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O lugar do marxismo na formação profissional em serviço social
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O lugar do marxismo na formação profissional em serviço social
E-book344 páginas4 horas

O lugar do marxismo na formação profissional em serviço social

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Sobre este e-book

A presente obra foi agraciada com menção honrosa, na edição de 2018, do Prêmio Tese da Capes, dada a sua relevância por articular aspectos pertinentes ao projeto ético-político do Serviço Social e se direcionar para o ensino da profissão no âmbito da graduação no Rio Grande do Sul. O processo foi realizado a partir da análise de projetos pedagógicos, currículos e disciplinas, além da escuta de sujeitos, registrada com dados empíricos, problematizados à luz da fundamentação marxiana e, portanto, a partir de uma concepção de totalidade. Abordam-se a teoria e o método em Marx, a relação histórica dessa perspectiva teórico-metodológica com o Serviço Social e a mediação desses dois elementos na formação profissional da área. O produto de seu trabalho não apenas desvenda possibilidades e limites e desoculta mediações reducionistas e apropriações superficiais, mas também aponta caminhos para o seu adensamento, dá visibilidade ao vigor dos aportes dessa teoria e de seus valores como parte essencial do instrumental, sem o qual o trabalho do assistente social perde substância e efetividade. Trata-se de uma obra fundamental a todas e a todos os assistentes sociais engajados na defesa de um projeto profissional crítico do Serviço Social.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento22 de ago. de 2022
ISBN9788539713394
O lugar do marxismo na formação profissional em serviço social

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    Pré-visualização do livro

    O lugar do marxismo na formação profissional em serviço social - Inez Rocha Zacarias

    capa do livro

    Chanceler

    Dom Jaime Spengler

    Reitor

    Evilázio Teixeira

    Vice-Reitor

    Jaderson Costa da Costa

    CONSELHO EDITORIAL

    Presidente

    Carla Denise Bonan

    Editor-Chefe

    Luciano Aronne de Abreu

    Antonio Carlos Hohlfeldt

    Augusto Mussi Alvim

    Cláudia Musa Fay

    Gleny T. Duro Guimarães

    Helder Gordim da Silveira

    Lívia Haygert Pithan

    Lucia Maria Martins Giraffa

    Maria Eunice Moreira

    Maria Martha Campos

    Nythamar de Oliveira

    Walter F. de Azevedo Jr.

    INEZ ROCHA ZACARIAS

    O LUGAR DO MARXISMO NA FORMAÇÃO PROFISSIONAL EM SERVIÇO SOCIAL

    logoEdipucrs

    Porto Alegre, 2020

    © EDIPUCRS 2020

    CAPA Thiara Speth

    EDITORAÇÃO ELETRÔNICA Maria Fernanda Fuscaldo

    REVISÃO DE TEXTO Simone Borges e Karoline Broll

    Edição revisada segundo o novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.

    Este livro conta com um ambiente virtual, em que você terá acesso gratuito a conteúdos exclusivos. Acesse o site e confira! 

    logo-capes

    O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal Nivel Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001 

    This study was financed in part by the Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nivel Superior – Brasil (CAPES) – Finance Code 001

    Logo-EDIPUCRS

    Editora Universitária da PUCRS

    Av. Ipiranga, 6681 - Prédio 33

    Caixa Postal 1429 - CEP 90619-900

    Porto Alegre - RS - Brasil

    Fone/fax: (51) 3320 3711

    E-mail: edipucrs@pucrs.br

    Site: www.pucrs.br/edipucrs

    Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


    Z13L  Zacarias, Inez Rocha       

                     O lugar do marxismo na formação profissional em serviço social

    [recurso eletrônico] / Inez Rocha Zacarias. – Dados eletrônicos.

    Porto Alegre : EDIPUCRS, 2020.  

                     Modo de Acesso:  

                     ISBN 978-85-397-1339-4      

                      1. Assistentes sociais. 2. Marxismo. 3. Serviço social. I. Título.  

                                                                           CDD 23. ed. 361


    Loiva Duarte Novak CRB 10/2079

    Setor de Tratamento da Informação da BC-PUCRS.

    TODOS OS DIREITOS RESERVADOS. Proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer meio ou processo, especialmente por sistemas gráficos, microfílmicos, fotográficos, reprográficos, fonográficos, videográficos. Vedada a memorização e/ou a recuperação total ou parcial, bem como a inclusão de qualquer parte desta obra em qualquer sistema de processamento de dados. Essas proibições aplicam-se também às características gráficas da obra e à sua editoração. A violação dos direitos autorais é punível como crime (art. 184 e parágrafos, do Código Penal), com pena de prisão e multa, conjuntamente com busca e apreensão e indenizações diversas (arts. 101 a 110 da Lei 9.610, de 19.02.1998, Lei dos Direitos Autorais).

    LISTA DE FIGURAS

    Figura 1. Quadro metodológico da pesquisa.

    Quadro 1. Caracterização das unidades de ensino.

    Gráfico 1. Bibliografias utilizadas pelos cursos de Serviço Social, conforme perspectiva teórico-metodológica.

    Gráfico 2. Bibliografias utilizadas pelos cursos de Serviço Social das UEs privadas, conforme perspectiva teórico-metodológica.

    Gráfico 3. Bibliografias utilizadas pelos cursos de Serviço Social das UEs públicas, conforme perspectiva teórico-metodológica.

    Tabela 1. Disciplinas com indicação de bibliografias marxianas e/ou de perspectiva teórico-metodológica crítico-marxista por unidade de ensino

    Gráfico 4. Composição de bibliografias das disciplinas sobre matéria de Serviço Social, conforme perspectiva teórico-metodológica, por UEs privadas e públicas.

    Gráfico 5. Proporcionalidade de bibliografias, conforme a perspectiva teórico-metodológica das obras indicadas nas UEs privadas.

    Gráfico 6. Proporcionalidade de bibliografias, conforme a perspectiva teórico-metodológica das obras indicadas nas UEs públicas.

    Quadro 2. Epígrafe de disciplinas em que constam a palavra trabalho por unidade de ensino.

    Quadro 3. Disciplinas com a palavra trabalho no título segundo conteúdos definidos.

    Gráfico 7. Disciplinas sobre trabalho segundo fontes bibliográficas indicadas.

    Sumário

    Capa

    Conselho Editorial

    Folha de Rosto

    Créditos

    PREFÁCIO

    APRESENTAÇÃO

    1 A TEORIA E O MÉTODO EM MARX: INTRODUÇÃO AO PENSAMENTO MARXIANO A PARTIR DAS TRÊS FONTES DO MARXISMO

    1.1 A filosofia materialista dialética

    1.1.1 O método da crítica à economia política

    1.1.2 Categorias e leis da dialética

    1.2 A Crítica da Economia Política

    1.2.1 Do jornalismo à crítica da economia política

    1.2.2 A análise do capital

    1.2.3 Do equivalente geral à transformação do dinheiro em capital

    1.2.4 Trabalho e alienação

    1.3 O socialismo científico

    1.3.1 O comunismo

    1.3.2 O Estado e a emancipação

    2 O SERVIÇO SOCIAL E A INTERLOCUÇÃO COM O PENSAMENTO MARXIANO E A TRADIÇÃO MARXISTA NO BRASIL: ELEMENTOS DE UM PROCESSO EM MOVIMENTO

    2.1 A Reconceituação do Serviço Social na América Latina

    2.2 A intenção de ruptura no Serviço Social brasileiro

    3 A MEDIAÇÃO DO MÉTODO EM MARX E A FORMAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL: A ANÁLISE EM QUESTÃO

    3.1 A adoção da teoria social crítica nos projetos político-pedagógicos

    3.2 A Questão Social: eixo articulador da formação profissional

    3.3 A centralidade da categoria trabalho como eixo organizador da vida social

    3.4 A direção social da profissão

    3.5 Perfil profissional crítico

    CONCLUSÃO

    REFERÊNCIAS

    APÊNDICE A – Instrumento 1: Roteiro de Análise Documental

    APÊNDICE B – Instrumento 2: Roteiro de Análise Documental

    APÊNDICE C – Instrumento 3: Entrevista com Coordenador de Curso de Graduação em Serviço Social

    APÊNDICE D – Instrumento 4: Entrevista com Coordenador de Estágio na graduação em Serviço Social

    EDIPUCRS

    PREFÁCIO

    Vivemos tempos muito difíceis de retrocesso, marcados pelo avanço do conservadorismo, dos fundamentalismos, da regressão de direitos, do aumento das mais diversas formas de violência e desrespeito à diversidade humana. A absoluta inversão de valores, o individualismo egocêntrico e egoísta que caracteriza sujeitos, coletivos, sociedades e governos como consequência das crises cada vez mais profundas do capital e a busca desenfreada e irresponsável por novos modos de crescimento em detrimento dos interesses coletivos da humanidade têm posto em risco a vida e o futuro das pessoas e do planeta. Os governos de ultradireita, vitoriosos nas últimas eleições e cujo discurso se pauta no senso comum e em respostas simplórias a problemas complexos, tendo na repressão e coerção suas principais armas, criminalizam e ameaçam as liberdades democráticas, as manifestações e organizações populares e a produção do pensamento crítico nas unidades de ensino. Na mesma direção, negam a História, enaltecem o pensamento fragmentado, que favorece processos de manipulação, flexibilizam direitos e desmontam políticas públicas, afetando as condições e o modo de vida da população trabalhadora.

    Esse contexto impõe àqueles e àquelas que defendem uma nova forma de sociabilidade e se comprometem, de diferentes formas, com a sua construção um adensamento do pensamento crítico de tradição marxiana e marxista para fundamentar não só a análise do real mas também as estratégias de luta e resistência, para usar uma frase de Marx, de desocultamento dos fetiches e orgias do capital. Nossas pesquisas e sua socialização são parte dessa resistência.

    Mas, em tempos de crise, o capital mostra sua face mais perversa. Marx, na obra A guerra civil na França, ao analisar a derrocada sangrenta da Comuna de Paris, massacrada por lideranças corruptas que falavam em nome da ordem, da justiça e da civilização, apoiadas por burguesias nacionais e pela mídia burguesa, que manipulava o imaginário social, tachando os insurgentes de baderneiros e incendiários, argumentava que:

    A civilização e a justiça da ordem burguesa aparecem em todo o seu sinistro esplendor onde quer que os escravos e os párias dessa ordem ousem rebelar-se contra os seus senhores. Em tais momentos essa civilização e essa justiça mostram o que são: selvageria sem máscara e vingança sem lei. Cada nova crise que se produz na luta de classes entre os produtores e os apropriadores faz ressaltar esse fato com maior clareza (MARX, 2011b, p. 106).

    O Serviço Social, cujo objeto e matéria-prima de trabalho são as expressões da questão social, desde a intenção de ruptura com o conservadorismo, iniciada nos anos 1960 e 1970, aproxima-se da vertente marxista que mais adiante irá fundamentar sua produção simbólica, seus documentos regulamentadores e suas diretrizes para o ensino e o trabalho profissional. Essa mediação amadurece a partir dos anos 1980, como fruto das produções decorrentes da pós-graduação na área, da organização da categoria e de um diálogo mais efetivo com a sociedade de seu tempo, identificando desigualdades e resistências decorrentes da contradição entre capital e trabalho. Nesse contexto, se inclui o reconhecimento do Serviço Social como uma especialização do trabalho e de assistentes sociais como parte da classe trabalhadora, expostos, portanto, a todas as vicissitudes do mundo do trabalho e do processo de assalariamento.

    Historicamente, nem sempre o Serviço Social foi considerado trabalho, mas ciência, arte, habilidade. Embora não seja ciência, produz conhecimento científico; pressupõe sem dúvida habilidades, mas, para além delas, exige domínios teórico-metodológicos e opções ético-políticas; se vale da arte como instrumento e como espaço de expressão de seu objeto ou matéria-prima, mas não pode ser definido como arte. As mudanças na concepção que temos da profissão são resultado de processos históricos e dependem do significado social que atribuímos à profissão, o que não depende só da categoria, embora sua organização seja essencial a esse processo, mas também da sua relação com o movimento e o desenvolvimento da sociedade.

    O significado social da profissão se materializa nas suas produções teóricas e nos produtos de seu trabalho, em que se incluem documentos que orientam o exercício do trabalho profissional: Araxá, Teresópolis, Sumaré, em outros momentos históricos; atualmente, o Documento ABEPSS que orienta a formação e o Documento CFESS que trata das atribuições privativas e competências, além do Código de Ética Profissional e da Lei de Regulamentação da Profissão, que também sofreram alterações historicamente.

    Nessa trajetória de mais de 80 anos de existência no Brasil, e mais de 20 anos da implementação das diretrizes curriculares, a fundamentação na tradição marxista se constituiu, sem dúvida alguma, como um importante divisor de águas que aporta um novo estatuto à profissão e um amadurecimento significativo em termos de densidade na produção do conhecimento. No entanto, isso não significa dizer que tenhamos superado as ideias conservadoras, pois elementos arraigados do conservadorismo ainda estão presentes no âmbito da categoria. Contudo, é sim possível afirmar que o pensamento crítico de inspiração marxiana é hegemônico e orienta o projeto ético-político profissional do Serviço Social no Brasil. Esse projeto, porém, é preciso que se enfatize, está em permanente disputa, em que pese sua sistemática reiteração pela categoria nos mais diversos eventos e fóruns profissionais realizados nos últimos 20 anos.

    A apropriação do objeto, ou seja, as múltiplas expressões da questão social, portanto uma contradição, significa desvendar como as refrações de desigualdades e resistências se manifestam na vida dos sujeitos no plano singular e coletivo, com suas particularidades e generalidades expressas no cotidiano, nos contextos e nas conjunturas, com seus condicionantes históricos e com suas potencialidades de protagonismo e transformações. Afinal, o cotidiano, como diz Lefebvre (1983), é o espaço do ordinário, mas também do extraordinário. Então, precisamos identificar não só mazelas, mas também potencialidades.

    Para tanto, é necessário conhecer não apenas a realidade social, as características, o modo e a condição de vida dos sujeitos, dos grupos, das instituições, dos movimentos e das sociedades, com seus múltiplos condicionantes históricos, sociais, econômicos, políticos e culturais, mas também suas necessidades, desejos, prioridades e níveis de consciência e organização. Esse processo pressupõe investigar dados de realidade quantitativos e qualitativos, históricos e processuais que se movimentam de forma não linear e perquirir suas conexões, seu processo de constituição, as transformações sofridas nesse transcurso e as perspectivas e possibilidades futuras de superação. Pressupõe, portanto, conhecer sujeitos, contextos e estruturas, buscar a sua história social por fatos significativos, desvendando as contradições que os conformaram, ou seja, conhecer sua estrutura presente e suas perspectivas e potencialidades, ou, nas palavras de Netto (2009a), conhecer sua dinâmica e estrutura.

    Entretanto, é importante destacar que os dados precisam ser interpretados para subsidiar intervenções. Logo, além de teorias que orientam processos investigativos e metodologias de pesquisa, técnicas de coleta e análise, necessitamos de um conjunto de teorias explicativas da realidade para melhor analisarmos contextos, políticas, processos sociais, desenvolvimento e modos de organização (internos, grupais, coletivos, societários, relacionais, de cooperação, de exploração, de vinculação, de pobreza, de estigmatização, de violência etc.) e as expressões dos sujeitos (das suas condições objetivas e de sua subjetividade).

    O Serviço Social é uma profissão interventiva. Portanto, suas análises precisam ser materializadas, ou seja, o conhecimento contemplativo não é o bastante. Além disso, sua direção social aponta para contribuições dessa categoria no caminho da transformação para uma nova ordem societária.

    As profundas adversidades e o compromisso assumido pelos trabalhadores e trabalhadoras que conformam essa profissão, mencionados brevemente nos parágrafos anteriores deste prefácio, fazem com que nos questionemos sobre o modo como a teoria e o método marxiano vêm sendo trabalhados no âmbito da graduação em Serviço Social. A Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social (ABEPSS), ciente da relevância que essa tradição aporta ao Serviço Social, tem envidado esforços no sentido de ofertar à categoria sistemáticos debates sobre essa temática, tanto em eventos organizados pela categoria, entre os quais se destacam os Encontros Nacionais de Pesquisadores em Serviço Social (ENPESS) e os Congressos Brasileiros de Assistentes Sociais (CBAS), quanto através de processos de formação permanente, via ABEPSS Itinerante. Destaca-se, outrossim, que o debate crítico fundamentado nessa matriz é também tema central de eventos realizados pelos Programas de Pós-Graduação da área.

    Não há dúvidas de que os processos de precarização do trabalho, o sobretrabalho e a conformação da chamada Universidade Operacional (CHAUI, 2003), que deixa de ser uma instituição social para ser uma organização empreendedora, regida por contratos de gestão, avaliada por índices de produtividade, estruturada por estratégias e programas de eficácia organizacional, tecnocrática e vazia de aprofundamento, acabam por impactar negativamente esses processos. Na contramão da superficialidade, o pensamento crítico demanda maior adensamento de pesquisas que vão à raiz das questões, leituras densas e reflexões que se pautam na totalidade concreta, conformada por múltiplas determinações. Exige ainda a não dicotomização entre teoria e prática, o reconhecimento de contradições inclusivas como parte integrante de sujeitos, políticas e processos sociais, bem como o reconhecimento da luta de classes, que ora se encobre, ora se desnuda, embora esteja cada vez mais acirrada e, ao mesmo tempo, negada no tempo presente.

    E mais: exige o reconhecimento de que o Estado burguês, os valores burgueses e a conformação do sujeito burguês são apenas uma forma de gestão do trabalho, de organização da sociedade, de valores construídos e legitimados socialmente e de constituição humana, e não as únicas formas possíveis, ou, dito de outra maneira, a superação desse modo de produção que condiciona todas as instâncias da vida em sociedade é possível e necessária. Como diz Lefebvre (1983, p. 43), o humano só pode se constituir através do inumano, de início a ele misturado para, em seguida, distinguir-se, por meio de um conflito, e dominá-lo pela resolução deste conflito.

    Segundo Severino (2008), os desafios da Universidade podem ser traduzidos no conflito dilemático que atravessa a sociedade brasileira: o confronto entre uma educação pautada na teoria do capital humano e uma educação identificada com a emancipação humana; uma educação que se coloca a serviço do mercado de trabalho ou uma educação que se quer a serviço da construção de uma existência mais humanizada, em que o trabalho é uma mediação essencial do existir histórico das pessoas, e não um mero mecanismo da produção para o mercado. Em que pese a necessidade de formar para o mercado, a educação não pode deixar de investir no amadurecimento de uma nova consciência social e no aprimoramento cultural das gerações com as quais trabalha, sem comprometer sua identidade fundamental.

    A presente obra, que foi agraciada com menção honrosa no Prêmio Capes de Tese, no ano de 2018, dada a sua relevância, articula todas essas preocupações e se direciona para o ensino do Serviço Social, no âmbito da graduação no Rio Grande do Sul, processo realizado a partir da análise de projetos pedagógicos, currículos e disciplinas, além da escuta de sujeitos como dados empíricos, problematizados à luz da fundamentação marxiana e, portanto, a partir de uma perspectiva de totalidade. Aborda a teoria e o método em Marx, a relação histórica dessa perspectiva teórico-metodológica com o Serviço Social e a mediação desses dois elementos na formação profissional da área. Ressalta, a partir dos resultados da pesquisa, a necessidade de reiteração desses pressupostos, uma vez que constata a existência de abordagens ecléticas nos projetos pedagógicos das unidades de ensino analisadas e a insipiente presença de Marx no ensino em Serviço Social. Causa preocupação, segundo os dados analisados pela autora, o direcionamento tecnocrático que marca alguns cursos de graduação com ênfase exacerbada na preparação técnico-operativa dos alunos para o mercado de trabalho. Com isso a autora não nega a importância do preparo técnico em si para a realização do trabalho profissional, mas o uso da técnica sem a devida fundamentação aportada pela teoria e pelo método. Ressalta ainda, com propriedade, o modo reducionista e fragmentado como é destacada a abordagem da profissão, através do processo de ensino, uma vez que constata em muitos dos casos analisados um processo que

    ignora os aspectos constitutivos da totalidade social, a interconexão entre as condições do trabalho profissional com as determinações estruturais, e a negação dos conflitos de classe que atravessam e conformam as condições de trabalho e as próprias demandas sociais através das expressões concretas da questão social.

    Marx já destacava nos Manuscritos de Paris (1993) que o olho que não aprende a ver, não enxerga. Precisamos, portanto, educar nossos sentidos e nossa razão para além de uma racionalidade instrumental. Para alongarmos nosso olhar, precisamos de teorias explicativas que nos auxiliem a problematizar aquilo que está diante de nossos olhos, mediadas por vivências concretas.

    A autora nos mostra que, apesar de a apreensão da teoria e do método marxiano de modo mais adensado ter logrado ao Serviço Social um processo de qualificação e amadurecimento significativo, a mediação mais capilarizada com o coletivo profissional é um desafio ainda a ser consolidado, especialmente em tempos em que a captura da subjetividade de trabalhadores se associa ao avanço nefasto do conservadorismo.

    Acompanhei Inez Rocha Zacarias desde a graduação em Serviço Social e, posteriormente, seu mestrado, doutorado e pós-doutorado realizados na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Tive também a honra e o prazer de orientar sua tese de doutoramento, que deu origem a este livro. Partilhamos de muitos debates acerca da teoria e do método marxiano, dividimos a sala de aula e a vivência do ensino-aprendizagem, tendo essa temática como centro. Realizamos juntas diversas pesquisas orientadas por essa matriz, além de inúmeras discussões sobre a sua mediação com o Serviço Social. Fizemos muitas descobertas juntas e hoje partilhamos não só a produção de conhecimentos conjuntos, mas a reafirmação de compromissos políticos e profissionais contra qualquer forma de exploração e expropriação, além de um afeto imenso e um respeito mútuo e profundo, resultado dessa linda caminhada e de sonhos em comum. Em breve, a pesquisadora autora desta obra estará assumindo como docente na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), onde certamente dará continuidade a seus estudos sobre marxismo e Serviço Social.

    Como diz Marx (2011a, p. 205) ao se referir ao trabalho concreto enquanto produto da expressão humana: O trabalho está incorporado ao objeto sobre o que atuou. [...] Ele teceu e o produto é um tecido [...] . O mesmo podemos dizer dessa obra: ela teceu e seu livro é um tecido que mostra as conexões entre a teoria, o método marxiano e o ensino em Serviço Social. O produto de seu trabalho não apenas desvenda possibilidades e limites, desoculta mediações reducionistas e apropriações superficiais, mas também aponta caminhos para o seu adensamento, dá visibilidade ao vigor dos aportes dessa teoria e de seus valores como parte essencial do instrumental, sem o qual o trabalho do assistente social perde substância e efetividade.

    Tendo em vista os tempos sombrios que passamos, de avanço desenfreado do conservadorismo e de todas as suas consequências á generalidade humana, nada melhor que enaltecer a vida de Marx e dar visibilidade à atualidade de sua obra para subsidiar processos de análise e intervenção que tenham por finalidade contribuir com processos sociais emancipatórios.

    Formar profissionais que não se contentem com o aparente e tenham capacidade crítica e autocrítica, postura ética e compromisso com a sociedade do seu tempo é o mínimo que se espera da Universidade.

    Desejo a todos e a todas uma boa leitura!

    Jane Cruz Prates

    Porto Alegre, verão de 2019

    Referências

    CHAUI, Marilena. A universidade pública sob nova perspectiva. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, n. 24, set./out./nov./dez. 2003. p. 5-15.

    LEFEBVRE, Henri. Lógica formal/lógica dialética. 3. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1983.

    MARX, Karl. Manuscritos económico-filosóficos. Lisboa: Edições 70, 1993.

    MARX, Karl. O capital: a crítica da economia política. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011a. Livro I. Volume 1.

    MARX, Karl. A guerra civil na França. São Paulo: Boitempo, 2011b.

    NETTO, José Paulo. Introdução ao método na teoria social. In: CFESS; ABEPSS. Brasília, 2009a. p. 667-700.

    SEVERINO. Antônio Joaquim. O ensino superior brasileiro: novas configurações e velhos desafios. Educar, Curitiba, n. 31, p. 73-89, 2008.

    APRESENTAÇÃO

    O tema central deste livro é a incidência da teoria e do método em Marx na formação profissional em Serviço Social, tendo em vista a incorporação, por parte das unidades de formação da área, dessa perspectiva ao processo de formação profissional. O interesse despertado por esse tema advém de um conjunto de elementos que fizeram parte da trajetória de vida da autora, os quais foram determinantes para aceitar o desafio de buscar apreender como e quanto o marxismo está se fazendo presente na formação dos assistentes sociais. Da mesma forma, reconhece-se o caráter político dessa escolha, ao deixar explícita a defesa do projeto ético-político do Serviço Social, reconhecido pela parte mais atuante da categoria profissional e subsidiado pela matriz crítico-marxista de perspectiva emancipatória. Para tanto, não se perde de vista a complexidade do assunto e o cuidado necessário a ser dedicado na sua abordagem, exatamente por se tratar de um tema tão caro não só à profissão mas a todos os marxistas que, ao redor do mundo, dedicam a vida a estudar a obra de Marx e a somar forças nas lutas pela transformação da sociedade.

    Uma das razões motivadoras que levaram a explorar o presente tema partiu dos resultados de uma pesquisa anterior realizada através do curso de Mestrado, concluído em 2013, que culminou

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