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O Que Faz Você Feliz
O Que Faz Você Feliz
O Que Faz Você Feliz
E-book620 páginas4 horas

O Que Faz Você Feliz

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Sobre este e-book

Neste livro, Fabiano Vieira sintetiza os resultados de meio século de pesquisas científicas sobre o bem-estar subjetivo. Essas pesquisas se desenvolveram em meio aos departamentos de Economia e Psicologia das melhores universidades, com tratamentos estatísticos sofisticados e bases de dados cada vez maiores e mais abrangentes. A discussão parte da importância da genética no estabelecimento de padrões básicos de felicidade que teremos ao longo da vida. Discorre sobre a influência da idade, inteligência, personalidade, beleza, saúde e drogas. Estuda a importância do casamento e da sexualidade. Questiona como as aspirações sociais afetam nosso bem-estar. Em uma segunda parte, a obra investiga o impacto de variáveis macroeconômicas na felicidade, como a poupança, a renda, o trabalho, a desigualdade, o meio ambiente, a criminalidade, a renda, o desemprego e a inflação. Mostra-se a importância de se viver em um país estável, sem guerras, e com instituições sólidas e confiáveis. Por último, discute-se o papel da religião no bem-estar subjetivo e apresenta-se que, por vezes, a revelação do sentido da vida pode representar uma busca maior e mais importante do que a procura pela felicidade.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento9 de jan. de 2016
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    O Que Faz Você Feliz - Fabiano Vieira

    FABIANO MOURÃO VIEIRA

    O QUE FAZ VOCÊ FELIZ

    OS RESULTADOS DE MEIO SÉCULO DE PESQUISAS

    CIENTÍFICAS SOBRE O BEM-ESTAR SUBJETIVO.

    Curitiba

    Edição do Autor (2016)

    2

    SUMÁRIO

    1. INTRODUÇÃO.................................................................... .5

    2. GENÉTICA, IDADE, INTELIGÊNCIA E

    PERSONALIDADE............................................................... .19

    3. BELEZA, SAÚDE E DROGAS......................................... .38

    4. CASAMENTO E SEXUALIDADE................................... .53

    5. INTERAÇÕES SOCIAIS E ESTILOS DE VIDA............. .70

    6. ASPIRAÇÕES SOCIAIS E ADAPTAÇÃO....................... .85

    7. AUTOCONTROLE E ENFRENTAMENTO................... .103

    8. POUPANÇA, TRABALHO E EDUCAÇÃO................... .116

    9. DESIGUALDADE E COMPARAÇÃO SOCIAL............ .130

    10. MEIO AMBIENTE, URBANIZAÇÃO E

    CRIMINALIDADE.............................................................. .146

    11. PAÍSES E DEMOCRACIA............................................ .163

    12. RENDA, DESEMPREGO E INFLAÇÃO..................... .176

    13. RELIGIÃO E O SENTIDO DA VIDA........................... .192

    14. CONCLUSÕES.............................................................. .209

    REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.................................. 217

    3

    4

    1. INTRODUÇÃO

    A vida no mundo contemporâneo nos lembra, a todo

    instante, que devemos ser felizes. Não é só uma lembrança. Às

    vezes, é uma cobrança mesmo. Precisamos sorrir o tempo

    inteiro, quando estamos em público e demonstrar felicidade

    sempre que pudermos. Como a vida é cada vez mais pública e

    com menor privacidade, por conta das novas tecnologias

    sociais, a necessidade de estarmos felizes pode tanto ajudar

    como prejudicar. Pressionados pela família, pelos amigos e

    pelos colegas de trabalho, ou pela igreja e pela televisão, as

    pessoas apelam para toda sorte de amuletos, superstições,

    técnicas e crenças que prometam um acréscimo qualquer em

    seu bem-estar.

    Para quem quer dicas sobre o assunto, há mais de

    trezentos mil títulos de livros de autoajuda disponíveis nas

    estantes físicas e virtuais das livrarias. Se as fórmulas ou

    reflexões nesses livros fossem realmente eficazes, não

    precisaríamos de tantos títulos diferentes. A literatura é prolixa,

    na maioria das vezes, porque nunca foi descoberta a fórmula da

    felicidade. Mas a busca continua, como a procura de um Santo

    Graal, o cálice usado por Jesus na Última Ceia, capaz de

    devolver a paz ao reino humano. Enquanto ninguém o

    encontra, o número de livros de autoajuda só cresce.

    Obviamente, não existe fórmula para a felicidade. E,

    claro, este não é um livro de autoajuda. A felicidade é um

    assunto sério e não merece ser tratada sem método e rigor. Para

    nossa alegria, já temos os resultados de quarenta anos de

    pesquisa científica comprometida e rigorosa para ajudar a

    5

    refletir sobre o tema. É preciso reconhecer que as pesquisas

    realizadas têm muito mais a ensinar sobre o tema de modo

    profundo e rigoroso do que os milhares de volumes de

    autoajuda.

    Certamente devemos profundo respeito a todos os

    escritores de autoajuda que gastaram anos e anos se dedicando,

    com afinco, à reflexão sobre o tema e, depois, tentando ensinar

    o que aprenderam. Esses autores estudaram os aspectos

    práticos do assunto, explorando temas que a ciência não teria

    como adentrar. A ciência escrita não se dedica a refletir sobre

    as minúcias das relações humanas. É incapaz de auxiliar

    alguém a discutir o relacionamento com sua esposa, a superar

    uma separação, a aceitar uma doença incurável, a se erguer

    após um período de luto, a ajudar um amigo, a romper com um

    namoro ou a trocar de emprego. Os livros de autoajuda

    exploram uma área em que a ciência não pode entrar, por ser

    fria e objetiva. E, nessa tarefa, produzem muita confusão sobre

    o tema, ainda que como consequência indireta de bons

    motivos. Por isso, é preciso entender, com cuidado, o que afeta

    ou não afeta a felicidade, desconstruir mitos, falsear

    proposições arraigadas em nossa cultura, esclarecer relações

    causais confusas e separar os efeitos de muitas variáveis, por

    meio de um processo analítico que os livros de autoajuda, em

    seus esforços de síntese e de revelação, são incapazes de fazer.

    Por muito tempo a ciência desprezou o tema, felicidade,

    por considerar subjetivo demais. É relativamente fácil

    reproduzir um experimento em química, física ou biologia, o

    que permite, grosso modo, observações comuns e iguais em

    qualquer lugar em que o experimento for executado, seja nos

    Estados Unidos, na China ou no Brasil. Nas ciências humanas,

    a replicabilidade dos experimentos não é tão pura quanto nas

    ciências exatas, mas, ainda assim, é possível observar, de modo

    relativamente imparcial, um fenômeno, e a partir daí inferir

    leis, regras, previsibilidades e sistemas, criando uma ciência

    6

    relativamente objetiva. Mas aceitar como objeto de pesquisa

    válido a opinião das pessoas a respeito de sua própria

    felicidade e satisfação com a vida pareceu, durante muitas

    décadas, uma concessão demasiada a se pedir ao método

    científico consolidado nas universidades. O tema e a técnica de

    aferição da felicidade, por meio de questionários, só passaram

    a ser aceitos no âmbito científico quando os próprios dados

    colhidos demonstraram grande regularidade e poder explicativo

    do comportamento humano. Por meio dos efeitos da felicidade

    e da tristeza, muito estudados, pode-se confirmar e observar o

    fato de que, quando as pessoas alegam estar tristes, elas

    geralmente estão mesmo tristes e, quando afirmam estar

    felizes, elas geralmente estão mesmo felizes. Como os dados

    são subjetivos, eles revelam tendências, probabilidades, regras

    comuns e prováveis. É claro que existem exceções.

    Quando dizemos que o desemprego traz infelicidade, é

    óbvio que queremos indicar uma regra geral e não determinista.

    Na ciência esse é um modo bastante aceito de expressar as

    ideias. O leitor não acostumado com a literatura científica deve

    ficar atento, portanto, para o modo com o qual as asserções são

    feitas. Quando dizemos que pessoas casadas são mais felizes

    que pessoas solteiras, não queremos dizer que não existem

    casados mais infelizes do que solteiros nem que não existem

    solteiros mais felizes do que casados. A diversidade humana é,

    por certo, notável, mas por meio de médias é possível extrair

    regras gerais que indicam uma tendência. Os cuidados

    necessários para se entenderem as proposições apresentadas

    pelos estudos de felicidade não param por aí. Dizer que as

    pessoas casadas são mais felizes do que pessoas solteiras não

    revela, necessariamente, que casar traz felicidade. Como

    veremos, boa parte do efeito da felicidade no casamento reflete

    o fato de que pessoas mais felizes têm uma propensão maior a

    se casar.

    Boa parte da confusão que o conhecimento do lugar

    7

    comum, raso, sem método ou proveniente de impressões ou

    livros de autoajuda, provoca sobre o tema da felicidade,

    provém de uma confusão sobre causas e efeitos. Por exemplo, a

    observação superficial de que pessoas mais felizes são

    religiosas e sociáveis pode produzir uma regra ilusória de que

    frequentar festas e igrejas traz felicidade. Ignora-se, por vezes,

    o fato de que a lógica pode ser invertida, ou seja, pessoas

    felizes, quando comparadas com pessoas tristes, frequentam

    mais festas e igrejas. A ciência não deixa escapar os fatos mais

    óbvios e frequentes. Em linha com uma observação imparcial e

    menos subjetiva, é fácil imaginar que uma pessoa se sentindo

    bem queira conversar, brincar, ver gente e se divertir, enquanto

    alguém triste e deprimido escolha ficar em casa, para fazer

    alguma atividade sozinha e em paz.

    Tendo em vista que a felicidade é tão importante nos

    dias de hoje, é comum que culturas, produtos e instituições

    tentem se apropriar da felicidade como fruto das ideias,

    concepções ou objetos que veiculam ou vendem. Todo mundo

    quer ser dono da fórmula da felicidade. São igrejas que

    defendem que sem os seus deuses as pessoas não podem ser

    felizes. São agências de turismo que passam a imagem de que

    só se é feliz, mesmo, em uma praia no Caribe. São cervejarias

    que mostram que a alegria só é possível com um copo cheio.

    São instituições financeiras que tentam convencer os sujeitos

    de ideias absurdas, como ser necessário se endividar para ser

    feliz. São imobiliárias que prometem a felicidade por meio de

    um bairro melhor ou um quarto a mais. O resultado de tamanho

    excesso de mensagens que exageram em suas promessas é uma

    enorme confusão sobre aquilo que é mesmo importante para a

    felicidade. Por isso, a importância crucial de estudos que nos

    lembrem, por mais irônico do que possa parecer, do óbvio. É

    evidente que a experiência de um desemprego, de um luto, de

    uma separação ou de uma doença é muito mais impactante do

    que não poder ir ao Caribe nas férias ou não poder trocar de

    8

    celular ou comprar um carro zero quilômetro. Mas nem

    sempre, em nosso corrido e estressante dia a dia, recebendo

    tantas mensagens equivocadas e exageradas, lembramos do que

    é realmente importante.

    As pesquisas que usam metodologias científicas têm

    revelado que as pessoas não têm tanta dificuldade em se

    perceber e dizer se estão felizes ou tristes. Em princípio, as

    dúvidas seriam comuns para os sujeitos mais críticos, lógicos e

    questionadores, como é o caso dos cientistas e filósofos,

    usando a acepção coloquial do termo.

    De qualquer modo, tente esquecer, um pouco, o que

    você aprendeu sobre psicologia, economia ou filosofia na

    escola e pense, de maneira simples e direta, se você está ou não

    feliz no momento em que lê essas palavras. Evite duvidar se a

    felicidade existe ou questionar se é ou não possível responder

    um sim ou não. Se você achar difícil, reflita, então, sobre

    alguma pessoa próxima de você: a esposa, o namorado, a filha,

    o pai, o vizinho ou um amigo. Dependendo de como você é,

    parece mais fácil julgar a felicidade dos outros do que a sua

    própria. Quando avaliamos os outros, não escondemos nossos

    pensamentos. Já quando nós nos avaliamos, podemos mentir

    para nós mesmos ou querer ocultar alguma verdade de nossas

    palavras ou expressões. De qualquer forma, algum critério você

    deverá ter usado.

    Seja para avaliar a sua própria satisfação com a vida ou

    a dos outros, na maioria das vezes associamos a felicidade ao

    ânimo de uma pessoa. Quanto mais animada ela está, mais

    dizemos que ela está feliz. Mas o que é uma pessoa animada?

    Em geral, é um sujeito que sorri bastante, se movimenta com

    frequência, fala com mais intensidade e gosta do convívio

    social. Pense no contrário, visualizando a imagem de alguém

    desanimado. Seu semblante é sério, seus músculos da face

    estão caídos, seu corpo está sem movimento e prostrado.

    Também é uma pessoa que fala pouco e muitas vezes quer ficar

    9

    sozinha.

    Se você se recusa a pensar em pessoas, porque acha

    complexo demais o problema posto, pode imaginar os cães, por

    exemplo. Observe um cão que, depois de horas ou dias,

    reencontra seus donos. Essa é uma típica situação em que se

    reconhece o cão como feliz. Seu rabo move-se muito

    rapidamente, suas pernas produzem saltos, seu corpo inteiro se

    movimenta e ele produz latidos curtos e frequentes, com olhos

    abertos e respiração forte. Ao mesmo tempo, ele quer contato,

    quer ser visto e tocado. O cachorro é o animal mais humano de

    todos, por ser doméstico, porque gosta de estar do lado de

    alguém. Mas não só por isso. Ele manifesta o contentamento de

    modo facilmente reconhecível pelos humanos.

    Em princípio, não é preciso filosofar para discutir a

    felicidade. Descrever o comportamento de alguém reconhecido

    naturalmente como feliz parece ser suficiente. Mas as

    discussões que decorrem a partir daí, estas sim envolvem a

    ciência, a psicologia, a antropologia, a medicina, a economia e

    a filosofia, principalmente. Parece natural imaginar que todos

    nós queremos ser felizes, mas, desafortunadamente, não

    podemos tomar isso como um dado sem buscar entender as

    raízes de tal fenômeno.

    Sob certo prisma, ser feliz é melhor do que ser triste por

    causa de uma balança neuroquímica que nos traz prazer e a

    sensação de bem-estar quando estamos felizes, e dor e mal-

    estar quando estamos tristes. Não podemos esquecer que existe

    um cérebro por trás de nossas emoções, caso contrário teremos

    de buscá-las em algum ente imaterial, como o espírito ou a

    alma. Parece natural pensar que, se pudéssemos escolher, todos

    optariam por nascer e morrer felizes.

    Será que estamos destinados a buscar a felicidade? Ou

    podemos encontrar paz na tristeza? Embora dificilmente

    alguém optaria, em sã consciência, de modo racional, em uma

    análise rasa, ser infeliz ao invés de ser feliz, na prática isso

    10

    pode ocorrer,sim. Assim como plantas, bactérias ou insetos,

    estamos programados geneticamente para sobreviver e nos

    reproduzir. Não se trata apenas de nossa sobrevivência e

    reprodução, mas de manter viva nossa família, nossa

    comunidade e nossa humanidade. A pessoa triste pode ser útil

    na luta pela sobrevivência. Pessoas tristes são mais

    preocupadas e conseguem, deste modo, ser mais responsáveis e

    capazes de antecipar os problemas potenciais da vida. São os

    mais preocupados que constroem as casas mais sólidas e os

    maiores estoques de alimentos, capazes de tolerar secas

    prolongadas, enchentes, nevascas e períodos de escassez de

    víveres.

    Por óbvio, existe algum limite ótimo na tristeza.

    Enquanto um nível moderado de preocupações e ideias

    pessimistas parece excelente para um bom planejamento e

    tomada de decisões favoráveis à comunidade, uma pessoa

    excessivamente triste se torna um fardo, porque é incapaz de

    trabalhar e de contribuir, em última instância, para a

    sobrevivência do grupo.

    Se perguntássemos em nossa volta sobre o tema, todo

    mundo gostaria de ser muito feliz, não apenas moderadamente

    feliz. Mas ser excessivamente feliz também causa muitos

    problemas. Pessoas felizes demais, como se pode observar

    dentre aqueles que vivem fases de êxtase na bipolaridade, são

    irresponsáveis, gastam muito dinheiro, não se preocupam com

    o amanhã, fazem planos mirabolantes e irrealizáveis. A

    felicidade excessiva conduz a uma péssima administração dos

    recursos, o que representa uma ameaça à sustentabilidade de

    qualquer grupo social.

    Para o sucesso humano, portanto, o ideal é mesclar a

    felicidade e a tristeza, tanto em nível individual como em nível

    coletivo. No mundo contemporâneo, no entanto, há muito

    desprezo pelas pessoas pessimistas e depressivas, porque se

    imagina que elas sejam nocivas para as organizações e

    11

    sociedades. Em verdade, as sociedades deveriam agradecer a

    existência desses sujeitos, porque contribuem para um nível

    adequado de tristeza coletiva às suas próprias custas,

    permitindo que muitos possam ser felizes, sem apresentar

    maiores riscos para a coletividade. Sempre precisará haver

    algumas pessoas moderadamente tristes para abrir espaço para

    a felicidade da maioria. Em princípio, o que se deve buscar é o

    maior nível de felicidade ou bem-estar coletivo compatível

    com o sucesso humano.

    Ao que parece, a felicidade está associada justamente ao

    quanto obtivemos de sucesso humano. Mas o que é tal sucesso,

    em termos biológicos? É a própria reprodução da espécie

    humana, tanto em nível individual como em nível coletivo. O

    nascimento, a coroação do fato de que a vida segue adiante, é o

    ponto máximo da felicidade e sucesso humano, enquanto a

    morte é a representante maior de seu fracasso. Por isso a

    alegria que traz um bebê e a tristeza de uma morte de alguém

    querido. Como a reprodução também é uma tarefa coletiva,

    ajudar os outros a viver e a se reproduzir também deve ser

    fonte de felicidade.

    Para que a sociedade se reproduza, as pessoas precisam

    trabalhar para obter recursos essenciais à continuidade da vida.

    Há mais de dez mil anos, as pessoas caçavam e pescavam para

    sobreviver. Hoje elas precisam de empregos. Todavia, os

    instintos não mudaram. A alegria de se abater uma grande caça

    é semelhante à comissão que um vendedor obteve após fechar

    uma venda volumosa. Ambas significam a garantia da

    sobrevivência por um bom tempo sem se preocupar.

    Se tudo, de certa forma, parece ser uma questão

    matemática, de sinais positivos e negativos e de quantidades

    neuroquímicas, é fácil postular a transitividade de todos os

    fatores que trazem a felicidade ou sua oposição, a tristeza. Isso

    é especialmente importante nos estudos sobre o bem-estar,

    porque deste modo se descobrem as causas inversas. Por

    12

    exemplo, se provo que uma grande caça produz prazer e

    satisfação, então posso postular que voltar de uma caça com

    mãos vazias é motivo de tristeza. O exemplo em tela é bem

    comum em relatos etnográficos: o homem sai de manhã para

    caçar e volta envergonhado e cabisbaixo à casa se não teve

    sucesso em sua empreitada. Não se trata apenas de aplacar a

    sua fome, que pode ser amenizada com um punhado de farinha

    insossa, mas de garantir a boa saúde de sua família, que

    representa o que nós estamos chamando de sucesso humano. A

    tristeza, a culpa e a vergonha turbinam o pensamento reflexivo,

    fazem a pessoa ver mais longe, revisar cada uma de suas ações

    pregressas para perceber onde errou e, assim, aprimorar suas

    faculdades de caça para aumentar a probabilidade de sucesso

    no dia seguinte.

    Às vezes há certo exagero em se pensar o que foi que

    deu errado. Outras vezes há períodos em nossas vidas em que

    muitas coisas, de fato, dão errado em sequência ou ao mesmo

    tempo. De um terceiro modo, nossa neuroquímica pode estar

    desequilibrada, com falta de neurotransmissores, inibidores,

    recaptadores e outras moléculas. Daí, emergem os quadros

    depressivos, que aparecem como tristezas disfuncionais, que

    não ajudam nem o indivíduo nem a sociedade. A pessoa perde

    o domínio sobre o que e como pensar, seus pensamentos

    ganham autonomia sobre os fatos e o mundo parece se inverter.

    Perdas excessivas e contínuas de algo sem o encontro

    de uma solução satisfatória podem induzir à depressão, assim

    como o inverso também é verdade, quadros depressivos podem

    levar ao desencontro de soluções satisfatórias. O difícil de se

    entender, quando se analisam os processos mentais, é

    justamente a via causal de mão dupla que o cérebro dá. O

    estado depressivo reforça o pensamento depressivo, como se

    produzisse o próprio combustível para mais depressão, a ponto

    de o cérebro parecer ganhar vida própria e não responder mais

    aos fatos externos. Como nesse ramo o inverso, na maioria das

    13

    vezes, também é válido, algo semelhante acontece nos estados

    eufóricos. O pensamento excessivamente excitado põe mais

    lenha na fogueira da euforia, sendo que nem mesmo dívidas,

    perdas de emprego ou brigas familiares são suficientes para

    sacar o indivíduo do mundo da alegria excessiva.

    A grande matemática da felicidade aconselha seguirmos

    o caminho do meio, nos mesmos moldes que nos alertou

    Aristóteles há dois mil anos. Precisamos cuidar de nunca

    adentrarmos nos mundos sombrios dos humores extremos, ao

    mesmo em tempo que devemos usar a felicidade como guia de

    nossas vidas, como fonte de sentido, sem nos esquecer de fazer

    bom uso dos períodos tristes para aprofundar nossa reflexão e

    ampliar nossa sensação de sentido, que por certo contribuem

    para aumentar o nível geral de satisfação com a vida.

    De qualquer modo, é preciso reconhecer que muito do

    que sabemos sobre a felicidade provém justamente do estudo

    sobre a infelicidade. Embora seja nebuloso descobrir as

    nuances que diferenciam as pessoas muito felizes, o drama

    observável das pessoas muito infelizes que cometem suicídios

    ou não conseguem se levantar de seus leitos, trazem fontes

    muito seguras de conhecimento. A busca pela felicidade, que se

    tornou fundamental como norte das políticas públicas e dos

    planejamentos pessoais, não passa, necessariamente, por

    revelar somente as experiências boas da vida, mas também

    exige conhecer como superar as fases ruins.

    Como se verá ao longo dos capítulos, as pesquisas sobre

    a satisfação com a vida, em cada um dos tópicos abordados,

    parecem recordar o que nós já sabemos. É estranho escrever ou

    ler um livro sobre um assunto que, depois de lido, faz parecer

    que nós já o dominávamos. Mas com tantas distrações e ideias

    erradas nos ocupando a mente, esse exercício, de relembrar e se

    desapegar das ilusões, de criticar as falsas imagens, afastar

    fantasmas e denunciar os ídolos estranhos, é fundamental para

    uma vida fácil e saudável. As decisões tornam-se mais fáceis;

    14

    as rotinas, mais leves; o convívio social e familiar, mais

    agradável.

    Nossa genética nos presenteia com um nível

    determinado de felicidade, maior ou menor, em torno do qual

    oscilamos ao longo da vida, para cima ou para baixo. Não é

    preciso ser nenhum doutor da observação e do tratamento de

    dados extensos para concordar que os genes exercem enorme

    influência. Pensemos nos amigos de infância, em primos ou

    colegas de escola, que conhecemos desde a adolescência.

    Alguns são mais animados, sociáveis e felizes, enquanto outros

    são mais quietos, pensativos, antissociais e soturnos. Quando

    os vemos anos depois, eles continuam, aproximadamente, com

    pequenas variações temporárias, do mesmo jeito, alegres ou

    tristonhos. Para o bem ou para o mal, dificilmente ocorrem

    grandes revoluções pessoais que mudam para sempre o nível

    de felicidade das pessoas. Quando isso acontece, trata-se de um

    milagre, um evento raro, improvável, que vai de encontro ao

    senso comum e a lógica com a qual estamos habituados. Tudo

    tende ao equilíbrio, aquele mesmo ponto ou nível de satisfação

    que conhecemos desde a adolescência. Embora lamentemos

    que a felicidade de um amor, de um carro novo, de um

    reconhecimento no trabalho, de um diploma tão esperado ou de

    um presente singelo não dure para sempre, sentimo-nos

    seguros, confiantes e esperançosos assim mesmo, porque temos

    a certeza de que os revezes também terão seu tempo de

    validade. E para sobrevivermos, é preferível um mundo em que

    os efeitos das novidades passam a um universo em que os

    traumas, os pesadelos, as perdas, os sofrimentos não tenham

    fim. Nosso cérebro, para reduzir as chances de que caiamos em

    algum inferno impossível de sair, encurta nossa memória,

    assim nos cobrando o decaimento dos afetos positivos de

    nossas alegrias. Como as punições, as coisas ruins que

    acontecem conosco gravam com muito mais força e nitidez em

    nossas conexões neuronais do que os bons eventos e as

    15

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