Esqueceram a porta aberta
De Célia Borges
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Esqueceram a porta aberta - Célia Borges
CAPÍTULO 1
Eu vivia sonhando me formar em Direito, passar no exame da OAB e me tornar uma advogada. Desde o colegial, eu pensava nisto. Essa área me fascinava. Era um desejo meu poder ajudar as pessoas a resolverem seus problemas. Porém, na minha cidade não havia esse curso, e meu pai não me deixava ir embora para estudar. Alegava que seria perigoso para mim viver longe de casa. Que confiava em mim, mas não nas pessoas estranhas. Na verdade, isto era somente um pretexto, pois ele não queria me ver trabalhando nessa área. Vez ou outra, ele dizia: Quem trabalha na justiça vive diante de encrenca
ou Profissão de advogado não é fácil, muitas vezes tem de visitar bandido na cadeia!
. Bem, nada disso me fazia desistir. Diariamente eu passava horas buscando conhecimentos em livros ou com especialistas na internet sobre tudo que envolvia a área do Direito.
Eu já estava com vinte anos e terminara o colegial havia três, quando minha mãe começou a se preocupar comigo:
— Ela já não tem mais os amigos. E aquelas meninas do tempo do colégio já não fazem parte da vida dela. Ela está sozinha, focada no sonho.
— Pois é – concordou papai. — Não sai para lugar nenhum e nem quer trabalhar! Fica sozinha mesmo. Desistiu da autoescola no finalzinho, alegando que o instrutor era estúpido. Não se empolga nem para tirar a CNH...
Mamãe suspirou e retomou:
— Temos que fazer alguma coisa! Ela precisa seguir seu caminho. O tempo está passando...
E assim começou uma discussão entre eles sobre o meu futuro, enquanto em meu quarto eu me aprofundava nas pesquisas.
Ele continuou dizendo que mantinha a decisão de não me deixar ir embora sozinha, mas que tinha uma ideia:
— Que tal deixarmos o conforto da nossa casa e o sossego da nossa cidade para morarmos numa cidade maior? Posso pedir transferência. O que acha de Maringá? É uma boa cidade, tenho vários amigos lá.
Num sorriso esperançoso, ela disse que, se fosse para o meu bem, aceitaria a proposta.
Vieram falar comigo. Olhei confusa. E diante da insistência deles, sem esboçar nenhuma confiança, falei que seria ótimo. Os dois comemoraram eufóricos, se abraçaram e, quando se voltaram para mim, me viram desinteressada na proposta e focada no notebook. Olharam-se. Parecia que os olhos dela disseram: Ela não está confiante
. Enquanto os dele corresponderam: Não, não está
. E saíram do quarto.
CAPÍTULO 2
Na mesma semana, meu pai conseguiu transferência para a sede da empresa em que trabalhava. E, no início do ano seguinte, mudamos para Maringá.
De imediato, comecei a frequentar um cursinho para vestibular. Lá havia vários alunos descendentes de japoneses. Eu era tímida e de ascendência europeia, isto fazia com que me sentisse estranha em meio a eles. Um dia, quando eu saia para o intervalo, alguém esbarrou em mim. Olhei, era uma garota nipônica, tinha porte de modelo, cabelos longos e um rosto angelical, uma verdadeira princesa asiática que, com muita delicadeza, me pediu desculpas.
— Imagina! – falei. — Não foi nada.
No intervalo do dia seguinte, ela veio me perguntar se eu estava bem. Eu disse que estava ótima. Em seguida, perguntou o meu nome.
— Alessa – respondi. — E o teu?
— Mitiko.
— Como?!?
Ela sorriu e repetiu:
— Mitiko.
— É bem diferente!
— Sim. Mas na cultura japonesa é um nome comum, e significa espírito competitivo, independência, força de vontade... Já que este nome não é do teu cotidiano, pode me chamar de Miti. Tudo bem?
— Obrigada, Miti!
Ela me disse que era nissei, ou seja, filha de imigrantes japoneses. Pertencia a uma das famílias mais tradicionais da cidade. Tinha dezenove anos e acabara de tirar sua carteira de habilitação. Seu sonho era ser médica geriatra, para cuidar de idosos, em especial, dos seus