Cabala e a arte de apropriação do sexo: Apropriando a libido, a intimidade, o gênero e a nubilidade
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Sobre este e-book
"Excetuando-se a experiência do 'ser', de existir, o sexo é o aspecto mais importante de um indivíduo."
Assim começa este livro que o rabino brasileiro Nilton Bonder acaba de escrever, no qual, confesso, não esperava ler coisas como: "O prazer é a exteriorização física da apropriação de si mesmo por meio de uma torrente energética que aprofunda e refina a habilidade do ser."
A associação da palavra "possuir" com a sexualidade provém de ser o sexo uma experiência de desfrute, de uso de si mesmo, não do outro. A intimidade é a apropriação de si através de um outro; ela projeta o ser para além do corpo, fazendo com que ele experimente uma parte de si que só existe em relação ao outro.
Quando comecei a ler este livro, uma interrogação se fez em minha cabeça: ele está falando de assuntos religiosos? Do sexo fora da religião?
Entendi, então, que Nilton apresenta uma maneira atual, moderna e, ouso dizer, transgressora de se referir a um assunto que ainda hoje não se fala nas casas das pessoas e sobre o qual nunca ouvi uma palavra sequer dentro da minha. Em minha casa e na minha adolescência, nunca ninguém me disse ou explicou alguma coisa com relação a esse assunto.
Penso que hoje em dia já seja um pouco diferente, mas sem a clareza e a profundidade necessárias como aqui estão expostas.
- NEY MATOGROSSO
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Cabala e a arte de apropriação do sexo - Nilton Bonder
I
CABALA E A APROPRIAÇÃO
Excetuando-se a experiência de ser
, de existir, o sexo é o aspecto identitário mais importante de um indivíduo. A identidade diz respeito àquilo que se é, e se constitui majoritariamente de fatores alheios à escolha de alguém. Assim como não se é consultado para nascer (ou morrer), também são compulsórios o sexo (não me refiro ao gênero!) e a família onde se nasce. Estas três identidades involuntárias – o ser, o sexo e a família – predominarão em nossas vidas e nos oferecerão autonomia tão somente na medida em que nos apropriarmos delas.
O ser, o sexo e a família serão temas recorrentes justamente porque não é possível viver sem que deles nos apropriemos. Por um lado, apropriar-se significa apossar-se; por outro, significa ajustar-se para que certos aspectos possam ser personalizados e customizados. Não há como assenhorear-nos de nossa existência se esta não estiver adequada ou harmonizada a quem realmente somos.
Vemos que os complementos nominais dos títulos desta série Reflexos e refrações são de extrema importância. Cabe a eles adjetivar e dar o posicionamento sistêmico a cada um dos temas abordados. Os recursos que permitem lidar com o risco, a cura, a alegria e o sexo são, respectivamente, a manutenção, o tratamento, a preservação e a apropriação.
No caso do sexo, porém, deveria causar estranhamento que um tema tão comprometido com trocas e relações, abrangendo a busca por parceiros e desejos de acoplar-se, possa ser caracterizado pelo ato de apropriar-se. Seria mais esperado que estivesse na esfera do vínculo e da interação com o outro. Essa será uma vertente importante em nosso olhar para a sexualidade, retirando-a do lugar dos afetos (tema de outro livro desta série) e localizando-a na interioridade do próprio indivíduo. Os afetos estão para as entregas, assim como o sexo está para a afirmação da autonomia.
O PILAR CENTRAL DA ÁRVORE
No livro sobre a alegria abordamos a coluna do meio. Ela é composta de alegria, sexualidade e poder (ambição), disposições que revelam características pessoais e interiores. O sexo corresponde ao atributo de Iessod, como posicionado na gravura ao lado.
Gráfico mostra a árvore da vida cabalística com 7 de suas 10 esferas preenchidas. Lendo de baixo para cima, no eixo central temos: poder, sexo e alegria; na lateral esquerda temos: ritmo e risco; e na lateral direita temos: cura e afeto. As três esferas do topo da árvore não estão preenchidas.Neste quarto livro já dispomos de elementos suficientes para utilizar o sistema completo da Árvore. Os elementos centrais da entidade-árvore são a raiz (poder), a flor (sexo) e o fruto (alegria). Na lateral esquerda seus elementos são o caule e os galhos, e, na direita, a seiva e as folhas. De um lado estão os elementos estruturais, de outro, os que energizam o sistema.
Os elementos centrais não interagem com o meio externo, mas tão somente com a estrutura existencial da Árvore. Cabe a eles permitir que a entidade experimente ser uma pessoa única. Suas raízes são sua pessoalidade
: elas interagem com o sexo (flor) e a alegria (fruto) produzindo Eros, a força animadora de sua essência. Esse mesmo sistema que possibilita a sensação de existência tem, ao mesmo tempo, a potência de gerar outro indivíduo. Assim, vemos que existir e gerar fazem parte de um mesmo conjunto, que interliga a experiência e a função do organismo. De um ponto de vista sistêmico, a coluna central compreende a função existencial; o lado esquerdo, a função estrutural; e o direito, os nutrientes e a luz, a função do sustento.
Para o tema deste livro, o mais importante é ressaltar que a coluna do meio responde pela personificação da entidade. Nela estão as funções vitais de experimentar o viver e de reproduzir-se.
A raiz se expressa pela vontade, o sexo pelo desejo e a alegria pela satisfação, compondo assim o sistema pessoal da vida. Esses três elementos intransferíveis constituem a identidade de um ser. Sem que haja vontade, desejo e/ou satisfação, uma pessoa não consegue apoderar-se de si mesma. E o sexo é o elemento central desse complexo de empoderamentos e de apropriações de si.
Não vamos nos ater à questão filosófica sobre a relação entre a vida e a procriação, mas vale registrar que a apropriação de um indivíduo pertence a esse conjunto de funções que conecta a vida de uma entidade com a vida de sua descendência.
PERSONIFICAÇÃO – NÃO É BOM ESTAR SÓ
Vamos retornar à estranha afirmação já mencionada: de que o sexo diz respeito a si e não ao outro ou à relação com o outro. Em boa medida, o estranhamento que tal afirmação pode causar se deve à cultura humana, que estabeleceu uma conexão direta entre sexo e afeto, trazendo ambiguidades e confundindo as duas áreas.
Todo elemento da coluna central é uma disposição interna, sua natureza faz com que o ser atenda a si próprio. Dessa forma, em todas as suas manifestações – no anseio (poder), no desejo (sexo) e no contentamento (alegria) –, Eros representará sempre o epicentro do indivíduo. Seria um equívoco tratar um elemento da coluna do centro como relacional ao mundo ou, mais particularmente, na relação com um outro. Em outras palavras, sexo é sobre si mesmo e não um assunto relativo a um parceiro ou a um casal.
O texto bíblico é preciso ao apontar essa diferença existencial dos humanos em relação a outras espécies. Enquanto a sexualidade de outros animais é apropriada por mutualismo, ou seja, por uma associação na qual ambos são beneficiados, resultando uma dependência mútua, para o ser humano eros
é um anseio nostálgico, metabiológico.
No Gênesis há uma sentença que elabora essa condição: E disse Deus: Não é bom que o humano esteja só, far-lhe-ei uma ajudadora consorte para si
(2,18). Isso significa que a criação humana não se completa até que, para além de seu aparato biológico, nela seja insuflada a condição de não ser bom estar só
. Essa nostalgia do outro é um elemento inerente, derivado do que o texto qualificou como a própria imagem e semelhança do Criador
. A criatura não é semelhante ao Criador por qualquer faculdade animal, nem mesmo a inteligência. Somos similares, em dimensões infinitamente distintas, pelo fato de que para ambos – Criador e criaturas – não é bom estar só. Aliás, pelo Gênesis, a única inferência que se pode fazer sobre o Criador é seu desejo inicial de não querer estar só. Criar é uma saudade interna que não é necessariamente provocada a partir da ânsia por algo externo. Encravada na matéria humana há o desgosto por se estar só. Na sexualidade, Eros responde por tal nostalgia.
O sexo é a apropriação desta nostalgia identitária que os humanos possuem. Nessa condição, o outro não é algo ou alguém que surge a partir do interesse, como no mutualismo animal. E o outro também não pode ser experimentado como um objeto porque isso não atenderia a saudade de não estar só
. Ao mesmo tempo, o outro é definitivamente um coadjuvante.
O sexo é pessoal, irrigado pelo erótico desejo por um outro
, desejo esse que não se sacia no outro ou com o outro, mas atendendo o imperativo de mitigar tal solidão.
SEXO – A COADJUVAÇÃO DO OUTRO
O sexo nos personifica, permitindo que nos apropriemos de nós mesmos. Sua força é emanada da natureza solitária, que busca um coadjuvante. A função dessa condição secundária, a do consorte,