Iracema: Lenda do Ceará
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Iracema - José de Alencar
Iracema
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A coleção CLÁSSICOS DA LITERATURA UNESP constitui uma porta de entrada para o cânon da literatura universal. Não se pretende disponibilizar edições críticas, mas simplesmente volumes que permitam a leitura prazerosa de clássicos. Nesse espírito, cada volume se abre com um breve texto de apresentação, cujo objetivo é apenas fornecer alguns elementos preliminares sobre o autor e sua obra. A seleção de títulos, por sua vez, é conscientemente multifacetada e não sistemática, permitindo, afinal, o livre passeio do leitor.
JOSÉ DE ALENCAR
Iracema
Lenda do Ceará
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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) de acordo com ISBD
Elaborado por Vagner Rodolfo da Silva – CRB-8/9410
Índice para catálogo sistemático:
1. Literatura brasileira: Romance 869.89923
2. Literatura brasileira: Romance 821.134.3-31
Editora Afiliada:
Sumário
___________________
Apresentação
Iracema
Prólogo (da primeira edição)
I
II
III
IV
V
VI
VII
VIII
IX
X
XI
XII
XIII
XIV
XV
XVI
XVII
XVIII
XIX
XX
XXI
XXII
XXIII
XXIV
XXV
XXVI
XXVII
XXVIII
XXIX
XXX
XXXI
XXXII
XXXIII
Notas
Carta Ao dr. Jaguaribe (da primeira edição)
Pós-escrito (à segunda edição)
Apresentação
___________________
JOSÉ MARTINIANO DE ALENCAR foi romancista, cronista, dramaturgo, ensaísta e político. Em 1839, seguiu seu pai, senador do Império, e estabeleceu-se no Rio de Janeiro. Dali saiu, em 1846, para São Paulo, onde cursou a Faculdade de Direito do Largo de São Francisco. Durante o tempo como estudante de Direito, publicou artigos de crítica na revista Ensaios Litterarios. Em 1854, estreou como cronista no jornal Diário do Rio de Janeiro. Em 1856, publicou Cinco minutos, seu primeiro romance, e, no ano seguinte, O Guarani, em forma de folhetim no Diário do Rio. O texto, posteriormente adaptado para ópera por Carlos Gomes, assegurou ao autor um lugar central no Romantismo brasileiro.
José de Alencar tinha como projeto primordial a fundação de uma literatura nacional. Não por acaso, sua primeira intervenção no cenário literário foram as polêmicas Cartas sobre a Confederação dos Tamoios. Nesse texto, Alencar criticou virulentamente o poema épico de Gonçalves Magalhães, considerado muito atrelado à forma e ao conteúdo clássico, e lançou as bases de um programa de literatura nacional, construído a partir de tradições indígenas e exaltação da natureza. Para demonstrar o sentido e a validade de suas teorias, lançou O Guarani, romance cujo sucesso fez de Alencar um autor reconhecido nacionalmente.
Em 1860, iniciou carreira política no Partido Conservador, rompendo com a tradição liberal familiar: elegeu-se deputado e ocupou o cargo de ministro da Justiça entre 1868 e 1870. Em 1865 publicou Iracema, uma de suas obras mais importantes, mas pela qual foi acusado de excesso de liberdade com a língua portuguesa, querela na qual Machado de Assis o defendeu.
Foi eleito senador em 1868, mas teve o nome vetado pelo imperador dom Pedro II, alvo constante de seus ataques na imprensa e na tribuna parlamentar.
Em 1876, viajou para a Europa para tratar da tuberculose contraída aos 18 anos. Retornou oito meses depois, com o estado de saúde agravado, e faleceu em 1877, aos 48 anos.
___________________
Ao lado de O Guarani (1857) e Ubirajara (1874), Iracema (1865) compõe a trilogia dos romances indianistas de José de Alencar e é uma das obras mais famosas do Romantismo brasileiro. A narrativa está centrada na história de amor entre a índia que dá nome ao livro e o colonizador Martim. Esse encontro dá início ao romance amoroso que enseja a conformação de um cenário lendário para a origem do estado do Ceará. Assim como em outras obras de Alencar, Iracema mistura enredo ficcional com argumento histórico: o autor recupera relatos sobre a missão de Martim Soares Moreno, militar que defendeu os interesses da coroa lusitana no Brasil, e sua relação com os índios do litoral nordestino.
O enredo começa em 1608, quando Martim é indicado para regularizar a colonização da região Nordeste do Brasil, cuja área serrana fora ocupada pelos franceses. Aliado dos índios pitiguaras, que habitam o litoral nordestino, o explorador português perde-se durante uma caçada no território dos tabajaras, tribo aliada dos franceses e inimiga dos pitiguaras. Assustada pela presença daquele desconhecido nas terras de seu povo, Iracema alveja o homem branco com uma flecha. Nesse momento, o estranhamento e o fascínio são despertados pelo encontro das duas raças.
Ferido e percebido como inofensivo, Martim é recolhido à aldeia pelo pajé Araquém, que lhe oferece proteção e mulheres. O herói, entretanto, recusa as duas ofertas: a primeira, porque quer se manter fiel à missão, e a segunda, por se descobrir apaixonado pela virgem dos lábios de mel
. O amor de Martim é apresentado, assim, de modo idealizado, bem como a castidade de Iracema que, por ser guardiã do segredo da jurema, deve preservar sua pureza para se manter viva. No entanto, essa interdição apenas reforça a atração entre os dois personagens.
Ao lado da crise entre amor e dever, o ideário nacionalista é outro elemento-chave desta obra. O desejo de Martim de retornar à terra natal e a saudade de Iracema pela tribo abandonada reafirmam a ideia de nação como um dos elementos seminais da estética romântica. Nessa perspectiva, Moacir, filho de Iracema e Martim, assume o estatuto emblemático de primeiro filho que o sangue da raça branca gerou nesta terra da liberdade
e faz nascer com ele, no plano mítico, um novo povo e uma nova nação.
Outro destaque de Iracema é o ritmo da escrita do texto, considerado quase um poema em prosa: o autor se vale de diversos recursos linguísticos (como aliterações e onomatopeias) e da sonoridade dos vocábulos indígenas, exótica à época, para conferir musicalidade à narrativa.
A linguagem também se mantém fiel ao objetivo de criar uma língua brasileira
, independente dos padrões da língua colonizadora. Essa tarefa se deve ao projeto de criação de uma literatura nacional, tarefa na qual Alencar e os demais escritores românticos de seu tempo estavam fortemente empenhados. O autor se vale de vasto vocabulário indianista, amplamente metafórico, no qual até os nomes dos personagens são criados a partir de combinações de afixos de línguas indígenas, conforme explica o autor nas notas ao final do livro.
JOSÉ DE ALENCAR
MESSEJANA, 1829 – RIO DE JANEIRO, 1877
FOTO ALBERTO HENSCHEL, C. 1870
JOSÉ DE ALENCAR
___________________
Iracema
Lenda do Ceará
À
TERRA NATAL
um filho ausente
Prólogo
(da primeira edição)
___________________
MEU AMIGO.
Este livro o vai naturalmente encontrar em seu pitoresco sítio da várzea, no doce lar, a que povoa a numerosa prole, alegria e esperança do casal.
Imagino que é a hora mais ardente da sesta.
O sol a pino dardeja raios de fogo sobre as areias natais; as aves emudecem; as plantas languem. A natureza sofre a influência da poderosa irradiação tropical, que produz o diamante e o gênio, as duas mais brilhantes expansões do poder criador.
Os meninos brincam na sombra do outão, com pequenos ossos de reses, que figuram a boiada. Era assim que eu brincava, há quantos anos, em outro sítio, não mui distante do seu. A dona da casa, terna e incansável, manda abrir o coco verde, ou prepara o saboroso creme do buriti para refrigerar o esposo, que pouco há recolheu de sua excursão pelo sítio, e agora repousa embalando-se na macia e cômoda rede.
Abra então este livrinho, que lhe chega da corte imprevisto. Percorra suas páginas para desenfastiar o espírito das cousas graves que o trazem ocupado.
Talvez me desvaneça amor do ninho, ou se iludam as reminiscências da infância avivadas recentemente. Se não, creio que, ao abrir o pequeno volume, sentirá uma onda do mesmo aroma silvestre e bravio que lhe vem da várzea. Derrama-o, a brisa que perpassou nos espatos da carnaúba e na ramagem das aroeiras em flor.
Essa onda é a inspiração da pátria que volve a ela, agora e sempre, como volve de contínuo o olhar do infante para o materno semblante que lhe sorri.
O livro é cearense. Foi imaginado aí, na limpidez desse céu de cristalino azul, e depois vazado no coração cheio das recordações vivaces de uma imaginação virgem. Escrevi-o para ser lido lá, na varanda da casa rústica ou na fresca sombra do pomar, ao doce embalo da rede, entre os múrmuros do vento que crepita na areia, ou farfalha nas palmas dos coqueiros.
Para lá, pois, que é o berço seu, o envio.
Mas assim mandado por um filho ausente, para muitos estranho, esquecido talvez dos poucos amigos, e só lembrado pela incessante desafeição, qual sorte será a do livro?
Que lhe falte hospitalidade, não há temer. As auras de nossos campos parecem tão impregnadas dessa virtude primitiva, que nenhuma raça habita aí, que não a inspire com o hálito vital. Receio, sim, que o livro seja recebido como estrangeiro e hóspede na terra dos meus.
Se porém, ao abordar as plagas do Mocoripe, for acolhido pelo bom cearense, prezado de seus irmãos ainda mais na adversidade do que nos tempos prósperos, estou certo que o filho de minha alma achará na terra de seu pai, a intimidade e conchego da família.
O nome de outros filhos enobrece nossa província na política e na ciência; entre eles o meu, hoje apagado, quando o trazia brilhantemente aquele que primeiro o criou.
Neste momento mesmo, a espada heroica de muito bravo cearense vai ceifando no campo da batalha ampla messe de glória. Quem não pode ilustrar a terra natal, canta as suas lendas, sem metro, na rude toada de seus antigos filhos.
Acolha pois esta primeira mostra para oferecê-la a nossos patrícios a quem é dedicada.
Este pedido foi um dos motivos de lhe endereçar o livro; o outro saberá depois que o tenha lido.
Muita cousa me ocorre dizer sobre o assunto, que talvez devera antecipar à leitura da obra, para prevenir a surpresa de alguns e responder às observações ou reparos de outros.
Mas sempre fui avesso aos prólogos; em meu conceito eles fazem à obra o mesmo que o pássaro à fruta antes de colhida; roubam as primícias do sabor literário. Por isso me reservo para depois.
Na última página me encontrará de novo; então conversaremos a gosto, em mais liberdade do que teríamos neste pórtico do livro, onde a etiqueta manda receber o público com a gravidade e reverência devida a tão alto senhor.
Rio de Janeiro, maio de 1865
J. de Alencar
I
___________________
VERDES MARES BRAVIOS DE MINHA TERRA NATAL, onde canta a jandaia nas frondes da carnaúba;
Verdes mares, que brilhais como líquida esmeralda aos raios do sol nascente, perlongando as alvas praias ensombradas de coqueiros;
Serenai, verdes mares, e alisai docemente a vaga impetuosa, para que o barco aventureiro manso resvale à flor das águas.
Onde vai