificiais que lhe eram transmitidas e traduzi-las através da sua simbologia pessoal de modo a incorporá-las na sua mente. Os Sonhos tinham mudado isto radicalmente. As imagens eram enviadas directamente para o cérebro do espectador, e o espectador sentia-se como se estivesse de facto a passar pelas experiências. Podia passar a noite a ser um espião, ou um detective, ou o maior espadachim do século dezassete em França, e depois acordar de manhã lembrando-se exactamente do que tinha acontecido. Podia sair de casa e começar o dia sentindo-se maior do que na realidade era, com a sensação de ter vivido uma grande aventura, sem nenhuma das desvantagens de correr um risco real.

    Wayne Corrigan tinha um papel importante na nova indústria de entretenimento, sendo uma das poucas pessoas com uma imaginação suficientemente fértil para ser um Sonhador. Ele, Janet Meyers e os outros Sonhadores projectavam as imagens que as pessoas adormecidas em casa recebiam através dos seus Capacetes de Sonhos: ele criava uma personagem e transmitia-a através do seu próprio Capacete. Depois as imagens eram amplificadas e enviadas através de cabos para as casas em Los Angeles, onde eram depois impressas por capacetes nas mentes da sua audiência, permitindo-lhe viver a aventura com ele. Cada Capacete, por sua vez, enviava um sinal para o estúdio quando estava ligado, permitindo-lhes analisar os ratings e facturar os seus serviços aos clientes de acordo com o que eles tinham sintonizado e assistido.

    Um dos primeiros problemas com que a indústria se deparou foi o de identificação de género. A maior parte dos homens queria identificar-se com personagens masculinos nos Sonhos, e a maior parte das mulheres queria papéis femininos. (Havia uma aberrante minoria que parecia preferir identificação cruzada de género, mas a maior parte das emissoras ignorava-a.) Em alguns casos, era possível uma determinada aventura ter uma personagem principal sem sexo definido, que apelasse a ambos os géneros, mas essas histórias eram mais limitadas, e nem de perto nem de longe tão populares como aquelas em que havia uma identificação completa com a personagem.

    Uma solução para este problema era o Sonho Superior. Neste tipo de Sonho, o Sonhador criava não uma, mas várias personagens diferentes com que a audiência podia escolher identificar-se. O Sonhador Superior controlava depois estas personagens no mundo do Sonho de acordo com a história que estava a criar. Como ele criava simultaneamente personagens femininas e masculinas, toda a gente encontrava uma personagem com quem se identificava num Sonho destes.

    No entanto, os Sonhadores Superiores eram raros. Eles tinham de ser capazes de visualizar um mundo inteiro de uma vez só, e de fazer as diferentes personagens seguir o guião, simultaneamente e sem confusões. O Sonhador Superior criava e controlava todo o palco e movia as personagens por ele como marionetas. Era uma arte difícil de dominar, e aqui na Dramatic Dreams só existia uma pessoa que o sabia fazer – um génio chamado Vince Rondel.

    A solução mais comum era ter Sonhos diferentes para homens e mulheres. Normalmente estes Sonhos eram completamente separados uns dos outros, embora por vezes, numa emergência – como acontecia com alguma frequência numa empresa com uma equipa pequena de autores e actores como a

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