O direito à própria imagem na era digital: a responsabilidade civil pelos danos causados nos meios virtuais
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O direito à própria imagem na era digital - Flávia Ungarelli
CAPÍTULO I O DIREITO À IMAGEM
Para iniciar a abordagem da questão central desta dissertação, que é responsabilização civil pelos danos causados em face do uso indevido da imagem humana nos meios virtuais, este capítulo trata em primeiro lugar do significado do termo imagem e a evolução através dos tempos do conceito de imagem rumo ao direito à imagem; o capítulo segundo trata da tutela da imagem humana e as repercussões da sua utilização; o capítulo terceiro aborda aspectos da sociedade informacional e a estrutura do maior veículo de comunicação global - a Internet; no quarto e último capítulo foram observadas as questões relativas à responsabilização civil pelo uso indevido da imagem nos meios virtuais, da sociedade contemporânea que se apropria cada vez mais de tecnologia complexa, com o objetivo de levar a informação com a maior velocidade possível, alcançando o público em âmbito global, divulgando por vezes a imagem em tempo real, esbarrando e ferindo o direito à imagem.
1.1. A IMAGEM
A imagem no sentido estrito é a representação pictórica ou fotográfica de alguém ou de algo. Em sentido lato pode-se dizer que imagem é a representação da pessoa humana revelando o seu ser, ou seja, tudo o que a pessoa representa tanto no aspecto físico como no psicossocial e que a difere dos demais semelhantes.
Afirmam Lúcia Santaella, e Winfried Nöth⁹ que:
O mundo das imagens se divide em dois domínios. O primeiro é o domínio das imagens como representações visuais: desenhos, pinturas, gravuras, fotografias e as imagens cinematográficas, televisivas, holográficas e infográficas que pertencem a esse domínio. Imagens, nesse sentido, são objetos materiais, signos que representam o nosso meio ambiente visual. O segundo é o domínio imaterial das imagens na nossa mente. Neste domínio, as imagens aparecem como visões, fantasias, imaginações, esquemas, modelos ou, em geral, como representações mentais. Ambos os domínios da imagem não existem separados, pois estão inextricavelmente ligados já na sua gênese. Não há imagens como representações visuais que não tenham surgido de imagens na mente daqueles que as produziram, do mesmo modo que não há imagens mentais que não tenham alguma origem no mundo concreto dos objetos visuais. Os conceitos unificadores dos dois domínios da imagem são os conceitos que reencontramos nos dois domínios da imagem, a saber, o seu lado perceptível e o seu lado mental, unificados estes em algo terceiro, que é o signo ou representação.
A imagem é toda forma de representação. Moralmente o ser humano tem uma imagem intrínseca à imagem visual que merece zelo, respeito e amparo legal e social. Os seres animais e os objetos materiais, as criações artísticas, as obras literárias, as máquinas, enfim, absolutamente tudo que adquire forma reflete uma imagem visual, mas somente os seres humanos possuem a imagem moral, que está diretamente ligada à honra, aos valores adquiridos, concebidos, resgatados ou mesmo criados pela pessoa durante sua existência.
Materialmente uma imagem produz retrato, figura, símbolo, filme, obra artística e também transmite ideias, fazendo com que aquele que vê ou assiste determinada imagem possa interpretar o que ela significa e qual o conceito que transmite. Walter Moraes¹⁰ definiu imagem como toda sorte de representação de uma pessoa
. Compreende-se como imagem o semblante e todas as partes distintas do corpo humano.
Segundo Aurélio Buarque de Holanda Ferreira¹¹ o termo imagem vindo do latim imagine
possui várias acepções:
Representação gráfica, plástica ou fotográfica de pessoa ou de objeto; em sentido figurado significa pessoa muito formosa; representação dinâmica, cinematográfica ou televisionada, de pessoa, animal, objeto, cena, etc.; aquilo que evoca uma determinada coisa, por ter com ela semelhança ou relação simbólica; símbolo; em linguagem informacional cópia exata do conteúdo de um segmento contínuo de memória (principal ou secundária) ou de arquivo: gravar a imagem de um disquete em outro; conceito genérico resultante de todas as experiências, impressões, posições e sentimentos que as pessoas apresentam em relação a uma empresa, produto, personalidade, etc.
Tomando por base que ao nascer o ser humano traz consigo características genéticas de filiação que o identificarão, tem-se que essas características compõem o corpo físico que por sua vez adquire uma figura estética passível de ser reproduzida ou retratada. A essa figura estética dá-se o nome de imagem.
Falando ainda do indivíduo, e tomando por base as características estéticas mencionadas que compõem a imagem, é fácil entender que a imagem pode ser fragmentada ou vista como o todo que caracteriza aquele determinado indivíduo. O todo é o corpo físico composto de seus fragmentos, cabeça, braços, pernas, pés, mãos e demais partes que ao serem vistos, adquirem o caráter de imagem de parte de um todo.
Os termos, figura, estampa, retrato e cópia derivam do latim imago
e significam a representação visual de um objeto, ou a representação sensível de um objeto, ou ainda a representação gráfica, plástica ou fotográfica de um objeto. A imagem pura em si é a representação gráfica pictórica, fotográfica ou reprográfica de um elemento, que pode ser estática ou móvel, bidimensional ou tridimensional, compreendendo o todo ou qualquer parte do elemento representado.
No senso comum, o conceito de imagem abrange tanto a idealização projetada pela mente de um elemento como a representação mental de um elemento real, em muitos domínios, quer na criação pela arte, quer como simples registro fotomecânico, na pintura, no desenho, na gravura, em qualquer forma visual de expressão da ideia.
Hoje imagens são exibidas em todos os meios de comunicação, pelos anúncios publicitários impressos em páginas de revistas e jornais, expostos nas paredes de edifícios ou em cartazes afixados em muros e murais; na própria arquitetura dos edifícios e das obras de engenharia; nos utensílios domésticos e todas as ferramentas; nas vestimentas; nos veículos de transporte; nas representações sagradas; em todo material impresso; toda exibição em telas de cinema e de televisão e nas telas dos computadores através da Internet ou outros meios digitais.
1.2. BREVE ESCORÇO HISTÓRICO SOBRE IMAGEM
Desde as eras primordiais a partir do surgimento do Homem na Terra, a imagem se constituiu em uma preocupação de fundamental importância como forma de expressão do raciocínio lógico e artístico, como se pode observar nas pinturas rupestres ainda preservadas nos dias de hoje. Antes do século XIX, a imagem era o reflexo plástico de uma pessoa obtido através da reprodução por uma obra de arte como pintura, escultura, gravura, sendo peça única em geral sem reproduções.
Diante disso, um artista reproduzia a imagem de alguém quase sempre com a devida autorização do retratado ou de sua família, caracterizando-a como obra artística que tinha o intuito consciente ou inconsciente de perpetuar a figura da pessoa retratada ou fazer com que ela fosse lembrada por sua história. Com a invenção da fotografia, o universo estético ou plástico passou a caracterizar e individuar o ser humano através de seu retrato, com possibilidade de reproduções.
A obra fotográfica é a reprodução da realidade que há três séculos se constitui no meio mais rápido e usual de se registrar uma imagem humana. A divulgação ou publicação da fotografia de uma pessoa envolve três sujeitos dotados de direitos e de obrigações que se relacionam. São eles, o fotógrafo que é autor da fotografia, o fotografado cuja imagem é reproduzida e o detentor que é o proprietário ou possuidor do meio no qual a fotografia será divulgada.
A imagem foi ganhando importância na sociedade e passou a ser um direito de todo o ser humano no século XIX. Antes disso, não se falava sobre o direito à imagem ius imaginis
, o tema era pouco explorado pelos juristas. Aqueles que desejavam ter sua imagem captada eram obrigados a permanecer diante de um pintor ou escultor durante horas e às vezes dias até que a obra fosse concluída e não se cogitava diante desse prisma a reprodução em larga escala ou em série.
No século XIX com a invenção da fotografia, surge a possibilidade de reprodução em série de uma imagem, assim como a divulgação em grande escala de imagens captadas. A imagem pode então ser refletida através da fotografia, da caricatura, de um filme, de uma propaganda. É plausível dizer que a imagem não é obra em si, mas sua reprodução pode se tornar. Essas reproduções ou obras criativas inseridas na legislação dos direitos autorais refletem imagens que são incorporadas ao todo da obra e passam a fazer parte da criação tornando-se propriedade do autor que a criou, tanto quanto a obra geral.
Surge então a dificuldade ao se fotografar a imagem alheia, pois a imagem como emanação da própria pessoa e dos elementos visíveis que integram sua personalidade, segundo João Carlos Bianco¹² consiste no direito que a pessoa tem sobre a sua forma plástica, e sobre os caracteres que a individualizam dentre seus semelhantes. A reprodução da imagem, por via de conseqüência, somente pode ser autorizada pela pessoa a que pertence: o próprio fotografado
.
Tornou-se comum questionar como ficaria a imagem de determinada pessoa após a exposição pública. Na verdade, observa-se que os resultados da divulgação da imagem de uma pessoa podem levar a duas situações opostas: uma que se evidencia quando a exploração da imagem é positiva e ética, podendo auferir benefícios ao reproduzido e ao detentor do direito da exibição, outra pode ocorrer quando a veiculação tem o propósito de macular a imagem da pessoa, nestes casos as consequências podem ser desastrosas e até ferir o princípio jurídico da dignidade da pessoa humana.