Passagens difíceis dos Evangelhos
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Sobre este e-book
Neste livro eu procurei esclarecer muitas passagens dos Evangelhos que nem sempre são de fácil entendimento. São perguntas que me chegam de muitos leitores, ouvintes
e telespectadores, pela TV, rádio e internet.
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Passagens difíceis dos Evangelhos - Prof. Felipe Aquino
POR QUE ESTE LIVRO?
Há muito tempo eu respondo perguntas de meus leitores, telespectadores, ouvintes e de outras pessoas, sobre a doutrina católica, pelos meus Programas na TV Canção Nova e pela internet. Com isso, procuro tirar as mais diversas dúvidas sobre a nossa fé, e, de modo especial, sobre muitas passagens bíblicas de difícil compreensão. A partir da coleta das perguntas que geram mais dúvidas sobre os Evangelhos, usando de bons manuais que nos ajudam a entender essas passagens mais difíceis, coloquei as correspondentes respostas neste livro.
De forma alguma minha intenção é esgotar o sentido dessas passagens mais difíceis, mas apenas dar um esclarecimento mínimo sobre as mesmas. É muito importante que os católicos saibam interpretar bem as passagens dos Evangelhos, para terem uma boa edificação espiritual. São Pedro, se referindo às Cartas de São Paulo disse que: Nelas há algumas passagens difíceis de entender, cujo sentido os espíritos ignorantes ou pouco fortalecidos deturpam, para a sua própria ruína, como o fazem também com as demais Escrituras
(2 Pe 3,16).
Procurei colocar as passagens dos Evangelhos da forma que me chegaram enviadas pelas pessoas, para dar um sentido bem prático e objetivo às respostas.
Espero em Deus, que este livro possa ajudar a muitas pessoas a esclarecer as suas dúvidas e se aproximar ainda mais da Igreja e das Sagradas Escrituras.
Muitas citações aparecem repetidas nos Evangelhos sinóticos (Mt, Mc, Lc), embora com redações um pouco diferentes. Neste caso, as explicações serão dadas quando analisamos o Evangelho de Mateus.
Prof. Felipe Aquino
Lorena, SP, dezembro de 2020.
PARA ENTENDER
OS EVANGELHOS
A palavra Evangelho
vem do grego euangélion
, que quer dizer Boa Notícia
, a Boa Nova
da chegada do Reino de Deus que Jesus anuncia e que traz consigo. Esta boa notícia da Salvação deve ser propagada em todo o mundo, e para isso Jesus envia os Apóstolos (Mc 13,10). Na Bíblia da Septuaginta¹ significa a chegada dos tempos messiânicos em que Deus salvaria o seu povo
(cf. Is 52,7-8; 61,1-2)."
Para os Apóstolos a Boa Nova
era aquilo que Jesus fez e disse
(At 1,1). Era a força renovadora do mundo e do homem. Essa Boa Notícia da salvação tinha que alcançar o mundo inteiro; por isso ao fim de sua vida terrena Jesus enviou os Apóstolos a pregar o Evangelho a toda criatura (Mc 16,15). E eles pregaram com a força do Espírito Santo.
Na verdade, o Evangelho é um só, escrito de várias formas pelos quatro Evangelistas. São Paulo disse aos gálatas: Se alguém anuncia algum Evangelho diferente do que haveis recebido, anátema seja
(Gal 1,9).
A Igreja reconhece como canônicos (inspirados por Deus) os quatro Evangelhos: Mateus, Marcos, Lucas e João. Os três primeiros são chamados de sinóticos
porque podem ser lidos em paralelo; já o de São João é bastante diferente. Muitas passagens são narradas pelos três evangelistas, nem sempre da mesma forma, mas com o mesmo conteúdo.
São Mateus e São Lucas começam a narrativa com o nascimento e a infância de Jesus; São Marcos, com João Batista pregando o batismo da penitência para receber o Messias. São João começa na eternidade do Verbo no seio do Pai, a Encarnação do Filho e sua vida entre nós.
São Clemente de Roma (†97) e Santo Inácio de Antioquia (†107) já falavam desses quatro Evangelhos. Santo Irineu (†200) atesta a autenticidade deles em sua obra Adversus haereses (III,1,1). Tertuliano (†220), também já falava dos quatro Evangelhos.
Existem também evangelhos apócrifos, aqueles que a Igreja não reconheceu como Palavra de Deus, isto é, não são canônicos. Estes são muitos, por exemplo, os evangelhos: de Tomé, de Tiago, de Nicodemos, de Pedro, de Maria Madalena, os Evangelhos da Infância e muitos outros. Eles contêm verdades históricas junto com narrações fantasiosas e heresias, com isso, a Igreja entende que eles não são livros de revelação.
Os Evangelhos foram simbolizados pelos animais descritos em Ez 1,10 e Ap 4,6-8: o leão (Marcos), o touro (Lucas), o homem (Mateus), a águia (João). Foi a Tradição da Igreja, nos séculos II a IV, que tomou esta simbologia tendo em vista o início de cada Evangelho. Mateus começa apresentando a genealogia de Jesus (homem); Marcos tem início com João no deserto, que é tido como morada do leão; Lucas começa com Zacarias a sacrificar no Templo um touro, e João começa com o Verbo eterno que das alturas desce como uma águia para se encarnar.
Jesus pregou sem nada deixar escrito, mas garantiu aos Apóstolos na última Ceia que o Espírito Santo os faria relembrar todas as coisas
(Jo 14, 25) e lhes ensinaria toda a verdade
(Jo 16,13). Desta promessa, e com esta certeza, a Igreja que nasceu com Pedro e os Apóstolos, sabe que nunca errou o caminho da salvação. As promessas de Cristo se cumprem.
Os três primeiros Evangelhos (Mt, Mc, Lc) chamados de Sinóticos, fundamentam a fé, narrando especialmente os milagres e ações de Jesus, sobretudo a Sua Paixão. O Evangelho de São João e suas Cartas expõem com clareza a pré-existência de Cristo; o Verbo de Deus que se faz homem e revela o Pai.
A Pontifícia Comissão Bíblica afirmou que os três primeiros Evangelhos (Mt, Mc, Lc) foram escritos antes do ano 70, ano da destruição de Jerusalém pelo general romano Tito. O primeiro que foi escrito é o de Mateus, em hebraico. Em seguida foi escrito o de São Marcos, em Roma, pouco antes da morte de São Pedro, que ocorreu entre 64 e 67. O Evangelho de São Lucas deve ter sido escrito um pouco antes dele escrever os Atos dos Apóstolos, por volta de 61 a 63, durante o cativeiro de São Paulo em Roma. Os Atos dos Apóstolos termina com a narração deste cativeiro de São Paulo em Roma. Já o Evangelho de São João foi escrito por volta do ano 100, em Éfeso, depois do seu desterro na Ilha de Patmos. Entre os Evangelhos Sinóticos há semelhanças e diferenças. Segundo Santo Agostinho, Mateus foi o primeiro a escrever, Marcos o seguiu, e finalmente Lucas.
A Igreja não tem dúvida da índole histórica dos Evangelhos. Disse o Concílio Vaticano II:
Que os quatro Evangelhos têm origem apostólica, a Igreja sempre e em toda parte o ensinou e ensina. Pois, aquilo que os Apóstolos pregaram por ordem de Cristo, eles próprios e os varões apostólicos sob a inspiração do Espírito Santo no-lo transmitiram em escritos que são o fundamento da fé, a saber, o quadriforme Evangelho - segundo Mateus, Marcos, Lucas e João
(Dei Verbum, 18).
"A Santa Mãe Igreja firme e constantemente creu e crê que os quatro mencionados Evangelhos, cuja historicidade afirma sem hesitação, transmitem fielmente aquilo que Jesus, Filho de Deus, ao viver entre os homens, realmente fez e ensinou para salvação deles, até o dia em que foi elevado (cf. At 1, l-2). Os Apóstolos, após a Ascensão do Senhor, transmitiram aos ouvintes aquilo que ele dissera e fizera, com aquela mais plena compreensão de que gozavam, instruídos que foram pelos gloriosos acontecimentos concernentes a Cristo e esclarecidos pela luz do Espírito da verdade. Os autores sagrados escreveram os quatro Evangelhos, escolhendo certas coisas das muitas transmitidas ou oralmente ou já por escrito, fazendo síntese de outras ou explanando-as com vistas à situação das igrejas, conservando enfim a forma de proclamação, sempre de maneira a transmitir-nos verdades autênticas a respeito de Jesus. Pois foi esta a intenção com que escreveram, seja com fundamento na própria memória e recordações, seja baseado no testemunho daqueles que foram desde o princípio testemunhas oculares e que se tornaram ministros da Palavra, para que conheçamos a solidez daqueles ensinamentos que temos recebido (Lc 1, 2-4). (Dei Verbum, 19)
São João nos deixou um belo testemunho: O que ouvimos, o que vimos com os nossos olhos, o que contemplamos e tocaram as nossas mãos acerca do Verbo da vida… anunciamos-vos
(1 Jo 1,1-3).
Santo Agostinho disse: Eu não acreditaria no Evangelho se não me movesse a autoridade da Igreja Católica
(Confissões, VI,5,7;VII,7,11).
Sabemos que os originais (autógrafos) dos Evangelhos, tais como saíram das mãos de Mateus, Marcos, Lucas e João, se perderam, dada a fragilidade do material usado (pele de ovelha ou papiro).
Entretanto, ficaram-nos as milhares de cópias antigas desses originais, que são os papiros, os códices unciais (escritos em caracteres maiúsculos sobre pergaminho), os códices minúsculos (escritos mais tarde em caracteres minúsculos) e os lecionários (textos para uso litúrgico). São cerca de 5236 manuscritos do texto original grego do Novo Testamento, comprovados como autênticos pelos especialistas. Estão assim distribuídos: 81 papiros; 266 códices maiúsculos; 2754 códices minúsculos e 2135 lecionários. São manuscritos do século III a VI, muito mais antigos que os clássicos da Antiguidade grega e romana, tidos como autênticos.
De 20 a 30 anos após a morte de Jesus, os Apóstolos sentiram a necessidade de escrever o que pregaram durante esses anos, para que as demais comunidades fora da Terra Santa pudessem conhecer a mensagem de Jesus. A origem está na pregação do Kerigma, o anúncio da Salvação por Jesus Cristo. Desta pregação nascem os Evangelhos. São Justino (†165), doutor da Igreja, do primeiro século, se referia aos Evangelhos como recordações dos Apóstolos e de seus sucessores
(Apologia 1,66,3) e é quem usa pela primeira vez a palavra Evangelhos, que será seguido por Santo Irineu (†200), Clemente de Alexandria (†215), etc.
Os evangelistas escreveram com o influxo da inspiração bíblica, mas não deixaram de escrever como os demais autores de sua época. Eles utilizaram os gêneros literários, que são os artifícios de linguagens, para se expressar. O gênero literário a ser usado depende do assunto a ser transmitido. Encontramos nos Evangelhos vários tipos usados pelos evangelistas e por Jesus: leis, genealogias, oráculos proféticos, poemas, poesia, parábolas, relato histórico, cartas, apocalipse, etc.; para cada caso temos um jeito de escrever e uma interpretação correta.
Cada gênero literário tem a sua forma de interpretação própria; assim, não se pode interpretar o texto de uma lei da mesma forma que uma parábola! É por isso que não se pode interpretar tudo ao pé da letra
; daí surgem muitos erros. Por exemplo, se teu olho direito é para ti causa de queda, arranca-o e lança-o longe de ti
(Mt 5,29). É claro que Jesus não está mandando alguém se mutilar.
Nos Evangelhos não há erros; esses são parte de quem os interpreta. Muitas vezes o que para nós hoje tem um sentido, para o autor sagrado quer dizer outra coisa; às vezes ele está usando apenas um artifício de linguagem e nós interpretamos ao pé da letra. Daí a dificuldade de se interpretar certas partes da Escritura. Por isso Jesus deixou o Sagrado Magistério da Igreja (Papa e bispos) para que a sua interpretação não tenha erro. Ele disse aos Apóstolos:
Quem vos ouve, a Mim ouve; quem vos rejeita, a Mim rejeita; que me rejeita, rejeita Aquele que Me enviou
(Lc 10,16). O Espírito Santo ensinar-vos-á todas as coisas e vos relembrará tudo o que Eu vos disse
(Jo 14,26;16,13).
Os Evangelhos foram escritos em hebraico ou aramaico (Mateus) e grego (Marcos, Lucas, João), línguas antigas. Jesus usava algumas expressões do seu tempo e que hoje não são bem entendidas, daí a necessidade de explicá-las.
COMO SABEMOS QUE OS
EVANGELHOS SÃO VERDADEIROS?
Além dos testemunhos dos Apóstolos, temos muitas outras testemunhas dos séculos I e II que atestaram a veracidade dos Evangelhos, por exemplo, os Padres: Papa São Clemente (†97), Santo Inácio, bispo de Antioquia (†107), Aristide de Atenas (†130), o Bispo Pápias (†130) de Hierápolis, São Policarpo de Esmirna (†155), São Justino (†165), Melitão, bispo de Sardes (†177), Atenágoras (†180), Santo Irineu de Lião (†200), Clemente de Alexandria (†215), Tertuliano de Cartago (†220), Santo Hipólito de Roma (†235).
Sobre o EVANGELHO DE MATEUS – No ano 130 o Bispo Pápias, de Hierápolis na Frígia, região da Ásia Menor, que foi uma das primeiras a ser evangelizada pelos Apóstolos, fala do Evangelho de São Mateus:
Mateus, por sua parte, pôs em ordem os dizeres na língua hebraica, e cada um depois os traduziu como pode
(Eusébio, História da Igreja III, 39,16).
SANTO IRINEU (†200) escreveu:
Mateus compôs o Evangelho para os hebreus na sua língua, enquanto Pedro e Paulo em Roma pregavam o Evangelho e fundavam a Igreja
(Adv. Haereses II, 1,1).
Sobre o EVANGELHO DE SÃO MARCOS – O Bispo de Hierápolis, Pápias (†130), dá o primeiro testemunho do Evangelho de Marcos, conforme escreve Eusébio:
Marcos, intérprete de Pedro, escreveu com exatidão, mas sem ordem, tudo aquilo que recordava das palavras e das ações do Senhor; não tinha ouvido nem seguido o Senhor, mas, mais tarde…., Pedro. Ora, como Pedro ensinava, adaptando-se às várias necessidades dos ouvintes, sem se preocupar em oferecer composição ordenada das sentenças do Senhor, Marcos não nos enganou escrevendo conforme recordava; tinha somente esta preocupação, nada negligenciar do que tinha ouvido, e nada dizer de falso
(Eusébio, História da Igreja, III, 39,15).
Sobre o EVANGELHO DE SÃO LUCAS – O Prólogo do Evangelho de S. Lucas, usado comumente no século II, diz o seguinte:
Lucas foi sírio de Antioquia, de profissão médica, discípulos dos Apóstolos, mais tarde seguiu Paulo até a confissão (martírio) deste, servindo irrepreensivelmente o Senhor. Nunca teve esposa nem filhos; com oitenta e quatro anos morreu na Bitínia, cheio do Espírito Santo. Já tendo sido escritos os Evangelhos de Mateus, na Bitínia, e de Marcos, na Itália, impelido pelo Espírito Santo, redigiu este Evangelho nas regiões da Acaia, dando a saber logo no início que os outros Evangelhos já haviam sido escritos.
Sobre o EVANGELHO DE SÃO JOÃO – Santo Irineu (†200) dá o seu testemunho:
"Enfim, João, o discípulo do Senhor, o