A Greve dos Pedreiros: a construção da memória da paralisação dos operários da construção civil de Belo Horizonte em 1979
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Sobre este e-book
Este livro conta a história dessa paralisação dos operários da construção civil. Tendo como foco de análise a memória, na sua face social, procurei analisar a construção da memória de um grupo de trabalhadores da construção e a greve que deflagraram. A atividade de memória dos operários entrevistados a respeito daquela greve ocorreu de diferentes formas. As lembranças de grande parte dos operários articularam aquele movimento aos processos de conquista, construção, apropriação e uso do espaço tanto físico como social do Sindicato da categoria. Por outro lado, outros procuraram recordá-la chamando a atenção para os conflitos que aconteceram no decorrer da paralisação.
A obra é resultado da dissertação de mestrado "A MEMÓRIA DA CONSTRUÇÃO E A CONSTRUÇÃO DA MEMÓRIA: a greve dos operários da construção civil de Belo Horizonte em 1979", que defendi no Programa de Pós-Graduação em Memória Social da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO) em 2006. Depois de 16 anos, por conta do convite da Editora Dialética, revisito e publico essa pesquisa em forma de livro.
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A Greve dos Pedreiros - Ricardo Cordeiro de Oliveira
"Quem construiu a Tebas de sete portas?
Nos livros estão nomes de reis.
Arrastaram eles os blocos de pedras?
E a Babilônia várias vezes destruída –
Quem a reconstruiu tantas vezes? Em que casas
Da Lima dourada moravam os construtores?
Para onde foram os pedreiros, na noite em que
SA muralha da China ficou pronta?
A grande Roma está cheia de arcos do triunfo
Quem os ergueu? Sobre quem
Triunfaram os Césares? A decantada Bizâncio
Tinha somente palácios para seus habitantes?
(...)
Tantas histórias.
Tantas questões."
(Brecht, Bertolt, trecho do poema Perguntas de um trabalhador que lê)
Pedreiro Waldemar
Você conhece o pedreiro Waldemar/ não conhece, pois eu vou lhe apresentar/ De manhã cedo pega o bonde circular/ Faz tanta casa e não tem casa pra morar
.
(Wilson Batista/ Roberto Martins, 1946)
PREFÁCIO
O livro que o leitor tem nas mãos é uma contribuição importante às análises da já longa história de luta da classe trabalhadora em nosso país. Baseado em pesquisa feita com esmero, em amplo espectro de fontes escritas, orais e iconográficas, o trabalho de Ricardo Cordeiro tem vários méritos. Ao analisar a experiência de trabalho, organização e luta de operários da construção civil de Belo Horizonte, nos anos 1970, ele amplia o escopo de análises sobre a classe trabalhadora naquele contexto a qual, por variados motivos, acabou muito centrada em categorias profissionais específicas e no eixo São Paulo-Rio de janeiro, por exemplo na importante trajetória dos metalúrgicos do ABC-Paulista e de suas lutas. Além disso, a utilização da memória social e da história oral abre ricos ângulos de análise e entendimento dos processos.
O final dos anos 1970 é o período marcado pelo começo de um longo ciclo de retomada de mobilizações grevistas que atravessará a década de 1980. Ainda no contexto do regime militar, era também o momento de diversas rearticulações políticas já no sentido da flexibilização do regime, que se pensavam e efetivavam sem levar em conta a classe trabalhadora. Classe que vinha de, pelo menos, dez anos - após as greves de nosso 1968 operário, uma delas em Contagem, em Minas Gerais – de muito trabalho cauteloso desenvolvido em seus locais de trabalho, dentro das brechas possíveis que podiam ser encontradas, usadas e ampliadas. Trabalhando da mesma forma nas articulações, por dentro da estrutura sindical, construídas e exploradas por alguns setores. Era o momento ainda em que a classe trabalhadora agenciava suas tentativas de organizar nacionalmente seu movimento sindical, tendo como uma de suas forças mais dinâmicas e vivas os setores do chamado novo sindicalismo
, que tinha em Luiz Inácio da Silva, o líder metalúrgico Lula, uma de suas maiores expressões.
Vivia-se claramente um período de ascensão das forças sociais do trabalho o qual, com sua pujança, ficará explicitado, nos anos 1980. No nível organizativo, com a fundação de duas centrais sindicais de peso nacional, a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e a Central Geral dos Trabalhadores (CGT); e de um partido de extração operária e sindical, o Partido dos Trabalhadores (PT) que se tornaria em breve o partido hegemônico na esquerda brasileira. No nível mobilizatório isso ficava igualmente explicitado diante das milhares de greves que marcaram indelevelmente aquela década, caracterizando-a como uma década sindical, bem como na participação destacada da classe trabalhadora em diversos movimentos de corte mais amplo em termos políticos e sociais tais como o das Diretas Já e o pela Constituinte. Por fim, lembre-se que esse foi para os movimentos sociais um período também de ascensão. Movimentos de estudantes, contra a carestia, de mulheres e de negros, apenas para ficar nos mais proeminentes, tomavam a cena pública tornando a conjuntura bastante movida.
A classe trabalhadora brasileira se movia indicando que queria participar e influir nas questões que lhe diziam respeito no mundo do trabalho, mas, da mesma forma, ao nível mais geral acerca dos rumos a serem seguidos pelo país. Não se pode contestar a importância da greve de 1978 dos metalúrgicos do ABC, que abre a porteira para um conjunto de mobilizações para os mais diversos grupos sociais e categorias profissionais, as quais, por sua vez, cada uma no bojo de todo esse contexto descrito, trazem suas próprias histórias, trajetórias e experiências condensadas em suas mobilizações, merecendo ter mais atenção analítica.
O presente livro capta exatamente, em termos de história e memória, o rico processo de organização e mobilização dos operários da construção civil, categoria de trajetória marcante na história de luta dos/as trabalhadores/as em nosso país. No contexto aqui em tela, em diversas regiões do país, essa categoria construiu movimentos luminosos. Um deles, entre os mais marcantes, aquele deflagrado em Belo Horizonte.
O livro em sua introdução fornece ao leitor o percurso teórico e metodológico seguidos por Ricardo, atravessando áreas do conhecimento como a memória social, a história social do trabalho, além das referências específicas acerca da categoria. Outro ponto destacado são as formulações do autor acerca dos usos que faz da metodologia da história oral. Ricardo demonstra o uso de seus operadores analíticos e, de forma aberta e corajosa, apresenta suas hipóteses de trabalho e o resultado de sua testagem, ora sendo confirmadas ora não, indicando sua alteração diante dos resultados no campo.
Ricardo, como um pesquisador dedicado e obstinado, e com análise fina, seja através do trabalho de memória de seus entrevistados, seja através das outras fontes compulsadas, leva o leitor para dentro das formas pelas quais aquele grupo operário constrói suas memórias e interpreta a greve de 1979, um dos pontos luminosos da história da classe trabalhadora brasileira do período. Neste caminhar, podemos perceber como a cidade esqueceu os eventos produzidos por aquela semana de greve, que toma os espaços urbanos, em alguns momentos com desdobramentos violentos, e como o grupo operário, que constrói a cidade, estando nela já presente em sua materialidade, se reapropria desses espaços esquecidos
em seu trabalho de memória e celebração da greve. Vamos vendo os fios que teceram aquele movimento e de que maneiras os quadros de referência do mundo rural, de onde a maioria é egressa, serviram de fundações importantes para o conjunto de práticas que se estabeleceram durante a greve e que a sustentaram. Nos são apresentados elementos para acompanharmos os caminhos do grupo, desde sua luta na oposição, passando pela tomada do sindicato, até a deflagração e desdobramentos da greve. Além disso, vemos como os quadros sociais da memória do grupo lhes servem de identidade.
Por todos esses aspectos, a publicação do livro de Ricardo Cordeiro deve ser saudada, tanto pelos/as pesquisadores/as da área quanto pelo público mais amplo. Em um outro contexto, como o atual, no qual a precarização do trabalho e da vida, e os ataques às suas formas de organização coletiva avançam à larga, em que parece se impor ao trabalho à perda de sentido e importância social e à descrença nas formas coletivas, a memória de um momento como o analisado neste livro, ainda que guardadas as diferenças, em que a classe trabalhadora, diante de conjuntura adversa, se organizava e lutava por melhores condições de trabalho e de remuneração, enfim, por uma vida melhor, podem ser pedagógicas, inspiradoras e estimulantes.
Rio de Janeiro/Agosto/2022
Marco Aurélio Santana
Professor Titular
Departamento de Sociologia (DS)
Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia (PPGSA) Coordenador do Núcleo de Estudos Trabalho e Sociedad (NETS) IFCS-UFRJ
APRESENTAÇÃO
No começo da pandemia do Covid-19, o governo Bolsonaro classificou a indústria da construção civil como atividade essencial¹. Em outras palavras, a construção civil, apesar de tempos pandêmicos, continuou na ativa. Já no início da vacinação, o mesmo governo, por meio do Ministério da Saúde, colocou os trabalhadores da construção na lista dos grupos prioritários para a aplicação da vacina. Porém, deixou-os no último lugar dentro do grupo mais amplo de trabalhadores industriais². Qual foi o resultado disso? Na cidade de São Paulo, por exemplo, os pedreiros estavam entre as profissões que mais registraram mortes pelo Novo Coronavírus³. Trabalhadores da construção – aqueles que colocam a mão na massa
–, nesse sentido, ainda são tratados como invisíveis e como descartáveis. Prontos para serem substituídos.
Substituíveis e invisíveis também eram os operários da construção civil de Belo Horizonte em 1979. Só foram descobertos
quando organizaram uma greve. Durante pouco mais de uma semana de paralisação, dezenas de milhares de operários da construção caminharam pelas ruas e pelas avenidas centrais da capital mineira, lutando por aumento no salário - muito defasado naquela época - e por melhores condições de trabalho e de vida. Na contramão da mobilização dos operários da construção, parte da população de BH e da grande imprensa, surpresa com a ação dos operários, condenou a greve. Para estes, era impensável tal atitude. Impensável para quem? Para os operários não era. Parafraseando a canção do músico, compositor e escritor brasileiro Chico Buarque de Hollanda, não queriam mais morrer atrapalhando o trânsito e o tráfego
, nem cair dos andaimes pingentes
.
Esta greve ocorreu dentro do grande movimento grevista organizado pelos trabalhadores brasileiros no final da década de 1970. O Brasil vivia sob a ditadura civil-militar (1964 -1985) em processo de abertura política lenta, gradual e segura
. No entanto, ainda prendia e arrebentava, segundo João Baptista Figueiredo, o último dos ditadores militares. Aqueles vinte e um anos de regime militar foram tempos de perseguição, de tortura e de morte de cidadãos que se opunham aos dirigentes militares. Período também de recordes de acidentes de trabalho, de sindicatos controlados e calados, de inflação alta e de salários com aumentos insignificantes. Naquela época, portanto, a vida daqueles trabalhadores, cada vez mais, era marcada pela exploração e pelo empobrecimento.
A obra, dessa forma, trata da paralisação dos operários da construção civil de Belo Horizonte em 1979. Tendo como foco de análise a memória, na sua face social, procurei analisar a construção