A Suicida Ii
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A Suicida Ii - Ricardo Junior Amorim
Ricardo Junior Amorim
A Suicida II
Minha sentença é a morte
A todos aqueles que tiveram uma vida curta, agonizante e que puderam desfrutar de uma morte cruel e que agora, enquanto os vermes devoram suas carnes, vagam em harmonia no cemitério dos suicidas perdidos para o resto de suas vidas num breu ímpio sem céu, sem inferno e também – sem vida...
A Suicida II
Minha sentença é a morte
Caminhos imperfeitos, noites de tormentas, dias hostis
Eu sei que você esperava alguma coisa mais impetuosa, mais fantástica, mais vigorosa, mais vil e menos sutil, todavia a última vez que coloquei uma corda no pescoço eu vi... Setenta demônios ao meu redor. Eu sei que você ansiava por mais, espero não tê-lo decepcionado, no mais, só posso oferecer meus pulsos cortados, meus olhos edemaciados, as dores físicas, psíquicas e uma coleção de melancolias além de - uma morte suave do alto de uma ponte equivalente a um prédio de dez andar.
Prólogo
18h40min
O vento frio extrapola sobre meu rosto fazendo meus longos cabelos saltitarem, a lembrança pérfida das decepções anteriores me faz recear as supérfluas tentativas de suicídios, eu não tenho muitos motivos para ainda continuar aqui, já não me vejo fazendo parte de um mundo tão hostil e perverso, minha vida em análogo há um colossal espetáculo daria um grande circo dos horrores.
Daqui vejo as águas rolarem para uma só direção, ela passa sob a ponte com tanta força que eu me questiono seu destino, vejo o rumo para qual ela irá e em breve irei com ela, no entanto ela não volta mais, ela não corre para trás, assim como o relógio que gira em sentido horário e nunca anti-horário, decerto o tempo não para e também não volta atrás, todavia a pior coisa que existe é você imaginar que aquela mágoa recente ou remota um dia irá passar, da mesma maneira que a água passa sob a ponte ou o tempo no relógio, não obstante essa mágoa jamais passará.
É salutar algumas pessoas quererem se fazer de bons anfitriões e lhe servir uma bandeja repleta de bons conselhos, conselhos emotivos que irão lhe fazer levantar a cabeça e continuar. No entanto, não é bem dessa maneira que as coisas funcionam você pode tentar esquecer, pode querer levantar a cabeça e seguir em frente como se nada disso estivesse acontecido, mas eu sei, elas nunca se apagam, elas jamais saem da memória e é sempre naquele momento de mais fragilidade quando você está mais vulnerável, sensível, deprimida, que elas aparecem com mais veracidade obstinada a lhe fazer chorar, sofrer, se cortar e por fim – se matar.
As águas ainda continuam rolando, eu já perdi as contas de quantas vezes me passou na cabeça a vontade impetuosa da morte, o engraçado é que diferente das lembranças as águas não voltam, eu tento até continuar, me encorajo com aquele velho ditado, águas passadas não movem moinhos
, mas meu moinho está inerte há tempos, minha vida está estabilizada num saguão infernal como um detento parado num corredor da morte.
Ainda me lembro das minhas primeiras vezes e lhe digo – não me arrependi. Dói saber que falhei, falhei comigo mesma, falhei com meus amigos, com meus familiares e até mesmo com meus inimigos que sempre esperaram muito de mim... Esperaram minha morte por várias vezes, desejaram meu sangue esparramado pelo chão, esperaram sucesso em minhas tentativas de suicídio, esperaram meu corpo numa caixa preta e que agora esperam minha alma no cemitério dos suicidas. Mas, para a satisfação deles o seu tempo de espera acabou, todavia não partirei antes que tu saibas meus motivos, motivos estes que me trouxeram para as treliças desta ponte.
Capítulo um
Minha vida é contada pelo tempo e meu tempo é muito precioso, seria um grande equívoco afirmar que temos todo tempo do mundo, pois não temos - pelo menos eu não. É tão difícil entender por que as pessoas são assim, elas esperam tanto de você, tanto que você mesmo não acredita. Por que temos que formar na faculdade? Por que temos que ser um profissional bem sucedido? Por que todo mundo para ser vitorioso tem que ter carro, casa, bom emprego, ser socialite e tudo mais?
Eles também esperavam isso de mim, enganaram-se todos, no mínimo eu acho que se enganaram. Eu não tinha muito a oferecer e, do pouco que tinha, pouco me restou, foram me desmantelando aos poucos; começaram com os meus olhos, depois com os meus sorrisos e por último - levaram até minha alma, e, isso é uns dos motivos para ser denominada suicida. Desculpa ainda não me apresentei, meu nome é Catherine Fontenelle e minha sentença é a morte.
***
Eu tinha dez anos quando tudo começou, eu não era muito amigável, mas era bem sarcástica, na escola eu era conhecida como a menina dos fundos, a única menina que sentava sempre no fundo da sala e nunca me misturava com ninguém, ao menos na sala não. Nunca tive discriminação com ninguém e nunca me achei melhor do que ninguém, apesar de sempre me sentir mais inferior.
Eu não conhecia muito da vida e do pouco que eles apresentaram, pouco guardei. Para mim a vida era apenas um dia após o outro e assim sucessivamente. Nunca tive aquela ilusão que um dia seria melhor que o outro ou vice-versa, nunca imaginei ou me vi imaginando algum dia chegar a ser uma cantora famosa ou até mesmo uma atriz de novela. Eu não fui engajada a desejos supérfluos e nem a quimeras efêmeras, minha maior ilusão era acreditar que de tanto ouvir as babaquices da minha mãe, algum dia eu chegaria a ser uma mãe de família – quanta asnice.
Eu era uma garotinha simples e de mui simples me tornei o que sou hoje. Eu não tive nenhum irmão ou nenhuma irmã que pudesse me amparar ou que pudesse dividir as dificuldades desta vida, mal sequer tive amigos – amigos de verdade, amigos que pudesse dividir as coisas, daqueles amigos que você liga fora de hora e eles estão aptos para ouvir tudo que você tem a dizer.
Quando pequena na idade dos seis anos eu fiz a minha primeira amizade, foi com uma garotinha que morava ao lado da minha casa, ela era até legal, o nome dela era Amy, a família dela também era muito legal, a mãe dela nos levava para escola, eu nem precisava da minha mãe, a confiança que minha mãe depositava na dona Leonor era muito grande, no entanto nem tudo terminou bem.
Amy era muito sapeca enquanto eu era mais quietinha, Amy gostava de aprontar enquanto eu ficava sempre na minha. Ela era tão doida que as outras meninas também passaram a gostar dela, os meninos gostavam dela e ela acabou caindo nas mãos deles e me deixando de lado, ela me abandonou assim tão de repente como se eu não fosse nada que meu coração partiu em mil pedaços. Eu no começo achei que não iria suportar, mas minha mãe me dizia que o tempo curava tudo e eu na mesmice de criança tentava me enganar fingindo que era verdade.
Foi a minha primeira decepção com as pessoas, eu nunca imaginei que isso doesse tanto, das vezes que vi minha mãe chorando depois das brigas que ela tinha com meu pai, ela saía de cabeça baixa e ia para seu quarto chorar, eu pensava que era apenas drama, achava que era ceninha de novela, mas depois que Amy me abandonou eu senti na pele tudo que minha mãe sentiu. Essa dor me custou cinco dias em casa, trancada dentro do meu quarto derramando os prantos, pela primeira vez fiz greve de fome e de sede, mas foi tudo como minha mãezinha havia dito, o tempo passou e aquela ferida foi cicatrizando e eu aos poucos fui esquecendo.
Capítulo dois
O luto, a tristeza e a ansiedade são reações necessárias e salutares diante das perdas. No entanto, se a dor começa a se estender por um tempo e se mantêm de maneira intensa e incapacitante, tenderá a transformar-se num quadro de depressão
. Ana Beatriz Barbosa Silva
Eu tinha dez anos quando tive minha primeira experiência pós-morte, eu nunca senti algo tão forte e vigoroso que pudesse me colocar em tão alto grau de decadência. Minha avozinha foi diagnosticada com um câncer de útero de grau lV em estado de metástase. Isso me abalou muito, fiquei quatro meses experimentando o sabor da morte, eu vi uma das pessoas mais importantes da minha vida em situação-limite sem poder fazer alguma coisa.
Durante os quatro meses de luta, eu fiquei ao lado dela, quando podia é claro, ela permaneceu dois meses dentro de um hospital e quando os médicos atestaram que seu prognóstico era sombrio, ela foi recolhida e passou os últimos dias de sua vida na nossa casa. Todos os dias eu adormecia e amanhecia ao seu redor, sempre fazendo aquela troca de carinho e dizendo palavras emotivas tipo; vai dá tudo certo, tenha fé, a esperança é a última que morre
.
De tanto ouvir e dizer a frase, a esperança é a última que morre
que cheguei à conclusão que minhas esperanças já haviam se esvaído há tempos. Eu olhava para ela e a cada dia ela estava mais fraca, seus cabelos já haviam caídos completamente e ela mal conseguia beber alguma coisa, se estivesse no hospital ela não poderia beber nem água, o medico a havia proibido, ele disse que quando ela estivesse com sede era para molhar um algodão com água e passar nos lábios dela. Eu não poderia fazer isso, ao menos não queria.
Ela era minha avó, ela sempre cuidou de mim, agora era minha vez de retribuir, de fazer o mesmo, eu não a deixei morrer de sede, eu estava ciente que a morte viria de uma forma ou outra e, por isso, eu não me importei em ajudá-la. Tudo o que pude fazer para satisfazê-la, eu fiz. Lembro-me ainda como se fosse ontem, eu ali pequenina ao redor dela e ela me olhando e dizendo:
— Minha garotinha está crescendo...
Foi uma das últimas fala da minha avó, ela mal conseguiu abrir a boca depois, ela foi ficando fraca e mais fraca, a doença estava a definhando-a a cada dia, ela já não mais saía da cama, não agüentava falar e mal abria a boca, mas os meus cuidados com ela continuaram até quando pude continuar.
Eu estava bastante debilitada com aquela situação e minha cabeça estava a mil por horas, eu andava sempre triste e meu coração em mil pedacinhos, quase nos últimos dias de minha avó, eu andava pela calçada e uma senhora estava no meio da rua e eu pude vê-la fazendo orações e uma multidão se ajuntava ao redor dela, ela tocava neles e como num passe de mágica eles eram curados, aquilo foi incrível. Eu me aproximei e perguntei como ela fazia aquilo, ela logo disse que não era ela, era Deus.
Eu pedi para que ela curasse minha avó, ela me perguntou quem era e onde estava, eu então a levei até ela, se a esperança é a última que morre a minha havia ressurgido, ressuscitado, meu animo havia se erguido de uma forma inigualável. Ela tocou minha avó e eu naquela explosão de felicidade imaginando sempre o melhor. Minha família estava inteira ao redor do quarto a espera de um milagre.
Aquela mulher fechou os olhos e impôs suas mãos sobre a cabeça de minha avó e conversou com seu Deus em silêncio, aquela oração durou cinco minutos e ela abriu os olhos e perguntou para minha avó.
— Dona Felícia, você se arrepende dos seus pecados? – Minha avó assentiu balançando a cabeça e numa resposta insatisfatória para mim, ela disse.
— Meu Pai. Entregamos essa alma que no seu último instante de vida se arrependeu e voltou para si, senhor.
Minha avó chorou nesse momento, eu vi as lágrimas escorrendo em seu rosto, eu vi a felicidade dela, mas eu vi a tristeza roubando meu sorriso, eu vi a lágrima invadindo meu olhar, o sorriso sincero da minha avozinha desaparecendo e a morte levando teu espírito. Eu queria curá-la, mas não houve cura, houve luto. A mulher disse que agora ela estava em um lugar melhor ao lado de nosso senhor, eu chorei, eu chorei muito. Aquilo era inaceitável, ela estava morta e só, nada mais.
Aquela mulher havia matado minha avó, eu corri para meu quarto e fui para debaixo dos meus lençóis para chorar, ela veio até mim e disse que minha avó estava em um lugar melhor agora, ela estava no paraíso, junto aos anjos e arcanjos. Eu não aceitava aquilo, eu queria que ela a curasse, mas ela disse que foi vontade de Deus. Por quê? Eu me perguntava, por que Deus quis que minha mãe morresse? Ela dizia que não era dessa forma,