O Trabalho Em Linhas Retas: Liberdade Ou Resignação?
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O Trabalho Em Linhas Retas - Samuel Alves De Lima
– PREFÁCIO –
Durante a Semana da Arte Moderna de 1922, um dos seus mais ilustres signatários, o poeta Mario de Andrade, cunhou uma frase que ficaria para história, dizia ele: não sabemos definir o que queremos, mas sabemos o que não queremos!
Mario de Andrade lançava naquele momento uma crítica a sociedade brasileira, enrijecida por uma estrutura colonial, antiga e lusitana. Sua frase, mutatis mutandis, muito traduz o espirito que devemos tomar em nossos destinos na contemporaneidade: precisamos definir que o atual modelo de distribuição das riquezas, de exploração dos homens e mulheres que trabalham, que privilegia interesses exclusivamente econômicos, reduzindo a todos a suporte de relações materiais, não pode e não deve persistir, sob pena da barbárie.
Esse opúsculo que tenho a honra de apresentar ao leitor contribui nesse processo de desvelar os mecanismos internos de funcionamento de um modelo societal que produz sem cessar a destruição do mundo dos homens. Nesse sentido, Samuel de Lima nos presenteia com um trabalho estimulante sobre a passagem do modelo produtivo baseado no par fordismo/keynesianismo para o modelo toyotista/neoliberal.
É valioso ressaltar que seu texto ultrapassa interesses unicamente acadêmicos; ele se presta a todos e todas que procuram entender o mundo em que vivemos. A partir de uma investigação sobre os fatores que levaram a déblâce do Welfare State e a ascensão e do neoliberalismo, com todas as suas consequências sociais, o livro nos guia por dentro da trama ideológica do sistema produtor de mercadorias.
O autor demonstra que tanto o fordismo como o toyotismo não se restringem apenas à dimensão material, ou seja, ao âmbito da produção. Mais que isso, sua influência extrapola a esfera econômica, consistindo em força estruturadora de toda a vida humana, nos planos social, cultural, geográfico, artístico e político.
Ancorado em autores de peso como David Harvey, um dos maiores geógrafos de nosso tempo, Thomas Gounet, editor de uma das mais importantes revistas marxistas da Europa, a Etudes Marxistes, e o sociólogo brasileiro Ruy Gomes Braga Neto, o nosso autor sustenta sua crítica às tentativas de conciliação entre sociedade civil, Estado e mercado, inscritas nas proposições da Escola Francesa da Regulação.
As décadas de 80 e 90 do século passado foram profícuas em teorias que buscavam, cada uma ao seu modo, equacionar desenvolvimento social e capitalismo. Alguns desses autores merecem destaque, como Adam Schaff e Adam Przeworski. Para esses autores, a possibilidade de superação do capitalismo desaparece do horizonte, resulta daí a eternização dessa forma social. No mesmo sentido, a Teoria de Regulação procura formas institucionais de regular o capitalismo tornando-o, talvez, menos predatório. Contudo, nosso presente histórico denuncia o malogro dessas abordagens. O capitalismo não se tornou menos predatório, inversamente, parcelas cada vez mais gigantescas da humanidade são banidas do banquete da globalização neoliberal. Povos inteiros alijados do progresso técnico e mesmo de condições mínimas para a manutenção da vida. Parafraseando o autor deste livro, esses autores não fazem outra coisa que UMA ODE AO MONSTRO!
Tempos de desesperança são também momentos cruciais para a reflexão e para uma práxis transformadora. O livro que agora apresento ao leitor, inspira e ilumina um caminho possível, onde não tenhamos mais que aceitar resignadamente a liberdade da pipa, essa liberdade amoral, fundada numa versão pós-fordista do individualismo, que nos aparta do Estado e dos coletivos, relegando a todos à própria sorte.
Boa Leitura!
Sérgio Ricardo G. dos S. Melo
Doutor em Sociologia
– INTRODUÇÃO –
Ao final da década de 70 do século passado, o capitalismo depara-se com mais uma de suas crises político-econômicas, esgotando o modelo produtivo pautado no binômio fordismo/taylorismo e seu correspondente pacto político, qual seja, o Estado-providência ou Estado de bem-estar social, caracterizado por um amplo pacto entre trabalhadores, sindicatos e patrões que, por tempo razoável, garantiu o aumento da produtividade e uma frágil harmonia entre as classes proprietária e trabalhadora. Uma vasta bibliografia nos oferece todos os elementos que compunham o cenário de declínio do fordismo, retratam e sugerem análises em abundância a respeito dos inúmeros fatores que, combinados, levaram ao esvaziamento do regime fordista (BRAGA NETO, 2002). Assim, reservaremos espaço pouco generoso em nosso trabalho para tratar do tema. Inúmeras tentativas se sucederam na direção de superar o modelo em crise, e a base das novas tentativas repousa fundamentalmente na maciça inserção das novas tecnologias no interior do processo produtivo, redesenhando não só o espaço fabril como todas as relações sociais. É sobre esse momento que nos debruçaremos da experiência sueca, passando pela experiência italiana até alcançarmos o definitivo sucesso do que se convencionou na literatura de modelo de acumulação flexível, o toyotismo.
A nova configuração produtiva inaugura uma etapa avançada do desenvolvimento capitalista, erguem-se deste ponto novos desafios políticos, econômicos, sociais, geográficos¹ e culturais, em todos os planos e dimensões, exigindo-se assim cuidadosa atenção dos estudiosos, pois os processos que se põe em curso aceleram-se e misturam-se em ritmo frenético, alterando as condições de vida de forma substancial.
A década de 1980 presenciou, nos países de capitalismo avançado, profundas transformações no mundo do trabalho, nas suas formas de inserção na estrutura produtiva, nas formas de representação sindical e política. Foram tão intensas as modificações, que se pode mesmo afirmar que a classe-que-vive-do-trabalho sofreu a mais aguda crise deste século, que atingiu não só a sua materialidade, mas teve profundas repercussões na sua subjetividade e, no íntimo inter-relacionamento destes níveis, afetou a