Dialogando com as gavetas
De Policarpo
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Dialogando com as gavetas - Policarpo
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Prefácio
Nem toda gaveta fica em um armário.
Não existem segredos bem guardados.
Guardamos, por toda a vida, uma gama de problemas não resolvidos nos fundos de várias gavetas, com a certeza de que nunca ninguém poderá encontrá-los, nem nós mesmos. Só que não.
Esbarramos, aparecem ou são apontados quando menos esperamos, fazendo-nos repensar de onde viemos, por onde passamos, o que fizemos e para onde vamos. Repensar nos leva a várias reflexões, se erramos, acertamos, se teve ou não algum significado nossa passagem pela vida das pessoas e principalmente a passagem delas pela nossa. Rever tudo isso deveria ser um rito de passagem para o autoconhecimento, independentemente do resultado, pois não podemos apagar o passado, mas podemos planejar melhor nosso futuro. Dialogando com as gavetas propõe esse exercício de forma leve e descontraída, pontuando algumas posições de pensadores e filósofos sem o compromisso de aprofundamento, mas sim para ilustrar um caminho já percorrido e que pode ser adotado por quem assim o desejar.
Dialogando com as gavetas
Caía a noite quando entrou no bar. Pediu uma mesa para fumante, preferencialmente de frente para o mar. Sentou-se e pediu um conhaque e um cinzeiro. Tirou a gravata e o chapéu Panamá, repousando-o delicadamente no canto da mesa, descalçou-se, acendeu o Koiba e passou a observar a fumaça que subia. Com a chegada do conhaque e do cinzeiro, recostou-se, bebericou e pediu uma porção de Parma em cubos para acompanhar. Desafogado da gravata e dos sapatos, charuto entre os dedos, copo na mão, Parma no prato, pôs-se a contemplar o mar. Saboreava aquela sensação de prazer que o invadia. Agradeceu, olhando para cima e erguendo o copo sem dizer nada, apenas sorrindo. Não que fosse religioso ou coisa parecida, apenas repetira um rito que há gerações acompanha todo bom botequeiro, a sua satisfação em estar ali, apenas isso.
A cada puxada no charuto, um pensamento diferente, como se estivesse assistindo a trailers de vários filmes. Com a mente vazia e descompromissada, dava a si esse luxo. Ao olhar em sua volta, percebe nos semblantes das pessoas um misto de euforia e mistério, sendo o primeiro fruto do álcool e o segundo também. Sorriu ao entender isso, pois ficar alegre e esconder algo faz parte do humano que reside em cada um. Não conseguiu fugir daquela brincadeira de tentar adivinhar os pensamentos das pessoas, inevitável quando se está sozinho. Mirou em um casal e passou a conjecturar com seu charuto. Ela, com o olhar vidrado nos olhos dele, como se esperasse uma resposta. Ele olha para o horizonte, como se quisesse fugir dos olhares dela. Logo concluiu que um ou outro estaria rompendo o relacionamento. Em outra mesa, passa a observar dois homens – um com a cabeça baixa, olhando para o copo; e o outro com o palito entre os dentes. Concluiu que se tratava de um caso de demissão do emprego ou traição, difícil essa dedução. Em pé, lá fora, em meio à escuridão, um homem olhando insistentemente para dentro do bar parecia vigiar alguém, talvez fosse um detetive seguindo os passos de alguém. A mente humana e seus subterfúgios para suprir qualquer