O regime de acumulação integral: Retratos do capitalismo contemporâneo
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O regime de acumulação integral - Edições Redelp
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Prefácio
O REGIME DE ACUMULAÇÃO INTEGRAL E OS RETRATOS DO CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO
Felipe Mateus de Almeida*
O capitalismo é um modo de produção que possui uma longa história e tem como essência a extração de mais-valor. Por conta disso, esse modo de produção é dinâmico e está em constante mudança, buscando sempre aprofundar o processo de extração de mais-valor a partir da criação de novas formas de organização do trabalho dentro do processo de produção de mercadorias e o desenvolvimento e surgimento de mecanismos de regularização das relações sociais com o objetivo de conter a radicalização da luta de classes e, consequentemente, a queda na taxa de lucro médio.
Sempre que há uma queda na taxa de lucro médio – o que acaba gerando uma crise na lógica de desenvolvimento do modo de produção capitalista como um todo – ocorre um processo de transformação não só na esfera da produção das mercadorias, mas também nas demais instituições e relações sociais que compõem o modo de produção capitalista, o que envolve o estado, a luta de classes, o trabalho, o lazer e as relações internacionais.
Nesse sentido, para cada crise que ocorre no modo de produção capitalista, emerge um novo de regime de acumulação. Um regime de acumulação deve ser compreendido como um período em que a luta de classes se apresenta de forma relativamente estabilizada, expressando-se em uma determinada organização do trabalho, determinada forma de estado e determinada forma de relações internacionais.
Diferentemente de uma revolução social, quando ocorre uma transformação total, ou seja, a superação de um determinado modo de produção e, posteriormente, o surgimento de outro modo de produção, um regime de acumulação é responsável somente por uma transformação, ou melhor dizendo, por uma reforma parcial em determinados setores, mecanismos e técnicas que envolvem a dinâmica de funcionamento e regulação de um modo de produção.
No caso do modo de produção capitalista, como fora escrito em linhas anteriores, um regime de acumulação é substituído por outro sempre que há uma queda na taxa de lucro médio e um risco de crise de hegemonia do capital, o que pode acabar desencadeando um acirramento da luta de classes e uma futura revolução social.
Segundo o sociólogo Nildo Viana, até hoje existiram os seguintes regimes de acumulação no desenvolvimento do modo de produção capitalista: o regime de acumulação extensivo; o regime de acumulação intensivo; o regime de acumulação conjugado e o regime de acumulação integral¹.
O regime de acumulação extensivo possuía como principais características a extração do mais-valor absoluto; o Estado Liberal e o neocolonialismo. O regime de acumulação intensivo era caracterizado pelo aumento da taxa lucro médio por meio da extração do mais-valor relativo - tendo o taylorismo como modelo de organização do trabalho; o Estado Liberal-Democrático e o imperialismo financeiro. O regime de acumulação conjugado foi responsável por ampliar o processo de extração de mais-valor relativo nos países imperialistas e, ao mesmo tempo, de aumentar a extração de mais-valor absoluto nos países de capitalismo subordinado. Isso foi possível graças ao fordismo, o Estado Integracionista (Welfare State) e a expansão dos oligopólios transnacionais.
Com a crise instaurada no período entre 1960 e 1970 e o processo de reestruturação produtiva e de internacionalização do capital, as políticas sociais keynesianas e o Estado Integracionista (Welfare State) entram em decadência e, como consequência desse processo, o taylorismo e o fordismo também sofrem uma crise, passando por uma série de mudanças que darão origem a um novo regime de acumulação, sendo ele o regime de acumulação integral.
O regime de acumulação integral – assim como os regimes de acumulação que o antecederam – surge como uma alternativa do capital para combater a crise e a queda da taxa de lucro médio, o que envolve não só o desenvolvimento de uma nova forma de organização do trabalho, mas também uma nova forma de Estado e uma nova forma de expansão internacional do capital.
É nesse contexto de acumulação integral que o toyotismo surge enquanto forma de organização do trabalho que auxilia no processo de extração de mais-valor absoluto e relativo, aumentando a precarização e a intensificação do trabalho, o que interfere diretamente no cotidiano e na rotina da classe operária.
No regime de acumulação integral também há o surgimento do Estado Neoliberal, uma forma de Estado na qual há um ataque direto às conquistas e direitos dos trabalhadores. Ocorre um enfraquecimento nos direitos sociais, na fiscalização das condições de trabalho e também surge um aprofundamento do imperialismo, através da transnacionalização do capital. O neoliberalismo e suas políticas possibilitam o avanço de projetos que atacam diretamente os trabalhadores, como é o caso, por exemplo, da terceirização e da privatização de empresas, o que faz com que muitos indivíduos acabem perdendo seus empregos e se insiram cada vez mais em relações de trabalho informais e precárias.
Diante desse cenário, políticas, reformas e projetos de cunho neoliberal tem tomado conta do atual estágio de desenvolvimento do modo de produção capitalista. Vem sendo implementadas e difundidas, ações que visam diminuir o poder do Estado e promover cortes orçamentários na saúde, na educação e na segurança pública.
Essa investida neoliberal tem sido vista no Brasil e em diversos países da América Latina através de uma série de reformas, dentre as quais podemos citar a reforma trabalhista e a reforma da previdência, que interferem não só na esfera produtiva, mas também no campo do consumo e das demais relações sociais que envolvem o processo de interação dos trabalhadores e das demais classes menos favorecidas.
O regime de acumulação integral, em conjunto com todas as características que o constituem, é responsável por um processo cada vez maior de exploração da classe operária, aumentando sua miséria social e psíquica.
No campo da teoria, diversas são as ideologias que tem surgido como mecanismos de auxílio para o avanço do neoliberalismo e da acumulação integral. O pós-modernismo
e a globalização
vem causando, em conjunto com uma desregulamentação do mercado de trabalho e o aumento do trabalho informal, um processo de fragmentação cada vez mais visível da classe operária, o que muitas vezes acaba dificultando o processo de organização e, consequentemente, uma radicalização da luta de classes.
Evidentemente que a classe operária e as demais classes sociais menos favorecidas não têm reagido de maneira amorfa ou pacífica a essas reformas e ataques diretos aos seus direitos. Apesar de todas as dificuldades, diversas lutas e revoltas contra essas reformas têm acontecido. Um exemplo recente dessas lutas, pôde ser visto em países como o Chile, a Argentina e o Brasil.
Os artigos que compõem a presente coletânea foram escritos por pesquisadores que tem procurado desenvolver estudos com o objetivo de contribuir com a luta cultural, apresentando, através de uma perspectiva que tem como base a teoria marxista, análises que visam fazer uma crítica ao regime de acumulação integral, bem como ao neoliberalismo e ao avanço de suas políticas e reformas, fazendo parte, assim, de uma luta maior, que busca a superação do modo de produção capitalista e de suas relações sociais.
O primeiro capítulo dessa coletânea, de autoria de Nildo Viana, busca fazer uma análise da historicidade do Estado neoliberal. O autor defende a ideia de que assim como qualquer outra forma assumida pelo Estado Capitalista, o Estado neoliberal não é estático e nem anistórico. Através dessas considerações, Viana traz uma discussão que trata, em um primeiro momento, das origens e do ciclo de formação do Estado Neoliberal, para em seguida tratar do seu ciclo de consolidação e, por fim, do seu ciclo de dissolução.
O capítulo escrito por Mateus Vieira Orio discute o capitalismo como modo contemporâneo de produção e reprodução da vida humana. Partindo da compreensão da exploração de mais-valor como essencial ao capitalismo, o autor traz uma análise do modo de produção capitalista compreendendo suas mudanças no decorrer da história segundo a sucessão de diferentes regimes de acumulação. A discussão se dá no sentido de apresentar elementos fundamentais da produção capitalista desde a acumulação primitiva de capital até a forma contemporânea: a acumulação integral. Assim, Orio discute a composição do Estado capitalista, as relações internacionais, as formas pelas quais são desenvolvidos os processos de trabalho, assim como a criação de ideias que visam a legitimação do tipo específico de acumulação empreendido em cada época. A partir desta discussão, o autor traça uma análise crítica do modo de produção capitalista que aponta para a busca de sua superação.
Lisandro Braga, autor do terceiro capítulo que compõe a coletânea, traz uma discussão que aborda a escalada da repressão estatal (preventiva e seletiva) no capitalismo contemporâneo (EUA e Europa) como uma das formas fundamentais de regularização das relações sociais típicas do atual regime de acumulação: o regime de acumulação integral. Para isso, o autor recorre ao método dialético de investigação, demonstrando que o estado neoliberal precisa contar com uma face penal (criminalização da pobreza e da contestação social) que busca afastar todo e qualquer risco que as classes que não fazem parte do bloco dominante (organizadas ou em vias de organização) possam representar para a reprodução ampliada de capital na contemporaneidade.
O quarto e último capítulo que faz parte dessa coletânea foi escrito por Felipe Mateus de Almeida. O autor apresenta uma discussão sobre o processo de reestruturação produtiva através da teoria dos regimes de acumulação. O objetivo central do texto é trazer uma análise crítica do processo de reestruturação produtiva, bem como criticar e superar o conceito de acumulação flexível.
Em resumo, a presente coletânea apresenta uma crítica ao atual estágio de desenvolvimento do modo de produção capitalista e ao regime de acumulação integral, demonstrando como ele atua no processo de dominação e exploração da classe trabalhadora