Deseducação
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Deseducação - Ednael Morais
APRESENTAÇÃO
Assim como fazemos com as pessoas, com as quais as primeiras impressões definem se continuaremos a apreciá-las ou passaremos adiante, não é diferente com os livros, quando os poucos leitores, e entre estes poucos os mais ainda poucos que não julgam pela capa, abrem e leem, sequiosos de encontrarem algo impactante, grandioso, novidade pura, com poder suficiente para transformá-lo e dar a ele conhecimentos diferentes que o tornariam melhor preparado frente aos outros e ao mundo, numa espécie de desejo de aquisição de saber que equalize suas diferenças e desvantagens pessoais e sociais. Que escritor não desejaria fazer das suas palavras uma varinha de condão? Tal ambição não é real, por demais onírica, mas é o desejo de todo escritor capturar a atenção do leitor e ganhá-lo e com este escritor não é diferente. No entanto, não pretendo assaltá-lo em seu desejo para forçar que este livro se torne o alvo de seu olhar; todavia, o autor está convencido de que o encontro tem sua própria dignidade e atrairá os disponíveis ao diálogo e os dispostos ao exercício do pensar, os mesmos para quem esta obra poderá ser útil como uma colaboração ao esforço antigo de pensar a perpetuação da experiência humana e, nos dias atuais, compreender o lugar destinado a ela pela lógica da sociedade de mercado.
Ciente de que no panteão do saber poucos pensam ir, e menos ainda em demorar, sei do risco de, quando o mundo parece bem mais divertido, convidar o leitor para perder suas horas sobre tinta preta, e sobre tinta preta que fala sobre o que muita tinta preta em papel em branco já falou, que é a educação.
Para as minhas fileiras – ainda que imaginárias, e imaginação é reino onde cada um é senhor e manda – desejo os que estão interessados no tema e em compreender as intercorrências do mesmo na vida como um todo. Se digno dele me julgar o leitor, desejo sê-lo pela verdade – sim, verdade – daquilo que lhe estou a querer mostrar e não seduzi-lo com o que ele mesmo deseja. Entre autor e leitor é este último que é convidado e não o contrário. Se com o tema sou capaz de fisgar a atenção e dignidade do leitor ambiciono lográ-lo de forma que ele encontre aqui algo que o descortine, retire mais um véu e o ajude a ver a realidade de forma mais nítida, ainda que mais cinza. Cada vez se publica mais e mais se escreve, contraditando os apologistas da morte do livro físico frente ao avanço das mídias digitais; todavia, cada vez se escreve menos com penetração nas coisas, como se o muito escrever se juntasse sobre o já escrito sobre determinado objeto impedindo sua percepção nua. Lemos da mesma forma como consumimos as coisas, desejosos de absorver rápido o que está em nossas mãos, impondo aos livros aquilo que o mercado é, consumo e criação de novas necessidades para voltar a consumir. Nesta toada, a chance de um livro lograr êxito de ser decifrado até o final é cada vez menor. Apesar das montanhas de livros poucos deles poderiam ser lidos como sendas que conduzem ao saber duradouro. Assim como as coisas descartáveis hoje o que se lê também em muito é descartável. Ao afirmar isto não estou alegando patamar superior a esta obra, porque ela não satisfaz a tão elevados critérios mas também se esforça para marcar distância do que tem inundado o mercado editorial brasileiro, que é a temática valorativa da educação como meio de transformação social.
Ser franco não me impede de ser chato, e ao leitor desculpas devo se nessa seara ele já me tem na conta. Não me delongarei mais quanto ao que dele espero. Dito isto, em tuas mãos leitor, ou o que quer que sejas, repousa um curioso objeto, envolto em inúmeras implicações e desdobramentos, como também incógnitas: um livro, mais um entre tantos que estão ao lado dele, como tu também mais um leitor entre tantos, à direita e à esquerda nas livrarias e arquivos digitais ou, no caso dos livros físicos, largado em pilhas nas casas anônimas de compradores que por ele pagaram iludidos de, com a compra, obterem também o conteúdo, coisa que favorece o bolso do autor e perpetua a enganosa relação do leitor para com o saber e para com a forma de adquiri-lo, caso o deseje. Tal afirmação parte do pressuposto de que o leitor esteja agindo como o autor fez muitas vezes, tolo e logrado pela própria ambição de ter para si o conteúdo de tudo aquilo que pudesse comprar.
Se este livro é só mais um entre tantos também é só mais um entre tantos do mesmo e batido tema: educação. Todavia, não se apresse o leitor a julgar o que significa só mais um
. Não é isto uma concordância com ser mais do mesmo, embora o que se encontre aqui não seja original, novo ou fruto exclusivamente da mente de seu autor, escapando do conceito comum de originalidade como algo produzido unicamente pela cabeça de um único e isolado indivíduo, opinião que desconhece que o saber é social. É certo que o gênio resume com brilho aquilo que estava espalhado e, com as fagulhas que os outros lhe deram, aprende a fazer uma fogueira ou uma fornalha e assim iluminar a noite, apontar caminhos, deslumbrar o horizonte. Quanto ao conceito de original o bom senso recomenda cautela; por vezes aquilo que acusamos ser original não passa de uma concatenação mais elaborada, lúcida e consciente na mente de uns poucos. Este livro, não sendo original nem obra da mente isolada de seu autor, e dizendo coisas que outros, embora poucos, já disseram, o faz com aquilo que seria de esperar: uma perspectiva e elaboração própria sobre a questão da educação sem cair, e isto é o que o diferencia, na justificação da educação como tendo papel transformador da sociedade. Esta ideia, embora não nova, se faz necessária e urgente, pois é quase inexistente enquanto conceito e ideia nos meios daqueles que lidam cotidianamente com a educação. Contribuir para o entendimento da questão é o mérito a que se propõe esta obra.
O livro ora em questão, caso continue nas mãos de quem não está apressado e impaciente, pois é fruto de um autor que sofre do mal irreparável da digressão, volta-se pretensamente para uma crítica à ideia da educação como meio para a transformação da sociedade, apontando na crença desta ideia uma das causas possíveis para que diversas leituras sobre o mundo pequem por não verem o real concreto e confundirem fantasmas com a realidade. A educação é uma face projetada por atores, e face movente e inconstante, mas de movimentos conhecidos e em volta do eixo quase santo da norma de fé de que sem ela nós estaríamos perdidos. Infelizmente a esmagadora maioria dos professores não conseguem nem deixarem de ser nem tampouco de se enxergarem como profetas dessa ilusão, saibam disso ou não, queiram isso ou não. Não é esta mensagem novidade entre nós, embora careça ainda de penetração. Não quer o autor louros indevidos pelas ideias aqui debatidas, pois o que aqui está não são outras coisas senão duplos de outras tantas abordagens e críticas melhor elaboradas por faróis e luminares da educação conhecidos e que gozam de autoridade e estima entre os intelectuais do mundo e, como tais, guardam mais terreno fértil às implicações das ideias aqui através deles reverberadas.
Por que, então, mais um livro se este não inaugura um novo território para a razão? Diz o Eclesiastes que não há limites para fazer livros e o muito estudar é enfado da carne. Não deixando de ter razão não é será por isso que se desautorizará a necessidade de novos livros. A questão que se coloca aqui é de profundidade e amplitude que não entraremos, pois requer que pensemos na relação humana com a produção e recepção do saber, e sobre se a produção em massa e em maior quantidade de saber nos faz prosperar. Os teóricos da Escola de Frankfurt claramente tem uma negativa para a pergunta. A sociedade que se queria mais esclarecida e que imprimiu às demais rótulos de selvageria e inferioridade foi a que mais perto nos levou da barbárie. Então, sem mais delongas, para que mais um livro, e sobre educação?
Respondendo de olho nos gregos, intolerantes à hipocrisia ou, antes, mesmo a tendo mas sendo capazes de conhecê-la e não negá-la – ao contrário de hoje – todo livro, e este não escapa, se quer portador de algo luminoso, de valor, que traga o que o autor espera, isto é, ressonância e penetração de suas ideias e que contribua para avançar o saber. Posso estar emoldurando com belas palavras o que poderia dizer mais rápido: um livro, este, porque nele me inscrevo eterno e imortal, pretensões nada modestas mas impossível de ser mais humana. Entre nós ocidentais o livro pode ser visto como uma resposta à morte e é o sustentáculo mor de nossa voz contra o vazio e o nada que parecem existir quando paramos de respirar caso não acreditemos num deus e num paraíso. Um livro sobre educação, sim, por que se aposta que não se está a contento o debate sobre as possibilidades de transformação da mesma.
Sem ter o mesmo espírito e gênio de Foucault tomo emprestadas suas palavras quando afirmou que não escrevia um livro para ser o último mas para que outros fossem possíveis a partir dele. Não é demasiada ambição querer que este livro, ao mesmo tempo que dialoga com outros já publicados, venha a fomentar outros mais ainda, mesmo que para negá-lo, condená-lo, reafirmá-lo, reinscrevê-lo na ordem futura dos acontecimentos pelos dedos nas teclas daqueles que com ele dialogarem e o justificarem, negarem, combaterem ou fazerem o uso que pede o seu desejo e prazer, como é próprio na multidão das vozes textuais que ora se fazem respondendo um outro texto, comentando, criticando mas sempre de alguma forma ligada a algum texto, como uma trama entrelaçada da qual, uma vez nela, não se pode sair sem ser contaminado pelas reverberações nas suas mais diferentes formas, pouco importando se estamos ligados diretamente ou não.
Esta obra, sem venerar as cinzas, procura preservar o fogo daqueles que conseguem mantê-lo vivo apesar dos tempos e forças contrárias; fogo que instiga em nós o desejo de sempre retirar o último véu, de desnudar tudo o que nos aparece e mesmo o que não vemos. Apesar de toda essa toada, que pode já ser cansativa para o leitor ávido pelo início da cena, o intento pretendido desta obra, que ela venha a dialogar com e fomentar outras, pode não ser alcançado; apesar do avanço dos tempos não estamos muito em melhores condições do que o pobre Brás Cubas que previa a dificuldade de encontrar cinco leitores para sua obra. Num mundo onde a lógica da aparência impera sobre a realidade o consumo da cultura também não escapa e ela mesma vira um consumo. Não é diferente com os livros e os artefatos culturais de forma geral; a verdade é o virtual, o conteúdo importa pouco e o sabor e aceitação do mercado é o liame definidor do que as coisas são, ainda que de forma temporária. Os leitores, espécie rara, confundem ler com decifrar signos e passar aos próximos, apressados que são e estão com os afazeres da vida.
É oportuno lembrar, com Nietzsche, que não raro vemos nos livros pregadores de ideias que seduzem os leitores prometendo suas verdades, ao mesmo tempo que lhes rouba o espírito, convertendo-os em devotos. Lograsse escapar disso com tantas vaidades a capitanear-me o espírito e o intelecto mas o impulso que aqui se quer imprimir é aquele que com Nietzsche percebemos: carne, sangue e dança; que aquilo que escrevemos tenha carne, sangue mas também liberdade e ar fresco e seja capaz de coisa ambiciosa: realizar e oferecer o perigo maior, que é fazer o espírito dançar e à alma recolher âncora para zarpar rumo ao desconhecido.
Escrever é jogar-se contra o tempo na esperança de arrancar a verdade, na esperança de dar sentido à experiência humana, mesmo sabendo que todo sentido é posto