O Meu Primeiro Aristóteles: Vida, Pensamento E Obras Do Pai Da Metafísica
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O Meu Primeiro Aristóteles - Enrico Valente
Enrico Valente
O MEU PRIMEIRO
ARISTÓTELES
Vida, pensamento e obras do pai da Metafísica
©2022 - Enrico Valente
Tradução de Adérito Francisco Huó
Coleção encontros filosóficos
Na mesma coleção:
O meu primeiro Platão
Índice
INTRODUÇÃO
1. A VIDA
2. CLASSIFICAÇÃO DAS OBRAS
3. O QUADRO DAS CIÊNCIAS
4. A METAFÍSICA
5. A LÓGICA
6. A FÍSICA
7. PSICOLOGIA E GNOSIOLOGIA
8. A ÉTICA
9. A POLÍTICA
10. A POÉTICA
11. ARISTÓTELES NA HISTÓRIA
INTRODUÇÃO
A amizade e a verdade são coisas caras, mas é coisa santa honrar mais a verdade
(Etica Nicomachea)
Uma introdução à filosofia de Aristóteles que seja adequada à uma obra que se propõe para delinear as linhas essenciais do seu pensamento, não pode eximir-se começando a partir da confrontação com aquilo que foi o seu grande mestre, Platão. E para melhor compreender as semelhanças e divergências entre estes dois gigantes da antiguidade e aproximar de forma mais consciente o seu pensamento, julgo oportuno começar do contexto histórico no qual cada um deles viveu.
Ainda que os anos que separam Platão de Aristóteles fossem poucos, o tempo histórico parece ter sofrido uma profunda mudança. A crise das polis (estruturas politicas típicas da antiga civilização grega), e a sua sujeição à progressão da poderosa Macedónia, resultou irreversível. A nova conjuntura histórico-político não tardou a refletir-se sobre o clima de interesse e de confiança nas instituições políticas que na época Aristóteles assinalou provavelmente o seu mínimo histórico. Se efetivamente antes os citadinos mostravam interesse e participavam de alguma forma ao governo do pais, na época aristotélica, sentindo-se excluídos da gestão da coisa publica, acabaram por perder aquela paixão política que representou um incentivo do platonismo.
Visto o diferente quadro sociopolítico no qual viveram os dois filósofos, não espanta como a política, que para Platão era a finalidade da sua filosofia, para Aristóteles passou em segundo plano. Se, de facto, em Platão prevalece o momento politico-educativo, em Aristóteles a predominar é aquele cognitivo e científico. O fim da filosofia aristotélica torna-se o conhecimento desinteressado da verdade, o estudo requintado por si só das ciências e da realidade, em todos os seus múltiplos aspetos. Em resumo o filósofo não mais guia e educador em vista de uma sociedade justa e racional, permanece um sapiente, um cientista-professor com a tarefa de conhecer a fundo a realidade e a natureza.
A diversidade dos fins foi a consequência de uma divergência que enraizava-se nas fundamentações das respetivas filosofias e que pode ser expressa nestes termos: Platão viu o mundo mediante uma ótica vertical, hierárquica e distinguiu, num mercado dualismo, as verdadeiras realidades daquelas aparentes, Aristóteles, pelo contrário, segundo uma ótica horizontal e unitária. Por isso diferentemente do mestre, que dispunha as técnicas e as ciências conforme à sua importância, escolheu pôr todas as formas do saber científico no mesmo plano. O conjunto destas disciplinas constitui a enciclopédia do saber, onde se espelham os vários aspetos do ser.
Esta renovada perspetiva enraíza-se no transformado/alterado contexto cultural no qual vivei Aristóteles. Um quadro cultural caracterizado pela presença de uma multiplicidade de ciências em expansão, que depois de terem logrado resistir à tentativa platónica para serem reconduzidos num sistema piramidal, reivindicam de viva voz a sua dignidade e a própria autonomia. E a filosofia pode apartar-se das outras disciplinas porque desprovida de qualquer fim, não se ocupa em organizar o saber, em dar uma ordem ao discurso (Platão) mas, mais que interrogar-se sobre o sentido das coisas; por isso, longe de dar um valor, uma ordem de importância às formas do conhecimento, prefere interrogar-se sobre o ser e sobre a realidade como tal.
Uma das mais importantes objeções que Aristóteles moveu ao seu mestre no que diz respeito à relação estabelecida entre as ideias e a realidades sensíveis que veio substancialmente subvertido. Como pode ser, questionava-se Aristóteles, que as ideias das coisas possam nascer antes das mesmas coisas? Foi assim que com audácia o discípulo desvirtuou o fundamento do mestre (e com ele o dualismo ontológico no qual baseia-se a sua doutrina) e a prioridade não pertence mais às ideias mas às coisas sensíveis, às substâncias fundamentais e individuais. Não mais, portanto, as coisas a serem cópias e imitações das ideias mas as ideias a serem dependentes das coisas.
Uma outra fundamental critica que Aristóteles moveu em Platão, e aos defensores das ideias, é que, propondo-se para conhecer as causas das realidades sensíveis, eles introduziram outras realidades (as ideias) em numero igual ou mesmo superiores a estas, assim que no lugar de reconduzir as realidades sensíveis a um numero mais limitado às causas, como se avança quando se pretende organizar uma multiplicidade de dados, acabaram por reconduzi-las a um numero ate maior. Isto é devido para Aristóteles ao erro de querer pôr ideias mesmo lá onde não existem substâncias e ate às realidades eternas. Mesmo a célebre teoria do terceiro homem
com a qual substancialmente nos deixa perceber o absurdo em criar ideias das ideias, concebido pelo mesmo Platão, colocou à ribalta todas as carências da sua doutrina. Todos os caracteres críticos e outros ainda comportaram precisamente, e Aristóteles fica convencido, que em vez de explicar as coisas, reconduzindo a multiplicidade individual à unidade universal, a teoria das ideias obteve o resultado concretamente inverso, isto é a sua multiplicação ao infinito, tornando-as de tal forma totalmente inacessíveis ao intelecto.
Por isso, Aristóteles sentiu desde logo a necessidade de fundar uma sua escola independente da Academia, e apelidou-a o Liceu. Estas duas escolas deram origem ao mais célebre dualismo da cultura ocidental, aquele entre