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Entre Mundos: A chave
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E-book308 páginas4 horas

Entre Mundos: A chave

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Sobre este e-book

A estreante Helena C. de Azevedo oferece aos amantes do gênero fantasia uma aventura inesquecível. A obra possui elementos que cativam o leitor, como narrativa moderna e ágil, um enredo original, que passeia por diversas culturas e períodos históricos, com heróis arrebatadores e nada convencionais, em uma combinação que reúne robôs e magia, tecnologia e fantasia em um ritmo único.
entre mundos: a chave é apenas o início de uma jornada divertida e emocionante.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento28 de dez. de 2022
ISBN9786587041674
Entre Mundos: A chave

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    Entre Mundos - Helena C. de Azevedo

    CANÇÃO PARA AQUELES SEM CORAÇÃO

    Havia um monstro que morava nas colinas

    Ele não sabia o que era amar

    Poderoso além de qualquer limite

    Ele vivia sozinho e abandonado

    Pois todo o povo Fae o temia e o evitava

    Ele sofria, não podia ser real, sua existência ser uma de solidão e dor

    Isolado, ele e suas cinco filhas

    Ele não sabia o que era amar

    Alara, Sacerdotisa do Cosmo

    Belicosa, Cavaleira dos Ermos

    Cassandara, Megera das Profundezas

    Denegra, Matriarca dos Dragões

    E a menor de todas, cujo nome ninguém se lembraria

    As filhas do monstro temiam por sua alma, sua dor poderia matá-lo

    E as quatro partiram, deixando a quinta guardando a morada

    Determinadas a encontrar um coração para seu patriarca

    Mas ele não sabia o que era amar

    E com seu poder incontido

    Quebrou a quinta filha, seu frágil e pequeno corpo destruído

    Irreconhecível

    O monstro desesperou-se, vendo o que havia feito quando a nevoa da ira passara

    Recolhendo o que podia ele jurou

    Para quaisquer deuses que ainda viviam

    Que a consertaria, custe o que custasse

    Ele não sabia o que era amar

    Mas ela não tinha culpa

    Por dias ele trabalhou, sem parar ou descansar, sem comer ou beber

    Sem dormir

    Despejando todo seu poder naquilo que ele podia fazer

    E finalmente

    Após anos ele conseguiu, olhando sorridente para a disforme aberração que criara

    Ele sentiu seu rosto molhado

    Seria isso o amor?

    Ele sentia seu corpo fraco, o esforço e o trabalho drenavam suas forças

    Com todo seu esforço e seu poder ele soprou

    O fatídico sopro da vida

    E despertou sua quinta filha

    Que acordou com olhos estatelados e vermelhos

    Urrando de dor

    Alguns dizem, que ela grita até hoje, seus membros quebrados

    E seu coração partido

    Mas pela primeira vez quando deu seu último suspiro, ele sentiu algo em seu peito

    Ele morreu dando-a vida

    Ele morreu sabendo o que era amar.

    1

    A CIDADE DA FUMAÇA

    Ela jogava as pernas ao vento, deitada sobre os telhados preguiçosamente encarando o céu encoberto pelas grossas nuvens de fumaça emanadas pelas chaminés das inúmeras fabricas que permeavam o horizonte da imensa cidade. Sua vida toda que ela era capaz de se lembrar que vivera ali, vendo aquele mesmo céu escuro e sem vida, ouvindo histórias entre os habitantes sobre céus azuis além das muralhas que protegiam os Naturalis dos Fae selvagem e uma grande bola amarela chamada Solaris que iluminava tudo em que tocava.

    Nada daquilo a impressionava muito, sempre teve tudo que precisava ali mesmo, por mais que todos a evitassem como um monstro, ela podia roubar o que quisesse, e o rei nunca tinha colocado alguém forte o suficiente para enfrentá-la, contanto que ela fosse inteligente e não causasse problemas demais, poderia continuar vivendo apenas como uma lenda urbana para se temer nas noites escuras, afinal, ninguém na Cidade da Fumaça jamais olhava para cima.

    Ela jogou uma de suas garras para cima, o metal eclipsava a luz do céu acinzentado, observando despreocupadamente a arma letal que ela chamava de mão, parando para ponderar por um minuto quem em sã consciência a deu lâminas no lugar de dedos. Ela costumava evitar tais pensamentos, observando seu próprio corpo ela mal sabia dizer o que era, não era uma Naturalis, sua pele não era branca, suas orelhas não eram arredondadas e seus dentes não eram quadrados. Não era uma Fae, não tinha nenhum atributo mágico que pudesse identificar, apenas tubos, cilindros, mangueiras, pistões, mecanismos e metal, metal por todo lado, era uma máquina? Não, as máquinas da floresta retorcida não se pareciam nada com ela...

    Como ela sabia da aparência dessas raças todas ela mal sabia dizer, muito de sua memória estava faltando, algum deus cruel talvez tivesse lhe pregado uma peça, mas ela sabia de uma coisa, se um dia visse alguém com chifres como os dela teria muitas perguntas, mas, em centenas de anos ela jamais avistou uma única alma com os apêndices curvos que adornavam-lhe a testa. Muito menos alguém com tantas partes metálicas artificiais protuberando de seus corpos, apenas ela, sempre sozinha, escondendo-se entre os ladrilhos e desaparecendo na escuridão dos becos esguios dos setores industriais, como um fantasma.

    Ela escorregou sua garra por entre os tubos que decoravam sua cabeça, como cabelos, desenrolando-se pelos seus ombros, espalhados de forma selvagem pelos ladrilhos. Era difícil dizer onde a carne terminava e onde o metal começava, em algumas partes ela até conseguia ver seu sangue correndo por tubos transparentes, molas e pistões moviam-se como um relógio sempre que ela tencionava um músculo, ela podia passar horas apenas observando seu corpo e cada pequeno detalhe dele. Sempre que ela o fazia descobria algo novo.

    Ela subitamente pulou, parando de pé, suas pernas bifurcadas como as de um pássaro enterrando longas garras no telhado trincando as telhas e prendendo-a naquele exato lugar. Sua pupila em seu olho orgânico dilatou-se e o seu olho mecânico reajustou-se em seu nervo ótico, torcendo-se dolorosamente em seu encaixe, circuitos expostos dispararam faíscas conforme todos os sistemas daquela plataforma entravam em sobrecarga. Algo estava errado, ela ouvia um apito agudo em sua orelha pontiaguda, as correntes que ela amarrava em sua cintura para segurar os trapos que chamava de roupa enrijeceram-se com eletricidade. Sua capa de pelos que ela usava para ocultar-se nas multidões ficou completamente eriçada, e uma de suas mãos pousou suavemente no cabo da enorme espada que carregava na cintura.

    Ela estremeceu, sua visão travada em uma direção específica, ao norte, para o Setor Mercantil, algo a chamava, ela não sabia explicar, mas algo ancestral, algo mágico, algo fora deste mundo chamava por ela, ela sabia que tinha que alcançar seja lá o que fosse que a chamava primeiro, pois por alguma razão ela também sabia que não tinha sido a única a ouvir aquele som agonizante.

    ~//~

    Luca contorcia-se de dor enquanto tentava livrar sua mão do aparato estranho que desenterrara de seu porão enquanto reformava sua loja. Havia semanas que ela sozinha trocava tábuas, azulejos, lustres e janelas; aquela loja de artesanato era um negócio de família que percorria gerações, algo muito querido para ela. Então, ela ficou mais que perplexa quando encontrou aquela estranha caixa em sua propriedade, perfeitamente lisa, coberta de símbolos e com uma única entrada redonda em sua lateral, perfeita para acomodar uma mão ou um pé, e por curiosidade ou burrice, Luca decidiu testar sua mão na entrada.

    Ela urrava de dor e gritava, sentindo cada tendão de sua mão ser rompido, cada osso ser pulverizado e cada vaso sanguíneo entupir. Algo a prendia no lugar, tudo que a pobre moça podia fazer era chorar e gritar, caindo de joelhos, rezou aos deuses para que a dor parasse, mas ela não parava, apenas intensificava-se. As runas que adornavam a caixa brilhando intensamente com uma luz que oscilava entre tons de verde, azul e vermelho; seria belo se não fosse pela extrema agonia que a Naturalis sentia, a dor espalhava-se pelo seu braço até o ombro, suas articulações eram torcidas e retorcidas pela relíquia.

    E então, subitamente, acabou a dor, a agonia, tudo parou como se nunca tivesse acontecido, e seu braço soltou-se do aparato, pendendo até o chão ao lado da moça que ofegava. Seus olhos eram nublados por lágrimas, ela rapidamente as enxugou e contemplou seu braço, sua mão não estava mais ali, em seu lugar estava um suporte metálico perfeitamente liso, refletindo tons cromáticos na luz, do centro de tal base erguia-se uma haste dourada e ornamentada, terminando em uma série de dentes e filamentos, como a ponta de uma chave impossivelmente complexa e antiga. Ela respirou fundo, tentando processar o que tinha acabado de acontecer, tentou mover dedos que não mais estavam ali, seus olhos mais uma vez se encheram de lágrimas, aquela mão, sua mão esquerda era a mão que ela usava para trabalhar. Como ela iria se sustentar agora que não mais a possuía?

    Ela desesperou-se, sentou-se contra a janela, amaldiçoando sua curiosidade, amaldiçoando os deuses, amaldiçoando tudo que podia lembrar-se, sem perceber que logo do lado de fora de sua janela espreitava uma criatura, que a observava curiosamente.

    – Maldito... maldito... maldito... – ela dizia, abraçando o toco que outrora fora sua preciosa mão. Sua pele branca avermelhava-se, inflamada pelo ferimento fresco embaixo daquele suporte metálico. Ela divergiu sua atenção rapidamente da caixa metálica que acabara de arruinar sua vida, em um surto de ira levantou-se, ignorando dor e trauma, agarrando a pesada peça e içando-a com apenas uma mão acima de sua cabeça, pronta para arremessá-la pela janela, finalmente contemplando a monstruosidade que a vigiava.

    Piscando várias vezes, ela soltou a peça, paralisada, não podia acreditar no que via, era enorme, emaranhada em trapos, mecanismos percorriam todo o corpo daquela coisa. Como ela estava do lado de fora da janela do terceiro andar de sua oficina, que não tinha parapeitos ou telhados em sua lateral, ela só podia especular, seria ela um monstro, mas com um rosto surpreendentemente suave, fora os grotescos tubos e fios que percorriam seu escalpo, o rosto parecia... parecia uma pessoa... uma Naturalis talvez? Ou uma bela Fae de fora da parede? Talvez um dia aquela monstruosidade tivesse sido uma bela dama, como as que permeavam as histórias que seu pai costumava ler para ela quando era mais nova? Ou talvez ela tivesse sido construída deliberadamente para emular a beleza, para enganar, surrupiar, roubar...

    ~//~

    A Monstra sem nome observava a Naturalis que congelara perante a janela, conseguindo ver que a mente da jovem corria a mil, percebendo que seu rosto estava inchado de lágrimas e seu braço pálido completamente avermelhado, filetes de sangue escorriam por ele terminando no estranho artefato que emitia o desconfortável apito que a convocara ali, no que a moça estaria pensando? Ela ponderou, parecia que redigia uma dissertação em sua mente, não via medo no olhar, apenas perplexidade, era algo raro entre os habitantes da cidade isso, a ausência de medo, para uma raça tão frágil, detectar medo no olhar deles sempre era o padrão, ela sorriu, entretendo o pensamento de interagir com a jovem, mas ao pousar o olhar na grande peça que ela havia derrubado no chão, ela sabia que tinha que entrar naquele quarto.

    Rapidamente ela abriu a janela, com cuidado para não destruir o frágil material, inadvertidamente quebrando a tranca que a mantinha fechada, parando diretamente diante da jovem, que mantinha-se congelada, boquiaberta. Como todos os outros Naturalis, ela chegava apenas em seu seio, seria até uma moça alta comparando com os outros de sua raça, mas para ela, era diminuta, fácil de ignorar até, e por um longo e desconfortável momento, as duas se encararam.

    – Olha, se você vai me matar, posso pedir pra que seja indolor? Estou tendo um dia péssimo... – A jovem rompeu o silêncio deixando seus olhos se encherem de lágrimas novamente.

    – Eu não vou te matar, oras... – A voz da criatura emitia, como se fosse gravada, modulada, uma imitação do que poderia ser considerado uma voz. – Eu vim por que... por... – Ela parou para pensar no absurdo que aquela situação era, sem motivo ela se sentiu compelida a entrar naquela oficina, quebrando sua regra de nunca interagir diretamente com ninguém sem um propósito muito importante, mas ali estava ela, e sem conseguir se conter, ela estapeou sua testa.

    – Bom... você veio buscar esse troço? Pode levar... eu nunca mais quero ver essa bosta na minha frente... – A jovem disse calmamente, sentando-se em sua bancada e contemplando sua nova mão.

    A monstra abaixou-se e içou a caixa como se fosse uma pena analisando sua superfície – Você está surpreendentemente calma para alguém que acabou de perder a mão e logo após viu algo como eu...

    – Pois é, eu acho que esse dia não pode ficar mais estranho, ou eu estou sonhando, ou eu morri... – A Naturalis começou – E o que diabos é você? Uma Fae? Seu rosto é bonito, mas você não parece algo criado para a beleza.

    – Como assim? – Curiosamente a criatura empoleirou-se diante da jovem, que continuava a chorar, claramente em choque, sem conseguir processar a realidade.

    – Todo Fae é criado pelo Rei de Tudo com um propósito em mente, eles existem unicamente para exercê-lo, você parece diferente, distante disso... aprendi isso e outras coisas lendo sobre eles, acho que são fascinantes – Ela parou para suspirar, cobrindo seus olhos verdes com sua outra mão – Minha vida acabou...

    – Mas os Fae odeiam os Naturalis, não? Os seres das florestas e vales além das muralhas vivem tentando demolir tudo que vocês constroem desde sempre e mutilam qualquer Naturalis que cruze o caminho deles, pelo menos é o que eu vi... – A criatura continuou, regozijando-se nessa rara interação social.

    – Bom, acho que isso faz de você uma não-Fae, não é mesmo?

    – Acho que sim... – Ela levantou-se, finalmente perdendo o interesse e voltando sua atenção à caixa metálica, que parara de apitar, e agora parecia fria e sem vida, sua superfície desprovida de símbolos.

    – Pelo menos você sabe o que é essa maldita caixa? – A jovem perguntou.

    – Seja lá o que ela era, agora está nessa sua mão aí, isso aqui nada mais é que um cubo maciço de metal frio. – A monstra disse, soltando a caixa no chão e aproximando-se para analisar a prótese. – Não sei explicar por que sinto-me atraída por esse troço... mas eu tenho certeza que não sou a única.

    – O que quer dizer com isso? – Luca respondeu, sua voz trêmula, lentamente processando o que estava ouvindo.

    – Se eu ouvi o chamado dessa caixa, o que mais você acha que poder ter ouvido? – Ela respondeu, sentindo o ar aquecer-se ao redor das duas, um aumento sutil e incremental que seu termômetro interno havia captado já a vários minutos, algo estava se aproximando.

    2

    FOGO E IRA

    Os sinos da cidade tocavam e alarmes rugiam por todo canto conforme a dupla alcançou a rua, abandonando o abrigo do prédio, no céu uma incandescente forma podia ser vista entre as grossas camadas de cinzas e fumaça, os Naturalis da Cidade da Fumaça nunca tiveram que se preocupar com os Fae atacando pelo ar, as chaminés das fábricas sempre conjuraram esse escudo protetor de sujeira em todo o campo aéreo, então aquela visão era minimamente preocupante. Muitos Naturalis corriam pelas ruas para os abrigos subterrâneos, fazia muitos anos que um Fae não conseguia romper os limites das imensas muralhas, esse dia era apocalíptico para os frágeis Naturalis.

    – Pelos deuses... – Luca murmurou apavorada – Eu preciso... os abrigos...

    – Aquela coisa está aqui por você, não importa para onde vá, ela vai te achar, e então... – A criatura disse, suas engrenagens chiavam e giravam rápido sob o calor que se intensificava.

    – Então... estou condenada? – A jovem disse, perdendo o equilíbrio e agarrando-se na grossa capa da monstra, que encontrou o olhar dela, perdida, com medo, sem esperança. Por que deveria se preocupar? Não era problema dela, não sabia por que tinha sido chamada para aquela caixa de metal no quarto daquela jovem desconhecida, não era problema dela, que os Naturalis se matem com os Fae todos, que se danem...

    A monstra de metal se virou, visando a escadaria para partir, se corresse, conseguiria alcançar seu esconderijo a tempo de preservar-se do ataque, não era problema dela, como um cometa, uma imensa forma rompeu as nuvens, disparando com velocidade impressionante, asas robustas mantinham-na no ar, seu corpo coberto de pontiagudas escamas negras, como pedregulhos, era um dragão, um dos mais poderosos dos Fae, caindo sem misericórdia diretamente na oficina da pobre artesã. Luca percebeu que aquela estranha mulher que a tinha visitado estava a abandoná-la, e vendo o dragão cair sobre sua oficina como um cometa, ela pôde apenas cobrir seu rosto e gritar.

    A gigantesca criatura flamejante levantou-se dos escombros do prédio olhando ao redor, fitando a jovem entre o caos, como se sempre soubesse que ela estava ali, e saltou, rugindo, certeiro e mortal, longas cachoeiras de magma seguindo seu ataque letal.

    Virando-se com um calcanhar, a monstra de metal disparou cada pistão e caldeira interna de seu braço direito, dando um pequeno passo à frente conforme a criatura incandescente avançava, suas garras mirando a jovem indefesa, conectando seu punho diretamente com o rosto da imensa monstruosidade, um audível estalo anunciava o quebrar de escamas e ossos, que ressoou por todo o Setor Mercantil. O peso do golpe torcia e rompia cada tendão e membrana de magma que permeava o dragão, com um jato de vapor, ela distendeu o pistão de seu pulso, arremessando o monstro com a potência de um terremoto. Uma onda de choque quebrou as janelas de todos os prédios ao redor da oficina, seus pés afundados no chão, rachando a pedra sob eles, com o peso do golpe forçando-a para baixo e seu punho incandescente com o calor, ela contemplou seu feito.

    Sem alterar-se ela agarrou a jovem que havia desmaiado com o impacto e a carregou, correndo pela lateral do prédio, usando as garras de seus pés para sustentar-se contra a gravidade, movendo-se por impulso, quase que automaticamente. Conforme corria, o dragão erguia-se do rastro de destruição que havia deixado com sua forma gigantesca, com seu maxilar deslocado e pendurado de forma perturbadora sob o peso do golpe de surpresa que havia recebido.

    A monstra fitou a jovem desacordada, o que ela estava fazendo? Sequer conhecia aquela moça, sequer sabia seu nome, não sabia de sua história. Afinal, Naturalis vivem no máximo 80 anos mesmo, se ela morresse ali, pouca diferença faria, sua vida duraria mais do que qualquer um daqueles muitos frágeis seres que corriam desesperados pelas suas vidas nas ruas daquela cidade suja. As tropas, soldados e guardas iriam eventualmente abater aquele dragão, o exército do rei era eficiente em combater Fae, ela não tinha que se meter, ou interferir, era estupidez, ela não valia a pena.

    Rapidamente fitando o rosto da jovem novamente, a monstra sem nome viu que ela dormia tranquila, com um leve sorriso em seus fartos lábios. Luca era bonita, jovem, muito provavelmente com muita vida pela frente, a criatura metálica jamais se considerou alguém sentimental, tendo observado Naturalis morrerem em seus conflitos pífios por séculos. Uns belos e jovens, outros feios e idosos, crianças, homens, mulheres e tudo que existia entre os dois, mas ela... aquela moça, alguma coisa estranha a compelia... quase que por magia a protegê-la, por algum motivo, ela não queria ver aquela moça morrer, em hipótese alguma.

    Uma rajada de magma rompeu seu transe; com um salto ela pousou em segurança, as paredes atrás dela derreteram-se contra a pedra que era disparada de forma incontida pela monstruosidade, que pisoteava a praça mercantil atrás da dupla, rugindo entre soluços ensanguentados; sua garganta visivelmente danificada vazava magma por uma série de cortes entre as escamas.

    A monstra correu, suas pernas carregavam a jovem mais rápido do que qualquer aerotóptero dos Naturalis poderia, colocando vários quarteirões entre elas e o dragão, que perplexo e perdido, destruía tudo ao seu redor, colocando a moça sentada contra uma parede em um beco distante, onde ela começou a delicadamente chacoalhá-la

    – Ei... ei, acorde, acorde, mulher... – Ela repetia frenética, precisava que a Naturalis despertasse; em sua preocupação ela não percebia que a prótese metálica da moça brilhava suavemente, símbolos e runas moviam-se contra a superfície lisa.

    Lentamente ela abriu os olhos, assustando-se em contemplar a forma da monstra, com um leve grito, ela mesma cobriu sua boca, encarando a sua salvadora nos olhos. – Estou viva... – ela suspirou – Ou estamos ambas mortas?...

    – Estamos vivas, felizmente ou infelizmente, perdoe minha pressa ou grosseria, não tenho o hábito de interagir com vocês.

    – Foi você que me salvou, não é? Obrigada... – Luca disse enquanto fitava o rosto daquela estranha mulher, tentando levantar-se, mas sua cabeça rodopiava freneticamente, forçando-a a permanecer no chão.

    – Fique sentada, eu não sei por quê, mas eu e você estamos nessa juntas, ok? Aquela coisa não vai te pegar, qual seu nome? – Ela disse, sentindo o ar esquentar-se novamente, não iria demorar para o dragão as encontrar.

    – Luca... meu nome é Luca Santiago... e o seu? – A jovem tossiu, a fumaça e o reboco formaram uma densa névoa pelas ruas da cidade.

    Nome... um nome para dar, ela nunca tinha pensado num nome para si mesma, nunca teve que apresentar-se, nunca ninguém quis saber, ela não sabia responder, gaguejando envergonhada. – Eu... eu não sei?...

    – Não tem nome? – Luca disse, suspirando – Mas que crime... alguém tão bonita não ter... um nome... – Ela estava delirando, claramente, ofegando entre as palavras, prestes a perder a consciência novamente. – E... Eliza... Elizabeth... Elizabeth é como vou te chamar... pode reclamar... mas você... tem cara de... Eliza...beth...

    Ela ouviu as palavras da jovem que delirava, prestes a perder a consciência, de fato, era um nome bem bonito e robusto, poderia servir, pelo menos por agora, ela sorriu, repassando a palavra em sua mente Elizabeth... ela gostava do som, seus pistões agitavam-se com a ideia de ser chamada assim pelo resto de sua existência.

    Um prédio desabou no fim da rua, anunciando a chegada do monstro. Elizabeth se levantou enquanto Luca cantarolava distraída com as brasas que dançavam ao vento, ela armou-se, várias peças metálicas movendo-se ao redor de seu corpo, cilindros enchendo-se de um estranho líquido avermelhado, bombeando-se pelos tubos e mangueiras, sua capa surrada flamulava ao vento, os trapos que cobriam suas fraquezas sofriam para manterem-se no lugar com os golpes de vento que a criatura emanava com suas grandes asas, dissipando a nevoa e revelando seus

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