Por Que Não Posso Ficar Em Silêncio
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Por Que Não Posso Ficar Em Silêncio - José Everaldo Ramalho
POR QUE NÃO POSSO
FICAR EM SILÊNCIO
Reflexões sobre a Velha Ordem Feudal, o surgimento do liberalismo, a ascensão do autoritarismo de Estado, o capitalismo de compadrio, os sistemas eleitorais viciados, o autoaprisionamento do meio acadêmico e a telemática em um cenário de
democracia e política instáveis nos Estados Unidos, na Rússia, na China e no Brasil
JOSÉ EVERALDO RAMALHO
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Ramalho, José Everaldo
Por que não posso ficar em silêncio : reflexões sobre a Velha Ordem Feudal... / José Everaldo Ramalho ; Isabella Vitória de Farias Ramalho. -- 1. ed. -- Brasília : Ed. do Autor, 2020.
ISBN 978-65-00-10169-0
1. Democracia 2. Filosofia 3. Sociologia política I. Título.
20-46110
CDD-306.2
Índices para catálogo sistemático:
1. Sociologia política 306.2
Maria Alice Ferreira - Bibliotecária - CRB-8/7964
PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL OU PARCIAL DESTA OBRA.
Lei nº 9.610/1998 dos Direitos Autorais do Brasil.
2
Para Isabella Vitória de Farias
Ramalho, filha amada, incentivadora,
apoiadora logística, revisora e
diagramadora deste livro, que é também
seu; a mais merecida das homenagens.
E um muito obrigado ao poeta
Pedro Henriques Vicente pelos versos
tomados emprestados, que me vestem
inteiramente.
3
4
SUMÁRIO
PRIMEIRA PARTE ............................................. 10
1.
Apresentação e advertências .................. 12
2.
Um texto datado sobre a atualidade
política......................................................................26
3.
A corrupção ideológica chega ao ambiente
acadêmico... ..................................................... .......28
4.
A linguagem popular como veículo de
transmissão cultural ............................................... 42
SEGUNDA PARTE............................................. 48
5.
Uma breve introdução ao tema da
dominação do homem pelo homem: anotações sobre
feudalismo, liberalismo, socialismos e comunismo .... 50
TERCEIRA PARTE ............................................ 66
6.
O caso norte-americano I: o governo de
Franklin Delano Roosevelt ....................................... 68
7.
As propostas coletivistas dos governos
anteriores ao de Franklin Delano Roosevelt .............. 73
8.
As análises de teóricos e pensadores
políticos sobre o coletivismo presidencial norte-
americano........ ....................................................... 75
9.
O caso norte-americano II: a eleição e o
pedido de impeachment de Donald John Trump, ou, em
5
outras palavras, como a história e as estórias
aconteceram ........................................................... 79
9.1. Princípios e motivações para aprovar ou
desaprovar o pedido de impeachment de Donald John
Trump .................................................................... 82
9.2. Um resumo do conteúdo do Relatório do
Impeachment contra o presidente Donald John
Trump.......................................................................93
9.3. Os crimes políticos cometidos pelo Presidente
Donald John Trump em seu primeiro mandato ......... 98
9.4. Um resultado que pode ser contestado em
uma análise política .............................................. 114
10. Brasil e Estados Unidos, o começo de duas
formações diferenciadas: dois territórios continentais
virgens, duas culturas europeias, duas visões de
mundo, duas legislaturas e duas nações diferentes..131
QUARTA PARTE ............................................. 162
11. O caso soviético: o renascimento da Rússia
sob as ordens de Vladimir Putin ............................ 163
12. Como Vladimir Putin chegou ao poder na
Rússia renascida? ................................................. 163
13. A manutenção do poder pela força e pelos
arranjos políticos................................................... 166
14. A luta de Vladimir Putin pela liderança
mundial....... ......................................................... 170
QUINTA PARTE .............................................. 176
6
15. O caso chinês: a China depois da morte de
Mao Zedong ............................................................178
16. Deng Xiaoping e o socialismo com
características chinesas. ........................................ 178
17. A experimentação capitalista na China 180
18. Corrupção: a ameaça de esfacelamento do
comando exercido pelo partido único ..................... 182
19. A China e a explosão do novo coronavírus,
ou COVID – 19, no ano da graça de 2020 ............... 190
SEXTA PARTE ................................................ 204
20. O caso brasileiro I: os governos militares
pós-64............ ...................................................... 205
21. O caso brasileiro II: o governo de Fernando
Collor de Melo ....................................................... 212
22. O caso brasileiro III: os governos de Itamar
Franco/Fernando Henrique Cardoso, de Luiz Inácio Lula
da Silva e de Dilma Rousseff .................................. 218
23. O caso brasileiro IV: a eleição e o governo de
Jair Messias Bolsonaro .......................................... 237
SÉTIMA PARTE .............................................. 266
24. Uma conclusão inesperada: O renascimento
político do Brasil no século XXI .............................. 267
25. Um anexo inesperado: o exercício da função
de chefe de Estado e de chefe de governo no sistema de
poder presidencialista............................................ 290
Bibliografia ................................................. 329
7
8
9
PRIMEIRA PARTE
"Aos vivos e mortos que me
habitam" , porque "Tudo aquilo que sinto é insignificantemente pequeno comparado
com a brutalidade das circunstâncias que me impedem de sentir. Provavelmente sou
uma nota de roda de pé que ninguém quer
ler".
Pedro Henriques Vicente, um poeta português, em Notas de Rodapé
10
11
1.
APRESENTAÇÃO E ADVERTÊNCIAS
Elias Canetti, prêmio Nobel de literatura de 1981, em seu livro de ensaios A Consciência das Palavras, publicado em 1976, faz uma apresentação da obra de Hermann Broch, em que destaca a trilogia clássica deste autor, Os Sonâmbulos - que aborda a questão da decadência dos valores no mundo ocidental europeu – e aproveita para revelar que existem três atributos que se impõem a qualquer escritor: o primeiro deles é que o Dichter, o poeta esteja à mercê de seu tempo; o segundo, é que ele, o Schriftsteller, o escritor, deve estar possuído pela vontade séria de compreender o seu tempo, e, o terceiro, é a exigência que se deve fazer ao poeta ou Schrifsteller ( Dichter ou escritor) de que ele esteja contra o seu tempo, isto é, contra a totalidade de seu tempo, não apenas contra isto ou aquilo; o escritor que fala do seu tempo tem que estar contra a imagem abrangente e unitária que só ele possui do tempo; contra seu odor específico, contra seu semblante, contra sua lei
.
Elias Canetti finaliza a lista tríplice sobre os atributos daquele que se aventura na palavra escrita para descrever seu tempo de vida, afirmando: Quem não vê o estado do mundo em que vivemos dificilmente terá algo a dizer sobre ele. Em outras palavras, o grande pensador defende uma literatura capaz de explicar o mundo em nosso cotidiano local e sem deixar de compará-lo com o contexto da totalidade mundial.
12
Ouso revelar que me dediquei à escrita deste livro porque fui tomado pelos três atributos desenhados pelo grande pensador sefardita búlgaro, em relação à realidade dos tempos brasileiro e mundial que vivencio: um mundo de pandemias políticas e sanitárias.
Canetti cita outro autor que o impressionou em seu processo de formação no mundo das letras: Karl Kraus, poeta que escreveu Os últimos dias da humanidade, obra em que descreve os horrores legados pela primeira guerra mundial, e que o serfadita conheceu ouvindo suas palestras em Viena, capital cultural da Europa à época, seis anos após o fim do conflito, no ano de 1924. Dele, Elias Canetti observou a importância como orador que empolgava àqueles que o ouviam, além das características de literalidade, com a qual condenava os homens pela citação das suas próprias palavras, e indignação, colocando-se com paixão ao lado dos depauperados e destruídos pela guerra.
No entanto, a principal característica que distingue Karl Kraus, para Canetti, é o arbítrio da continuidade da sua escrita que não permite ao leitor entender por que ele não terminava um tema nem tampouco por que não se estendia mais sobre determinado assunto como dele se esperava e se sabia que seria capaz. Em resumo, nos textos de Karl Kraus, Nunca está presente um princípio superior de estruturação da obra, e assim, frase após frase, obra após obra, tudo se encaixa como se ele estivesse construindo uma Muralha da China, que pode ser vista pelos astronautas desde as alturas espaciais, ainda que 13
inacabada, mesmo depois de quase dez mil quilômetros concluídos ao longo do tempo.
Também ouso revelar que sou prisioneiro desse modelo de escrita explorado por Karl Kraus que me foi apontado por Elias Canetti. Mas prometo me esforçar por concluir o horizonte de minhas análises e propostas políticas neste livro.
Porém, Elias Canetti identificou um terceiro e importante pensador alemão em seu horizonte de leituras, um jovem que falece aos 23 anos de idade, em 1837, mas deixa uma obra impressionante que antecede a Karl Marx e Friedrich Engels em seus textos revolucionários
de
1848:
Georg
Büchner,
que
impressionou a Bertolt Brecht, um célebre escritor do início do século XX, e o levou a copiar suas análises e reflexões sobre o determinismo histórico e Canetti a chamá-lo de o homem inacabado, porque considerava que a multiplicidade de seus talentos exigiam que ele tivesse uma vida infinita para abordar a existência humana.
Georg Büchner, antes de falecer, em
fevereiro de 1837, vitimado em pouco tempo por uma doença infecciosa, escreveu quatro obras principais sobre a realidade de seu tempo, e criou personagens que se revoltam contra a condição social e as humilhações que a sociedade lhes impunha ou obrigava a que buscassem refúgio na natureza, fora das cidades. Porém, não fomos brindados por Elias Canetti com o aprofundamento sobre a breve e produtiva vida de Büchner, um homem que lera 14
e fora influenciado por Johann Wolfgang Von Goethe, William Shakespeare, Vitor Hugo e pelo Conde Saint Simon: mas encontramos na tese de doutoramento de Bernard Johannes Schwarz, apresentada à Universidade de São Paulo, em 2008, as substanciais informações sobre tão importante pensador alemão que, repetimos, antecedeu a Karl Marx em suas observações sobre a sociedade capitalista de seu tempo. A tese em referência tem o seguinte título: No caminho de Georg Büchner, com o subtítulo A recepção da obra de Georg Büchner nos dramas Tambores da Noite e Baal, de Bertolt Brecht, que cria o personagem Kragler, para o primeiro drama, em contraposição a Woyzeck, de Büchner, e um segundo personagem para o segundo drama: Baal.
Assim, em O mensageiro de Hesse, Büchner aborda as condições de vida feudais; em A morte de Danton, reflete sobre o fracasso dos revolucionários franceses Danton e Robespierre e a autoaniquilação da Revolução Francesa de 1789; em Leonce e Lena, apresenta as dificuldades de um conglomerado de Estados para se unirem e formarem a Alemanha, graças à ingenuidade e decadência da aristocracia e dos políticos, e, em Lenz e Woyzeck revela o destino de personagens que se marginalizam ou ocupam o espaço destinado aos desprivilegiados pela sociedade da sua época.
Em meu entender, Woyzeck, um
operário que é explorado e humilhado por um capitão, por um médico e é traído pela noiva com o tamboreiro-mor, é o protótipo do feminicida de hoje, porque mata a facadas 15
a noiva que o trai, por sentir que lhe roubam o único bem que possui. E esta é uma história real de um açougueiro, na qual Büchner se inspirou para criar Woyzeck e no qual Brecht se inspira para criar seu personagem Kragler. Mas enquanto Woyzeck se revolta contra a sua condição social e humilhações sofridas em sequência, e pune à noiva e a si mesmo, Kragler é um soldado que também se revolta contra a sua miserável condição na sociedade, mas aceita a noiva engravidada de volta, já o personagem Baal é um anarquista incoerente, boêmio e libertino, e ambos procuram tirar proveito da vida sempre que podem, tornando-se oportunistas sociais, ainda que ínfimos aproveitadores.
E olha que naquele tempo não havia a
televisão e os noticiários batendo na tecla de que é necessário punir para acabar com o feminicídio, e ainda sem atacar as causas socio-econômicas e educacionais que geram este tipo de crime odioso. Ou se muda a sociedade, no longo prazo, oferecendo bons sistemas educacionais, ou não se mudará o homem desfavorecido pelas condições sociais que o circundam.
Enfim, em carta à sua noiva, em março
de 1834, Georg Büchner resume sua visão de mundo: Encontro na natureza uma terrível uniformidade; nas relações humanas, uma inelutável violência, conferida a todos e a ninguém. O indivíduo é apenas espuma sobre a onda; a grandeza, mera coincidência; o domínio do gênio, um teatro de títeres, uma luta ridícula contra uma lei de bronze. Reconhecê-lo é o suprassumo, dominá-lo é 16
impossível. Karl Marx jamais aceitaria tal destino, e incentivaria partir para a revolução política, social e econômica. Mas tanto Büchner quanto Brecht admiram Spinoza e sua tese de que Deus encontra-se na forma da natureza e ao homem só resta lutar para dominá-la, e se possível, aproveitá-la, ou melhor, estabelecer-se no mundo como ele está constituído, enfrentando os obstáculos que lhe são oferecidos, sejam eles humanos ou materiais.
Uma última frase de Georg Büchner
impressiona pela precisão de uma constatação: Os passos da humanidade são lentos, só é possível contá-los por séculos, atrás de cada um deles erguem-se túmulos de gerações. Outra de suas frases e pensamentos que do nosso ponto de vista foi aproveitada por Karl Marx, afirmava que "( ...) a relação entre pobres e ricos é o único elemento revolucionário no mundo".
Aqui se encaixa a décima-primeira
tese de Karl Marx dirigida a seu orientador acadêmico, Ludwig Feuerbach: Os filósofos têm apenas interpretado o mundo de diversas formas, trata-se agora de transformá-lo.
Optei por entender que Karl Marx está
a nos alertar para que não defendamos um só partido político, uma só ideologia, como o fez de modo radical Vladimir Ilitch Lênin em 1917, que preferiu a argumentação de Mikhail Bakunin que pedia a extinção imediata do Estado, ao invés do argumento marxista de definhamento gradual da administração estatal, e 17
implantou o estado soviético. E por que defendemos o argumento da tese marxista? Porque o mundo ainda se encontra em processo multíplice de construção, e se aproveitarmos os conceitos de sociedade líquida desenvolvidos por Zygmunt Bauman – que entendemos contestar o barbudo de Trier de que tudo que é sólido desmancha no ar – e, contrariando esse conceito marxista, diz que tudo o mais parece líquido, tudo parecerá fluir, ou seja, ter a capacidade de adquirir o formato de recipientes que funcionam como vasos comunicantes, escorrendo entre o poder do Executivo que tem que agir com rapidez, isto é, ter a capacidade de levar coisas a cabo, mas tem que se conformar com indecisões entre os desejos imediatos das populações e o poder do Legislativo que trabalha com lentidão a competência para decidir que coisas devem ser feitas, e opera com contradições representativas das necessidades do eleitorado, isto porque aqueles que detêm o poder em um sistema tripartite de governabilidade nem sempre dominam a política, e quem domina a política e tem o poder para formular políticas públicas não tem autorização para executá-las, uma contradição que divide os poderes e atrasa a evolução da sociedade.
Para Carlo Bordoni, debatedor sobre
a questão da crise atual do Estado westfaliano, junto com Zygmunt Bauman, "os laços entre o Estado e o cidadão são enfraquecidos, a sociedade perde coesão e se torna
‘líquida’". Assim, Bordoni aceita o novo paradigma de Bauman para explicar o fracasso do Estado westfaliano 18
criticado por Carl Schmitt e substituído pelo estado nazista de Adolf Hitler, e condena o poder e a política dos países periféricos e em desenvolvimento que considera incapazes de enfrentarem o novo estatismo sem Estado, ou seja, a invasão do mercado globalizado que se sobrepõe de modo dominante ao poder e à política de nível nacional localizado.
Assim, em resumo, faz-se necessário
repetir e enfatizar que no novo mundo capitalista o que separa o poder da política nas sociedades nacionais é a globalização, que cria o estatismo sem Estado, ao fazer surgir o poder global dos mercados das finanças, dos capitais de investimento, da circulação de mercadorias e do trabalho, que não tomam conhecimento do poder local comunitário/nacional sobre tais espaços de mercado.
Discordo de Carlo Bordoni e Zygmunt
Bauman, porque acredito na potencialidade de um espaço geográfico como o do Brasil, em disponibilidade e aguardando lideranças que assumam, pelo voto, a direção do Estado, e que saibam administrar as oportunidades de desenvolvimento e crescimento econômico, de distribuição mais justa da riqueza, de inclusão social pela geração de empregos, de repartição do poder e da política entre o Executivo e o Legislativo, e de funcionamento do Judiciário como mediador de conflitos na aplicação das leis.
Em meu entender, o que vem
impedindo o poder e a política de atuarem em conjunção de forças no Brasil é a corrupção generalizada dos 19
políticos, empresários e burocratas de alto nível que agem confiando em que jamais a justiça os alcançará, fazendo predominar a antipolítica, uma aversão da cidadania pela política partidária.
Nesse sentido, do avanço da
corrupção nas corporações estatais, o exemplo maior e mais estarrecedor vem do Estado do Rio de Janeiro onde os seis últimos governadores eleitos foram exonerados e condenados pela Justiça, graças às investigações conduzidas pela Polícia Federal a pedido de procuradores do Ministério Público brasileiro, por assaltos às finanças públicas de corporações federais e estaduais. Apenas um desses governadores, Sérgio Cabral, já acumula mais de duzentos e noventa anos de prisão pelos assaltos que cometeu contra os cofres do Estado do Rio de Janeiro; e dos sete juízes do Tribunal de Contas do Estado, seis foram condenados pela justiça e exonerados, restando apenas uma mulher como exemplo significativo de honestidade; e toda a cúpula da Assembleia Legislativa, mais de uma vez, e na segunda vez presidida por um parlamentar eleito pelo PT, também está envolvida com falcatruas com os dinheiros públicos e sofrendo processos abertos pelo Ministério Público estadual.
Bordoni e Bauman consideram que a
antipolítica resulta em populismo e nacionalismo que podem atrair devastadores desvios, como uma ditadura, mas, no caso brasileiro, há espaço para o trabalho de um líder populista honesto e nacionalista, em especial se essas lideranças tiverem formação militar e experiência 20
política, a primeira para lhes ensinar sobre a necessidade de honestidade política e a segunda para entender a devastadora invasão dos mercados globalizadores sobre os territórios que deles não se defendem.
Segundo Carlo Bordoni, o nacionalismo
hoje não vai além do drama de uma opereta tragicômica, com o que absolutamente não concordo. Um continente territorial como o espaço geográfico brasileiro pode perfeitamente se organizar e lutar para se tornar um país desenvolvido, pois dispõe das riquezas naturais e de populações que podem ser lideradas para alcançar o estágio de desenvolvimento que permitirá a defesa de suas terras, seus mares e seus ares.
Na sociedade da liquidez em que vivemos no Brasil de hoje, o Judiciário criou um espaço próprio de atuação executiva e legislativa, o que embaralha mais ainda o sistema de governo, mas não o inviabiliza, apenas o atrasa em suas propostas de realizações.
Assim, o moderno conceito de
liquidez, superando o conceito marxista do all that is solid melts into air, nos ensina que precisamos unir o poder e a política em torno de um projeto de nação e de país, se pretendemos melhorar a qualidade de vida das populações contando com o Estado como liderança ainda necessária para conduzir uma proposta de tamanha envergadura.
Consolidado tal projeto, poder-se-á passar ao momento da substituição do Estado por outro tipo de entidade que servirá como motor principal do dinamismo social, 21
necessário para a continuidade de novos projetos de manutenção da qualidade de vida alcançada.
E precisamos fazê-lo porque hoje o
capital também é líquido, no sentido de que é fluido e estará disponível onde forem oferecidas as melhores condições de estabilidade para a sua reprodução, e para tanto há que se oferecer um projeto viável de país e de nação.
Enfim, entende-se que na sociedade
líquida tudo funciona junto e misturado, para usar uma expressão brasileira dessa modernidade que nos alcançou.
Assim, no caminho para a construção
nacionalista de uma nação e de um país, a leitura da intertextualidade entre George Büchner, Bertolt Brecht e Hermann Broch, representados respectivamente pelos seus personagens – Woyzeck e Lenz (Büchner), Kragler e Baal (Brecht) e Joachim von Pasenow, August Esch, Wilhelm Hugeunau e Eduard von Bertrand (Broch), nos pavimenta o caminho para acreditarmos que vale a pena apontar a reconstrução política e social que poderá fazer o Brasil renascer, já que perdemos a oportunidade de construí-lo na primeira vez em que se nos apresentou, no intervalo temporal do Império lusitano-brasileiro.
Os personagens de Os Sonâmbulos na
verdade são indivíduos inconscientes em relação aos valores da sociedade, incapazes de reconhecer a realidade 22
circundante e o colapso do sistema de valores centrado no desempenho do ser humano.
Em tal meio ambiente a objetividade
da personagem Huguenau se impõe como senhora suprema de uma sociedade niilista e se instala e vence tanto o romantismo militarista de Pasenow, que debilmente tenta reagir à decadência mundana, quanto o anarquismo de Esch, que se perde em uma confusão de valores. O personagem Eduard von Bertrand, o ex-militar que largou o serviço militar para fazer negócios, por cobiçar o lucro, por ganância, é um aventureiro que se torna conselheiro de Pasenow, um tenente indeciso entre o militarismo e a vida civil. Bertrand se apresenta com dubiedades, ao se mostrar apaixonado por Elisabeth e tentar seduzi-la, uma jovem que se deixa cortejar ainda que entenda que tem pela frente um grande manipulador, e ele, em seguida, dela desiste, a jovem rica prometida ao amigo militar, e afirmando que no fundo, tudo é romantismo. Enquanto isso acontece, o tenente Pasenow se apaixona pela linda Ruzena, uma garota que exerce
uma profissão obscura
em um bordel, ou seja, é uma prostituta, e em seguida