Encontre milhões de e-books, audiobooks e muito mais com um período de teste gratuito

Apenas $11.99/mês após o término do seu período de teste gratuito. Cancele a qualquer momento.

Luzes Da Ribalta
Luzes Da Ribalta
Luzes Da Ribalta
E-book239 páginas2 horas

Luzes Da Ribalta

Nota: 0 de 5 estrelas

()

Ler a amostra

Sobre este e-book

Depois de compartilhar um café em um bar da periferia de São Paulo com um jovem aspirante à carreira de ator, e de uma significativa conversa sobre o teatro e o trabalho do ator, enquanto aguarda que passe o temporal que o impediu de fazer uma palestra, um velho ator o convida para discutirem, em seu acanhado apartamento, os caminhos e os mistérios do palco. Durante conversas em muitas tardes de sábado o fazer teatro é a-bordado com o tímido e determinado jovem e do filho de um amigo do velho ator, também interessado na carreira de ator. Administrando com serenidade o conflito entre temperamentos e objetivos tão díspares e indicando caminhos para a construção do ator, ressalta a importância de um mé-todo de estudo e trabalho. Abordam: o conheci-mento e o domínio do corpo, da voz, do ouvir e do olhar. As origens do teatro. A importância do estudo da vida e obra do autor e das diversas manifestações e estilos teatrais. A análise do texto e os diversos aspectos da construção da personagem e do ator. E a importância da ética na vida do ator e do cidadão.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento20 de mar. de 2020
Luzes Da Ribalta

Relacionado a Luzes Da Ribalta

Ebooks relacionados

Artigos relacionados

Categorias relacionadas

Avaliações de Luzes Da Ribalta

Nota: 0 de 5 estrelas
0 notas

0 avaliação0 avaliação

O que você achou?

Toque para dar uma nota

A avaliação deve ter pelo menos 10 palavras

    Pré-visualização do livro

    Luzes Da Ribalta - Caetano Martins Fernandes

    1.png

    LUZES DA RIBALTA

    por Caetano Martins

    1ª Edição

    Perensin Produções

    Juiz de Fora

    2020

    Agradecimentos

    Agradeço aos amigos e companheiros de jornada:

    Fábio Superbi e Paulo Palado, pela leitura deste livro

    e suas observações primorosas.

    Aos meus filhos: Marco Antonio, Alexandre, Carlos Magno, Ana Paula e à minha esposa Wilma, pelo incentivo e apoio irrestrito.

    PREFÁCIO

    Aprender a aprender.

    O universo do teatro sempre nos fascinou, com um paradoxo de singularidade e pluralidade que poucas experiências podem oferecer. Há milhares de anos a arte de representar vem sendo estudada, modificada, verticalizada e vivida, de uma forma intensa e caótica. Desde crianças, mesmo que por mera brincadeira, somos tentados a experimentar a vida de outro ser, de outro espírito, em outro espaço, em outra dimensão, e nos deixamos carregar por essa magia, confrontando diferentes nuances de uma existência que não é a que vivemos. Ou mesmo, outras faces daquela que estamos acostumados a viver. É muito complexo, mas, ao mesmo tempo, muito simples. Basta desconstruir-se um pouco e deixar que corpo e mente experimentem novas possibilidades.

    Representar é um privilégio que todos podem ter. Porém, tornar-se um ator é algo que não foge à regra de qualquer outra atividade que se faça com uma finalidade de excelência. A escolha é fácil, pois o universo que a cerca beira o divino. Mas encarar o teatro de forma séria e verdadeira exige esforço e determinação. A emoção que manipula o ator tem que ser controlada pelo ator que manipula a emoção. É um jogo de troca, de perdas e ganhos. Uma busca fatigante que nunca acaba e que sempre deve estar pronta para recomeçar. É técnica. É emoção. É suor.

    Existe um momento na vida do artista cênico em que ele entende que algo maior vai acontecer. Um momento onde o trabalho de ator deixa de ser opção e vira escolha, deixa de ser gosto e vira necessidade, deixa de ser esporádico e torna-se vitalício. E para chegar a esse momento, para reconhecê-lo, para acolhê-lo, é essencial que se tenha um grande Mestre.

    Caetano Martins é um desses grandes. Nada existe entre o seu amor pelo teatro e a forma com que ele o expõe. A ligação é direta. Formador de várias gerações de atores, um de seus principais trunfos é a forma com que demonstra o respeito, a dedicação, a seriedade e a paixão que tem - e que também acaba nos fazendo ter - pelo teatro. Quando damos conta, a primeira lição já está sendo absorvida, no ar, no pensamento e no coração. A partir daí, a arte de interpretar se instala e a gente aprende a querer sempre mais.

    Foi com esse pensamento e com a experiência de anos dedicados ao teatro que Caetano encarou o desafio de compartilhar, de forma lúdica e dinâmica, o seu método de ensinar. Neste registro, assim como em sala de aula, a lição está tão implícita que logo no primeiro contato já sentimos o prazer de aprender. E essa sensação se espalha livro adentro.

    Aqui, o leitor não encontrará fórmulas mirabolantes e nem chegará ao último parágrafo com a certeza de ter se tornado um ator. Pelo contrário. O grande legado das páginas que seguirão está no desejo desperto que elas trarão àqueles que querem um dia subir em um palco com a convicção de que o fazem por amor, por respeito e por uma necessidade quase vital. Mas nada é entregue de bandeja, pois o autor tem plena consciência de que ensinar a pescar ainda é o melhor que se pode fazer, num momento em que muitos magos da escrita vendem a ideia de que você sempre poderá ganhar o peixe, ou mesmo comprá-lo.

    Por isso, o que os personagens de Luzes da Ribalta mais inspiram no leitor é o desejo da busca. Com muita engenhosidade, o Velho Ator – forma com que o autor se refere ao mentor que nos é apresentado no livro - abre parágrafos sem os fechar, e faz com que seus alunos, o atento Carlos e o ansioso Fernando, tenham interesse em saber mais, em mergulhar em cada tema para, na aula seguinte, descobrirem juntos novas nuances da arte de representar. Com certeza, o leitor terá alguns sintomas de inquietação diante de temas propostos e não esgotados dentro do texto. Mas é justamente nesses momentos que ele sentirá a necessidade da busca, da pesquisa, e entenderá a importância de caminhar com as próprias pernas ao encontro de um aprendizado mais profundo.

    Fazer com que um amante das artes cênicas vire um ator é uma tarefa que não cabe em um livro. Mal cabe em uma vida. Mas transformar esse amor em ação, em busca, em objetivo, coube de forma simples e dinâmica nas páginas que virão. Como todo grande Mestre, Caetano Martins quer humildemente viver dentro daqueles que ele ensinou a aprender. Já há um pouco dele em cada um de nós que passou pela sua batuta. Agora, com este livro, muitas outras gerações poderão alimentar-se dos seus conhecimentos e da sua paixão pelo teatro.

    Bem-vindo à arte de amar o palco!

    Boa leitura! Boa busca!

    Paulo Palado

    PRÓLOGO

    Chove. Chove muito. Seu velho e surrado guarda-chuva, com certeza, será de pouca valia. O trânsito: parado, caótico, um inferno. Envolto em seus pensamentos, Carlos não se dá conta, de que a água que escorre pelas frestas da janela do ônibus encharcou seu ombro direito. Com dificuldades, atravessa o ônibus apinhado e fica espremido na porta, aguardando pelo ponto onde deve descer. Ponto que não chega nunca. Percorre com o olhar o ônibus cheio e sente-se angustiado: rostos sérios, cansados, oprimidos... pensamentos perdidos em ilusões, esperanças, desatinos... A chuva forte castiga o teto e as laterais do ônibus e faz o fundo melódico para o silêncio: espesso, sufocante, opressivo...

    Finalmente chega ao seu destino, salta e busca refúgio na cobertura do ponto de ônibus. O vento forte brincando com a chuva leva-a para todos os lados, numa dança dantesca; ora infernal, ora celestial, que o fascina fazendo-o esquecer do corpo encharcado e do motivo que o fez enfrentar essa tempestade. A água gelada e penetrante da chuva o traz de volta à realidade, abre o guarda-chuva que, de imediato, lhe é surrupiado pelo vento e sai rodopiando até perder-se na noite brumosa.

    Resignado e com a enxurrada quase na altura dos joelhos, atravessa a avenida por entre os carros parados, nervosos, esbravejando com suas buzinas infernais e inúteis. Finalmente chega à porta do teatro... às escuras e fechado. Sob a estreita marquise da entrada do teatro, espremendo-se contra a porta fechada, uma estranha figura busca, inutilmente, abrigar-se da chuva. Procurando acomodar-se na outra extremidade da marquise, Carlos observa a chuva que parece aumentar. Na avenida, que mais parece um rio, os carros com os faróis altos buscam uma brecha para fugir daquele cemitério de engrenagens sofisticadas e inúteis. Volta-se para a porta escura e fechada do teatro e depara-se com a estranha figura: capa de chuva barata com o capuz tentando proteger a cabeça e o rosto, imóvel, parece sereno e indiferente à chuva torrencial e ao som infernal das buzinas. — Por que não vai embora? Por que não vai buscar abrigo no aconchego de seu lar? Não percebe que de nada lhe adianta esse refúgio diminuto contra a fúria da chuva... Pobre diabo!... Pobre diabo?! Pobre diabo sou eu!" — Fustigado pela tempestade; oprimido pela escuridão e pela porta fechada do teatro, revolta-se. Revolta-se contra a má sorte, contra o destino por privá-lo do momento tão ansiosamente aguardado. Desde que lera, há exatos dezoito dias, a nota no jornal do metrô sobre a palestra que seu velho ídolo finalmente concordara em dar, contou cada dia, hora e minuto por esse momento. E agora, a poucos minutos do momento tão aguardado, a tempestade levou de roldão seu sonho. Diante da porta fechada do teatro, fustigado por sentimentos contraditórios, não sente a chuva fina e fria que o vento travesso atira-lhe no rosto. Os olhos embaçados já não enxergam a realidade à sua frente... seus anseios... seus sonhos... seu ideal... sua angústia diante dos dias que não passavam... Tudo perdido... Uma noite de esperança e sonho que a tempestade destruiu...

    Assusta-se ao sentir o toque delicado de uma mão em seu ombro.

    É melhor irmos embora. Pelo que tudo indica, essa chuva vai longe.

    — O senhor tem razão – balbucia.

    — Você me acompanha nunca xícara de café?

    — Eu?!

    — Vamos! Pelo menos espanta o frio.

    E sem esperar pela resposta, a estranha figura atravessa a avenida entre os carros presos no congestionamento. Na porta do bar, do outro lado da avenida, após bater os pés no chão, tentando expulsar a água que ainda escorre pela sua capa barata, abaixa o capuz, tira a capa e, com um lenço, procura enxugar o rosto. Só então Carlos percebe que estivera o tempo todo ao lado do orador que tão ansiosamente viera ouvir.

    — Tempo terrível! – diz o orador, dobrando a capa e expulsando, delicadamente, a água que ainda escorria.

    — O senhor tem razão – responde Carlos, admirado com a atenção e o cuidado com que realiza sua tarefa.

    — Você me acompanha numa média com pão e manteiga? Ou prefere algo mais forte? – pergunta o velho ator.

    — Só a média, obrigado!

    — Não se acanhe, há muitos anos não bebo, mas nada o impede.

    — Obrigado! Eu raramente bebo – responde encabulado. – Só a média, por favor!

    — Duas médias bem quentes, e dois pães com manteiga. Um com pouca manteiga, por favor.

    Solicita o velho ator ao desanimado jovem atrás do balcão. Localiza uma mesa no fundo do bar junto à janela. Indiferente ao alarido de vozes e risos altos e do tilintar de copos, com um breve aceno a Carlos, dirige-se a ela. Sentam-se. Enquanto aguardam, Carlos sente-se discretamente lido, radiografado pelo olhar sereno e penetrante do velho ator. Sua timidez e nervosismo aliados à maior surpresa de sua vida não lhe permitem esboçar qualquer reação.

    — É! – exclama, finalmente, o velho ator, olhando a chuva que cai mais branda: — Os deuses do Teatro, definitivamente, não permitiram que a palestra acontecesse.

    — O senhor não parece estar aborrecido.

    — E por que deveria estar?

    — Não era o senhor que ia dar a palestra?

    O velho ator, sorrindo, concorda com um leve movimento de cabeça.

    — Eu acho um absurdo... um pouco caso, uma tremenda falta de respeito e consideração, não ter ninguém para recebê-lo – diz, indignado, Carlos.

    — Só um maluco sairia de casa com um tempo destes para ouvir as balelas de um velho ator.

    — Desculpe! Mas eu não concordo com o senhor...

    — Entendo! Você não se considera um maluco.

    — Não!... Quer dizer!... Não estava falando de mim, mas das pessoas que o convidaram para a palestra... Mesmo com essa chuva, eles deveriam estar esperando pelo senhor.

    — Mas não estavam! E não foi por culpa deles, mas, como eu já disse, foi porque os deuses do Teatro assim determinaram – afirma o velho ator e, com o semblante sereno, pergunta: — E você? O que tem na cabeça para sair de casa numa noite como essa?

    Após encarar o velho ator por um momento, Carlos balbucia emocionado:

    — Não é na cabeça!... É no coração!

    Com um sorriso franco e um leve menear de cabeça, o velho ator não deixa dúvidas que compreendeu. Sentados em uma mesa de bar, calados e encharcados, tomam suas médias, comem seus pães com manteiga e observam-se discretamente.

    — Você é ator? – pergunta, finalmente, o velho ator.

    — Não, senhor!... Quer dizer, ainda não.

    — Então, pretende ser ator.

    — Sim, senhor! Estou fazendo uma oficina de teatro. – E ante a postura atenciosa e o sorriso benevolente do velho ator, encontra estímulo para continuar. — Sempre gostei de teatro. Mesmo quando morava no interior lia tudo o que falava de teatro... Li muitas coisas sobre o senhor... — Tira do bolso do paletó uma folha de jornal dobrada e encharcada pela chuva. — Não é sempre que a gente tem a oportunidade de conhecer e ouvir uma pessoa tão importante como o senhor... mas essa chuva... infelizmente...

    — Te impediu de conhecer e ouvir uma pessoa importante falando sobre teatro. — Ante o olhar de decepção e o silêncio de seu jovem acompanhante, prossegue: — Quer saber de uma coisa? Agora! Agora eu sei por que os deuses do Teatro mandaram essa chuvarada toda. — Após breve e significativa pausa, prossegue: — Por tua causa.

    — Por minha causa?! – Reage, atônito, Carlos. – Por minha causa? O senhor me julga uma pessoa tão sem importância?

    — Não! Não! Não julgue as coisas precipitadamente.

    — Mas, então, por que por minha causa?

    — Você veio para me ouvir e conhecer?... Está me ouvindo e me conhecendo.

    — Desculpe...

    — Eu sei! O que você realmente gostaria era de me ver e ouvir no palco. – Diante da reação acanhada do jovem, prossegue: — Se os deuses do Teatro permitissem que a palestra ocorresse, você me veria, me ouviria e estaria feliz.

    — Muito feliz!

    — Você me veria e me ouviria, mas não me conheceria, realmente... Iria embora feliz e, provavelmente, nunca mais nossos destinos se cruzariam.

    — Nossos destinos? – indaga Carlos, intrigado.

    — Sim! Se eles, os deuses do Teatro, não nos mandassem essa benção – estica o braço indicando a chuva que continua –, não teríamos a oportunidade de compartilhar este momento tão importante em nossas vidas.

    — Tão importante em nossas vidas?

    — Não acredito que as coisas aconteçam por acaso. Acredito na participação e influência dos deuses, ou do destino. O destino que construímos... Parece complicado, não é mesmo? – Após um breve momento prossegue: — Acredito que construímos nosso destino. Que colhemos o que plantamos. Você com certeza plantou algo que está colhendo agora, nesse momento, em virtude dessa bendita chuva... Caso contrário não estaríamos aqui. Por isso devemos aproveitar este momento, esta oportunidade e trocarmos conhecimentos, experiências e ideias sobre teatro!

    — Trocar ideias, experiências sobre teatro? Comigo?... O senhor me desculpe, mas o senhor não me entendeu... eu não tenho experiências...

    Está gostando da amostra?
    Página 1 de 1