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A Guardã: A Caverna de Cristal
A Guardã: A Caverna de Cristal
A Guardã: A Caverna de Cristal
E-book449 páginas7 horas

A Guardã: A Caverna de Cristal

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Sobre este e-book

Livro juvenil com uma história de ficção, fantasia e aventura. Uma indicação de leitura para quem quer ler livro infanto juvenil. Lançamento da literatura brasileira escrito por Gabriel Gouvêa e conta uma história medieval no estilo da história de Rei Arthur e a espada lendária, com mistérios no formato das melhores sagas cheias de seres mitológicos.Aos 14 anos Ishtar teve sua vida - e toda a sua noção de realidade – completamente modificadas. Já não bastassem os acontecimentos estranhos em sua vida desde o seu último aniversário, um inesperado ataque de um monstro levou-a ao convite que mudaria a sua vida: tornar-se estudante no Colégio dos Guardiões, onde poderia desenvolver poderes incríveis que nem ela mesma sabia possuir.Vivendo agora em uma cidade estranha, onde acaba conhecendo seres de dimensões paralelas, ela terá de aprender a lidar com seus poderes e essa nova realidade, contando com a ajuda dos amigos que fará nessa jornada de aprendizado.A Caverna de Cristal é o primeiro volume da série A Guardiã, e irá agradar aqueles que gostam de livros de fantasia.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento27 de dez. de 2022
ISBN9781704393254
A Guardã: A Caverna de Cristal
Autor

Gabriel Gouvêa

Escritor brasileiro

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    Pré-visualização do livro

    A Guardã - Gabriel Gouvêa

    Capítulo 1 — Um dia Estranho

    Em uma pequena cidade, como outra qualquer, um dia de verão terminava, ainda não tinha sido tão quente pois a estação estava apenas começando e a temperatura parecia estar apenas fazendo um ensaio para o que viria a ser em breve. O sol começava a se pôr ao longe, as cigarras cantavam, quase como se quisessem anunciar que o dia seguinte também seria muito ensolarado.

    Havia uma rua calma e tranquila, com algumas casas, e poucas pessoas passavam por ali, o bairro era bem pacato, um desses lugares em que normalmente nada de interessante acontece. Era um bom lugar para se criar os filhos, pois era seguro, além de ter uma escola e um hospital perto.

    Uma menina sentia como se estivesse acabando de acordar, ela era um pouco mais alta que a média das garotas da sua idade, tinha um rosto com traços finos e olhos castanhos quase da cor do mel e os seus cabelos, também castanhos, lhe caiam pelos ombros até as costas. Sua cabeça doía muito e ela se sentia muito triste, porém uma coisa estava lhe preocupando, não sabia como havia chegado até ali.

    Lentamente começou a se lembrar de algumas coisas, seu nome era Ishtar, disso tinha certeza, e desde que havia feito quatorze anos coisas estranhas vinham acontecendo o tempo todo. Se sentindo meio zonza ela caminhou até o meio fio e se sentou enquanto tentava colocar os pensamentos em ordem.

    — Será que eu caí e bati a cabeça? — se perguntou em voz alta.

    Olhando ao redor ela teve certeza de que ali era a rua onde morava, além disso estava de uniforme e se lembrou de que estava voltando da escola para casa. O lugar que a poucos segundos lhe parecia completamente estranho voltou a lhe ser bastante familiar, incluindo a casa a sua frente que agora já reconhecia como sendo onde morava.

    Sua memória voltava rapidamente, porém não conseguia se lembrar de modo algum como havia chegado até ali. Simplesmente era como se houvesse um espaço vazio na sua memória, ou melhor um vulto, como um manto negro que a cobria.

    Lentamente se levantou e caminhou em direção a sua casa, seu corpo ainda parecia estar meio dormente e lento, como se os seus movimentos demorassem a responder. Com um pouco de dificuldade conseguiu chegar até a entrada da sua casa. Ela era pequena com paredes de um azul bem claro, e tinha um pequeno gramado a frente. Apenas ela e sua mãe moravam ali, e não se lembrava do pai e nem de outros familiares. A única outra pessoa próxima de que se lembrava era a vizinha da casa ao lado, amiga de infância de sua mãe. Em frente à casa geralmente ficava o carro estacionado, mas como ele não estava lá, então sua mãe deveria estar trabalhando.

    Ao lado havia outra casa muito parecida com a sua, onde a amiga de sua mãe morava, porém uma forte tristeza lhe atingiu ao olhar para lá, mas o sentimento desapareceu tão rápido quanto como chegou.

    — Estranho. — disse para si mesma e entrou em casa.

    A única coisa que passava pela sua cabeça era o quanto estava se sentindo diferente desde que havia feito quatorze anos, com aquele dia sendo o mais estranho de todos até o momento. Certa vez quando tentou conversar com a sua mãe a respeito, ela começou a lhe contar a história de que o corpo mudava, e que ela deveria ter cuidado com o que fosse fazer com os garotos, mas antes que a coisa ficasse muito embaraçosa Ishtar desviou do assunto.

    A sua teoria era de que a sua cabeça tinha mudado desde que havia feito quatorze anos, e isso explicaria as coisas que haviam acontecido desde então. Depois do seu aniversário ela já havia visto coisas que apareciam e desapareciam do nada, incluindo vultos e uma vez até uma pessoa completa. Além disso, o número de objetos que conseguira quebrar só de encostar era incrível. Sua mãe já havia comprado quatro novos jogos de copos para a casa em três meses, sendo que todas as vezes esses acidentes vinham acompanhados de uma série de reclamações sobre o quanto a filha era desatenta.

    Conforme o sol ia se pondo e a escuridão surgia, os postes na rua começavam a acender, e as luzes das casas e dos prédios também a surgiam lentamente. Ela achava o entardecer algo muito bonito de se admirar. As luzes contra as sombras que iam surgindo e todo aquele cenário ficava em sua cabeça. Ishtar olhava para o céu conforme a noite chegava, admirada com essa transição, enquanto pensava que era algo digno de uma pintura. Ela sempre gostou de olhar os detalhes de situações de transição entre a luz e a sombra, como o entardecer, e pensava em um dia ser uma pintora muito famosa.

    Trabalhar com arte e apresentar ao mundo o seu ponto de vista sobre as coisas, dar destaque a tudo aquilo que achava bonito, era o que pensava em fazer quando fosse adulta. Ela conseguia ficar horas olhando para alguma coisa ou paisagem que achasse que merecia um quadro. Já havia começado a fazer alguns ensaios pintando os seus primeiros quadros e pensava em poder fazer algum curso de pintura profissional futuramente. Porém nada chamava mais a sua atenção do que o limiar de transição entre o dia e a noite, de algum modo essa visão sempre lhe acalmava e terminava pensando que poderia fazer um lindo quadro sobre isso um dia.

    Naquele final de dia ela estava sozinha em casa, desde que se lembrava sua mãe trabalhava fazendo plantões no hospital da cidade e por isso Ishtar acabava passando muito tempo sozinha em casa. Entretanto naquela tarde algo lhe chamou a atenção, ela ficou parada olhando para um ponto fixo no escuro, um lugar na sua rua em que a luz de nenhum dos postes alcançava. A sensação era estranha, como se alguma coisa estivesse ali, mas que ela sabia que não deveria estar.

    Um leve arrepio subiu pela sua espinha e um calafrio tomou conta de seu corpo, Ishtar pensava em voltar para dentro de casa, porém seu corpo não se mexia. Quanto mais pensava que deveria sair dali de qualquer maneira, mais paralisada se encontrava. Então um medo, como nunca havia sentido na vida, começou a tomar conta de tudo a envolvendo.

    A luz parecia sumir lentamente como se a escuridão estivesse vindo em sua direção e conforme o seu medo crescia, sua respiração ficava cada vez mais acelerada, suava frio e de algum modo o seu espírito sabia que aquilo que se aproximava era morte certa.

    Eis que então uma luz muito forte iluminou toda a rua com o ronco de um motor, um carro havia acabado de virar a esquina e descia a rua, e seguiu até chegar a frente da casa de Ishtar onde parou e as luzes se apagaram. Uma mulher alta com o rosto muito parecido com o de dela, mas com os cabelos curtos na altura do ombro, saiu de dentro dele e veio em sua direção.

    Assim que a luz iluminou toda a rua Ishtar sentiu um estalo e em um segundo tudo voltou ao normal, já podia se mexer novamente, embora a sua respiração estivesse ofegante e suava como se houvesse feito uma longa caminhada. Sua mãe parou ao seu lado e lhe encarou com ar de curiosidade por alguns segundos.

    — Oi filha, está tudo bem? Você está com uma cara de assustada.

    — Não foi nada, achei que tinha visto alguma coisa estranha, hoje foi um dia meio esquisito.

    — De novo outra sensação estranha? O que tem acontecido com você ultimamente filha?

    — Não faço ideia. — Ishtar achou melhor mudar de assunto antes que sua mãe começasse a achar que ela estava ficando maluca ou alguma coisa do gênero. — E você como foi o trabalho hoje?

    — Só as emergências de sempre, um acidente de carro essas coisas... ah, houve um caso muito estranho, um garoto de apenas vinte anos chegou com diversos ferimentos, mas a cara dele, parecia ter quase sessenta anos! Foi bem esquisito. Bom, vamos entrar? Se você ficar aqui fora vai acabar ficando doente de novo e não quero ter que te deixar sozinha doente em casa.

    — Eu já sei me cuidar, mãe. — resmungou Ishtar se levantando para voltar para dentro de casa.

    No dia seguinte, acordou se sentindo muito desorientada, como se sua mente estivesse voltando de muito longe, parecia que havia acabado de correr uma maratona, pois se sentia muito cansada. Ela sabia que tinha tido um sonho estranho e estava tentando pensar nele, porém quanto mais o tempo passava desde que havia acordado menos se lembrava, mas tinha a sensação de que algo muito ruim havia acontecido.

    De uma coisa tinha certeza, aquela noite havia tido um sono muito conturbado, só não sabia a razão. O despertador do seu celular tocava provavelmente pela décima vez seguida, ela era o tipo de pessoa que colocava sempre quatro ou cinco alarmes para acordar. Normalmente se perdia em meio a tantos toques e acabava se levantando com pressa e bastante atrasada. Ishtar sempre escutava os toques e enrolava para sair da cama, mas dessa vez tinha certeza que não havia escutado nada.

    Ela realmente não se lembrava de ter tido qualquer sonho aquela noite, porém sentia que havia tido um pesadelo. Nenhuma imagem vinha a sua memória, nenhum som ou qualquer outra coisa, apenas a sensação de desespero, medo e aflição. Logo começou a achar que devia ter sido um pesadelo dos bons e que talvez realmente fosse melhor não lembrar de nada.

    Aquele seria o último dia de aula do ano e apesar de não ligar sabia que estava muito atrasada, ela se arrumou com pressa, pegou a mochila, uma maçã para comer no caminho e já estava pronta para sair de casa. Ishtar nunca havia se dando muito bem com as pessoas de sua escola, nem da sua idade de maneira geral, e se sentia um pouco solitária por lá.

    No seu aniversário de quatorze anos, não havia convidado ninguém nem feito uma festa, apenas saíra com a sua mãe, mas apesar disso tinha sido um dia bem divertido em que elas haviam feito tudo que Ishtar gostava, foram ao cinema, caminharam na praia, comeram doces vendo o pôr do sol e no fim sua mãe lhe deu de presente materiais de pintura e um colar com um pingente de estrela.

    Ao chegar à frente da sua casa ficou parada esperando, aquilo foi tão natural que demorou dois minutos para se dar conta do que estava fazendo, era como se fosse um antigo hábito, algo que se faz completamente sem pensar, porém ela não conseguia se lembrar de ter feito isso antes.

    Ishtar morava em uma pequena casa onde havia dois quartos, o seu e o de sua mãe, a sala junto a cozinha e um pequeno banheiro. Sua mãe estava assistindo ao jornal da manhã na sala onde o repórter informava um monte de coisas que ela achava muito chatas.

    As informações que ele dava iam desde quais as partes da cidade que estavam engarrafadas, seguindo pela previsão do tempo e depois até a uma suspeita de um novo tipo de doença que estava se espalhando por aí.

    Ela se despediu de sua mãe correndo e disse que estava atrasada, o colégio era perto da sua casa e se fosse de bicicleta conseguiria chegar lá a tempo. Ishtar pegou a bicicleta e desceu a rua o mais rápido que pode. Se fosse um carro achava que iria tomar diversas multas, pois considerava que estava indo muito rápido, além de não se segurar nos sinais vermelhos, embora sempre olhasse rapidamente se era seguro ir.

    Ao chegar na escola prendeu sua bicicleta e saiu correndo para a sala, ainda faltavam cinco minutos para a aula começar, daria tempo! Ela já havia tomado duas advertências por atraso aquele mês, se houvesse mais uma com toda certeza iriam chamar sua mãe para ir à escola, mesmo sendo o último dia de aula. Sua mãe a deixaria de castigo e isso ia ser o fim do mundo, já que seria logo no início das férias.

    Ao chegar na sala viu que todos já estavam ali, alguns em pé outros já sentados com o material em cima da mesa prontos para começar, porém duas mesas não estavam ocupadas. Uma delas lhe causava uma estranha sensação de familiaridade que não conseguiu explicar, aquela sensação realmente a deixava preocupada e instintivamente sua mão segurou o seu colar. Uma das outras mesas era de Richard, que era uma das poucas pessoas com quem Ishtar falava em sua sala, ela achava que eles se davam bem por serem bastante parecidos, especialmente quando o assunto era acordar cedo e estar nos lugares na hora.

    A professora entrou na sala e todos se sentaram, aquela seria uma aula de revisão da matéria para que eles estivessem prontos para o próximo ano, que seria o início do ensino médio. Ishtar costumava se dar bem nas matérias sem muito esforço, achava tudo relativamente muito fácil e pouco interessante, a aula de revisão então seria um sofrimento total. Assim que a professora havia acabado de falar que iria começar a aula, Richard entrou bufando como se tivesse vindo correndo de casa direto até a sala.

    — Desculpe pelo atraso professora, eu tive um imprevisto. — disse Richard tomando fôlego entre as palavras.

    A professora o olhou de cima a baixo por um tempo e disse:

    — Tudo bem, pode entrar e se sentar. Porém só vou deixar porque hoje é o último dia e será uma aula de revisão.

    Richard passou por ela e deu uma risada de leve, Ishtar achou que ele realmente havia dormido demais e preferia ainda estar fazendo isso. Ele se sentou na fileira da frente, não era o seu lugar usual, mas era onde tinha havia uma das mesas livres para se sentar.

    A aula era de matemática e Ishtar estava se sentindo completamente entediada, por isso começou a prestar atenção em coisas aleatórias, divagando completamente. Primeiro uma mosca, passando bem rápido a sua frente, em seguida o barulho lá fora passou a chamar a sua atenção, depois de um tempo até o seu lápis em cima da mesa tinha ficado interessante.

    Ela ficou muito tempo olhando para o lápis, nunca tinha reparado nos detalhes, na cor, no formato e como tudo aquilo saltava aos seus olhos de uma maneira que nunca tinha visto antes.

    Quanto tempo essa distração durou ela não sabia, mas pelo barulho que todos voltavam a fazer a sua volta acabara de se dar conta que a aula estava terminando. Ela esticou a mão na direção do lápis para pegá-lo, porém antes de chegar a encostar, sentiu um leve choque passando pelo meio de sua mão. Então depois de um piscar de olhos o lápis estava em sua mão, Ishtar demorou a entender pois isso era estranho, já que não havia chegado a alcançá-lo. Acabou concluindo que devia ter se distraído com o barulho da sala e pego o lápis sem reparar.

    Porém, depois de pensar um pouco, chegou à conclusão de que não achava aquilo tão estranho assim, as vezes as coisas tinham um comportamento esquisito ao seu redor. Aquela seria mais um item para lista das coisas estranhas que vinham acontecendo desde o seu aniversário, só não seria mais incrível do que a vez em que jurava que tinha conseguido ligar a televisão com um controle que depois viu que estava sem pilhas. Esse acontecimento seria o próximo item da lista, o que a fez começar a pensar que se a lista ficasse grande talvez fosse melhor ir a um médico, porque aquilo não era normal.

    O resto da manhã continuou sem nenhum acontecimento diferente, apenas as aulas passando lentamente até o início da tarde, com os alunos conversando muito durante os intervalos. Na hora de ir embora Richard veio ao seu encontro pois estava organizando com as pessoas da escola de irem todos jogar alguma coisa em um terreno vazio, ali perto, depois da aula.

    — Ei Ishtar, vamos ao terreno agora de tarde! Estou chamando todo mundo para ir lá jogar.

    Richard chegou do seu lado falando com um olhar de súplica, porém Ishtar estava pensando em ir para casa depois da aula, ela queria terminar um quadro que havia começado a uma semana com os materiais que sua mãe havia lhe dado de aniversário. Porém como seria o último dia de aula e havia longas férias para terminá-lo, achou que talvez não fosse uma má ideia ir com os outros.

    — Tudo bem, eu vou sim, só tenho que ir ver uma coisa com a professora e alcanço vocês lá.

    Após a aula de matemática a professora disse que gostaria de conversar com ela quando as aulas do dia terminassem. Ishtar se despediu de Richard e foi caminhando na direção da sala onde a professora havia pedido para encontrá-la.

    Ao chegar à porta, bateu três vezes e ouviu alguém responder muito baixo lá de dentro.

    — Pode entrar.

    Assim que abriu a porta viu a professora sentada em sua mesa com alguns papeis cheios de anotações e diários de classe. Ela aparentava já ter uns 50 anos, porém Ishtar lembrava que alguém lhe tinha dito uma vez que ela tinha acabado de chegar aos 40. A professora demonstrava realmente gostar do que fazia, mas com toda certeza dar aulas a estava deixando muito cansada.

    — Ah, sim! Ishtar, fico feliz que tenha vindo falar comigo. Por favor sente-se.

    Ela se sentou na cadeira que ficava de frente à mesa dos professores e começou a ficar um pouco nervosa. Sobre o que será que a professora está querendo falar? pensava.

    — Eu sei que você tem muita facilidade com matemática e que as aulas não têm prendido tanto a sua atenção. No ano que vem quero lhe convidar para ser monitora de matemática para os alunos que não são do ensino médio e para entrar no grupo da escola que compete nos desafios de matemática. Você não precisa me responder agora, pode pensar durante as suas férias e me responder no início do próximo ano letivo.

    Ishtar ficou completamente sem resposta, até aquele momento ela estava achando que tinha ido até ali para ganhar uma bronca por algum motivo, então aquilo realmente tinha sido uma grande surpresa.

    — Tudo bem professora, eu vou pensar sim. — respondeu sem conseguir esconder o alívio que estava sentindo.

    — Era só isso, pode ir agora. — respondeu a professora.

    Então Ishtar se levantou e estava indo em direção a porta quando ela lhe chamou novamente.

    — E mais uma coisa, sobre o Richard acredito que vocês são amigos. Por favor, ajude o também, aquele menino não foi muito bem esse ano. No próximo se puder lhe dar alguma ajuda, acho que poderia ser um bom aluno. Pode ir agora.

    Ishtar assentiu e disse:

    — Ele nunca me falou nada, mas vou conversar com ele sim.

    E saiu da sala, pensando no porquê de a professora ter lhe pedido aquilo, ela não achava que era tão amiga de Richard assim, e ele nunca havia pedido ajuda. Então ficou pensando que poderia conversar com ele quando o encontrasse no terreno e ver se ele realmente queria alguma ajuda. Talvez a questão fosse um pouco de orgulho, Richard costumava ser bastante orgulhoso com algumas coisas. De qualquer maneira, pensou em lhe perguntar.

    Ela saiu caminhando pelo corredor da escola e assim que cruzou a porta chegando no lado de fora uma coisa estranha lhe passou pela cabeça, de alguma maneira o dia estava mais claro do que o normal, como se o sol estivesse mais brilhante ou a luz mais branca.

    A sua intuição confirmava que era realmente aquilo mesmo, que a luz do sol estava mais brilhante, mas não de um jeito que incomodasse os seus olhos, apenas parecia estar mais branca ou com uma tonalidade mais clara.

    Porém isso devia ser só porque tinha passado de um lugar mais escuro para o lado de fora. Ela pensou que logo os seus olhos se acostumariam a luz do sol e a estranha impressão iria passar.

    Ela pegou a sua bicicleta e começou a pedalar descendo a rua da escola em direção a onde era o lugar que as pessoas do colégio geralmente costumavam ir para jogar. Já era praticamente uma tradição da sua turma de irem ao terreno abandonado que tinha a uns 15 minutos andando da escola, para irem brincar e jogar pelo menos uma vez por semana.

    A estranha sensação de que o dia estava mais iluminado do que o de costume não passou, e Ishtar começou a achar que deveria estar passando mal, afinal já tinha passado alguns minutos desde que saíra da escola. Quanto tempo tinha passado exatamente? Não sabia. Mas já deveria ter sido o suficiente para os seus olhos se acostumarem a claridade.

    Faltava apenas um quarteirão para chegar à entrada do terreno abandonado no qual a sua turma estava, e já deviam estar prontos para começar algum jogo, provavelmente futebol. Ela sabia que eles costumavam se dividir em dois times e que geralmente eram os mesmos em todas as partidas, com Richard liderando um deles. Uma rixa já tinha se formado entre as duas equipes e havia uma contagem não oficial de vitórias, na qual o time dele estava na frente. O placar era de três a um para o time de Richard, sendo que a única derrota havia sido em um dia em que eles não se viram, pois Ishtar não havia ido na aula por estar doente, e por conta disso ele começou a dizer que ela lhe dava sorte.

    Ela não gostava tanto de futebol assim, preferia quando todos apostavam corrida, pois era muito rápida e costumava vencer com frequência. Além disso, sempre achou que tinha ótimos reflexos, o que a fazia pensar em tentar entrar em alguma equipe de corrida da escola no ano seguinte.

    De maneira completamente distraída ela seguia em sua bicicleta quando uma pessoa apareceu a sua frente, simplesmente do nada.

    Ishtar estava descendo a rua seguindo rente a calçada e não havia lugar de onde a pessoa pudesse ter saído. Não tinha como ela estar escondida do seu campo de visão, não havia qualquer objeto onde a pessoa pudesse ter estado escondida. Simplesmente não havia ninguém ali um segundo antes.

    Imediatamente apertou os freios com toda a sua força, os pneus fizeram um barulho engraçado, a bicicleta tremeu e balançou para os lados. Ela quase caiu, porém conseguiu parar a tempo, mas foi por um triz.

    Ela instintivamente fechou os olhos, inspirando lentamente e disse:

    — Ufa! Essa foi por muito pouco. Você está bem?

    Porém logo depois de perguntar, olhou para a pessoa a sua frente e só então notou que era alguém estranho. Alguém muito, muito, muito estranho.

    Era um homem, e estava usando um casaco, que mais parecia um sobretudo pois ia até os pés, completamente branco. A cor era de uma pureza tão grande que parecia até brilhar e incomodava um pouco a vista. A sensação era de como se fosse um espelho refletindo o sol. Isso por si só já não fazia muito sentido pois era um dia bem quente de início de verão e ninguém deveria estar usando um casaco.

    Por baixo do casaco ele usava uma blusa e uma calça que pareciam ser feitos como se fosse uma peça só, porém elas tinham uma cor que achava que nunca tinha visto antes, era roxo, porém também era de alguns tons de azul e as vezes levemente esbranquiçado, como se a roupa estivesse respondendo e variando seu tom de acordo com a luz do sol ou talvez até com o humor do seu usuário.

    Outra coisa que ela notou, mas não sabia direito como descrever era o tecido, era algo que simplesmente não parecia ser normal. A melhor definição que conseguiu pensar brevemente era de que o tecido parecia ser feito de água. Como se alguém em algum lugar do mundo tivesse conseguido inventar uma linha de tecido feita de água e costurado uma roupa com isso.

    Apesar de tudo até agora ter parecido muito estranho para Ishtar, o rosto do homem era o que mais lhe chamou atenção. Ele aparentava ser novo, com a pele completamente lisa sem nenhuma linha de expressão no rosto, como se nunca tivesse tido uma simples preocupação na vida. Porém o que mais lhe causou estranheza foram os cabelos e os olhos, eles pareciam ser feitos de luz. Os cabelos eram de um loiro esbranquiçado, com um tom de luminescência como se fossem feitos de fios de luz neon branca. Os olhos eram mudavam de cor e brilhavam um pouco também. Foi só então que reparou que não só o rosto dele, mas a roupa também parecia ter luz própria, e que aquilo não era um leve reflexo do Sol.

    Enquanto olhava sem entender o que via, o homem começou a falar distraidamente.

    — Estou no lugar certo, agora só preciso achar a fonte... espere um segundo... você estava falando comigo garota?

    Ishtar estava completamente confusa com aquele homem, ainda pensando em de onde ele teria saído para aparecer na frente da sua bicicleta. Um leve arrepio frio passou pelo seu corpo e notou que não havia mais nada na rua, nenhuma pessoa, carro, ou sequer qualquer barulho.

    — Sim, eu quase te acertei com a minha bicicleta. — disse Ishtar respondendo ao estranho que lhe encarava.

    — Curioso. Então, você consegue me ver e me ouvir. Acho que encontrei o que procurava.

    Parecia que o tempo tinha parado a sua volta, ou diminuído, pois simplesmente nada acontecia ao redor, e aquela era uma rua que costumava ter bastante movimento naquela hora. Antes que pudesse pensar o que seria tudo aquilo o homem lhe encarou e disse com ar de preocupação.

    — Não tenho muito tempo aqui, preciso que você saiba que está em perigo. Acredito que estão te procurando, e sabem quem você é. Precisamos conversar, vou lhe encontrar, só preciso identificar onde você está. Confie em sua intuição, é a única defesa que você terá até que eu lhe ache.

    Assim que terminou de falar a estranha figura desapareceu tão abruptamente quanto como havia surgido.

    O som do entorno voltou a alcançar Ishtar, os pássaros, o vento, buzinas de carro e ela viu que pessoas agora havia pessoas andando normalmente pela rua. A sensação era que assim que encontrou o estranho homem seus sentidos haviam ficado abafados, como se tivesse mergulhado e agora voltava ao normal.

    Ela tinha certeza de que não havia alucinado, aquilo realmente aconteceu por mais estranho que pudesse ter sido. Sua mente estava muito acelerada diversos pensamentos iam e vinham com infinitas perguntas lhe surgindo em cascata. Quem seria aquele sujeito? A que perigo ele se referia? O que queria dizer com lhe alcançar?

    Enquanto pensava no quanto aquele dia estava se tornando cada vez mais estranho, continuava indo em direção ao terreno. Porém agora seguia caminhando, levando a bicicleta ao seu lado guiando-a com as mãos, apenas para o caso de mais alguém resolver aparecer do nada na sua frente.

    Capítulo 2 — O Encontro

    Ishtar havia acabado de chegar no terreno baldio e viu que não havia mais ninguém por ali, o que era estranho pois deveriam ter pelo menos umas quinze pessoas jogando, isso contando apenas as pessoas que Richard havia chamado.

    Talvez ela tivesse ultrapassado o grupo a caminho de lá, já que estava de bicicleta e indo sozinha, e um grupo grande com certeza estaria indo mais devagar, porém eles tinham saído a tempo suficiente para já terem chegado. A outra opção é que já tivessem ido embora por algum motivo.

    Ela caminhou até uma árvore na lateral do terreno, encostou a sua bicicleta por ali e se sentou na sombra para poder esperar caso o grupo ainda estivesse a caminho. Ficou ali pensando naquela estranha figura que tinha aparecido a pouco e no que lhe havia dito. De algum modo Ishtar sentia que aquilo não seria a última das coisas estranhas daquele dia. Enquanto estava distraída em seus pensamentos acabou vendo que em frente havia uma bola de futebol parada no meio do terreno, assim como algumas mochilas perto de uma árvore do outro lado.

    Ishtar se levantou e começou a caminhar lentamente na direção da bola, se perguntando onde todo mundo poderia estar, já que agora havia ficado claro que ela não tinha chegado ali primeiro. Ao se aproximar do meio do terreno a grama começava a variar de um verde vivo para ficar cada vez mais seca, até finalmente parecer apenas o chão ressecado, que era exatamente onde a bola estava parada.

    Então começou a considerar a possibilidade de alguma coisa ter acontecido com os outros e pensou que talvez fosse melhor ligar para alguém e descobrir logo. Ishtar pegou o seu celular para mandar uma mensagem para Richard, mas não havia sinal. Isso era muito estranho pois ali não era um lugar afastado ou coisa parecida, e o celular sempre funcionara normalmente naquele lugar.

    A bola tinha o nome de Richard escrita, e Ishtar achava muito difícil de ele simplesmente a ter deixado jogada por ali daquele jeito, a não ser que algo muito sério tivesse acontecido, o que só a fez ficar mais preocupada.

    Imediatamente ela começou a sentir um mal—estar, ficando fraca e abatida, era como se as suas energias estivessem indo embora, passou a sentir uma grande falta de ar e se sentou no chão para tentar respirar. Enquanto tentava normalizar a sua respiração notou que havia um vulto embaixo da árvore se escondendo na sombra, no início parecia ser uma coisa sem forma e logo em seguida ela teve certeza de que a aquilo passou a se mover como se quisesse passar a ter uma forma.

    O vulto se transformou até ter o corpo como o de aranha gigante, mas com o tronco como o de uma pessoa, era completamente negra, e o rosto tinha traços humanos em uma mistura bizarra que parecia ter saído de um pesadelo. Os olhos também lembravam os de uma pessoa, mas eram vermelhos, e a boca era enorme com dentes muito afiados. Aquela coisa também tinha braços humanos que levantou em sua direção, e assim que fez isso a falta de ar ficou pior imediatamente.

    Ishtar praticamente se deitou no chão com o impacto que sentiu, era como se todo o ar houvesse saído de seus pulmões, e um medo absoluto começou a invadi-la. Além disso, não conseguia se mover e com isso passou a sentir um grande desespero.

    Da mão do ser metade aranha metade homem, uma fina linha preta brilhante começou a sair, Ishtar viu que ele se preparava para jogar aquilo em sua direção, e logo em seguida sentiu alguma coisa grudando na sua perna esquerda. Não demorou muito e logo estava sendo puxada para a sombra embaixo da árvore sem conseguir se mover, o seu desespero agora era completo.

    De repente, um raio apareceu em frente a sua bicicleta, porém não era como um raio comum, parecia que ele havia ficado congelado no tempo pois estava completamente parado, como se fosse eterno e não apenas um simples e rápido clarão. Era como uma rachadura de luz no espaço, de dois metros de altura, flutuando a poucos centímetros do chão.

    Ishtar simplesmente ficou de queixo caído, sua respiração continuava pesada enquanto olhava para aquilo, pois era de longe a coisa mais estranha que já tinha visto, e olha que aquele dia estava sendo difícil de se superar.

    A rachadura começou a abrir muito rapidamente e passou a mudar de forma se tornando um círculo, com um contorno limpo e perfeito. E uma luz incrivelmente forte vinha de dentro da abertura que havia se formado.

    Eis que então a figura do homem que ela havia visto um pouco antes saia de dentro do clarão, porém agora ele parecia uma pessoa normal. As roupas eram as mesmas, mas não brilhavam e não variavam de cor, eram completamente brancas. O rosto também era o mesmo, mas os seus cabelos agora eram pretos, ele apenas parecia ser uma pessoa normal usando uma roupa diferente.

    Assim que o homem saiu de dentro do círculo e colocou os dois pés na grama, um pouco à frente da bicicleta de Ishtar, o círculo voltou a parecer uma rachadura feita de luz suspensa no ar, desaparecendo em seguida.

    Então o homem se virou para ela e para a coisa que a havia prendido, ele levantou a mão e um forte lampejo de luz saiu em direção ao monstro que estava lhe puxando. Ishtar sentia que uma incrível força vindo daquele homem.

    A criatura foi transformada em fumaça na mesma hora que a luz se projetou sobre ela, e assim que ela sumiu Ishtar voltou a se sentir bem, conseguindo respirar normalmente.

    — Essa foi por pouco viu? Mas aquilo não deveria estar aqui. Você está bem? — perguntou o homem.

    — Acho que sim. — respondeu Ishtar respirando profundamente e vendo que realmente estava de volta ao normal.

    Ele a olhou dentro dos olhos parecendo pensar por alguns segundos e voltou a falar.

    — Ainda bem que te encontrei a tempo, você tem uma energia muito forte, acho que foi isso que atraiu aquele demônio, embora seja muito estranho ele estar aqui de dia.

    Assim que conseguiu recuperar o folego e a sua segurança não era mais uma questão a se preocupar Ishtar começou a se perguntar o que era tudo aquilo.

    — Você... eu te vi a poucos minutos. Você apareceu e desapareceu do nada. O que é você? Eu sei que te vi hoje mais cedo no meio da rua, eu quase te acertei com a bicicleta. Era você, não era?

    — Sim, era. Porém também podemos dizer que não era, apenas me projetei para cá. Já faz algum tempo que estou procurando a fonte de um pico de energia nessa região e acredito que aquele demônio também estava.

    — O que quer dizer com isso? — perguntou Ishtar.

    — Acredito que seja você. — disse o homem rapidamente.

    — Eu... eu sou a fonte disso? — perguntou Ishtar preocupada.

    — Aparentemente sim. Mas primeiramente é um prazer conhecê-la, eu me chamo Asim. E você como se chama?

    — Ishtar. Existem outros iguais aquela coisa?

    — O que eu posso te dizer é que ele não deveria estar aqui, esse ser não pertence a essa dimensão e alguma coisa está muito errada. Eu sou um guardião e nós protegemos a sua dimensão, e estamos caçando esses demônios que apareceram por aqui. Eles se alimentam de energia e você tem uma quantidade bem alta para uma pessoa comum. Mas não se preocupe, logo não haverá mais nenhum por aqui e você estará totalmente segura.

    — Não estou me sentindo muito segura com essa história não. Mas, essas roupas, aquele raio flutuando e a luz, você não é daqui, não é?

    — Isso é meio difícil de lhe explicar, eu sou do seu mundo, mas podemos dizer que de outra dimensão.

    — Ah... então era isso agora tudo faz sentido. — disse em tom sarcástico enquanto encarava Asim e suas roupas esquisitas.

    — Eu sei que sou muito bonito, mas não precisa ficar

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