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Consciência e ideologia: para além dos muros de pedra (ensaios)
Consciência e ideologia: para além dos muros de pedra (ensaios)
Consciência e ideologia: para além dos muros de pedra (ensaios)
E-book275 páginas3 horas

Consciência e ideologia: para além dos muros de pedra (ensaios)

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Sobre este e-book

O livro reúne 12 ensaios produzidos em diferentes épocas e que procuram enfrentar as questões relativas à consciência dos trabalhadores e o enfrentamento da questão da ideologia. Nas palavras de Ana Elisabete Mota: "Muros de Pedra é a imagem que Mauro Iasi nos oferece para falar da hercúlea tarefa de romper as barreiras construídas pelo capital para manter a sua dominação. Pesquisador marxista experiente, Mauro aborda questões fulcrais à compreensão da consciência e das ideologias na sociedade de classes: os meios e formas pelas quais a classe dominante socializa a sua concepção de mundo em prol da ordem; e, no polo oposto, a possibilidade das classes subalternas, dialética e contraditoriamente, tornarem-se críticas e insurgentes à passivização da sua consciência. Nessa era ultraconservadora, trata-se de uma reflexão essencial sobre as dimensões emancipatórias contemporâneas das lutas dos trabalhadores".
IdiomaPortuguês
Data de lançamento27 de fev. de 2023
ISBN9786555553567
Consciência e ideologia: para além dos muros de pedra (ensaios)

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    Consciência e ideologia - Mauro Iasi

    O Espírito do tempo de um tempo carente de espírito

    ¹

    "Não é difícil ver que nosso tempo

    é um tempo de nascimento e trânsito

    para uma nova época."

    Hegel

    No cenário trágico que configura nosso mundo nestes difíceis tempos em que predomina a barbárie, comecemos por uma boa notícia: o mundo vai acabar. Todo final costuma ser trágico, conturbado, momento de trânsito entre o velho que caduca e o novo que germina, época de monstros, sombras de um passado morto revivido.

    Os anos 2000 se apresentam sob o signo das previsões Maias do fim do mundo, da guerra, da fome, da insistente miséria, das doenças que se esperavam erradicadas e de novas epidemias, do drama de populações inteiras vagando sem rumo, fugindo de tudo em frágeis jangadas que cruzam insanas os mares inclementes apenas para não encontrar nenhum porto que as acolha. Os cemitérios da história abrem suas portas para o renascimento do fascismo, da irracionalidade, do preconceito cego. Direitos se esvanecem como se fossem pó atingido por súbita rajada de vento. Trevas e pesadas nuvens se acumulam no horizonte.

    É de esperar que estes tempos se fizessem acompanhar de uma forma própria de consciência social, prenha de niilismos, agnosticismo, descrenças e crenças intolerantes, dogmas e opiniões catastróficas ou salvadoras.

    Partiremos de dois princípios para tentar compreender este quadro sombrio. Duas pistas encontradas em Hegel: o primeiro é aquele que nos serve de epígrafe a este texto e que afirma que vivemos em um tempo de nascimento e trânsito para um novo tempo (Hegel [1807], 1997, p. 26); o segundo, sua convicção de que a filosofia é sempre o saber substancial de seu tempo, isto é, [...] ela é o saber pensante daquilo que, no tempo, é (Hegel [1825/26], p. 237 apud Barata-Moura, 2010, p. 92).

    Pela primeira afirmação, somos levados à compreensão de que em tempos de transição se costuma duvidar da capacidade da razão chegar à verdade, mais que isso, o axioma segundo o qual a verdade é inalcançável torna-se o grande sinal da época (Hegel [1816]1983, p. 18). Segundo o grande filósofo germânico, presenciamos tal fato na crise da polis grega e na decadência da vida pública e política de Roma (idem, p. 19).

    Quanto à afirmação que relaciona a filosofia ao Espírito do tempo [der Geist der Zeit], as coisas são mais complexas. Vejamos um pouco mais de perto este princípio. A filosofia não pode estar acima de seu tempo, pois ela é a consciência de seu tempo, totalmente idêntica com o Espírito do seu tempo. No entanto, não podemos ver aqui um reducionismo simplista, segundo o qual a consciência de uma época é apenas o reflexo imediato do momento histórico em que se insere. Barata-Moura nos alerta que:

    É indispensável atentar em que, no quadro desta concepção hegeliana, não nos encontramos de todo em presença de um reducionismo estreito, em que a especificidade do filosófico se desvaneceria, através de uma mecânica remissão resolutiva para o aleatório de instâncias e elementos meta-filosóficos que no tabuleiro empírico da história a condicionam, quedando-se ela por mero efeito (secundário, ainda que sofisticado) de simples tradução (Barata-Moura, 2010, p. 92).

    A solução apresentada pelo filósofo lusitano é bastante pertinente ao nosso tema. A relação entre os diferentes momentos da realidade e a filosofia própria de um tempo se articula em uma dimensão maior e em movimento, sem a qual qualquer afirmação sobre um suposto Espírito do tempo se tornaria uma abstração vazia. Hegel coloca nestes termos a questão:

    A relação [das Verhältnis] da história política, [das] constituições do estado [Staatsverfaussungen], [da] arte, [da] religião, com a filosofia não é, por isso, a de que elas fossem causas [Ursachen] da filosofia, ou inversamente, [a de que] esta [fosse] o fundamento [Grund] daquelas; mas, antes, [a de que] todas elas juntas [alle zusammen] têm uma e mesma raiz comum [gemeinschaftliche Wurzeli]: o Espírito do tempo. (Hegel [1825/26], p. 74 apud Moura, 2010, p. 93).

    O que se quer resgatar aqui é que, se a consciência do mundo está inseparavelmente presa a seu mundo e tempo, este princípio hegeliano aqui apresentado não pode ser compreendido como um olhar melancólico em direção ao passado, mas necessariamente aberto ao futuro, alertando-nos contra tentações, como afirma Barata-Moura, de confinar o pensamento a meros [...] reaquecimentos de uns quantos filosofemas envelhecidos (Barata-Moura, 2010, p. 95), ou, como dizia Hegel, como múmias que trazidas para entre os vivos não podem entre eles sustentar-se².

    Trata-se de respostas presentes ao tempo presente, e os tempos são sempre outros em seu eterno devir. Nossa tentação é contentarmo-nos com algumas certezas que construímos até aqui. Consideramos nosso tempo como o agudo desenvolvimento do Modo de Produção Capitalista que gera as contradições e as condições materiais para sua superação na direção de uma nova ordem societária, o que é verdade. No entanto, o cenário presente no qual se insere esta contradição apresenta problemas particulares, próprios de nossa época, questões que não podem encontrar resposta adequada em nenhum filosofema envelhecido.

    Podemos resumir a substância desta particularidade presente em três constatações preliminares: a) a universalização do Modo de Produção Capitalista, a generalização da forma mercadoria e a forma atual do padrão de acumulação de capital se fazem acompanhar de um grau de destrutividade inédito, capaz de inviabilizar a vida humana no planeta, senão o próprio planeta; b) esta destrutividade se expressa no máximo desenvolvimento da forma monopólica e sua conversão em Imperialismo, numa forma Estatal político-militar a serviço da constante exportação de capitais e sua consequente partilha e repartilha das áreas de influência, assumindo novas configurações além do Estado-Nação, sem, contudo, poder superar a forma nacional como condição de organizar e manter as condições de exploração da força de trabalho; c) tal configuração da acumulação de capitais e das formas políticas instituídas que a ela correspondem implica uma nova configuração da classe trabalhadora e de sua subjetividade, impactando sobre as formas de luta e resistência contra a exploração do capital, mas não apenas, incidindo mesmo sobre a subjetividade histórica no que diz respeito aos objetivos a serem alcançados e às formas societárias desejadas.

    A combinação destas três constatações pode nos levar a um paradoxo que creio seja a marca de nosso tempo: o capitalismo mundial é absolutamente incapaz de garantir a continuidade da vida humana no planeta em condições mínimas de existência para a maioria da humanidade, no entanto, é altamente eficaz para garantir sua continuidade contra o seu principal inimigo de classe. Tal constatação não nos permite descartar o cenário no qual o fim deste mundo seja, de fato, o fim do mundo. A vã convicção hegeliana em uma indestrutibilidade da substância humana no devir infinito das eras encontra em nosso tempo algo novo, isto é, se no tempo de Hegel falávamos no trânsito para uma nova era, hoje é possível que estejamos diante efetivamente do

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