O homem que via no escuro, A Lisboa de Bruno Candé
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Sobre este e-book
Catarina Reis
Catarina Reis nasceu em 1995, no Porto, e é jornalista. Foi no jornal Público que começou, como estagiária, em 2017. Entrou para o Diário de Notícias um ano depois, no qual escreveu sobretudo sobre a área da Educação e investigou sobre o antigo Casal Ventoso, trabalho que lhe valeu o Prémio Direitos Humanos & Integração da UNESCO. Em 2020, integrou a equipa fundadora do jornal digital e comunitário Mensagem de Lisboa, no qual é repórter.
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O homem que via no escuro, A Lisboa de Bruno Candé - Catarina Reis
O homem que via no escuro: A Lisboa de Bruno Candé
Bruno Candé foi a primeira pessoa em Portugal cuja morte resultou numa condenação de crime motivado por ódio racial. O homicida, de 76 anos, matou por preconceito contra a cor de pele. A justiça sentenciou que, a 25 de julho de 2020, Candé, de 39 anos, ator, lisboeta, pai de três filhos, morreu por racismo: uma palavra em que ele não acreditava.
Este livro é um retrato de Bruno Candé, da sua vida e do seu legado para a família, para a cidade e para a Zona J (hoje Bairro do Condado), onde nasceu e cresceu e onde levou o teatro até outras crianças e jovens. Candé dizia que, tendo nascido ali, teria «tudo para dar errado». «Mas eu sou o Bruno Candé», repetia logo a seguir. Ele, um homem que via no escuro, para lá dos estigmas da pobreza e da discriminação racial.
Catarina Reis
Nasceu em 1995, no Porto, e é jornalista. Foi no jornal Público que começou, como estagiária, em 2017. Entrou para o Diário de Notícias um ano depois, no qual escreveu sobretudo sobre a área da Educação e investigou sobre o antigo Casal Ventoso, trabalho que lhe valeu o Prémio Direitos Humanos & Integração da UNESCO. Em 2020, integrou a equipa fundadora do jornal digital e comunitário Mensagem de Lisboa, no qual é repórter.
Retratos*
* A coleção Retratos da Fundação traz aos leitores um olhar próximo sobre a realidade do país. Portugal contado e vivido, narrado por quem o viu — e vê — de perto.
O homem que via no escuro
A Lisboa de Bruno Candé
Catarina Reis
logo.jpglogo.jpgLargo Monterroio Mascarenhas, n.º 1, 7.º piso
1099-081 Lisboa,
Portugal
Correio electrónico: ffms@ffms.pt
Telefone: 210 015 800
Título: O homem que via no escuro: A Lisboa de Bruno Candé
Autora: Catarina Reis
Director de publicações: António Araújo
Revisão de texto: Isabel Fonseca
Validação de conteúdos e suportes digitais: Regateles Consultoria Lda
Design: Inês Sena
Paginação: Guidesign
Fotografia da capa: Projeto Pelos Teus Olhos
© Fundação Francisco Manuel dos Santos e Catarina Reis, Fevereiro de 2023
Livro redigido com o Acordo Ortográfico de 1990.
As opiniões expressas nesta edição são da exclusiva responsabilidade da autora e não vinculam a Fundação Francisco Manuel dos Santos.
A autorização para reprodução total ou parcial dos conteúdos desta obra deve ser solicitada à autora e ao editor.
Edição eBook: Guidesign
ISBN 978-989-9118-79-9
Conheça todos os projectos da Fundação em www.ffms.pt
Prólogo: porque falamos de Bruno Candé
De Olossato a Lisboa
A carta que mudou a Zona J
A terra dos miseráveis
O fim da evolução da espécie
As notas de Candé: quem são os miseráveis
Epílogo
Agradecimentos
Saber mais
Ao Ivo, ao Rúben e à Beatriz,
que acreditem sempre no homem bom
Prólogo: porque falamos de Bruno Candé
No dia em que morreu, Bruno Candé deixou em cima do balcão da cozinha dois ovos já cozidos, um frasco de feijão frade por abrir e uma lata de atum a escorrer. Estes elementos eram já representação de uma vida em suspenso, uma refeição pronta que nunca aconteceu, quando a família irrompeu casa adentro para reconstituir os últimos passos dele. Não foram só os ovos, o atum e o feijão: um bairro inteiro ficou em suspenso quando aqueles três tiros arrebataram Bruno numa avenida de Lisboa.
Sabe quem o conhece como foi ele «o primeiro» em vários ofícios e ocasiões. Terá ajudado a levar, pela primeira vez, uma companhia de teatro profissional à Zona J, em Chelas. Mesmo no centro de um bairro social, atores e atrizes que enchiam salas no país e no mundo preparavam-se para fazer morada no lugar onde normalmente ninguém vai, se ali não morar. Foi, por conta da vida como ator (sonho de menino, concretização tardia), o primeiro da família a aparecer na televisão. Lá estava ele, numa novela — foi «ver para acreditar», confessaram os familiares. Ali, ele não era Bruno Candé, era um inspetor da polícia empenhado na missão de descobrir o culpado de todos os crimes. E foi ainda o primeiro grande susto da sua família, com um episódio que o pôs taco a taco com a morte logo aos seis meses de idade. O acontecimento tornou-o eterno devoto a um santo Lisboeta.
Não é, porém, por nenhum destes ofícios e ocasiões que ele ficou marcado como «o primeiro» na memória coletiva do país. É que Bruno Candé foi o primeiro homem em Portugal cuja morte deu origem a uma condenação de crime motivado por ódio racial. Evaristo Marinho, então de 76 anos, matou por preconceito contra a cor de pele, assim sentenciou a justiça. Candé morreu por racismo a 25 de julho de 2020. Ele que não acreditava na palavra. Nunca foi ativista de punho em riste — levantar o punho só o viram fazer uma vez, numa manifestação, que também não era hábito dele, semanas antes de ser assassinado, para homenagear um americano morto às mãos da polícia, George Floyd.
Naquele dia de 2020, Evaristo não sabia que estava a matar um pai de três filhos. «Não lhe dei tempo» de falar, afirmou em tribunal. Nem sabia que Bruno era um homem com obra feita na Zona J (hoje formalmente conhecido como Bairro do Condado), um bairro que há anos tem o rótulo de má fama. Por ter nascido aqui, Candé teria afinal «tudo para dar errado», como tantas vezes disse. «Mas eu sou o Bruno Candé», acrescentava logo a seguir. Ele, um homem que via no escuro. Via mesmo no meio de uma paisagem tão negra como é a do estigma em torno do bairro onde cresceu e da cor com que nasceu.
Apenas pouco antes de morrer descobriu o verdadeiro amor pela literatura, nas obras de Augusto Curry. Descobriu-o por uma em específico: A Paixão pela Vida. Porque as palavras lhe diziam muito — não fosse ele ator, um dos bons, como lembram os colegas —, tinha decidido que queria escrever um livro. Por esse motivo, durante os últimos meses de vida, quem o via reconhecia ao longe também o bloco de notas que trazia sempre consigo. Um 5x5, capa bordô e amarela, com pontas encaracoladas pelos dedos que as folhearam. Por onde andasse, Bruno puxava do bloco e estendia a pergunta: «Quem são os miseráveis da sociedade?» A resposta vinha de amigos e até de estranhos, de todos os sítios e profissões. Talvez nunca venhamos realmente a saber quem são estas pessoas, algumas que nem no papel se apresentam com nome. Sabemos o apelido de alguns, as idades de outros ou as suas ocupações — médicos, talhantes, atores, engenheiros informáticos. São tantos, de todo o lado. Quem são estes miseráveis? Quem é o lixo da sociedade? — repetia a pergunta, depois de também o romancista Victor Hugo ter contado Os Miseráveis ao mundo.
E a cidade de Candé