O conceito de vontade em Agostinho: do livre-arbítrio à predestinação
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Sobre este e-book
O fundamento para esta tese foi construído por meio da análise de algumas de suas importantes obras, entre 395 e 429 d.C. O autor analisa a caminhada de Agostinho, começando por sua obra "De libero arbítrio", escrita quando o mesmo estava com seus 40 anos de idade, e apenas 8 anos de conversão ao cristianismo. Passando pelas Confessiones, redigidas quando já era o Bispo de Hipona (397-400 d.C.), chegando até suas últimas obras, "De gratia et libero arbitrio", "De correctione et gratia", "De praedestinatione sanctorum" e "De dono perseverantiae", que escreveu ao mosteiro de Hadrumeto, na África, por um período de dois anos (427-429 d.C.).
Portanto, além do embevecimento, devido ao estudo feito nestas e em outras obras do Bispo de Hipona, há, também, neste livro introdutório, uma suposição, e a posterior exposição, da mudança de Agostinho com relação à potência da vontade humana entre os seus escritos iniciais e finais, respectivamente. Essa tese de transformação passa, assim, de uma vontade humana, praticamente soberana, para outra vontade dependente, quase que totalmente da vontade soberana de Deus.
Assim, o autor convida o leitor e a leitora para uma jornada, segundo o mesmo afirma, de mudança doutrinária do conceito de vontade em Agostinho.
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O conceito de vontade em Agostinho - Elias Guimarães
CAPÍTULO I: A HIERARQUIZAÇÃO DOS BENS EM AGOSTINHO
Neste capítulo, pretendemos fazer uma análise da hierarquização dos bens em Agostinho, para saber e entender que tipo de bem é a vontade na graduação que o Bispo de Hipona utiliza, e o porquê disto. Para isto, vamos nos basear, principalmente, em passagens no De libero arbítrio e em De trinitate, que são obras importantes de Agostinho para a abordagem do assunto em tela.
1.1. A HIERARQUIZAÇÃO NO DE LIBERO ARBITRIO
O De libero arbitrio é uma obra escrita por Agostinho em duas partes. A primeira parte, que é composta pelo livro primeiro, foi escrita durante a sua passagem por Roma, no ano de 388 d.C., logo após o falecimento de sua mãe Mônica, em 387. Os outros dois livros que compõem essa obra só foram concluídos por volta de 395, já como Bispo de Hipona. A obra é escrita em forma dialogal e é em grande parte o relato de conversas de Agostinho com um certo Evódio. Quem é Evódio⁹? É um amigo e conterrâneo de Agostinho. A princípio, ele foi militar, depois se dedicou à vida cristã totalmente. Ele ficou com o filósofo africano, logo após a morte de Mônica em Roma. Depois foi para Tagaste, onde participou como membro fundador da comunidade de monges, juntamente com Agostinho. Mais tarde veio a se tornar Bispo de Uzalis na África, em 396.
A formação ideológica do livro traz como tema principal o problema da liberdade humana e a origem do mal. Agostinho não suporta, logo após a sua conversão, a ideia de que Deus é a origem do mal. Partindo do princípio de que Deus é bom por natureza e que Ele é criador de todas as coisas, logo, todas as suas obras são boas. Esse tratado é, entre outras coisas, uma ofensiva contra os maniqueus, que, de forma breve, defendem a supremacia de duas divindades a presidir o universo: o princípio do Bem e o do Mal, isto é, a luz e as trevas, respectivamente. Os maniqueus afirmam, como consequência, que o homem possui duas almas, uma boa e a outra má. Logo, o mal é só metafísico, não sendo o homem livre nem responsável pelo mal que pratica. Este lhe é imposto. Assim, a obra é dividida em três livros. O primeiro livro trata de explicitar que o pecado é oriundo da escolha do livre-arbítrio da vontade humana. O segundo livro trata da prova da existência de Deus, autor de todo o bem. Por fim, Agostinho escreve o terceiro livro, tratando da providência de Deus em face aos seres livres¹⁰.
No diálogo com Evódio, a primeira pergunta deste é: "Peço que me digas, será Deus o autor do mal?"¹¹. Agostinho lança esta pergunta com o intuito bem claro, isto é, o de combater, principalmente, o maniqueísmo e o neoplatonismo. A primeira corrente filosófica afirma ser o mal e o bem duas naturezas presentes no homem, ou seja, que Deus é o criador tanto do bem quanto do mal, como já relatamos anteriormente. A segunda, por sua vez, defende que a matéria é má. No fundo, o Bispo de Hipona quer provar que o mal não vem de Deus, pois Ele é o sumo Bem e que tudo que Dele procede é bom.
Disto, podemos notar que o Bispo de Hipona se embrenha por um caminho que nos mostra algumas de suas bases doutrinárias. Vejamo-nas de forma suscinta: A primeira é a doutrina da participação, que nos mostra que Deus é o criador de todos os bens. Tudo vive em Sua dependência e por Ele é mantido. Dessa primeira doutrina, como consequência, encontramos a doutrina do exemplarismo, que afirma que tudo o que foi criado possui uma certa semelhança com as Idéias do Criador, mesmo que seja ínfima. Sendo que as Idéias divinas são o exemplar ou modelo, e as criaturas suas cópias. A terceira é a doutrina da iluminação, que implica na intervenção divina especial, capacitando a alma do homem a conhecer e julgar além das nossas condições naturais¹². Isto porque Agostinho, que é incansável na sua busca da verdade, se vale da metáfora da luz para mostrar a manifestação da verdade no interior da alma humana. Porém, essa verdade não se reduz à alma apenas, mas a transcende simultaneamente. Enquanto a alma é mutável, a verdade é imutável. O conteúdo que a mente consegue atingir não pode ser explicado pela razão unicamente. Há, assim, um limite entre a mente e a verdade. Como superá-lo? Agostinho afirma que é necessário que haja uma intervenção divina constante para que possamos conhecer as verdades eternas e