Entre amigos: Dica quem quer ler livro e conto urbano que fala sobre amizade, sobre a juventude e as boas lembranças do passado
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Sobre este e-book
Renné Lotoski
O autor tem 19 anos e nasceu na região metropolitana de Curitiba, onde após alguns anos retornou a morar. Desde muito cedo foi influenciado pelas artes e a arquitetura da história paranaense. Fora a cultura regional, a literatura fantasiosa e a poesia despertaram tanto interesse que em 2014 começou a se aventurar em poemas e no ano seguinte, surgiram os primeiros traços de um universo fantasioso próprio, vistos pela óptica peculiar de sua vivência.No ano de 2017 descobriu um mundo artístico na região dos Campos Gerais e este contato acabou influenciando ainda mais as ideias que já desenvolvia, trazendo elementos da realidade para o ficcional e também trouxe para a vida pessoal uma valorização mais intensa com o envolvimento nas mais diversas artes. Sob a influência de outros artistas, concluiu dois livros durante os primeiros meses de 2020, sendo o primeiro, de poesias, um projeto para o futuro, apesar de ter sua idealização anterior aos demais.
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Entre amigos - Renné Lotoski
1. De volta a casa
Sabe. Eu sou um tipo bem clichê, estranho, já que odeio clichês. Enfim, adoro pontualidade e quem sabe à hora certa de chegar. Acredito que assim medimos o interesse dos outros nas ocasiões marcadas. Provavelmente não precisaria dizer isso se naquele dia eu mesmo não estivesse atrasado, uma situação incômoda e pouco comum para alguém como eu. Por esse infeliz motivo, uma buzina repetitiva era apertada uma vez a cada vinte segundos para me lembrar do atraso, sentia vontade de sugerir que a pessoa fizesse outra coisa então, mas não seria algo educado para gritar pela janela, os vizinhos não precisavam ouvir. Vestindo o calçado, peguei uma bolsa e desci a escada correndo, um carro branco me esperava do outro lado da rua.
Ao abrir a porta, estavam lá meus amigos, quatro rostos que eu conhecia desde antes do ensino médio, os poucos que consegui manter por perto, mas nunca achei o suficiente. Sendo repreendido pela suposta imensa demora, fiz algumas sugestões do que poderiam fazer com essas reclamações e joguei a bolsa no colo de Cecília sem cumprimentar qualquer um, porém logo o mau humor foi embora, não consigo o manter por muito tempo. Naquele clima de piadas infantis, me senti extremamente à vontade, busquei algo entre as bolsas que levávamos, sempre odiei procurar coisas com o carro em movimento, parece que nada está realmente lá e quando finalmente encontra, estava perto da mão o tempo todo.
‒ Quero algo para beber, esse tempo abafado me deixa com sede, onde estão as garrafas? ‒ perguntei.
‒ Você não pode simplesmente esperar como todos nós? Não vai morrer por aguentar mais alguns minutos ‒ respondeu MH.
Esse não era o nome dela, afinal que tipo de pai daria um nome desses à filha? Seu nome era longo e a fazia parecer alguém de setenta anos, por isso usávamos as iniciais, MH
. Além dela, de Cecília e de mim, no carro estava o resto do grupo, pelo menos os que sempre foram mais próximos. Juan, um tipo baixo e bem humorado sentava na frente, ao lado de Dóris, que bem podemos definir como a mandante do grupo. Acredito que sejam aquelas pessoas que chamamos de família, apesar da falta de laços sanguíneos ou genéticos, até as brigas são muito familiares, mais de quanto gostaríamos, mas sem elas, não seria uma experiência tão real.
O carro passava por lugares cada vez mais decadentes, exatamente o nosso padrão. Durante essa procura pelo cenário ideal, vimos onde estudei com Juan, me veio um sentimento de revolta e um pouco de ansiedade. A maioria sempre relembra com gosto os tempos de colégio, não eu. Adorava estudar, mas o local e quem trabalhava lá... Desculpe-me, mas o cheiro de mofo e o descaso com os alunos não me traz nostalgia, não me julgue. Meu pai dizia que não devemos reclamar, tentei controlar meu ímpeto naquele momento, não consegui.
‒ Credo! Consigo sentir o cheiro de mofo daqui e o de sujeira também, parece que está na minha mente ‒ reclamei.
Eles fizeram sons de desaprovação, mesmo sabendo que eu estava certo, ainda me lembro dos absurdos que ouvia e da falta de preparo de alguns, memórias não tão agradáveis. Pouco depois Juan apontou para o lado, cadeiras de plástico e o vislumbre de uma mesa verde indicavam que finalmente chegamos até o destino. Gostávamos de chegar cedo e assim jogar ou consumir às custas de outros sem causar muitos problemas, enquanto alguns iam embora, outros chegavam, rotacionando as oportunidades.
Fiquei no carro sozinho vendo o que fariam, gosto de ver as coisas de longe, analisar, é um costume de criança que nunca perdi. Tomei coragem e então abri a porta, fingindo um sorriso enquanto entrava naquele estabelecimento em decadência. Sentei num canto vendo Dóris iniciar o jogo contra um desavisado, eu já fazia ideia do que planejava, mas ninguém percebia sua intenção por trás da gentileza que exibia. Pediu duas fichas e explicou suas regras: a primeira rodada ela pagaria a ficha, a segunda seria paga pelo perdedor, assim como o valor da aposta, no fim, quem desistisse deveria entregar as fichas ao outro. Pode parecer um pouco desonesto, e era.
Quando não ia embora abatido, o perdedor puxava uma cadeira próxima e ficava ali com seu copo, reclamando para si mesmo que foi apenas sorte de principiante ou que não estava bem naquele dia, mas numa próxima seria diferente, alguns até diziam que deixaram para não sair feio para a moça. Não satisfeito com a derrota do infeliz, eu puxava assunto, começava a criar um elo, algo que nos tornasse parecidos, não gosto de contar vantagem, no entanto, sou bom nisso.
‒ Ela é boa, não é? Vai aos lugares, joga e ganha quase todas. Acho que me animei um pouco, fiquei sem o dinheiro para uma porção. Não fica assim, eu já ganhei dela, uma vez. Quem sabe na próxima é você ‒ disse a ele.
‒ Ela é nova, tem olhos rápidos, mas eu tenho experiência, se não tivesse pouco dinheiro, mostrava como se joga de verdade! ‒ me respondeu sério.
Começamos a rir, ele empurrou a bandeja para perto, me oferecendo um pouco, me fiz de orgulhoso para só então aceitar. Realmente sou orgulhoso, então tecnicamente não estava enganando alguém. Logo ele esqueceu a derrota e até começou a rir de quem perdia, também fazia questão de apontar as falhas dela, coisas que por sua experiência sabia que não era uma boa maneira de se jogar, a única coisa que ele não sabia é que, na verdade, ela jogava assim de propósito, desse jeito talvez ele tentasse jogar outra vez.
Após a saída do meu novo amigo, comecei a conversar com outro, este não jogava então tive que tentar outra coisa, até que dei oportunidade para que falasse da mulher que gostava, depois apontei para um anel, uma aliança que por ser um pouco grande, a usava no polegar. Comecei a contar sobre uma pianista, supertalentosa, para piorar desenhava e conhecia o mundo, podia dizer que foi um delírio se não guardasse seu beijo e os olhos na memória. Comovido por tudo, dividia seus pedidos no balcão comigo. Não importa quantas vezes eu diga que era apenas uma estratégia, talvez eu me escondesse atrás do personagem para poder falar dela.
Para fortalecer o teatro, Juan foi jogar contra Dóris, uma cena extremamente cômica, já que a altura que sobrava nela, para ele faltava. Obviamente ele perdeu, felizmente tinha apostado apenas uma porção de carne frita o que não o deixou menos frustrado. Ele não era muito útil nessas situações, já que não fazia algo que o ajudasse a ganhar benefícios, mas era alguém que fazia tudo parecer normal, então de certo modo era um apoio para o grupo. Provavelmente o único do grupo que se via obrigado a carregar documentos, em todo lugar duvidavam da sua idade, tanto pelo tamanho quanto pelo rosto.
Numa mesa um pouco afastada estavam Cecília e MH, elas apenas conversavam e ficavam rindo do que fazíamos ou de outras coisas que sempre aconteciam, tudo normal se não fossem os olhares e flertes de Cecília, assim como eu, ganhava coisas o tempo todo, exceto pelo fato de que eu não tinha como apelar para a beleza e ganhava muito menos com o dobro de esforço. Quando não tinha interesse algum em conseguir algo, usava a ajuda de MH, ela fingia estar mal, então tinha que ajudar a amiga, passava um número falso e saía tudo já planejado antes, a prática tornava quase real aquele teatro, o que algumas vezes nem precisava ser uma mentira, pois dessa vez, um mal estar real fez com que fossem para o carro antes do planejado.
Após o fim do jogo Dóris também seguiu para fora, ninguém mais jogaria contra ela de qualquer jeito, aproveitou o momento de sair de cena e devolveu as fichas que não usou o que deixou o dono do estabelecimento feliz. Juan saiu atrás, reclamando com ela sobre os jogos, como se estivesse insatisfeito com o resultado. Eu por outro lado decidi ficar mais uns minutos, estava tendo uma boa conversa e dividia alguns pequenos salgados, não podia desperdiçar, lentamente ia pegando em pares, comia um e outro guardava num bolso grande. Fingi receber uma mensagem da minha querida pianista e deveria então ir embora, agradecia e voltava para o carro. Não ficaram felizes com os quase vinte minutos de espera, mas eu estava feliz e isso não me afetaria, até tentei ser educado.
‒ Não me olhem assim, sabem como funciona! Podemos voltar outro dia e não pretendo estragar tudo, falando nisso, alguém quer coxinha? ‒ ofereci, tirando do bolso.
2. O dia seguinte
Seis horas da manhã, já estava acordado. Sempre tive problemas para dormir e certas situações conseguem piorar minhas horas de sono ainda mais. Fiquei virando de um lado para o outro, tendo lembranças involuntárias da noite passada, recebi muitas mensagens e fotos de Juan perdendo todas às vezes, um número estranho também me chamava, queria saber como eu estava, foi um dos amigos que fiz, poderia encontrar com ele outras vezes e não queria perder a oportunidade de dividir um dos pratos e outras coisas que me oferecesse.
Sem conseguir voltar a dormir, pensei em comer algo, minha garganta estava seca. Pode parecer estranho, mas continuava exatamente como antes: a camisa agora amassada e uma calça jeans. Não entendo o motivo de acharem desconfortável, até mesmo à cinta estava no mesmo lugar, faltava apenas uma meia, ela eu não fazia ideia de onde estava. Desci as escadas e peguei tudo que estava sobre a bancada, junto com um pouco de queijo, estava pronto o meu café da manhã.
Enquanto mastigava, fui atormentado pela possível lembrança daquilo que sonhei, queria evitar, afinal sonhos ruins nos afetam e os bons... São apenas sonhos. Passei a odiar sonhar, tudo é sempre cinza ou está de noite, para piorar, tenho muitos sonhos em ônibus, o que é terrível. Outras vezes também tenho alguns que se repetem os ruins, obviamente. Devo ser um péssimo sonhador. O único ponto que sempre gostei foram as ideias que às vezes tenho enquanto durmo, graças a elas pude fazer muitas coisas, apenas não direi para não soar estranho.
Sem esperar que estivéssemos totalmente recuperados, começaram a planejar a sexta feira, me perguntei o que há de errado com eles, afinal todo mundo precisa descansar um pouco às vezes. Dóris parecia ter uma agenda, pois marcava horário e ponto de encontro, como uma secretária vendo quando o dentista poderia te atender. Por algum motivo imaginei que este comentário podia parecer preconceituoso, porém o usei por ter grande familiaridade com consultórios, acredito que é algo que faça parte da minha infância, nem sempre de uma maneira boa.
Subindo a escada, olhei para a parede branca que nunca foi pintada, pode parecer loucura, mas tem a forma exata de um rosto, para todos que eu falava também percebiam, até mesmo MH. Mas não era apenas um rosto, ele parecia te julgar, olhar dentro da sua alma e ver todos os seus segredos. O que foi muito estranho de se pensar, afinal era apenas um conjunto de marcas na massa corrida. Sou daqueles que vê rostos em portas ou em qualquer conjunto de marcas. Mesmo tímido, sempre tive certo tipo de modo de convencer as pessoas com uma estranha dialética. Para mim, palavras são como portas e se conseguir escolher as corretas, pode conduzir alguém pelo caminho que quiser.
Depois de algumas tentativas, me convenceram a sair para comer, algo que eu odeio, mas são meus amigos então acabei cedendo. Comeríamos batata frita que acabaria sendo muito mais barato em casa. Dóris me chamou para ir até uma loja para comprar uma bebida que não nos custasse os olhos da cara, todo mundo sabe que na praça de alimentação acaba sendo muito mais caro e como ficou explícito no dia anterior, gastamos apenas o mínimo. Com um truque muito infeliz ela pegou alguns doces para que não fossem percebidos até pelos alarmes na saída. Se não fosse suficiente o seu truque, pegou uma a