Cabala e a arte de investimento do poder: Investindo a força, a honra, o saber e a riqueza
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Sobre este e-book
O PODER E O BEM
Nilton Bonder escreveu um livro impactante, lançando um olhar ousado, criativo e original sobre um dos temas mais antigos da história da humanidade: o poder, seu fascínio e sua perdição. No mundo desencantado da pós-verdade, dos fatos alternativos, da desinformação, do conhecimento ligeiro, da superficialidade geral e da polarização intelectualmente desonesta, surge um sopro de razão, de erudição desafetada e de superação das obviedades triviais.
As ideias do poder como disposição para viver as ambições – as legítimas, não as tirânicas –, sua decomposição nas categorias da competição e da cooperação, bem como a descrição dos investimentos próprios para o seu exercício qualificado, vêm acompanhadas de insights luminosos, extraídos da vivência espiritual do autor, da filosofia e da sabedoria judaica, lembrada a cada passagem.
Forte é quem domina os próprios impulsos. Honrado é quem honra os outros. Sábio é quem aprende com todas as pessoas. Rico é quem se contenta com a própria porção. Lições eternas, que combinam sabedoria e humildade, mas sem ingenuidades ou idealizações. A ênfase na objetividade do poder e sua conexão com a realidade permeia toda a obra. Na imagem do autor, como as raízes, o poder corta a terra e contorna as pedras. E, claro, sempre no interesse próprio.
Pelo caminho, o leitor ainda encontrará o wit de Nilton Bonder, algumas pérolas do seu pensamento. Entre elas: perde-se a sabedoria quando se misturam as opiniões e a verdade; descobrir-se vulnerável à sua natureza é, em si, um ato de poder; a ideologia é o grande desinvestimento do saber. E, por fim, tão atual como nunca: sem honra, um líder é um déspota, alguém que usa o poder para si e, ao mesmo tempo, contra si.
O leitor tem em mãos um livro que combina, com brilho invulgar, pragmatismo, idealismo e espiritualidade.
- LUÍS ROBERTO BARROSO, Ministro do Supremo Tribunal Federal
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Cabala e a arte de investimento do poder - Nilton Bonder
I
CABALA e INVESTIMENTO
Poder
Vamos calibrar melhor nossos termos.
O poder é a disposição às ambições. Assim como definimos a alegria como a disposição para viver as emoções e o sexo como a disposição às excitações, também o poder se constitui numa disposição – uma disposição para viver as ambições. Ao processar as emoções, experimentamos a alegria; ao acolher desejos, vivemos eroticamente. Quando nos incumbimos das ambições, exercemos o poder.
A natureza das disposições se assemelha mais a um receptáculo do que a um conteúdo propriamente dito. Cada uma das disposições é uma manifestação da natureza propulsora da vida. Na alegria está a disposição que incita as interações; no sexo encontramos a disposição que excita a reprodução e, no poder, aquela que impele às conquistas.
O poder, porém, está encravado, enraizado na realidade. Ele atende apenas a circunstâncias objetivas. Para que o poder se manifeste, ele tem que ser absolutamente factual e concreto. Qualquer tentativa de manipular ou maquiar a realidade resulta no contrário do poder – no estabelecimento de uma incapacidade ou incompetência.
É correto também afirmar que é possível exercer o poder através de mentiras ou ilusões, o que é frequentemente realizado, desde que haja, factual e objetivamente, condições para tal. O poder se imporá onde quer que haja debilidade ou frouxidão de objetividades. A solidez do chão
– em outras palavras, a realidade – será determinante para que o poder se imponha.
Qualquer leitura equivocada deste solo basilar resultará em enfraquecimento e em possível subjugação e domínio. Por isso a raiz se contorce, buscando a melhor aderência possível ao terreno. Reentrâncias, texturas e profundidades oferecem à raiz a possibilidade de efetuar movimentos de poder.
Diferentemente dos galhos que prosperam no vazio e se expandem no espaço, as raízes buscam a aderência e o estreitamento friccionado com o solo. Em atrito com a terra e com pedras, o poder se consolida, visto que ele precisa margear o que é notório, sem se corromper por percepções equivocadas ou agendas pessoais, subjetivas. O poder é o engate, o encaixe que, com o somatório de outras forças, compõe a realidade e seu progresso.
Poder e objetividade
Este trecho do Zohar evoca o conceito místico de enxergar o que é
(mah). Através de um jogo de palavras com o vocábulo "chochmah" (sabedoria), o texto subdivide a palavra em duas "choch-mah – a
força e
o que é. Para uma pessoa ser sábia em seu poder ela precisa associar a força com
o que é". Você perde esta sabedoria quando mistura as opiniões e a verdade, ou quando troca o pensamento pela realidade, ou quando toma o cardápio pela refeição.
A grande questão do poder é não se equivocar e trocar o que é
pelo que achamos que é
; trocar "is por
ism", se quisermos dar um exemplo bem espirituoso na língua inglesa. Ou seja, é preciso estar atento a fim de que não se troque a realidade por ideologias, crenças ou teses.
A realidade é o que é, e se configura na plataforma essencial para que forças aplicadas resultem em algo efetivo e tangível. Só existe torque ou alavanca no mundo factual. Isso significa que apenas sobre a realidade objetiva é possível fixar um eixo em torno do qual orbitam todas as repercussões e os efeitos possíveis.
Qualquer imagem ou miragem não possui ponto de contato com a realidade, e a tentativa de usá-las como referencial objetivo não produz novos fatos, mas ilusões. O antigo conceito de ídolo representa a matriz de todos os equívocos, que é manchar o real com o ficcional ou o imaginário, tentando produzir efeitos objetivos. Nenhum erro é tão agudo quanto aquele que é lastreado por informações infundadas. Esse é o lugar misterioso de Sheol [termo bíblico associado com as profundezas da terra, ou o lugar dos sepultados] como o mundo do não trabalho
, destituído de potências.
A realidade abrange todos os lugares. Quanto ao que é idolatrado, no entanto, basta que dele nos afastemos dois ou três passos para descobrir que não existe em nenhum outro lugar. As imagens não têm vínculos com os demais itens da realidade e precisam de circunstâncias ficcionais a fim de aparentar uma objetividade que não possuem de fato.
O poder depende do mundo objetivo. Quando está desvinculado deste último, basta que nos afastemos um pouco, dois ou três passos, para que as impotências se revelem!
Poder e o pilar central da Árvore
Estamos na coluna central da Árvore, mais exatamente no primeiro atributo basilar do centro (veja ilustração a seguir). Como já apontamos em outros livros desta série, a coluna central da Árvore representa uma propriedade interna – mais um recurso do que uma interação. Estamos em Malchut, termo normalmente traduzido como segurança
e aqui abordado pela característica do poder. Literalmente, Malchut significa soberania
. Isto quer dizer que esta esfera se manifesta por potência, eficácia e rendimento.
A linguagem e a moeda deste território são o resultado. Diferentemente do outro extremo da Árvore, onde está a folha, Chessed (o afeto), na esfera da raiz há uma espécie de aversão a qualquer forma de sensibilidade que possa favorecer o fictício ou o fabuloso. Enquanto as folhas estão no ar, tentando captar energia e oxigênio, prospectando projetos, o poder está executando e garantindo sustento e estabilidade, tão necessários a todo o sistema.
Nessa condição de centralidade, temos o sistema no formato 1, 2, 2, 1. Criam-se, assim, similaridades entre força e riqueza, que são ambições do tipo competitivo; e entre honra e sabedoria, ambições