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Ouro testado no fogo: Acompanhamento psicoespiritual entre mistério e seguimento
Ouro testado no fogo: Acompanhamento psicoespiritual entre mistério e seguimento
Ouro testado no fogo: Acompanhamento psicoespiritual entre mistério e seguimento
E-book569 páginas7 horas

Ouro testado no fogo: Acompanhamento psicoespiritual entre mistério e seguimento

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Sobre este e-book

Trata-se de um guia de direção espiritual. O autor, contudo, abandona a terminologia clássica, fonte de muitos equívocos, e adota a expressão ""acompanhamento psicoespiritual"" (APES) para dizer a mesma coisa, adaptando-a, porém, às exigências de nosso tempo, que recusam orientações diretivas e requerem que o espírito seja sempre integrado ao corpo e a todos os condicionamentos psíquicos que nos afetam a vida.
Para encontrar o caminho, o autor toma como parâmetros a comunhão da Trindade e o alcance da Encarnação, para sublinhar que o importante é vivermos, toda a nossa vida, corpo e alma, em comunhão com o Pai, por Jesus Cristo, no Espírito Santo.
Começa pelos conceitos básicos de vocação, espiritualidade e seguimento e adota o modelo atual do aconselhamento, para formular o acompanhamento psicoespiritual. De fato, inspira-se diretamente no mistério de Deus e de seu desígnio realizado em Jesus. Esboça, assim, uma nova pedagogia, com base na qualidade humana do relacionamento entre as pessoas, aprofundando as características favoráveis de quem é acompanhado e de quem acompanha.
Elabora, então, o ""modelo operativo"", que deriva das premissas teológicas e antropológicas anteriormente colocadas, e passa a analisar em profundidade os diálogos de acompanhamento.
Guiado por sua experiência, trata de alguns temas de particular importância enfrentados ao longo do acompanhamento, como a imagem de si e a auto-estima, o jeito de relacionar-se com os outros, o relacionamento com as coisas e a natureza, a revisão e a purificação das imagens de Deus e das motivações do compromisso religioso, sublinhando as resistências que encontram dentro de nós.
Finalmente, enumera os principais resultados que devem ser alcançados, considerando sempre a realidade sob o aspecto tanto psicológico quanto espiritual.
IdiomaPortuguês
EditoraPaulinas
Data de lançamento30 de nov. de 2022
ISBN9786558081890
Ouro testado no fogo: Acompanhamento psicoespiritual entre mistério e seguimento

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    Pré-visualização do livro

    Ouro testado no fogo - Flávio Lorenzo Marchesini de Tomasi

    Introdução

    a segunda conversão

    A graça da segunda conversão

    Sinceramente, não sabia que precisava tanto da segunda conversão, como dizem os místicos. Nascido e crescido num ambiente católico, recebi uma catequese sistemática desde os seis anos de idade. Fui preparado para encontrar Cristo na Eucaristia, fui ungido pelo Espírito na Crisma, aproximei-me do sacramento da Reconciliação, para receber o perdão e a vida nova, quando ainda era muito novo (entre os 6 e os 11 anos), e não podia entender bem os presentes que estava recebendo. Conservo grande gratidão pela educação recebida no seminário, onde fui iniciado na oração, na Palavra, na comunidade e na direção espiritual. Lembro com muita gratidão o testemunho e os conselhos dos diretores espirituais que alternadamente estavam ao meu lado, com estima e acolhida. Achava que a minha construção espiritual­ fosse suficientemente sólida e elaborada para assumir a missão de guia, educador, mestre de outros, quando fui ordenado padre. Inconsciente da minha presunção, acreditava que minha adesão aos valores e aos ideais proclamados com a boca já fosse conquista segura, patrimônio à minha disposição. Era um menino de ouro, obediente, legalista, perfeccionista, que, sem mentir, podia afirmar: Bem que eu poderia pôr minha confiança na carne... Fui batizado no oitavo dia, sou da raça católica, padre; quanto à observância da Lei, fariseu; quanto à justiça que vem da Lei, irrepreensível (cf. Fl 3,4-6). Mas tudo estava na cabeça. Não entendia por que as pessoas me pediam ser menos frio, distante, mais simples e falar com o coração. Eu era certo, perfeito: por que mudar? Que me faltava, ainda, para merecer a vida eterna da acolhida e a estima dos outros (cf. Mt 19,20)? Estou certo de que muitos podem compartilhar a mesma presunção e as mesmas dúvidas.

    Na realidade, estava construindo minha casa sobre a areia, com várias falhas, esquecendo partes importantes. Sempre cuidei da saúde física, praticando esporte e alimentando-me bem. Do mesmo jeito, procurava rezar, caminhar na comunidade, servir na catequese. Só tinha esquecido que também tenho emoções, necessidades, desejos. O senso do dever prevalecia em todas as formas. Às vezes, chegava a queixar-me com Deus por ter-me dado cinco talentos: não era melhor ter um só e ficar quietinho? Mesmo assim, ainda estou decidido a fazer tudo o que me for pedido. Não sei dizer não.

    Precisava da segunda conversão e não o sabia. Depois da ordenação e de um breve período na pastoral, fui enviado a Roma para continuar os estudos e receber a formação dos formadores. Ali, fui literalmente surpreendido pelo pedido de viver os diálogos de acompanhamento por três anos. Não podia imaginar o caminho, as conversões, as lágrimas, as alegrias que me estavam esperando.

    Entreguei-me com muitas resistências, mas consegui, aos poucos, chegar a entender muitos elementos da minha pessoa. Comecei a familiarizar-me com o desejo e com o medo de ser amado, com o ressentimento porque os outros não me querem bem, com a ilusão da perfeição e as contínuas projeções, com a minha solidão e o meu ser (causa dela).

    Aprendi a observar a mim mesmo e a calar sobre os outros (cf. Mt 7,3), a viver as relações com gratidão e maravilha, a aceitar as respostas parciais e a mudar as perguntas, recuperando as partes esquecidas, adormecidas, congeladas.

    Aprendi que nesta vida caminhar é mais importante que chegar, como afirma o Mahatma Gandhi. Não existe um caminho para a felicidade. A felicidade é o caminho.

    Sei que não posso receber tudo o que desejo, mas acredito que recebi e estou recebendo muito mais do que podia imaginar. Experimentei que a gratidão abre muitas portas e que a misericórdia é muito mais importante que a lei. Não pretendo mais mudar o mundo, procurando cisco nos olhos dos outros sem antes tirar a trave dos meus.

    Agora que consigo perdoar e reconciliar-me, estou muito mais feliz. Doar-me, finalmente, é uma alegria que vivo com paixão, e não mais por dever. O coração voltou a arder, em toda a sua riqueza, depois que um irmão, com muita paciência e dedicação, conseguiu tirar as cinzas da raiva, da mágoa e do ressentimento, as correntes do medo, da vergonha e da culpa, os apegos à glória, ao sucesso e à superioridade. No encontro com Cristo, descobri que tenho um coração de carne e que o barro que me constitui tem seu valor, apesar do muito trabalho necessário para receber a forma que o Oleiro pensou para mim.

    Não sei dizer bem como estou hoje: mais que libertado, reconciliado, curado, gosto de pensar-me um apaixonado, com coração ardendo por Cristo e pelos irmãos, mesmo mantendo vários limites e defeitos. Por isso me encontro, hoje, no Brasil, na região de Aparecida de Goiânia. Aqui, encontro novas perguntas, novos estímulos, novas provocações na vida sofrida deste povo que já considero minha família.

    Não tenho palavras para agradecer a Deus Pai pela oportunidade dos diálogos de acompanhamento. Através deles consegui reavivar o fogo que está adormecido embaixo das cinzas, apaixonando-me pelo tesouro escondido no meu campo, com vontade de entregar-me e de jogar tudo para possuí-lo (Mt 13,44-46). Espero, um dia, poder dizer com Paulo: Eu vivo, mas não eu: é Cristo que vive em mim

    (Gl 2,20). De fato: É ele que nós anunciamos, instruindo cada um, ensinando cada um com sabedoria, a fim de podermos apresentar cada um perfeito em Cristo. Para isso, eu me afadigo e luto, na medida em que atua em mim a sua força

    (Cl 1,28-29). Que poderia anunciar aos outros se não o que nos faz viver, sonhar e andar?

    Terminada a formação, com esse gosto de caminhar e aprender sem ter mais a presunção de saber tudo e de ter já chegado, iniciei o meu serviço de acompanhamento. Há cerca de vinte anos – dividindo o tempo com outras atividades pastorais – coloco-me à disposição de seminaristas, religiosos(as), padres e casais que desejam retomar a caminhada, tirar as cinzas, libertar-se das correntes para viver o projeto de vida com renovada paixão. Esse serviço é mais uma graça de Deus e faz parte da segunda conversão, enquanto me oferece estímulos, conhecimentos e testemunhos que enchem o coração de admiração, gratidão e esperança.

    Nunca teria escolhido esse serviço na Igreja. Minhas preferências eram para um serviço mais ativo, com resultados mais imediatos. Até hoje, de vez em quando, fico pensando: vale a pena ficar escutando, horas e horas, uma pessoa de cada vez, em lugar de fazer algo de útil para a transformação do mundo?! Por minha sorte, o Oleiro, que me conhece melhor, chamou-me a um serviço muito precioso, convidando-me a colocar os talentos que ele me deu à disposição das necessidades dos outros, mais que das minhas: Tu me amas mais do que estes?... Cuida das minhas ovelhas. A cada dia, Jesus acrescenta: Segue-me (cf. Jo 21,15.18-19).

    Uma exigência sempre atual

    De fato, o acompanhamento espiritual é assunto atual. Muitas pessoas, em particular jovens e casados, procuram crescer na fé e na adesão ao projeto de vida evangélica através da confrontação com irmãos e irmãs mais experientes. Por eles e elas, esse nosso tempo de crise apresenta-se como um tempo pascal, propício para o renascer espiritual. Outras têm distrações e pressa demais para ter o tempo de discernir o sentido da vida e o Mistério escondido na nossa história. Em todo caso, existe um acordo positivo a respeito da sede de Deus presente em muitas pessoas, como mostra a procura de tantos caminhos que prometem alcançar o encontro com ele.

    O mundo, que apesar dos inumeráveis sinais de rejeição de Deus, paradoxalmente, o procura, entretanto por caminhos insuspeitados, e que dele sente bem dolorosamente a necessidade, reclama evangelizadores que lhe falem de um Deus que eles conheçam e lhes seja familiar como se eles vissem o invisível (Hb 11,27). O mundo reclama e espera de nós simplicidade de vida, espírito de oração, caridade para com todos, especialmente para com os pequeninos e os pobres, obediência e humildade, desapego de nós mesmos e renúncia. Sem essa marca de santidade, dificilmente a nossa palavra fará a sua caminhada até atingir o coração do ser humano dos nossos tempos; ela corre o risco de permanecer vã e infecunda (EN, n. 76).

    Os pedidos de acompanhamento estão presentes, e ainda seriam mais, se o nosso anúncio fosse bem fundado na Palavra e no ensinamento tradicional da Igreja. Infelizmente, em muitas ocasiões, as pessoas acabam não encontrando resposta. Lamentam a falta de disponibilidade ou de pouca competência, por parte de padres, irmãs, casais disponíveis e profissionais. Vários os motivos: falta de tempo e, sobretudo, falta de formação para o serviço. Inúmeros casais, grupos e movimentos a serviço das famílias, animados de boas intenções, oferecem espaços de escuta e de aconselhamento. Porém é lícito perguntar: com qual formação?

    Assim, os agentes pastorais procuram manter-se fiéis às atividades pastorais sem ter aqueles espaços de silêncio, reflexão, estudo e contemplação que poderiam abastecê-los e robustecê-los. O saudoso papa Paulo VI admoesta-nos:

    Ao lado da proclamação geral, para todos, do Evangelho, uma outra forma da sua transmissão, de pessoa a pessoa, continua a ser válida e importante. O mesmo Senhor a pôs em prática muitas vezes – por exemplo: as conversas com Nicodemos, com Zaqueu, com a samaritana, com Simão, o fariseu, e com outros o atestam – assim como os apóstolos. E observando bem as coisas, haveria uma outra forma melhor de transmitir o Evangelho, para além da que consiste em comunicar a outrem a sua própria experiência de fé? Importaria, pois, que a urgência de anunciar a Boa-Nova às multidões de seres humanos nunca fizesse esquecer tal forma de anúncio, pela qual a consciência pessoal de um ser humano é atingida, tocada por uma palavra realmente extraordinária que ele recebe de outro (EN, n. 46).

    Recentemente, uma abrangente pesquisa nacional procurou a verdadeira cara dos brasileiros e concluiu: O brasileiro é no mínimo contraditório. Solidário em seu discurso e egoísta em suas ações... Não é à toa que 95% concordam que o individualismo e o egoísmo cresceram no País nos últimos anos.¹ Está se realizando uma velha profecia, que definiu o brasileiro como um equilibrista das contradições. Qual povo não o tem? Porém, que o individualismo e o egoísmo sejam um mal comum, isso pouco consola. Devem-se procurar soluções. A Igreja Católica, no Brasil, reconhece como primeiro desafio do nosso tempo a construção da identidade pessoal e da liberdade autêntica numa sociedade consumista.² O desejo de autonomia, o individualismo egoísta, o consumismo insaciável e as várias formas de desrespeito à vida não diminuem a dignidade absoluta da pessoa humana, criada à imagem e semelhança de Deus e, portanto, dotada de liberdade, criatividade e responsabilidade. Educar e formar as pessoas para o amadurecimento na consciência da própria dignidade, na capacidade de relações justas e fraternas, na participação responsável e competente à construção da nova sociedade representa o desafio urgente da nova evangelização encarnada.

    Entre as iniciativas que podem ajudar as pessoas a alcançar a formação e o desenvolvimento em todos os níveis, o documento aponta para iniciativas de acolhida e orientação, de atenção às necessidades básicas, de educação fundamental e profissional, de formação do espírito crítico. Pensa, também, em serviços de terapia e aconselhamento. A pessoa não se desenvolve num ‘esplêndido isolamento’, mas numa comunicação constante com os outros, a começar pela família (DGAEIB, doc. 71, n. 89). Já a Sagrada Escritura fala da importância do encontro humano pela formação das novas gerações: Ferro se afia com ferro: assim o amigo, com a presença do amigo (Pr 27,17). Somente no diálogo entre pessoas é possível aprender da experiência e adquirir a sabedoria:

    Um aspecto da pedagogia do anúncio que merece destaque é a necessidade de conceber o anúncio também em termos de diálogo e, especificamente, de reflexão sobre a experiência de vida, abrindo-a a seu verdadeiro sentido. É importante valorizar e respeitar a liberdade de cada um. Toda pessoa humana carrega um desejo e uma capacidade de encontro com a Palavra de Deus, que o próprio Espírito Santo suscita. Por isso o anúncio procura partir da experiência de vida das pessoas, dialogar com elas (DGAEIB, doc. 71, n. 97).

    Nessa preocupação de evangelização e formação que vai da pessoa à sociedade insere-se o curso de formação proposto pela Escola para Formadores, organizada aqui no Brasil por um grupo de ex-alunos do Instituto de Psicologia da Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma. Inspirados pelos mesmos princípios, e seguindo em parte os mesmos conteúdos e metodologia, a Escola, planejada em quatro etapas, orienta-se pela teoria da autotranscendência na consistência, teoria essa publicada em diversos livros de padre Luigi Rulla e colaboradores. Na integração das várias dimensões da pessoa humana, encarnada na realidade latino-americana e em comunhão com as diretrizes da Igreja Católica no Brasil, a Escola tem como objetivo preparar pessoas (religiosos, religiosas, sacerdotes, leigos e leigas) que sejam capazes de integrar as dimensões espirituais e psicológicas no caminho da formação. A proposta da Escola visa a preparar a pessoa para serviços educativos através do conhecimento de si mesma, da integração dos diferentes níveis da pessoa, da internalização dos valores evangélicos, de noções gerais de psicologia e de espiritualidade que permitam identificar problemas de fé, moral e desenvolvimento.

    O Espírito acompanha e assiste os evangelizadores. Isso não os dispensa de prepararem-se para a sua missão nem dispensa as comunidades eclesiais de oferecer-lhes oportunidades adequadas de formação. Mais do que cursos intensivos, dioceses e comunidades ofereçam apoio permanente aos evangelizadores. Mas nada substitui a experiência do Deus vivo, no encontro com Cristo, alimentando-se constantemente pela escuta da Palavra de Deus tanto no livro da Escritura quanto no livro da vida; pela participação na Eucaristia e demais celebrações; pela oração generosa e aberta a Deus e à sua presença na realidade humana; pelo abandono ao Espírito que precede a ação do evangelizador, assiste-o, cotidianamente confortando nas dificuldades e mesmo nos fracassos; enfim, pela doação de si mesmo no serviço aos demais. Merece atenção especial a formação permanente dos presbíteros, animadores da evangelização (DGAEIB, doc. 71, n. 101).

    Estamos conscientes de que o discurso que vai na contramão da pastoral atual é caracterizada pelas muitas reuniões e atividades em que o critério mais importante parece ser o número dos participantes. Na prática pastoral, o tempo dedicado a cópias, documentos, reuniões e construções pode até superar o tempo dedicado às visitas, ao diálogo, ao acompanhamento das pessoas! Surge uma dúvida legítima: na correria dos nossos dias, é possível, ainda, oferecer espaços de escuta, de partilha, de reflexão às pessoas que procuram crescer na fé? Apesar de tudo, os nossos pastores voltam a afirmar que a coisa mais importante é o caminho pessoal que aprofunda o relacionamento com Cristo e deixa o coração ardente. Falar de acompanhamento psicoespiritual, portanto, não quer dizer cair no intimismo, e sim reconhecer a importância de uma evangelização que permita fundar as raízes no relacionamento com Cristo e, assim, vencer os inevitáveis desafios do agir cristão, pessoal, comunitário e sociopolítico. Se a transformação da realidade no sentido do Reino é nosso objetivo, não podemos esquecer a importância de estarmos ligados à fonte.

    Uma via nova e tanto antiga

    Acolher uma fala sobre o acompanhamento espiritual, hoje, é difícil, porque existem em nós muitos medos e muitas resistências.

    A primeira resistência refere-se ao termo direção espiritual, não mais aceito. Dirigir é percebido como ação de alguém que manda na vida de outra pessoa, de cima para baixo, talvez sem respeito e, sobretudo, sem mexer com as dificuldades alheias. Prefere-se, então, o termo acompanhamento, já que o(a) acompanhante também é alguém que caminha e que aceita tornar-se companheiro de caminho, sem medo da poeira, do suor, da sede e do medo do desconhecido. Pela nossa fé, essa atitude é rica de lembranças queridas, já que o nosso Deus é o Emanuel, aquele que está no meio de nós e quer caminhar conosco todos os dias, até o fim dos tempos (Mt 28,20).

    A segunda resistência refere-se à própria espiritua­lidade. No passado recente, a palavra espiritualidade tornou-se palavra infeliz, não querida e desmoralizada pelo mau entendimento de espírito como algo que se opõe ao corpo, à matéria, à história, ao compromisso.³ Nas últimas décadas, pela luz do Espírito temos uma melhor compreensão da realidade, tão preciosa que sem ela não podemos viver. Assim, a estima pela espiritualidade, seja como busca de sentido, seja como vida no Espírito, está crescendo em muitas pessoas, de qualquer vocação e missão eclesial. De fato, nenhuma pessoa pode viver sem sentido, sem motivações, sem mística ou sem uma utopia que motive seus esforços e suas lutas. Toda mulher e todo homem são mais do que biologia pura, consumismo, atividades, trabalho e interesses. Todos somos espírito, sentido, significado e transcendência. Todos precisamos do Espírito de Deus que nos mantenha em vida.

    Por outro lado, não faltam queixas contra o acompanhamento psicológico. Algumas teorias, como a psicanálise, são criticadas pela insistência a respeito do passado: as pessoas continuam revendo o passado sem conseguir uma reconciliação que leve a olhar para o futuro com confiança. Outras, como as teorias humanísticas, oferecem soluções simples, baseadas no presente e na auto-realização, e não tomam em conta a complexidade do ânimo humano. Outras, ainda, diminuem a importância da espiritualidade, reduzindo a pessoa só à dimensão psicológica. Todas elas são carentes de uma visão antropológica que ofereça o necessário alicerce para o autêntico crescimento pessoal, que seja ao mesmo tempo psicológico e espiritual.

    Consciente dessas dificuldades, quero apresentar uma via nova e tão antiga: discernir o melhor da tradição psicológica e da tradição espiritual para privilegiar a síntese, a integração dos opostos e das várias forças internas da pessoa humana. Daí vem o nome acompanhamento psicoespiritual. Ele procura manter unidas as riquezas da espiritualidade e da psicologia. Permitir ao nosso Oleiro educar-nos, formar-nos e transformar-nos é o nosso caminho de amadurecimento, à luz de duas convicções:

    a) pelo Mistério da Santíssima Trindade professamos que a salvação vem de Deus pela livre e gratuita iniciativa do Pai em Cristo, pelo Espírito Santo;

    b) pelo Mistério da encarnação acreditamos que esta salvação alcança e perpassa toda a nossa realidade: pensamentos, afetos, desejos e decisões de vida: Amarás o Senhor teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua alma e com todas as tuas forças (Dt 6, 5). A espiritualidade, sobretudo neste tempo pós-moderno, ou é encarnada, no sentido de interiorizada e personalizada, ou não é espiritualidade. Ou abrange todas as dimensões do ser (alma e corpo, pensamento e vontade, sexo e fantasia, palavra e ação, interioridade e comunicação, contemplação e luta, gratuidade e compromisso) ou não dirá nada de importante e não favorecerá a felicidade e a realização pessoal. Ao contrário, pode mutilar a pessoa como uma couraça, uma evasão ou uma imaturidade escravizante, através das três grandes tentações: A tentação de renunciar à memória e à história; a tentação de renunciar à cruz e à militância; a tentação de renunciar à esperança e à utopia.

    Espiritualidade é voltar à pergunta decisiva: E vocês, quem dizem que eu sou? (Mc 8,27-33) e viver a resposta que vem do alto e envolve todo o nosso ser. Como a mulher samaritana (Jo 4,1-42), com o cântaro no ombro, queremos pôr-nos a caminho até o poço e deixar-nos surpreender pelo encontro com Jesus. É descobrir, no mais profundo do nosso ser e de nossos desejos, a insatisfação que só Deus pode saciar.

    Apresento, enfim, o esquema do trabalho, e desde já peço desculpa por algumas repetições. Tenho a esperança de que elas ajudem a entender o acompanhamento, a partir de diferentes perspectivas.

    No primeiro capítulo, vamos rever os conceitos básicos da vocação, da espiritualidade e do seguimento. Quanto aos métodos de ajuda, levamos em consideração a direção espiritual tradicional e a moderna forma de acompanhamento, conhecida como counseling. Escolhendo os melhores elementos de ambas, pretendo apresentar a nova forma de acompanhamento psicoespiritual (APES), inspirada na atitude de Jesus com os discípulos de Emaús e em muitos outros encontros. A categoria do Mistério será de grande ajuda, de um lado, para entender o projeto de Deus que se realiza progressivamente em nós e, do outro, para enraizar-nos numa correta visão antropológica que consiga juntar psicologia e espiritualidade.

    O objetivo do segundo capítulo consiste em delinear uma nova postura pedagógica: o acompanhar completa a ação do educar e do formar na pessoa que busca transformação, até conseguir a plena maturidade de Cristo (Ef 4,13). Exigência primária neste caminho é a construção de um relacionamento entre acompanhado(a) e acompanhante, chamado aliança, baseado na confiança mútua, na disponibilidade e no respeito de algumas regras compartilhadas.

    O terceiro capítulo é dedicado à pessoa do(a) acompa­nhado(a), cujo Mistério pode ser perdido, procurado e reencontrado ao longo do caminho, logo que aprendemos a perceber as perguntas, conscientes e inconscientes, que nos constituem. Trata-se de testemunhar a beleza do caminho, da luta e do compromisso que a transformação exige, provoca e realiza.

    No quarto capítulo, prestaremos atenção às qualidades, atitudes e tarefas do(a) acompanhante psicoespiritual, chamado a acolher, compreender e interpretar. Queremos, também, tomar conhecimento dos perigos da intimidade e da contratransferência.

    No quinto capítulo será apresentado o modelo operativo que deriva das premissas teológicas e antropológicas colocadas nos primeiros capítulos. O modelo será apresentado nos três momentos do método da identificação projetiva, que oferecem instrumentos e critérios para entender as dinâmicas de presença-ausência-transformação na caminhada psicoespiritual.

    No sexto capítulo, aprofundaremos a comunicação nos diálogos de acompanhamento. Além das características gerais, que representam o alicerce, tomaremos em consideração outros elementos específicos, em particular a linguagem dos gestos e dos sentimentos, tão importante nos diálogos e tão esquecida na formação.

    A experiência acerca de vinte anos de diálogos de acompanhamento leva-me a colocar no sétimo capítulo alguns temas de particular importância, que sempre deveriam ser enfrentados ao longo do acompanhamento. Eles são, em particular: a imagem de si e a auto-estima, o jeito de relacionar-se com os outros, o relacionamento com as coisas e a natureza, a revisão e a purificação das imagens de Deus e das motivações do compromisso religioso. Tudo começa com a convicção de que o difícil caminho da unificação passa pela integração dos opostos, pelo perdão e pela reconciliação com o passado, o presente e o futuro. Não se pode, pois, diminuir a necessidade da luta e da conversão permanente.

    O oitavo capítulo será dedicado às resistências que a luta provoca, dentro do(a) acompanhado(a), pois não é nada fácil encontrar os aspectos de si que foram esquecidos e reprimidos por vários anos, e dentro os diálogos, na forma de transferências, atrasos, fechamentos e fugas, realidades encontradas, a título de exemplo, no caminho de Paulo, apresentado nos Atos dos Apóstolos.

    Depois de ter considerado os elementos da fase inicial e da fase intermediária, o nono capítulo chama atenção a respeito da fase final, com observações oportunas acerca dos fatores de terminação, do quando e do como concluir os diálogos de acompanhamento. O tema permite enfrentar, também, o delicado assunto dos sinais de cura e de mudança, confirmando, ao mesmo tempo, a convicção de que o caminho de crescimento nunca pode ser considerado concluído.

    Enfim, na conclusão, tento uma palavra de síntese, retomando as principais categorias usadas nos capítulos anteriores, na esperança de que possam ajudar a elaborar um estilo pessoal de ajudar o próximo.

    O nosso mestre, padre Rulla, repetia nas aulas: Eu vos sugiro duas regras pelo discernimento: que as vossas atividades sejam modestas e que aconteçam entre muitas dificuldades. Tais palavras infundem-me coragem, a ponto de eu ter a ousadia de apresentar esta obra: é uma tentativa modesta, sem presunção, de oferecer um texto sintético que ajude e provoque mais disponibilidade para os acompanhamentos. Foi escrita entre muitas dificuldades, à noite, nos espaços livres das atividades pastorais muito exigentes. Mesmo assim, ele me deu força, incentivo, foi apaixonante, ajudou-me a continuar na luta, quase obrigando-me a reservar um lugar ao importante, sem ceder, unicamente, ao urgente do ministério. Como Nicodemos (Jo 3), fico muito agradecido a Deus pela oportunidade de poder reservar o espaço noturno para dialogar com Jesus Cristo, discutindo amavelmente com ele sobre os desejos e as esperanças de tantos irmãos e irmãs. Esta é uma graça que dá muita força e repouso ao coração: à noite, torna-se mais fácil viver a intimidade, o silêncio, recuperar forças, dedicar-se ao primeiro amor, escutar sua voz (Ct 2,8), acalmar e tranquilizar o furacão das emoções como criança desmamada no colo da mãe (Sl 131,2).

    Escrevo numa língua – o português – que estou aprendendo aos poucos. Como é natural, entendo que penso em italiano, minha língua materna, e isso com certeza dificulta a comunicação, e consequentemente a leitura. Portanto pedi a ajuda de muitas pessoas amigas para a tradução e para a correção do texto.

    Quero agradecer ao irmão João José Sagin, fms, Florianópolis, pela tradução de alguns textos. Agradeço à irmã Líria Grade, fsp; à irmã Alessandra Foa, usc; à senhora Regina Maria Caetano, pela correção e pelas sugestões. Agradeço, de forma especial, aos colegas do Instituto Superior para Formador, de modo especial ao padre Deolino Pedro Baldissera e à irmã Marilene Brandão, pelo carinho com que leram o texto e apresentaram várias sugestões. Quero, sobretudo, expressar minha estima e agradecimento à professora Maria Marta Jacob, pela valiosa e paciente contribuição na revisão gramatical e lexical do texto.

    Um agradecimento especial às pessoas amigas que me presenteiam com sua estima e proximidade carinhosa. Ainda mais para quem me ofereceu apoio e incentivo nos momentos de dificuldade.

    Capítulo 1

    Até que Cristo

    se forme em nós

    A proposta de uma nova forma do acompanhamento psicoespiritual insere-se dentro das mudanças significativas do tempo pós-conciliar, a respeito de três áreas: o sentido da vocação; o sentido e o método da espiritualidade; o papel da psicologia na formação.

    A. O sentido da vocação

    O serviço educativo à fé e à humanidade, que não queira correr o risco da improvisação, exige uma correta teologia da vocação,⁵ que ofereça os elementos necessários para entendê-la e respeitá-la. Como a Bíblia nos apresenta a vocação?

    Vocação deriva do verbo latim vocare, que significa, simplesmente, chamar. Vocação é, assim, chamado, chamada, convite, apelo. Tem a mesma raiz de voz. Em Ex 3,7, o primeiro chamado é do próprio Deus. Ele chama Moisés a colaborar no projeto de libertação do povo. Na linguagem bíblica, vocação não é pura e simplesmente uma inclinação ou aptidão, ou gosto pessoal. Aptidão e inclinação pessoal são elementos secundários, enquanto o chamado e a iniciativa divinas para um serviço específico são primários. A vocação é o chamado de Deus dirigido a toda pessoa humana, seja em particular (Mc 1,16-20), seja em grupo (Mc 3,13-19), em vista da realização de uma missão ou serviço em favor da comunidade. No Novo Testamento (NT), é Deus que, em Jesus, toma a iniciativa de chamar: Vós não me escolhestes a mim, eu vos escolhi a vós e vos destinei para irdes dar fruto; e para que vosso fruto permaneça (Jo 15,16). A vocação, portanto, apresenta as características de um diálogo entre Deus e a pessoa humana, entre Deus dialogador sempre perfeito e o ser humano dialogador sempre limitado e, no entanto, chamado a interagir com Deus.

    O ser humano existe porque Deus lhe dirigiu a palavra, chamou-o à existência, chamando-o a ser seu interlocutor. A vocação é a palavra que Deus dirige ao ser humano e que o faz existir imprimindo nele a marca dialogal... O ser humano pode compreender sua vida como o tempo que lhe é dado para esse diálogo com Deus. Se o ser humano é criado pela conversação com Deus, e é, assim, aquele que é chamado a falar, a expressar-se, a comunicar-se, a responder, o tempo que tem à disposição pode ser compreendido como o tempo para a realização da sua vocação.

    De que modo Deus fala com a pessoa humana? Por meio da Palavra e da Igreja, da natureza e da história, dos acontecimentos sociais e dos pensamentos e sentimentos da pessoa.

    A iniciativa de Deus – sua graça, ou melhor, seu Espírito – não elimina nem substitui a resposta humana – a natureza: ao contrário, ela a valoriza e a leva à perfeição, à maturidade. A graça de Deus intervém na resposta também. Enquanto amor derramado nos nossos corações (Rm 5,5), ele

    cria ou torna totalmente livre o chamado, livre para dar-lhe resposta, torna-o responsável, literalmente capaz de dar resposta; não o amarra a si, não o obriga a amá-lo ou a mostrar-lhe reconhecimento ou a segui-lo (veja o jovem rico e o próprio Judas); quando muito, coloca-o em condições de decidir o que fazer com o dom recebido, para ser livre, como o seu Criador, exatamente.

    Se a vocação do homem e da mulher, desde o momento da criação, consiste no caminho até o coração do Pai, para ser transformado cada vez mais no Filho, sua perfeita imagem, o Espírito Santo, com sua ação interior e seu influxo, o(a) ajuda no caminho dessa transformação. O Espírito Santo é a unção que nos ilumina e guia, é em nós o desejo de santidade, aspiração a um amor cada vez mais gratuito e exigente, numa palavra: mais perfeito (Mt 5,48).

    Características da vocação

    Pela sua natureza dialógica, a vocação é relacional, comunitária, missionária e dinâmica.

    a) A origem de toda vocação está na relação com a Santíssima Trindade. Sendo a fonte e a origem de todo amor, de todo bem e de toda comunhão, a Trindade também é a fonte e a origem de toda vocação (P, n. 212). Deus, fonte e origem de toda vocação, é o Deus da relação, do encontro, da autocomunicação, misericordioso, rico de ternura e compaixão. É o Deus revelado em Jesus Cristo, o Deus Uno e Trino. Por isso Puebla entende a vocação como comunhão e participação (n. 852) à vida trinitária. Ao relacionar-se com a pessoa humana, a Trindade faz uma proposta: convida-a a entrar em relação com ela. Inicia-se, assim, a peregrinação, o caminho da humanidade em direção à Trindade (P, nn. 213-214), uma volta para casa. Só quem ficou seduzido (Jr 20,7) e permanece na intimidade (Os 2,16. 1Ts 4,17. Jo 17,24. 1Pd 5,1) pode entender a beleza e a riqueza desta pérola preciosa.

    b) O diálogo pessoal com Deus também é comunitário nos dois sentidos: de um lado, acontece numa comunidade bem concreta (Mt 25,31-46). De outro, Deus chama a partir do clamor do povo que sofre (cf. Ex 3,1-10. Jr 11,4-10). Se a vocação é relação com a Trindade, ela também é encontro com o próximo mais necessitado. Responder ao chamado é inserir-se na vida da comunidade, é tomar parte ativa na construção do Reino. Vocação não é isolamento, busca de satisfações, de realização pessoal. Não é realização de projetos pessoais, mas o dar a vida pela defesa e pelo crescimento da vida alheia (Jo 10,11; 15,13). O Documento de Puebla afirma: Este chamamento pelo Batismo, Confirmação e Eucaristia para sermos povo seu chama-se comunhão e participação na missão e na vida da Igreja e, portanto, na evangelização do mundo (n. 852. Mt 14,13-21 e paralelos). Esse chamado provoca em nós o êxodo do indivi­dualismo à comunidade, e da comunidade a meu serviço à comunidade que eu sirvo (P, nn. 326-327). Na origem duma vocação autêntica estão sempre a compaixão e a solidariedade.

    Também pertence ao caráter comunitário a consciência de que Deus chama através das mediações, especialmente da mediação da história (as situações, os acontecimentos, definidos sinais dos tempos) e das pessoas (cf. 1Sm 3,8-9).

    Sem educação, sem mestres e educadores, o ser humano, sociável, educável e com aspirações espirituais, atrofia-se... As vias do espírito apresentam-se complexas, sutis, de delicadeza fina. Aventurar-se por elas sem ajuda pode significar marcar passo, não avançar ou, pior, perder-se na ilusão. A função do mestre espiritual faz-se imprescindível.

    c) A missão, segundo a Bíblia, é elemento central da vocação. Duvida-se de quem escolhe sua missão, já que ela vem de Deus como um encargo, nem sempre desejado nem fácil de cumprir (cf. a experiência de Jonas, Jeremias, Amós...). Em muitas circunstâncias, para ser fiel a Deus e cumprir com fidelidade a missão, a pessoa precisa renunciar aos seus gostos pessoais e aptidões, ou endereçá-los segundo o projeto de Deus. Isso aparece de forma bem clara nos relatos de vocação. O centro da atenção passa dos desejos e sonhos pessoais à tarefa que Deus confere, como tesouro escondido, pérola preciosa, desejo mimético que catalisa todas as energias das pessoas. Diante da vontade ­irresistível de Deus, as pessoas podem mostrar, no início, várias resistências (Is 6,5.8.; Jr 1,6; 20,9), mas, aos poucos, terminam por aceitar a proposta de Deus. Essa aceitação pode ser tão radical que a pessoa não recusa abandonar completamente seus projetos e interesses pessoais (Ex 3,11-12; 4,10-20; Jr 1,4-9; 20, 7-18; Is 6,1-8; Lc 1,34-38). Consequentemente, a missão faz a pessoa. A iniciativa de Deus nunca anula a participação e a responsabilidade de quem é chamado. O próprio Deus encarrega-se de formar as pessoas para torná-las aptas à missão. Por isso, no período de formação, é preciso insistir no valor da liberdade e da responsabilidade de quem responde ao chamado.

    d) Enfim, o caráter dinâmico da vocação consiste no chamado à santidade, isto é: à maturidade e plenitude da vida cristã e à perfeição da caridade (1Cor 13,11; Rm

    12,9-16; Hb 5,11ss) como algo que pode e deve ser alcançado, passo após passo. A grande vocação, que confere rumo e valor a todas as vocações, consiste em agir e ser como o Pai age e é: santo (Lv 19,2), perfeito (Mt 5,48), misericordioso (Lc 6,36). Deus é santo porque ama e acolhe as pessoas, especialmente os pequenos e excluídos (Is 41,14). A pessoa humana é chamada a participar da santidade divina (1Pd l,5-16; 2,9-10). A santidade, como aperfeiçoamento progressivo no amor (Ef 1,4), pede um contínuo crescimento: nós, que somos maus (Lc 11,13), podemos tornar-nos, pela graça de Deus, solidários e misericordiosos como ele.

    Por essas características, o chamado exige uma permanente conversão, um contínuo esforço contra a mediocridade e a superficialidade. Para viver com proveito esse caminho dinâmico, algumas advertências merecem atenção:¹⁰

    A volta a si mesmo

    A partir da primeira pergunta que Deus faz à humanidade, entendemos a importância de estarmos conscientes do ponto em que nos achamos: Onde estás? (Gn 3,9). Com essa pergunta Deus pede a cada um de nós: onde você está no seu caminho e no mundo? Que é que você faz dos dias que lhe são doados? Onde você se encontra? Ele sabe que, como Adão, preferimos fugir de sua presença, ficando, assim, sem consciência também do que nós somos. Vivemos na fuga, na superficialidade e na falta de responsabilidade. Deus sabe onde nós ficamos escondidos. Com essa pergunta, ele quer suscitar nossa consciência e responsabilidade, porque o nosso caminho só pode iniciar quando, talvez

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