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Claras Lembranças
Claras Lembranças
Claras Lembranças
E-book370 páginas5 horas

Claras Lembranças

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Sobre este e-book

Era uma fria noite de julho de 1856. Parecia ser só mais uma noite comum para o jovem Gabriel, que acabava de deixar o teatro. Contudo, no momento em que estava prestes a voltar para casa, seus olhos se depararam com alguém que iria mudar por completo sua vida: a bela e tímida garota chamada Clara – uma mulher tão distinta e de maneiras tão singulares que logo arrebatou o coração do jovem rapaz. Enquanto isso, Gabriel se vê numa difícil tarefa de tentar ajudar seu amigo de longa data, Henrique, que vem passando por diversas tribulações. No entanto, problemas começam a surgir também na vida de Gabriel e ele próprio acaba se vendo necessitado da ajuda de seus amigos. E, como se não bastasse, obstáculos aparecem e ameaçam ruir penosamente o seu futuro com Clara. Gabriel precisará usar toda a sua lealdade e perseverança para salvar sua paixão. Mas será que ele conseguirá arranjar forças o suficiente para isso?
IdiomaPortuguês
Data de lançamento17 de jul. de 2020
Claras Lembranças

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    Claras Lembranças - Wesley Stavarengo

    Claras Lembranças

    Wesley Stavarengo

    A ORTOGRAFIA DESTE LIVRO SEGUE O

    ACORDO ORTOGRÁFICO DA LÍNGUA PORTUGUESA (1990),

    QUE PASSOU A VIGORAR EM 2009.

    Dedicado a

    Thales Alves e Luiz Felipe Oliveira,

    meus grandes amigos que sempre estiveram

    ao meu lado em todos os momentos.

    Escrito entre

    Junho de 2015 e Fevereiro de 2016

    Publicação da 1ª edição:

    23 de abril de 2016

    Marília, SP – Brasil

    Publicação da 2ª edição:

    17 de junho de 2020

    Design da Capa

    Luiz Felipe da Cruz Oliveira

    2ª Edição

    Introdução ao Romantismo

    Você se considera uma pessoa romântica? A palavra romântico é frequentemente associada a um conjunto de comportamentos e valores, como dar ou receber flores, gostar de ler ou escrever poemas e histórias de amor, emocionar-se facilmente, ser gentil e delicado com a pessoa amada.

    Esse tipo de romantismo, porém, é diferente do Romantismo na arte. Este também está relacionado aos sentimentos, mas foi muito mais do que isso. Foi um amplo movimento que existiu no século XIX e representou artisticamente os anseios da burguesia que havia acabado de chegar ao poder na França.

    O Romantismo foi um movimento artístico, político e filosófico surgido nas últimas décadas do século XVIII na Europa que perdurou por grande parte do século XIX. Caracterizou-se como uma visão de mundo contrária ao racionalismo e ao iluminismo e buscou um nacionalismo que viria a consolidar os estados nacionais na Europa.

    Inicialmente apenas uma atitude, um estado de espírito, o Romantismo toma mais tarde a forma de um movimento, e o espírito romântico passa a designar toda uma visão de mundo centrada no indivíduo. Os autores românticos voltaram-se cada vez mais para si mesmos, retratando o drama humano, amores trágicos, ideais utópicos e desejos de escapismo. Se o século XVIII foi marcado pela objetividade, pelo iluminismo e pela razão, o início do século XIX seria marcado pelo lirismo, pela subjetividade, pela emoção e pelo eu.

    O termo romântico refere-se ao movimento estético, ou seja, à tendência idealista ou poética de alguém que carece de sentido objetivo.

    O Romantismo é a arte do sonho e fantasia. Valoriza as forças criativas do indivíduo e da imaginação popular. Opõe-se à arte equilibrada dos clássicos e baseia-se na inspiração fugaz dos momentos fortes da vida subjetiva: na fé, no sonho, na paixão, na intuição, na saudade, no sentimento da natureza e na força das lendas nacionais.

    É esse complexo de qualidades que identificam o espírito romântico: (1) individualismo e subjetivismo, atitude pessoal e íntima que condiciona a visão do mundo à personalidade do artista; daí adquirir fundamental importância a preocupação com o mundo interior, com o estado de alma, com o primado da emoção, da imaginação, da paixão e da liberdade pessoal; (2) ilogismo, segundo o qual o romântico oscila entre a alegria e a melancolia, o entusiasmo e a depressão; (3) sentido do mistério; (4) escapismo ou desejo de fuga da realidade para um mundo idealizado pela imaginação, seja no passado ou no futuro; (5) reformismo ou busca de um mundo novo através da revolução e dos movimentos democráticos; (6) sonhos ou temperamento sonhador; (7) culto da natureza, fonte de inspiração do homem simples e puro; (8) historicismo e exotismo, que levam o artista ao culto do passado, da tradição nacional, de época antigas, envoltas em mistério, valorizados ao lado de paisagens exóticas; (9) culto do pitoresco, das florestas, das terras selvagens, dos lugares estranhos cheios de melancolia e cor local, evocadores da saudade e da expressão lírica e sentimental.

    O Romantismo no Brasil

    A história do Romantismo no Brasil confunde-se com a própria história política brasileira da primeira metade do século XIX. Com a invasão de Portugal por Napoleão, a Coroa portuguesa mudou-se para o Brasil em 1808 e elevou a colônia à categoria de Reino Unido, ao lado de Portugal e Algarves. Como decorrência desse fato, a colônia passou por uma série de mudanças, entre as quais a criação de escolas de nível superior, a fundação de museus e bibliotecas públicas, a instalação de tipografias e o surgimento de uma imprensa regular.

    A dinamização da vida cultural da colônia e a formação de um público leitor (mesmo que inicialmente só de jornais) criaram algumas das condições necessárias para o surgimento de uma produção literária mais consistente do que as manifestações literárias dos séculos XVII e XVIII.

    Com a independência política, ocorrida em 1822, os intelectuais e artistas da época passaram a dedicar-se ao projeto de criar uma cultura brasileira identificada com as raízes históricas, linguísticas e culturais do país.

    As gerações do Romantismo

    Tradicionalmente são apontadas três gerações de escritores românticos. Essa divisão, contudo, engloba principalmente os autores de poesia. Os romancistas não se enquadram muito bem nessa divisão, uma vez que suas obras podem apresentar traços característicos de mais de uma geração.

    Assim, as três gerações de poetas românticos são:

    Primeira geração: nacionalista, indianista e religiosa. Nela se destacam Gonçalves Dias e Gonçalves de Magalhães.

    Segunda geração: marcada pelo mal do século, apresenta egocentrismo exacerbado, pessimismo e atração pela morte. Seus principais representantes são Álvares de Azevedo, Casimiro de Abreu, Fagundes Varela e Junqueira Freire.

    Terceira geração: formada pelo grupo condoreiro, desenvolve uma poesia de cunho político e social. A maior expressão desse grupo é Castro Alves.

    O Romantismo brasileiro contou com um grande número de escritores e com uma vasta produção, em diferentes gêneros, que, em resumo, podem ser assim apresentados:

    na lírica: Gonçalves Dias, Gonçalves de Magalhães, Álvares de Azevedo, Casimiro de Abreu, Fagundes Varela, Junqueira Freire, Castro Alves e Sousândrade;

    na épica: Gonçalves Dias e Castro Alves;

    no romance: José de Alencar, Manuel Antônio de Almeida, Joaquim Manuel de Macedo, Bernardo Guimarães, Visconde de Taunay e Franklin Távora;

    no conto: Álvares de Azevedo;

    no teatro: Martins Pena, José de Alencar, Gonçalves de Magalhães, Gonçalves Dias e Álvares de Azevedo.

    O romance romântico urbano

    No século XIX, o público consumidor da literatura romântica era eminentemente formado pela burguesia. As origens populares dessa classe não condiziam com o refinamento da arte clássica, cuja compreensão exige conhecimento das culturas grega e latina. A burguesia ansiava por uma literatura que enfocasse seu próprio tempo, seus problemas e sua forma de viver. O romance, por relatar acontecimentos da vida cotidiana e por dar vazão ao gosto burguês pela fantasia e pela aventura, tornou-se o mais importante meio de expressão artística dessa classe.

    O romance romântico, em vez de tratar de temas antigos, relacionados aos gregos e aos romanos, retratava o dia a dia do leitor, pondo em discussão certos problemas e valores vividos pelo próprio público nas cidades. Para a burguesia de então, ver o seu mundo retratado nos livros era uma novidade excepcional.

    Por essa razão, o romance urbano, entre todos os tipos de romance que se produziram na Europa e no Brasil no século XIX, é o mais lido desde o Romantismo até os dias de hoje.

    No Brasil, a literatura romântica contou com um número considerável de romances urbanos, entre os quais se destacam A Moreninha, de Joaquim Manuel de Macedo, Memórias de um sargento de milícias, de Manuel Antônio de Almeida, e Lucíola e Senhora, de José de Alencar.

    Sobre o autor

    Wesley Stavarengo nasceu em 18 de março de 1997 na cidade de Marília, no interior do estado de São Paulo.

    Escreveu seu primeiro livro quando tinha apenas treze anos de idade e suas obras iniciais eram voltadas para o público infanto-juvenil.

    Com o passar dos anos o autor evoluiu o caráter de suas histórias, indo de fantasia sobre magia, passando por aventuras sentimentais de ficção científica (que seriam o ponto inicial para sua futura adesão ao Romantismo) e chegando a poesias lírico-amorosas.

    A partir de 2013 começou a focar-se em poesia, lançando naquele mesmo ano a antologia Sonhos de Romance. No entanto, o escritor só iria de fato adequar-se ao movimento romântico no ano seguinte, com a obra poética Prantos e Perecimento.

    Depois de um pequeno tempo sem nada produzir, Wesley deixou de lado a poesia e retornou ao romance, desta vez escrevendo sob sua ótica oitocentista o livro Claras Lembranças. Lançado no início de 2016 e com um estilo que lembra muito ao de José de Alencar, a obra remonta à sociedade fluminense de meados do século XIX e narra as memórias de um personagem que viveu naquela época e a respeito de sua devota paixão por uma mulher. Assim como seus últimos trabalhos, o livro naturalmente não omite os desejos íntimos do autor, que foram sempre sua maior inspiração no mundo da escrita.

    Prefácio

    "Talvez um dos piores erros que cometi em minha vida foi dizer em Prantos e Perecimento que eu jamais voltaria a escrever. No entanto, é absolutamente impossível para mim viver sem a escrita. Ela é a única forma que tenho para extravasar meus sentimentos, minha dor, minha alegria, meus sonhos e desejos... E desta vez não foi diferente...

    Claras Lembranças foi, sem dúvida, um livro que escrevi com todos os sentimentos que existem dentro de mim. Nem os romances ou as antologias poéticas anteriores foram capazes de exprimir com tamanha intensidade meus desejos íntimos e minhas esperanças.

    Esta obra relata não somente o amor devoto de duas pessoas, como também fala sobre coisas pequenas e corriqueiras de nossas vidas, coisas simples e que muitas vezes sequer damos atenção: a amizade leal, a sanidade, a alegria no tempo presente e, acima de tudo, o amor que recebemos de alguém especial.

    Foi um livro que escrevi com todo o meu afeto e dedicação. Com toda a certeza, Claras Lembranças carrega uma parte de meu ser."

    Wesley Stavarengo

    Sumário

    Capítulo Página

    I .......................................................................................................... 15

    II ......................................................................................................... 21

    III........................................................................................................ 27

    IV ....................................................................................................... 33

    V ......................................................................................................... 40

    VI ....................................................................................................... 47

    VII ...................................................................................................... 55

    VIII ..................................................................................................... 62

    IX ....................................................................................................... 71

    X ......................................................................................................... 77

    XI ....................................................................................................... 84

    XII ...................................................................................................... 91

    XIII ..................................................................................................... 98

    XIV .................................................................................................. 106

    XV .................................................................................................... 114

    XVI .................................................................................................. 121

    XVII ................................................................................................. 129

    XVIII ................................................................................................ 137

    XIX .................................................................................................. 146

    XX .................................................................................................... 152

    XXI .................................................................................................. 159

    XXII ................................................................................................. 166

    XXIII ................................................................................................ 173

    XXIV ............................................................................................... 181

    XXV ................................................................................................. 189

    Capítulo Página

    XXVI ............................................................................................... 195

    XXVII .............................................................................................. 202

    XXVIII ............................................................................................. 210

    XXIX ............................................................................................... 221

    XXX ................................................................................................. 228

    XXXI ............................................................................................... 236

    XXXII .............................................................................................. 243

    XXXIII ............................................................................................. 250

    XXXIV ............................................................................................. 257

    XXXV .............................................................................................. 264

    XXXVI ............................................................................................. 272

    XXXVII ........................................................................................... 282

    XXXVIII .......................................................................................... 290

    XXXIX ............................................................................................. 299

    XL .................................................................................................... 307

    XLI ................................................................................................... 313

    Capítulo I

    Clara, do mais encantador sorriso! Clara, das mais doces palavras proferidas! Clara, dos olhos castanho-claros e cabelos lisos da mesma cor, que terminavam em mimosos cachos a acariciar-lhe os ombros. Clara, o doce e suave tom moreno de sua tez! Clara, a mais bela jovem, a donzela que jamais abandonara seu encanto, sua beleza e sua serenidade, nem mesmo naquele enlace, naquele tão expressivo abraço, que traduzia todo o amor que por ela eu sentia, um amor que nem mesmo a distância, a morte ou o tempo poderia retirar de meu coração...

    E pensar que tudo isso teve início naquela fria noite de inverno, mais especificamente em 4 de julho de 1856. Por vezes chego a pensar que tudo não passou de um sonho e que eu ainda me encontro no ano em questão. Mas se estou a escrever esta história, a única conclusão que se pode tirar é que... a realidade é realmente outra. Nenhum dos acontecimentos que nas páginas próximas irei relatar foram distorcidos, inventados, tampouco narrados com um toque de exagero. Conto apenas com meus sentimentos e com minhas memórias. Somente essas duas cousas e nada mais.

    * * *

    Naquela sexta-feira de inverno, acabava eu de sair do teatro. A princípio, quisera ficar em minha casa, mas pensei que depois de uma exaustiva semana de trabalho, nada poderia ser mais gratificante que ir a um concerto, mesmo com tal severo clima. Não era um hábito, mas vejo agora que, naquela noite, o que fiz não foi ao todo debalde.

    Após despedir-me de um amigo, cuja pessoa tive a honra de encontrar no mesmo camarote que eu ocupara, dirigi-me em direção à

    15

    praça a fim de encontrar por ali algum tílburi¹ que me levasse de volta à casa. Ocorreu-me, porém, que logo após cruzar a rua, deparei-me com uma jovem e linda senhorita que se encontrava próxima a um poste de luz da praça. De todos os anos que eu havia vivido, jamais vira no Rio de Janeiro nem em qualquer outro lugar uma garota tão linda e meiga como aquela que se encontrava de pé a alguns metros diante de mim. E como se tal arrebatamento não me bastasse, vi a jovem caminhar em minha direção, parecendo nervosa e, ao mesmo tempo, segura de si. Perguntei-me se por ventura ela estaria esperando por mim, mas abandonei essa ideia logo de imediato. Estaquei-me sobre a calçada, quando a menina por fim me alcançou.

    – Perdoe-me – disse ela, um tanto hesitante. – Acabo de chegar de São Paulo e estou um tanto perdida. Pode-me dizer como chego ao hotel Pharoux²?

    Sua voz era tão suave como sua tez morena. Segurando uma mala carmesim, trajava um vestido vermelho e envolvia-se em uma capa da mesma cor. Seus sedosos cabelos de um tom claro de castanho desciam-

    -lhe até os ombros, onde anéis eram mimosamente formados. Seu olhar era sedutor, no entanto puro e inocente, sem transmitir quaisquer intenções passionais. Quiçá eu a tenha fitado por um tempo mais longo do que deveria, pois percebi, à luz do poste, que sua bela face enrubescera. Ela desviou o olhar para a praça e, para me escusar, disse-lhe logo como se chegava ao hotel.

    ________________________________________________________

    ¹ Pequena carruagem com capota, duas rodas e dois assentos, puxada por somente um cavalo. Foi o veículo de aluguel mais comum no Rio de Janeiro durante o Segundo Reinado.

    ² O Hotel Pharoux, construído em 1816, foi o primeiro hotel brasileiro a ser comparável com os da Europa. Começou a ser desativado em 1858 e, em 1959, o prédio foi demolido para a construção do Elevado da Perimetral.

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    havia nenhum. – Eles sempre aparecem por aqui. Se a senhorita quiser, pode me

    fazer companhia.

    – Claro! – retomou ela com um meigo sorriso. – Ao menos me abrigo deste frio. Estou exausta e andar mais algumas quadras me cansaria mais ainda.

    Que o leitor não pense que estava eu abusando de minha sorte.

    Como eu poderia deixar uma dama, principalmente tão bela e educada como aquela, caminhar sozinha numa noite tão fria até seu destino. Não era apenas cortesia; seria rudeza de minha parte subir em um tílburi sem pedir-lhe que me acompanhasse.

    Por fim o carro chegou e subimos de imediato. O cocheiro espremeu-se resmungando contra a capota lateral do veículo – pois era feito para carregar somente um passageiro. Pedindo desculpas ao homem, disse-lhe o destino da moça e segundos depois nos víamos a rodar pela rua Sete de Setembro.

    Era deslumbrante como a simples presença daquela jovem me afetava. Pelas roupas que usava, pelo seu perfume, que eu soube facilmente identificar como sendo importado da Europa, e pelas suas maneiras, concluí que era uma dama abastada. No entanto o que me era fascinante era o fato de que ela não parecia gabar-se disso, diferentemente de boa parte das mulheres ricas da cidade. Fosse talvez porque viera de uma cidade pequena como São Paulo. Mas eu estava inclinado a pensar que sua discrição provinha de sua meiguice e de seu bom senso.

    – Já ouviu falar bastante sobre a corte? – perguntei-lhe para início de uma conversa.

    – Um pouco apenas. Disseram-me algo sobre a cultura e a magnificência daqui. É uma cidade encantadora, ao menos à primeira vista.

    – É sim – confirmei. – Veio para morar?

    17

    – Não era minha intenção a princípio, mas depois percebi que São Paulo não era de fato meu lugar.

    – Compreendo. Hospedou-se em um hotel até encontrar uma casa disponível, estou certo?

    – A verdade é que ainda não posso morar sozinha, pois tenho dezessete anos. Farei dezoito em alguns dias, mas tenho de ficar no Pharoux enquanto não atinjo a maioridade.

    – Então veio à corte por vontade própria?

    Ela confirmou apenas com um sorriso.

    – Sua família não contestou?

    – Sou órfã... Minha família resume-se apenas em meu padrasto, que não fez qualquer oposição à minha partida.

    – Sinto muito.

    Ela voltou seu olhar para o outro lado e pôs-se a observar as casas, que passavam lentamente por nós.

    – Espero não a ter ofendido – disse eu, um tanto amargurado.

    – O quê? – perguntou ela surpresa, virando-se rapidamente para mim. – Ah! Não, não... – disse, abrindo um pequeno sorriso. – Não te preocupes. Tento ser corajosa para seguir minha vida, mesmo que minha mãe tenha sido a coisa mais importante para mim. Quanto a meu pai, eu já era órfã dele quando nasci.

    Nada respondi, com receio de que pudesse importuná-la. Ela, por sua vez, me perguntou:

    – Pegarias este caminho para voltar à tua casa? – Respondi-lhe que não. – Bom, espero não ter te aborrecido por isso. Se eu soubesse...

    – Jamais poderia tê-la deixado ir a pé.

    A jovem tornou a sorrir e respondeu timidamente um obrigada, no momento em que o trote dos cavalos cessaram e o tílburi parou.

    No mesmo instante ela desceu, antes mesmo que eu lhe oferecesse ajuda, e voltou-se para mim.

    18

    – Esqueci de perguntar-te o nome.

    – Me chamo Medeiros, Gabriel Medeiros.

    – Obrigada, Gabriel.

    – Não precisa me agradecer. Ah! Não se preocupe, eu pago o cocheiro – disse-lhe ao perceber que retirava de dentro de sua mala uma pequena bolsa de moedas. Ela pareceu contrariada, mas acabou consentindo com outro sorriso.

    – Fico agradecida com sua gentileza. Tenha uma boa noite.

    – Boa noite, senhorita...

    – Clara.

    A linda jovem despediu-se com uma espécie de mesura e eu, contra minha vontade, disse ao cocheiro o endereço de minha casa e o tílburi tornou a partir.

    Enquanto retornava para minha casa, em nem um momento sequer a bela garota chamada Clara saiu-me dos pensamentos. Não era apenas sua beldade que me fazia admirá-la, mas era também sua personalidade. Ela era doce, doce com as palavras, doce com os gestos que fazia com suas mimosas mãos, doce em ter-se aberto com um homem que jamais vira antes... Assim como disse antes, apesar de sua aparente classe social, não parecia ser daquelas senhoritas que se punham à janela a fim de receber a corte de diversos homens que por ali passavam. Ela era tímida e, ao mesmo tempo, um tanto extrovertida. Era linda, mas não inacessível. Aparentava ser alguém que lhe valessem mais a amizade e o amor do que o dinheiro e a luxúria. Cheguei inda a pensar se não estaria idealizando de modo irracional uma jovem que eu vira apenas uma vez. No entanto eu jamais encontrara uma dama como aquela, que se dispusesse a conversar amavelmente com um estranho sobre sua vida, sem querer causar figura. Embora recluso, várias vezes eu já tinha ido ao teatro, local onde se reunia grande parte das mais

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    atraentes personagens cariocas do belo sexo³, e nunca vira alguém como Clara.

    Não parava de pensar nela. Como seria sua vida agora que se mudara para o Rio de Janeiro? Será que o luxo da capital fá-la-ia tornar-se uma ricaça soberba? Será que o encanto dos salões a fascinariam a ponto de fazê-la frequentá-los quase todas as noites?

    Cheguei a imaginar quantas vezes ela não receberia a corte por possuir uma tão notável beleza. Era sem dúvida a garota mais bela de todo

    o perímetro do Rio de Janeiro.

    Tão absorto estava eu em meus pensamentos, que não percebi o tílburi parar, dando-me conta disso somente quando o cocheiro avisou. Desci do veículo, paguei ao homem por toda a viagem e, desatentamente, entrei em minha casa.

    Foi só então, após ter cruzado a soleira, fechado a porta e encontrado a mim mesmo no profundo silêncio, que eu me dei conta daquela inegável verdade: eu estava apaixonado por Clara.

    ________________________________________________________

    ³ Expressão antiga que significa sexo feminino.

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    Capítulo II

    Morava eu, desde aquela época, em uma pequena casa localizada na Rua Cosme Velho. Estava longe de ser rico, porém possuía mais que o necessário para sobreviver. A casa era dividida em apenas cinco aposentos. A mobília não era muita, no entanto eu fazia questão de que estivesse posta com certa organização e classe.

    Por um curto período eu havia trabalhado na Biblioteca Imperial como amanuense¹, o que me fez ter um conhecimento vasto de nossa língua. Tal privilégio me permitira ser contratado naquele ano por uma escola de caráter privado – o que me caíra bem, pois, assim como a maioria dos candidatos a cargo de professor, eu recusara ganhar o tão humilhante salário que uma escola pública oferecia. Assim, o dinheiro adquirido fazia-me viver uma vida despreocupada, principalmente pelo fato de morar sozinho. Meus pais viviam em Niterói, cidade onde nasci. Minha mãe era costureira, enquanto meu pai trabalhava em uma padaria local. Embora contra a vontade de ambos os dois, eu sempre lhes dava parte de meu salário devido à minha tranquilidade financeira.

    * * *

    Mais de uma semana havia-se passado desde meu encontro com Clara. Naquele sábado, lembro-me de que o vento vespertino soprava frio e que o céu possuía um tom cinza. Eu me encontrava sentado em meu sofá, relembrando o episódio que ocorrera na sexta-feira da semana anterior. Diante de meus olhos eu ainda enxergava aquela doce jovem

    ________________________________________________________

    ¹ Amanuense: copista; escrevente.

    21

    sorrindo timidamente enquanto conversávamos no tílburi, um ao lado do outro. Parecia mesmo que seu perfume me invadia a sala quando sua memória era evocada.

    Ainda naquela semana eu arriscara vários passeios na Rua do

    Ouvidor. Estava convencido de que uma menina como Clara, que trajava vestidos em vogue e usava uma variedade de joias, não poderia deixar de visitar aquela tão conhecida rua comercial do Rio de Janeiro. Mas em nenhuma das ocasiões encontrei a garota. Cheguei inda a perguntar por ela a um comerciante qualquer, e este me dissera não a ter visto tampouco.

    Eu não estava realmente tomado pelo desespero, no entanto estavam a criar em mim um forte sentimento de saudade aqueles oito dias sem ver Clara. Já me passava pela mente que reencontrá-la seria algo praticamente impossível.

    Batidas na porta interromperam-me a meditação sentimental e, levantando-me bruscamente, fui ver quem era. Abri a porta e deparei-me com Luís Ribeiro, um velho amigo que eu conhecera no colégio.

    – Espero não estar te importunando, Gabriel – cumprimentou-me sorridente.

    – De modo algum – respondi, contente por vê-lo. – Podes entrar.

    Luís Ribeiro era um homem excessivamente humorado. Parecia que nenhum aborrecimento era capaz de estragar-lhe o ânimo, embora se tornasse sério quando ocupava o ambiente de trabalho. De rosto branco, olhos grandes e usando um estiloso bigode de morsa, era decerto um de meus mais confiáveis amigos.

    O homem sentou-se no sofá, soltando um longo suspiro de exaustão.

    – Dize-me, meu caro, o que te traz aqui? – perguntei-lhe, sentando em uma poltrona defronte a ele.

    – Decidi fechar o estabelecimento mais cedo hoje, pois parece que este clima faz com que as pessoas não queiram sair de suas casas,

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    com medo de uma repentina tempestade.

    Com um olhar de descontentamento, Luís fitou pela janela o céu de tom cinza, ao mesmo tempo que retirava do bolso interno de seu casaco uma caixinha de rapé, abria-lhe a tampa e aspirava o pó despreocupadamente.

    – Então – continuou ele segundos depois, tornando a guardar a caixa –, decidi, no meio do caminho, fazer-te uma visita.

    – Fico contente pela consideração.

    – E fico contente eu por saber que estás em um excelente emprego. No entanto... – Meu amigo olhou ao seu redor, como se estivesse avaliando-me a casa. – Creio que não fazes bom uso do dinheiro.

    Empertigando-se no sofá, Luís olhou-me e soltou uma alta e prolongada risada.

    – O que queres dizer? – perguntei-lhe. – Não penses que toda esta mobília tenha me custado caro. Sou um homem de poucos gastos!

    – É exatamente por isso! Fazes mau uso do dinheiro em economizá-lo em demasia. Não te peço que o esbanjes, isso certamente seria insensato, mas por que não aprimoras o interior de tua casa?

    – Creio ser desnecessário.

    – Guardas a economia para alguém?

    – Dou parte a meus pais. A verdade é que não sei em que devo investir. Já pensei em comprar um cupê, mas creio que a manutenção do veículo e do cocheiro seriam dispendiosos, e...

    – Tua casa não possui cocheira.

    Assenti com a cabeça enquanto Luís apoiava o queixo sobre sua mão direita, como se estivesse a refletir.

    Ofereci a meu amigo uma taça de vinho e sem delongas ele aceitou.

    – Por que não me fazes uma visita? – perguntou ele. – Aliás, creio eu que nunca me visitaste.

    23

    – Bom...

    – Sem escusas, Gabriel. Tu mesmo já me contaste que tens uma vida sossegada e pouco desgastante, com exceção talvez de seu trabalho.

    – E não lhe menti, meu bom amigo. Mas acredito que minha aparição sem um aviso prévio em sua casa poderia lhe causar aborrecimento.

    – Aborrecimento! Que tipo de aborrecimento poderia me causar uma visita sua? Podes ir sempre que quiseres, sem tamanha formalidade. Aborrecimento é ter de lidar com clientes mal-humorados e que não têm o mínimo conhecimento de administração financeira e patrimonial – disse ele, referindo-se a sua profissão de guarda-livros².

    Após tomar o último gole de sua taça de vinho, Luís iniciou comigo uma conversa a respeito dos lugares que havia visitado no Sul do país, em janeiro. Contou-me sobre as paisagens verdejantes da província de São Pedro do Rio Grande do Sul, seu clima agradável durante o verão e a cultura das pessoas que ali viviam.

    – No entanto haverás de saber – finalizou ele, após meia hora de uma ótima conversa – que nenhum outro lugar do nosso país pode se comparar com a beleza e a grandeza da corte.

    – Não duvido disso.

    Afundando-se

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