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Administração escolar: introdução crítica
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E-book316 páginas4 horas

Administração escolar: introdução crítica

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Sobre este e-book

O consagrado clássico da gestão escolar no Brasil, agora mais próximo do educador e do estudioso de administração e política educacional. Edição revista e ampliada, em que o autor atualiza seu pensamento e facilita a compreensão de pontos polêmicos com comentários à margem do texto e questões no final de cada capítulo para orientar a leitura.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento9 de ago. de 2022
ISBN9786555552508
Administração escolar: introdução crítica

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    Administração escolar - Vitor Henrique Paro

    CAPÍTULO I

    O conceito de administração em geral

    Para os modernos teóricos da Administração, a sociedade se apresenta como um enorme conjunto de instituições que realizam tarefas sociais determinadas.¹ Em virtude da complexidade das tarefas, da escassez dos recursos disponíveis, da multiplicidade de objetivos a serem perseguidos e do grande número de trabalhadores envolvidos, assume-se a absoluta necessidade de que esses trabalhadores tenham suas ações coordenadas e controladas por pessoas ou órgãos com funções chamadas administrativas. Essa visão dos teóricos da Administração tem correspondência na realidade concreta da sociedade capitalista, onde a Administração encontra, na organização, seu próprio objeto de estudo.² Nesse contexto, acha-se obviamente a escola que, como qualquer outra instituição, precisa ser administrada, e tem na figura de seu diretor o responsável último pelas ações aí desenvolvidas.³

    Parece razoável, portanto, que nossa introdução ao estudo crítico da Administração Escolar comece por explicitar a natureza da própria atividade administrativa.

    A administração como é entendida e realizada hoje é produto de longa evolução histórica e traz a marca das contradições sociais e dos interesses políticos em jogo na sociedade. Por isso, para melhor compreender sua natureza, é preciso examiná-la, de início, independentemente de qualquer estrutura social determinada. Isso implica examinar o conceito de administração em geral, ou seja, a administração abstraída de seus determinantes sociais que, sob o capitalismo, por exemplo, configuram a chamada administração capitalista. Mas, aí, não se trata, já, de administração em seu sentido apenas geral, e sim administração historicamente determinada pelas relações econômicas, políticas, sociais, que se verificam sob o modo de produção capitalista. Não que a administração possa existir concretamente a não ser determinada historicamente; apenas que, sob outras relações de produção, outros serão os determinantes e outra será a forma como se apresenta concretamente a administração. Daí a importância de examiná-la em sua concepção mais simples, ou seja, abstraindo as determinações historicamente situadas. Só assim se pode captá-la em sua essência, no que ela tem de específico, independentemente das múltiplas determinações sociais que sobre ela agem concretamente. Captada a sua especificidade (ou seja, sua forma geral, aquela que é comum a todo tipo de estrutura social), é possível identificar quais os elementos que, em sua existência concreta, se devem às determinações históricas próprias de um dado modo de produção. Em uma perspectiva de transformação social, é possível, além disso, raciocinar em termos dos elementos dos quais esta forma, historicamente determinada numa sociedade de classes, precisa ser depurada para que, numa sociedade mais avançada, se possa pô-la a serviço de propósitos não autoritários.

    Iniciando, pois, por considerá-la em seu sentido geral, podemos afirmar que a administração é a utilização racional de recursos para a realização de fins determinados. Assim pensada, ela se configura, inicialmente, como uma atividade exclusivamente humana, já que somente o homem é capaz de estabelecer livremente objetivos a serem cumpridos. O animal também realiza atividade, mas sua ação é qualitativamente diversa da ação humana, já que ele não consegue transcender seu estado natural, agindo apenas no âmbito da necessidade.

    Uma aranha executa operações semelhantes às do tecelão, e a abelha envergonha mais de um arquiteto humano com a construção dos favos de suas colmeias. Mas o que distingue, de antemão, o pior arquiteto da melhor abelha é que ele construiu o favo em sua cabeça, antes de construí-lo em cera. No fim do processo de trabalho obtém-se um resultado que já no início deste existiu na imaginação do trabalhador, e portanto idealmente. Ele não apenas efetua uma transformação da forma da matéria natural; realiza, ao mesmo tempo, na matéria natural seu objetivo, que ele sabe que determina, como lei, a espécie e o modo de sua atividade e ao qual tem de subordinar sua vontade. (MARX, 1983, p. 149-150, v. 1, t. I)

    Porque se propõe objetivos, o homem precisa utilizar racionalmente os meios de que dispõe para realizá-los. A atividade administrativa é, então, não apenas exclusiva mas também necessária à vida do homem. O animal, como ser indiferenciado da Natureza⁴, não realiza trabalho humano, já que não busca objetivos livremente, colocando-se, portanto, no âmbito da pura necessidade. Não se coloca para ele, portanto, o problema da utilização racional de seus recursos, já que suas ações são previamente determinadas pela Natureza, de modo necessário e imutável para cada espécie. O homem também faz parte da Natureza, mas consegue diferenciar-se dela por sua ação livre. Ele só é homem porque transcende sua situação natural (cf. SAVIANI, 1978, p. 30-65). Essa transcendência se dá à medida que ele busca realizar, por meio da ação racional, os objetivos a que se propõe.

    É conveniente, entretanto, explicitar melhor, ainda que de forma provisória,⁵ o que devemos entender por utilização racional de recursos. A palavra racional vem do latim ratio, que quer dizer razão. Assim, se se tem um fim em mente, utilizar racionalmente os recursos (utilizá-los de acordo com a razão) significa, por um lado, que tais recursos sejam adequados ao fim a que se visa; por outro, que seu emprego se dê de forma econômica.⁶ Essas duas dimensões estão intimamente relacionadas. Adequação aos fins significa, primeiramente, que, dentre os meios disponíveis, há que selecionar aqueles que mais se prestam à atividade ou atividades a serem desenvolvidas com vistas à realização de tais fins. Além disso, como são múltiplos os usos a que eles geralmente se prestam, a combinação e o emprego dos recursos precisam estar permanentemente impregnados do objetivo a ser alcançado, ou seja, tal objetivo deve estar sempre norteando as ações para que não ocorram desvios em sua realização. A consideração desses desvios aponta, já, para a segunda dimensão da utilização racional dos recursos, ou seja, a dimensão econômica. Esta se faz presente à medida que o alcance dos objetivos se concretiza no menor tempo possível e com o dispêndio mínimo de recursos.

    Os recursos de que estou falando envolvem, por um lado, os elementos materiais e conceptuais que o homem coloca entre si e a Natureza para dominá-la em seu proveito; por outro, os esforços despendidos pelos homens e que precisam ser coordenados com vistas a um propósito comum. Têm a ver, por um lado, com as relações do homem com a Natureza, por outro, com as relações dos homens entre si. Essas duas ordens de relações não são de modo nenhum desvinculadas uma da outra, existindo, pelo contrário, em mútua interdependência. Por motivos didáticos, porém, vou tratá-las, tanto quanto seja possível, em separado, tentando estabelecer, ao mesmo tempo, as implicações que tem cada uma delas, e ambas conjuntamente, com o conceito de administração.

    O homem relaciona-se com a Natureza pelo trabalho. O trabalho, como atividade orientada a um fim (Marx, 1983, p. 150, v. 1, t. I), é um processo pelo qual o homem se apropria da Natureza, submete-a a sua vontade, domina-a em seu proveito, para produzir sua existência material. Ao dar forma útil aos recursos naturais, o homem coloca frente à Natureza suas próprias forças naturais. Nesse processo não transforma apenas a Natureza externa mas também sua própria natureza (Marx, 1983, p. 149, v. 1, t. I; Gramsci, 1978a, p. 39-40). Essa relação do homem com a Natureza não se dá, entretanto, de forma imediata. Mediando a relação, entre o homem e a matéria a que ele aplica seu trabalho, ou seja, o objeto de trabalho, existem os meios de trabalho. No dizer de Karl Marx,

    O meio de trabalho é uma coisa ou um complexo de coisas que o trabalhador coloca entre si mesmo e o objeto de trabalho e que lhe serve como condutor de sua atividade sobre esse objeto. Ele utiliza as propriedades mecânicas, físicas, químicas das coisas para fazê-las atuar como meios de poder sobre outras coisas, conforme o seu objetivo. (MARX, 1983, p. 150, v. 1, t. I)

    Comentário 3 — O conceito apresentado aqui é o de trabalho em geral, ou seja, segundo Karl Marx, o processo de trabalho independentemente de qualquer forma social determinada (Marx, 1983, p. 151, v. 1, t. I). Observe-se que, ao iniciar com a discussão da administração em geral, estou procedendo metodologicamente da mesma forma que fez Marx com o conceito de trabalho, antes de considerá-lo no contexto do modo de produção especificamente capitalista, como veremos mais adiante.

    Num sentido lato, porém, Marx considera meios de trabalho todas as condições objetivas necessárias à realização do processo de trabalho. Incluem-se, aí, já, não apenas os elementos materiais, como ferramentas, instrumentos, máquinas, de que o homem se utiliza diretamente para modificar o objeto de trabalho de acordo com seus objetivos, mas também aqueles meios, como estradas, edifícios das fábricas, etc., que participam só indiretamente do processo de trabalho mas sem os quais esse processo fica total ou parcialmente comprometido. Além disso, tanto meio quanto objeto de trabalho, quando considerado o processo inteiro do ponto de vista de seu resultado, do produto, se apresentam como meios de produção (MARX, 1983, p. 151, v. 1, t. I). São meios de produção, portanto, todos os elementos materiais que, direta ou indiretamente, participam do processo de produção.

    Comentário 4 — Importante aqui evitar a confusão, muito comum, entre meios de trabalho e meios de produção. Os primeiros identificam-se com instrumentos de produção (ou instrumentos de trabalho), enquanto os segundos incluem instrumento de produção mais objeto de trabalho. É bom acrescentar, desde já, que, como veremos no próximo capítulo, objeto de trabalho que já possui trabalho humano incorporado denomina-se matéria-prima.

    Ao lado desses elementos materiais, o homem faz uso também daquilo que estou denominando recursos conceptuais, que consistem nos conhecimentos e técnicas que ele acumula historicamente. No início da civilização, os conhecimentos que o homem tem a respeito da natureza são bastante incipientes, o mesmo acontecendo com as técnicas com as quais ele conta para modificar essa natureza de acordo com seus fins. Com o passar do tempo, porém, e como resultado de sua ação constante sobre a natureza e de suas relações recíprocas, os homens vão podendo acumular conhecimentos em quantidade cada vez mais significativa, o mesmo acontecendo com as técnicas que vão aos poucos se sofisticando e possibilitando o domínio cada vez mais efetivo sobre a natureza. Também seu instrumental de trabalho, que, no início, era bastante simples e rudimentar, vai ganhando complexidade crescente e possibilitando maior eficiência no processo de trabalho.

    Comentário 5 — No Capítulo II (Comentário 25, p. 135) será feita menção aos cuidados que se devem ter com esta expressão, para não se entender que o conhecimento, o saber, ou a cultura sejam simplesmente acumulados, sem se referir ao seu processo de construção histórica.

    No que se refere à relação do homem com a natureza, e de acordo com o conceito de administração que estamos examinando, esses recursos materiais e conceptuais precisam ser utilizados de maneira racional com vistas à realização de objetivos. O que quer dizer que o homem age tanto mais administrativamente quanto mais ele conjuga seus conhecimentos e técnicas, os faz avançar e os aperfeiçoa, na utilização de seus meios de produção.

    Nessa relação do homem com a natureza, em que ele, na busca de objetivos, precisa utilizar racionalmente seus recursos materiais e conceptuais, revela-se todo um campo de interesse teórico-prático da administração que, na falta de nome mais apropriado, chamo de racionalização do trabalho. É importante observar, de imediato, que essa expressão não tem aqui o mesmo sentido de seu uso corrente na sociedade capitalista. Quando o senso comum e a teoria burguesa de administração falam em racionalização do trabalho, estão se referindo a sua forma historicamente situada, mesmo quando (conscientemente ou não) pretendem elevar tal forma à categoria de universalidade. Entretanto, ao tratar do conceito de administração em geral, estou preocupado, aqui, com a racionalização do trabalho em sua forma também geral. Por isso, procuro dar-lhe o sentido preciso que a identifica com as ações, processos e relações que, no âmbito da administração, dizem respeito à utilização racional dos recursos materiais e conceptuais. A racionalização do trabalho engloba, pois, as relações homem/natureza no interior do processo de administração. Voltaremos oportunamente a este tema.

    Tratemos agora do segundo tipo de relações que têm lugar no processo de produção material da existência humana, ou seja, das relações que os homens estabelecem entre si. Ao relacionar-se com a natureza, o homem não o faz como indivíduo isolado, mas em contato permanente com os outros homens. O relacionar-se dos homens entre si é condição essencial da existência humana. Marx e Engels assim se expressaram a respeito da inevitabilidade dessas relações:

    Os indivíduos partiram, sempre e em quaisquer circunstâncias, "deles próprios", mas eles não eram únicos no sentido de que não podiam deixar de ter relações entre si; pelo contrário, as suas necessidades, portanto a sua natureza, e a maneira de as satisfazer, tornava-os dependentes uns dos outros (relação entre os sexos, trocas, divisão do trabalho): era portanto inevitável que se estabelecessem relações entre eles. [...] Verifica-se, de fato, que o desenvolvimento de um indivíduo está condicionado pelo de todos os outros, com quem se encontra em relações diretas ou indiretas. [...]. (MARX; ENGELS, 1975b, p. 300-301, v. 2, grifos no original)

    Essas relações se manifestam de modo particular no processo de trabalho, por força quer da própria natureza do processo de produção no qual estão normalmente envolvidas mais de uma pessoa, quer na destinação dos produtos desse processo, na sociedade. Por um lado, no interior do processo de produção, a atividade humana não se dá, via de regra, de maneira isolada, existindo, em vez disso, uma conjugação das atividades de todos os indivíduos envolvidos. Não que seja impossível imaginar um produtor isolado realizando todas as etapas de seu empreendimento. Desde as épocas mais primitivas, entretanto, os homens perceberam, por força da inevitabilidade de suas relações recíprocas, que os objetivos a que se propunham podiam ser atingidos mais efetivamente e com economia de recursos quando, em lugar de agirem isoladamente, suas ações fossem conjugadas na busca de objetivos comuns. Por outro lado, a divisão social do trabalho, existente nas sociedades onde vigora a troca entre produtores privados, já pressupõe as relações entre esses produtores. Se alguém se dedica a produzir determinado artigo para trocá-lo por outros produtos necessários a sua subsistência, é evidente que isso só se torna possível a partir de seu relacionamento com outros produtores. O que é importante salientar, entretanto, é que esse caráter social do trabalho já está presente no momento mesmo em que o processo de trabalho se dá. Nesse momento, o produtor privado já antevê a troca, e por isso procura produzir um artigo que não apenas tenha uma forma útil, de modo a satisfazer necessidades de outras pessoas, mas também seja permutável por outros artigos, de modo a atender a suas necessidades particulares (MARX, 1983, p. 71-72, v. 1, t. I).

    Seja no interior do processo de produção, seja no contexto da divisão social do trabalho, as relações dos homens entre si para produzirem sua existência material envolvem a utilização de esforço humano. Apenas se lhes for associado esse recurso, os elementos materiais e conceptuais interpostos entre o homem e a natureza podem concorrer para a realização de fins determinados. Assim sendo, a utilização racional de recursos deve incluir, além dos elementos materiais e conceptuais, o emprego econômico e a devida adequação aos fins de todo esforço humano despendido no processo.

    A administração, entretanto, não se ocupa do esforço despendido por pessoas isoladamente, mas com o esforço humano coletivo.

    Comentário 6 — Aqui se trata, na verdade, de uma força de expressão para enfatizar a importância do esforço humano coletivo e o fato de que a administração não se basta na ação de pessoas isoladamente. Nada impede, porém, que, em termos gerais, se apliquem a uma ação isolada os princípios da utilização racional de recursos próprios da ação administrativa.

    A atividade administrativa é uma atividade grupal. As situações simples, nas quais um homem executa e planeja o seu próprio trabalho, lhe são familiares; porém, à medida que essa tarefa se expande até o ponto em que se faz necessário o esforço de numerosas pessoas para levá-la a cabo, a simplicidade desaparece, tornando necessário desenvolver processos especiais para a aplicação do esforço organizado em proveito da tarefa do grupo. (CHIAVENATO, 1979, p. 179, v. 2, grifos no original)

    À utilização racional desse esforço humano coletivo, chamo de coordenação do esforço humano coletivo ou simplesmente coordenação.⁸ Também aqui o termo tem significado especial, diverso daquele encontrado na literatura sobre administração. Utilizo a palavra coordenação muito precisamente para indicar o campo de interesse teórico-prático da administração que diz respeito ao emprego racional do esforço humano coletivo. Enquanto a racionalização do trabalho se refere às relações homem/natureza, no processo administrativo, a coordenação tem a ver, no interior desse processo, com as relações dos homens entre si.

    A administração pode ser vista, assim, tanto na teoria quanto na prática, como dois amplos campos que se interpenetram: a racionalização do trabalho e a coordenação. Isto não significa, entretanto, que a atual Teoria da Administração assim os considere. Até porque, em uma sociedade de classes, o próprio objeto de estudo de determinada disciplina ou ciência tende a se amoldar aos interesses dominantes. No caso da Administração, teremos oportunidade de constatar, mais adiante, que houve uma delimitação restritiva de seu campo, que atendeu a conveniências dos grupos detentores do poder na sociedade. Todavia, no sentido amplo em que está sendo aqui examinada, e para os propósitos de tal análise, considero satisfatório organizar os problemas de administração sob as rubricas de racionalização do trabalho e de coordenação, levando em conta, respectivamente, os elementos materiais e conceptuais, de um lado, e o esforço humano coletivo, de outro.

    Na busca de determinado objetivo ou conjunto de objetivos, esses dois tipos de recursos encontram-se em mútua dependência, não podendo, na prática, ser separados: os elementos materiais e conceptuais não cumprem sua função no processo se não estiverem associados ao esforço humano coletivo; da mesma forma, o esforço humano coletivo necessita dos elementos materiais e conceptuais para ser aplicado racionalmente. Cada um desses dois grupos de recursos, entretanto, possui sua especificidade, que permite, em termos teóricos, identificá-los separadamente. Enquanto os elementos materiais e conceptuais dizem respeito à relação do homem com a natureza, servindo como mediação nessa relação, o esforço humano coletivo refere-se às relações que os homens são levados a estabelecer entre si para que o processo se realize.

    Observe-se que esse agrupamento dos recursos, com base nas relações do homem com a natureza e com os outros homens, não coincide com a abordagem que reúne, de um lado, os recursos naturais e, de outro, os recursos humanos. Quanto aos recursos naturais, não há nenhuma distinção a fazer, já que podem ser considerados como sinônimo de recursos materiais. A grande diferença surge quando se trata dos chamados recursos humanos. Se por esta expressão entendermos aqueles recursos que são inerentes ao homem — recursos humanos, portanto, como sinônimo de recursos do homem —, então temos, por um lado, que os elementos conceptuais, que na classificação que estou considerando encontram-se ao lado dos recursos materiais (ou naturais), são eles nitidamente recursos humanos, ou recursos do homem, no sentido de que só este é capaz de criar novas técnicas, produzir novos conhecimentos e acumulá-los historicamente. Por outro lado, também o esforço humano, por força da especificação imposta pelo próprio qualificativo, constitui, obviamente, um recurso humano. Se, entretanto, a expressão pretender referir-se às próprias pessoas envolvidas no processo, então ela não terá lugar na classificação apresentada, já que, aí, não parto do homem como recurso, como meio, mas essencialmente como fim.

    Considerar o homem como fim implica tê-lo como sujeito e não como objeto no processo em que se busca a realização de objetivos. Como ficou dito anteriormente, ao relacionar-se com a natureza, o homem o faz como ser diferenciado dela, que a domina, modificando-a em seu benefício. Somente a partir desse domínio sobre o natural pode o homem produzir sua existência sobre a Terra, perpetuando-se como realidade que se destaca dela, ou seja, como realidade humana. Não haveria necessidade da palavra humano se o homem permanecesse indiferenciado da natureza, dominado pela necessidade própria a ela. É, pois, a partir de seu domínio sobre a natureza que o homem se faz, se torna humano. Reconhecer essa evidência, implica, consequentemente, reconhecer que as relações entre os homens não podem ser de dominação, sob pena de se perder sua característica humana, quer dizer, característica de seres diferenciados do mundo meramente natural. Se eu, diante da natureza, me reconheço homem pelo domínio que tenho sobre ela, ao deparar-me com meu semelhante, devo obrigatoriamente reconhecer-lhe essa mesma condição. Se o domino, reduzo-o, nessa perspectiva, à condição meramente natural, ou seja, a um ser dominado como a natureza o é por mim. Toda vez, portanto, que se verifica uma dominação sobre o homem, degrada-se-lhe sua condição de humano para a condição de coisa, identificando-se-lhe, portanto, ao natural, ao não humano. Esta é, portanto, uma propriedade fundamental da relação dos homens entre si que, para ser verdadeiramente humana, verdadeiramente destacada da necessidade natural, precisa ser de cooperação e não de dominação (cf. SAVIANI, 1980a, p. 40-41).

    Assim sendo, para efeito do sentido amplo que estou dando à noção de administração, a expressão recursos humanos — que, embora na linguagem do senso comum e da chamada Teoria Geral da Administração, seja, no mais das vezes, empregada, explícita ou implicitamente, para se referir às próprias pessoas como recursos utilizados para atingir objetivos de outros — esta expressão recursos humanos precisa ser entendida no sentido específico de recurso do homem e não do homem como recurso. Quando se utiliza o próprio homem como recurso, não se está no âmbito da administração em geral, mas no da administração como é realizada em uma estrutura social determinada, na qual o ser humano acaba sendo tratado não como homem, mas como simples parte indiferenciada da

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