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O trabalho docente: avaliação, valorização, controvérsias
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E-book339 páginas2 horas

O trabalho docente: avaliação, valorização, controvérsias

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Sobre este e-book

A questão da valorização social de professores tem se centrado em aspectos idealizados da profissão e em aspectos de sua carreira e salário, questões importantes, porém não únicas a considerar quando se trata de atribuição de valor profissional. A construção social de valor profissional é perpassada também por aspectos ligados às práticas profissionais concretizadas em contextos diversos nos quais a profissão se insere e pela percepção dos aspectos de formação a ela associados. Portanto, essa valorização tem componentes associados à formação desses profissionais enquanto detentores de cultura, de conhecimentos e de formas de agir a partir de capacidades profissionais específicas que conduzem a uma ação que pode ser caracterizada como comprometida com o desenvolvimento efetivo das crianças e jovens em sua escolarização. Vários aspectos envolvem a compreensão dessa questão, entre eles aspectos avaliativos do trabalho docente. Polêmicas colocam-se aqui e este livro pretende aprofundar as discussões sobre os fatores associados ao trabalho docente e sua avaliação e as grandes controvérsias que esta tem gerado.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento1 de fev. de 2021
ISBN9786588717080
O trabalho docente: avaliação, valorização, controvérsias

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    O trabalho docente - Bernardete A. Gatti

    Organizadora

    Capítulo I

    Avaliação de desempenho de professores

    pressupostos e abordagens

    Adriana Bauer *

    O presente capítulo tem como objetivo discutir pressupostos, possibilidades e limites inerentes à realização da avaliação de docentes, tratando as abordagens mais comuns a esse tipo de avaliação.

    Inicialmente, examina-se a emergência desse tipo de avaliação nas políticas públicas educacionais da atualidade. Em um segundo momento, retomam-se diferentes propósitos da avaliação docente em uma revisão teórica baseada em autores como Millman (1981), Stronge (s/d.), Gatti (2011) e Darling-Hammond (1990), comparando e contrastando seus diferentes aspectos. São discutidos, ainda, dois conceitos centrais para o debate de avaliação de profissionais, a saber: mérito e valor. Essa revisão teórica busca subsidiar a discussão de possíveis relações existentes entre avaliação interna e externa dos professores, ressaltando distintos objetivos a elas inerentes. O mapeamento de algumas abordagens avaliativas comumente utilizadas se baseia em estudos realizados por Schulmeyer (2002), Torrecilla (2006) e Isoré (2009) sobre a temática.

    Avaliação docente e Estado avaliador: mudanças nos paradigmas de gestão educacional

    Nessa seção, busca-se analisar aspectos da conjuntura sociopolítica dos últimos 25 anos com o objetivo de desvelar algumas de suas possíveis implicações para o panorama educacional que tem se delineado desde o final do século XX, a fim de compreender e reinterpretar algumas das decisões tomadas na esfera educacional, principalmente no que se refere à implantação e consolidação de políticas de avaliação de docentes no Brasil.

    Diversos autores apontam que mudanças introduzidas nos meios de produção e acumulação de capital, desde a década de 1980, resultam em modificações sociais e culturais, que levam a questionamentos sobre a função da escola na sociedade do século XXI, a qualidade de ensino oferecida à população e os paradigmas de gestão educacional adotados que, muitas vezes, focalizam os resultados obtidos em detrimento dos processos educacionais (GORENDER, 1997; AFONSO, 2000; LOJIKINE, 2002, BARROSO, 2005).

    No período que vai desde o final da Segunda Guerra Mundial até meados da década de 1970, imperou a concepção de que o Estado deveria intervir em diversas áreas da sociedade para suprir algumas das principais necessidades da população, como educação, saúde e previdência social. A adoção e o fortalecimento deste modelo de Estado, conhecido como Estado de bem-estar social, ou Estado intervencionista, deve ser analisada em relação ao contexto que o gerou, marcado pela necessidade de reconstrução dos países e das economias no pós-guerra. Segundo Gorender (1997, p. 313),

    A adoção do Estado de bem-estar social (welfare state) preencheu três exigências naquelas circunstâncias: permitiu a expansão da demanda agregada, ajudando-a à absorção da produção em massa característica do fordismo; elevou gradualmente o padrão de vida dos trabalhadores e ganhou o seu consenso a uma política de tipo social-democrata (em alguns casos, aplicada por conservadores ou por liberais, como nos Estados Unidos, ou por democrata-cristãos, como na Itália); fortaleceu a Europa Ocidental contra a ameaça comunista.

    Contudo, apesar de importante no período de reconstrução que se seguiu ao pós-guerra – que também ficou conhecido por época gloriosa na denominação de Eric Hobsbawm (1995) –, a partir da década de 1970 a lógica do Estado de bem-estar social começou a dar mostras de sua fragilidade, principalmente devido à crise econômica gerada com o choque do petróleo de 1973, que elevou o preço dos combustíveis e de seus derivados ocasionando uma profunda recessão mundial, a partir da qual houve a estagnação das taxas de crescimento econômico (LOJIKINE, 2002).

    A crise do petróleo e a onda inflacionária que surpreendeu os Estados intervencionistas propiciaram um terreno fértil e ideal para a contestação das políticas sociais que acirravam déficits públicos e geravam balanças comerciais negativas e inflação. Uma de suas consequências foi disseminar o debate sobre a validade desse modelo de Estado, cuja ação pesava nos cofres públicos, reiterando a necessidade de administrar a máquina estatal de forma mais eficaz e eficiente. Esse discurso difundiu-se até mesmo pelos países em que a lógica liberal não havia se concretizado inteiramente – os ditos países em desenvolvimento.

    Paralelamente à crise do welfare state, observou-se a falência do sistema fordista¹ de produção. Um dos fatores que levou à derrocada desse sistema é que ele implicava elevados gastos estruturais (armazenagem, transporte etc.) que precisavam ser minimizados em épocas de dificuldade econômica. Era preciso mudar os modelos de produção, substituindo-os por modelos nos quais os gastos fossem mais racionalizados e a produção e acumulação de capital fossem potencializadas (JESSOP, 2002).

    Paulatinamente, o Estado de bem-estar social foi sobrepujado pela lógica do livre mercado, visando à retomada do crescimento econômico e a superação da crise. Difundiu-se, também, a crença sobre a necessidade de enfraquecer a classe trabalhadora e substituir a lógica do pleno emprego, originário da política keynesiana², para que houvesse a retomada do crescimento produtivo e o aumento da lucratividade dos produtos. Tais princípios inspiraram governos mais conservadores, como o de Margaret Thatcher – na Inglaterra, e Ronald Reagan – nos Estados Unidos, que adotaram como bandeira a redução da ação do Estado no setor público, diminuindo os custos e propiciando a retomada do crescimento econômico.

    A introdução de novas tecnologias informacionais e o desenvolvimento das telecomunicações podem ser considerados fatores preponderantes para a ocorrência de mudanças nos padrões de gestão e organização dos sistemas produtivos. Observou-se o acirramento da circulação do capital em nível mundial, com base nesse aporte tecnológico, e o aceleramento do processo de transnacionalização da economia, com impactos socioeconômicos intensos em nível mundial (DUPAS, 1998). Assim, se até a década de 1970 se podia observar uma divisão internacional do trabalho entre países produtores e exportadores de produtos industrializados e países produtores e exportadores de matérias-primas, a partir desse período houve a intensificação do comércio de produtos entre os países mais desenvolvidos devido à abertura das economias ao livre-comércio.

    O desenvolvimento tecnológico propiciou, ainda, uma divisão das cadeias produtivas, potencializando a exploração e transferência de mão de obra de um país para outro, e a consequente diminuição dos custos de produção de bens e serviços, visto que as unidades produtoras passaram a procurar melhores condições para a contratação de empregados, aquisição de matéria prima etc. A automação da produção industrial acelerou-se, mudando os padrões de emprego e empregabilidade.

    Tal contexto social e econômico influenciou a demanda por uma educação de mais qualidade, que atendesse às novas necessidades da população e da economia de mercado. Essa retomada da relação entre educação e trabalho, na qual a educação passa a ser entendida como elemento importante na resolução da crise de produtividade e competitividade econômica dos países industrializados centrais, como Estados Unidos e Inglaterra, ressignifica o papel da educação nas reformas dos anos de 1980 e está relacionada à retomada pelo interesse da avaliação educacional e a posterior ênfase na avaliação de docentes. Ao tratar da relação educação/trabalho, Afonso (2000, p. 66) explica:

    Entende-se, por isso, que os pressupostos que subjazem às propostas deste primeiro período de reforma digam respeito à presumida relação entre educação e a capacidade de enfrentar a competição econômica – o que faz com que se considere, desde logo, que uma força de trabalho educada é crucial para elevar a produtividade e aumentar a adaptabilidade às rápidas mudanças dos mercados internacionais (cf. KIRST, 1988).

    Nos Estados Unidos, esse período coincide com o governo do presidente Reagan (1981 a 1989), que inicia uma reforma na área de educação defendendo, inicialmente, o mínimo de participação do governo federal nas despesas do setor e incentivando os estados a assumirem maior responsabilidade sobre ele. Ocorre que o aumento da preocupação com a queda da qualidade da educação pública, e a consequente perda da competitividade econômica americana perante outros países, como o Japão, por exemplo, fez com que o governo federal sofresse pressões dos grupos econômicos que provocaram uma alteração na política inicial (idem).

    Em síntese, pode-se dizer que o final do século XX assistiu a mudanças tecnológicas, principalmente nas áreas da informática e das telecomunicações, que influenciaram modificações no sistema capitalista, com implicações tanto na organização, quanto no papel dos Estados-Nação. Estes foram confrontados com a necessidade de alterar suas funções para viabilizar o crescimento econômico interno e superar a crise que levava ao aumento da desigualdade e exclusão sociais.

    Nessa conjuntura, a avaliação de sistemas educacionais passou a ser um ponto de destaque nas propostas de políticas públicas em vários países. Coerentemente com a lógica neoliberal e a racionalidade de mercado, surge a necessidade de descentralizar o gerenciamento do sistema educacional – que deixa de ser realizado no âmbito de estruturas burocráticas – sem deixar de estabelecer o controle sobre esse sistema, que passa a se dar por meio dos resultados de desempenho obtidos e de indicadores de performance e do cumprimento de objetivos previamente determinados. Ao analisar a emergência das avaliações externas que se torname, assim, um dos eixos estruturantes das políticas e reformas educacionais estadunidenses, reproduzidas em diversos países, Afonso (idem, p. 67) aponta uma mudança nos valores centrais da chamada primeira vaga reformadora dos anos de 1980: da regulação para a desregulação; da escola pública para as escolhas educacionais e para a competição entre as escolas; das preocupações sociais para as preocupações com a economia e com a produtividade, da igualdade de oportunidades para a excelência; das necessidades educativas para as capacidades individuais e para a selectividade.

    Observa-se a constituição de um Estado avaliador³, na qual o Estado deixa de ser um provedor de produtos e serviços para assumir a regulação do mercado, dos serviços e das políticas e programas, ao mesmo tempo em que os descentraliza, visando maior eficiência e eficácia nos processos de gestão, preocupação inerente às reformas neoliberais. Na base dessa regulação está a retomada de mecanismos de accountability e prestação de contas que já haviam sido utilizados na área educacional na década de 1960, quando se começou a questionar o potencial da escolarização para a mudança social e a consolidação de uma sociedade mais igualitária. O que parece mudar são os propósitos relativos a essa accountability nas políticas da atualidade e, portanto, os diversos sentidos que esse conceito assume.

    Cabe destacar que nos países onde a primeira onda reformista se iniciou na década de 1970, a excessiva ênfase em mecanismos de controle burocrático, exteriores à escola, e a negação da necessidade de o governo federal investir diretamente em alguns setores relacionados à educação têm sido apontados como responsáveis pelo fracasso das reformas baseadas na redução do papel do Estado em áreas prioritárias em alguns dos países que as adotaram. Nos Estados Unidos, as reformas educacionais do início dos anos de 1980 logo deram mostras de que não alcançariam seus intentos e uma segunda onda reformista tomou lugar já no final da década. Os pilares dessa nova etapa de reformas foram o modelo de gestão centrado nas escolas (e os estudos sobre a efetividade escolar alimentam esse modelo), a concretização de sistemas de escolhas educacionais (charters schools e vouchers) e a necessidade de reforçar o profissionalismo e o estatuto dos professores (idem), com um renovado interesse pela avaliação dos docentes.

    Apesar das especificidades de cada país, com seus diferentes contextos histórico-culturais, sociais e econômicos, observa-se que as políticas educativas assumiram princípios semelhantes, que orientam medidas políticas e legislativas diversas, com diferentes objetivos e alvos. Em comum elas guardam, principalmente, a tendência de alterar os modos de regulação dos poderes públicos sobre o sistema escolar.

    Barroso (2005) cita outras das comunalidades entre diversas tendências que marcam as políticas educacionais públicas atuais: descentralização, manutenção do discurso da autonomia das escolas, reforço do direito de livre escolha da escola pelos pais, consolidação de procedimentos de avaliação e prestação de contas, diversificação da oferta escolar e contratualização da gestão escolar e de determinados serviços.

    Pacheco (2010) acrescenta outros princípios característicos das políticas públicas dessa fase das reformas, tais como a busca por maior eficiência na administração pública, com consequente foco em resultados; a ênfase no desempenho como forma de definição orçamentária e mudanças nos mecanismos de gestão dos recursos humanos; a adoção de princípios de mercado na educação; mudanças nas relações trabalhistas e contratuais no setor público, com destaque para o estabelecimento de metas e objetivos, por gestores, a partir da contratualização prévia de resultados a serem alcançados. Tais princípios, característicos de um novo paradigma de administração pública denominado Nova Gestão Pública (New Public Management), ou gerencialismo, têm influenciado a proposição de formas de acompanhamento do trabalho e de avaliação de docentes, com ênfase para o seu desempenho, em diversos países.

    No Brasil, como mostram Sousa e Freitas (2004), dois marcos foram importantes para a constituição do Estado avaliador: o marco legal e o marco constitucional. O primeiro teria sido determinado pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996 (LDB, lei n. 9.394/96) que, em seu artigo 9º, incumbe à União a avaliação da educação no conjunto da federação; já o segundo teria sido delimitado por meio da emenda constitucional n. 14, de 1996 – que define as incumbências educacionais dos entes federativos – e da emenda constitucional n. 19, de 1998 – que impulsiona a reforma da administração pública no Brasil, principalmente no que se refere à flexibilização dos contratos de trabalho⁴.

    Como consequência desses marcos regulatórios tem-se observado que, ao mesmo tempo em que se descentraliza a gestão educacional, há um aumento do controle estatal sobre o trabalho realizado na escola por meio de diversos mecanismos, dentre os quais as avaliações de sistemas educacionais e, mais recentemente, as avaliações que incidem sobre os funcionários públicos e, portanto, sobre os professores.

    Ao tratar da implementação do modelo de Estado Contratual e a sua interação com o sistema de avaliação, tomando como base o caso de Minas Gerais, Tripodi explica os principais objetivos desse tipo de modelo:

    o Acordo de Resultados consiste, grosso modo, no modelo de Estado Contratual, ou contratualização de resultados, em que se dá a negociação entre o Poder executivo estadual e os dirigentes dos órgãos, à maneira de se alinhar as instituições com a estratégia governamental. Seus principais objetivos podem ser resumidos como: I) Melhorar a qualidade e eficiência dos serviços públicos prestados à sociedade; II) alinhar o planejamento e as ações do acordado com o planejamento estratégico do Governo, viabilizando a implementação da estratégia; III) dar transparência às ações das instituições públicas envolvidas e facilitar o controle social sobre a atividade administrativa estadual; IV) auxiliar na implementação de uma cultura voltada para resultados, estimulando, valorizando e destacando servidores, dirigentes e órgãos ou entidades que cumpram suas metas e atinjam os resultados previstos [TRIPODI, 2012, p. 39].

    A ênfase na questão do desempenho, incluindo até mesmo mecanismos de definição de remuneração e de bonificação baseados no mérito individual do servidor público, bem como a instauração de uma cultura de proposição de políticas que focalizam em resultados e metas a serem alcançadas, tem colocado a avaliação de docentes no centro da discussão dessa nova onda de reformas, como será discutido a seguir.

    O Estado e a avaliação docente

    Diversos autores têm se debruçado sobre o estudo de pressupostos e abordagens de avaliação de desempenho de professores, mostrando a existência de um movimento internacional de expansão desse tipo de avaliação que se iniciou na década de 1980 intensificando-se na posterior (DARLING-HAMMOND, 1990).

    Algumas iniciativas de estudos dessa temática que ilustram esse movimento foram realizadas por Schulmeyer (2002), Torrecilla (2006) e Isoré (2009). Alejandra Schulmeyer estudou a proposição da avaliação de docentes em 13 países da América Latina. Murilo Torrecilla identificou, analisou e classificou abordagens de avaliação de desempenho docente em voga em cinquenta países da América e da Europa⁵. Marlene Isoré preparou um quadro conceitual a respeito da avaliação de docentes, exemplificando-o com diversas iniciativas que ocorrem em países do globo, como parte de um estudo mais amplo fomentado pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Esses estudos exemplificam, em diferentes contextos, a expansão e desenvolvimento da avaliação de docentes, ainda que com diversas finalidades e distintas abordagens, alguns com mais ênfase em avaliações internas, outros com apelo maior às avaliações externas.

    Mas a que se deve a expansão dos sistemas de avaliação de docentes?

    Darling-Hammond (2010) argumenta que o movimento reformista dos últimos vinte anos, centrado na melhoria da educação, cujas principais características foram delineadas anteriormente, incluiu na agenda das políticas educacionais a avaliação de docentes. Ressalta que tal movimento difere do das reformas dos anos de 1970 que focalizavam a diminuição do tamanho das classes, a renovação do currículo, a melhoria do gerenciamento das escolas, dentre outras estratégias que não se dirigiam diretamente aos professores. Ao argumentar sobre a importância desse novo foco das políticas educacionais, a autora salienta que não existem políticas capazes de melhorar as escolas se as pessoas que lá trabalham não dominarem o conhecimento e as competências de que necessitam (idem, p. 198). Conclui-se, com base nos argumentos da autora, que não considerar os professores nas reformas educativas seria um passo para seu fracasso, visto que são estes que as concretizam na escola.

    A definição de novos currículos, de novas formas de ensinar e gerir as escolas, bem como de novos padrões de objetivos a serem alcançados por meio do ensino, por exemplo, não seria suficiente para gerar os resultados esperados pelos responsáveis pelas reformas educacionais se os professores não estiverem preparados para rever sua prática de acordo com o que é estipulado por essas reformas. O pressuposto, aqui, é que os professores concretizam, por meio de sua prática na sala de aula, o que é proposto nos documentos curriculares, nos livros didáticos e manuais de ensino, constituindo peça-chave do processo de aprendizagem. Nessa lógica, políticas educacionais centradas na administração ou gestão escolar, por exemplo, deixando de lado o elemento docente, não seriam suficientes para garantir a efetividade do ensino; há limites no trabalho de um gestor, ainda que competente e comprometido com seu trabalho, no que se refere à intervenção sobre o que ocorre em sala de aula.

    Os pilares das reformas recentes, que se iniciaram em países centrais e se expandiram para os periféricos⁶, focalizaram a renovação da escola e a avaliação dos professores, sendo que são incluídas estratégias de recrutamento, seleção e retenção de professores nas agendas das políticas, bem como de aprimoramento da formação e de a obtenção de informações que possibilitem a melhoria das práticas dos docentes. Ao retratar o contexto americano, Darling--Hammond (1990, p. 18, tradução minha) aponta:

    Pelo menos 46 estados adotaram testes de competência para professores, tais como o Exame Nacional de Professores, como um pré-requisito para a certificação de professores; 25 estados têm requerido provas para admissão para programas de formação de professores. A maioria dos estados tem substituído certificados de ensino permanentes por requerimento de licença continua. Alguns adotaram amplos programas que incluem altos padrões de admissão para faculdades de educação, obrigatoriedade de testes de competência para certificação e recertificação, avaliação da performance e educação continuada para os professores⁷.

    Na mesma linha de Darling-Hammond, Stronge (s/d.) relaciona a necessidade de avaliação de docentes com a perspectiva da melhoria do ensino e da aprendizagem dos alunos, que é o fim último da educação. Para o autor, as reformas educacionais têm negligenciado a avaliação dos docentes que, em última instância, são os implementadores dessas reformas. Neste sentido, não basta um programa bem elaborado para garantir o sucesso da reforma:

    Desta forma, porque a avaliação de professores importa? Porque independente de quão bem um programa foi concebido, ele será tão eficaz quando as pessoas que o implementam (STRONGE, 1993). Então, um sistema de avaliação de professores conceitualmente relevante, bem desenhado e implementado de forma apropriada é um importante – de fato, essencial, componente de uma escola efetiva [idem, pp. 1-2, tradução minha]⁸.

    Ao refletir sobre o sistema chileno de avaliação de professores, Avalos (2010) entende que essa expansão está relacionada à tentativa de minimizar os resultados de aprendizagem insatisfatórios dos alunos que, destarte ações realizadas em vários setores educacionais, continuam apresentando pouco progresso ao longo do tempo. O autor percebe, ainda, a avaliação de docentes como resultado da pressão de alguns setores da administração pública que, com base no conceito de accountability, no sentido de prestação de contas, consideram indispensável que se realize a avaliação de desempenho dos profissionais de ensino.

    Ao analisar a proposta de avaliação de professores no contexto da Inglaterra com a Lei da Reforma da Educação de 1988, Day (2010) reafirma a relação entre essa proposta e a necessidade de aprimoramento dos resultados dos alunos por meio de um serviço de inspeção escolar, externa às escolas, que tem sido amplamente criticado por pesquisadores interessados na temática. Ao refletir o papel da avaliação de professores no contexto da reforma estatal inglesa, o autor destaca:

    os professores, tal como todos aqueles que estão envolvidos em outros serviços públicos, foram obrigados a tornarem-se mais responsáveis pelas suas ações e, de igual forma, a responsabilizarem-se pelas consequências das mesmas (apesar de ser difícil argumentar em favor de uma relação de causa e efeito estabelecida entre ensino e aprendizagem, uma vez que, potencialmente, existem muitas outras variáveis poderosas que a influenciam, como, por exemplo, a motivação dos alunos, o seu comportamento e contexto social, os recursos existentes, etc.) [idem, p. 148].

    Paquay, Wouters e Nieuwenhoven (2012, p. 21) explicam que há uma tensão gerada pela ideia de que a avaliação de docentes pode potencializar o desenvolvimento profissional dos professores, entendido pelos autores em sua acepção mais ampla como todas as transformações individuais e coletivas de competências e de componentes identitários mobilizados ou suscetíveis de serem mobilizados em situações profissionais e a utilização dessa avaliação como estratégia de gerenciamento do sistema público educacional. Os autores argumentam que já se têm mostrado as dificuldades inerentes à construção de um modelo de avaliação nessa perspectiva, inclusive pela multiplicidade de sentidos que o conceito de desenvolvimento profissional pode assumir.

    Perrenoud (2012, p. 43) alerta para os limites da avaliação docente voltada para o desempenho profissional dos professores ainda que esta seja planejada e inserida em uma perspectiva de avaliação institucional, definida como uma prática de avaliação inscrita nas regras de funcionamento de uma organização e que, consequentemente, se impõe a seus membros. Lembra o autor que, a depender de como ocorre, a avaliação institucional pode até mesmo inibir o desenvolvimento profissional, argumentando que o ideal é que esse tipo de avaliação seja realizada fora das estruturas burocráticas e que as propostas procurem associar os resultados da avaliação aos interessados de forma positiva, enfatizando seu potencial para a autorregulação da atividade profissional.

    Ainda que haja controvérsias na explicação sobre a expansão dos sistemas de avaliação de docentes, com questionamentos se estes se relacionam às políticas de gerenciamento do Estado ou se refletem um movimento de valorização e profissionalidade da carreira, sua expansão é inegável.

    Reflexos no Brasil

    No Brasil se tem observado, recentemente, reflexos desse movimento mundial que coloca o professor como agente primordial para a melhoria da qualidade de ensino, devendo, portanto, ter seu trabalho e sua formação avaliados. Indicativos dessa necessidade apareceram já na Constituição Federal de 1988, que determinou:

    Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:

    […]

    V – valorização dos profissionais da educação escolar, garantidos, na forma da lei, planos de carreira, com ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos, aos das redes públicas (Redação dada pela Emenda Constitucional n. 53, de 2006)

    […] [BRASIL, 1988].

    Cabe ressaltar que, no marco legal, a avaliação é apresentada como uma ferramenta

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