Encontre milhões de e-books, audiobooks e muito mais com um período de teste gratuito

Apenas $11.99/mês após o término do seu período de teste gratuito. Cancele a qualquer momento.

Condomínio Holanda
Condomínio Holanda
Condomínio Holanda
E-book222 páginas2 horas

Condomínio Holanda

Nota: 0 de 5 estrelas

()

Ler a amostra

Sobre este e-book

O desaparecimento de um menino revela o que existe de mais assustador entre moradores de um condomínio no litoral baiano.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento20 de abr. de 2022
Condomínio Holanda

Relacionado a Condomínio Holanda

Ebooks relacionados

Relacionamentos para você

Visualizar mais

Artigos relacionados

Avaliações de Condomínio Holanda

Nota: 0 de 5 estrelas
0 notas

0 avaliação0 avaliação

O que você achou?

Toque para dar uma nota

A avaliação deve ter pelo menos 10 palavras

    Pré-visualização do livro

    Condomínio Holanda - Cláudio Factum

    1

    As ações dos seres humanos são as melhores intérpretes de seus pensamentos.

    (John Locke)

    2

    Para minha família; e em especial, para meu filho Ian Factum.

    3

    PREFÁCIO

    Para quem não me conhece, sou um diretor e roteirista cinematográfico independente, com alguns pequenos filmes lançados em cinemas de arte em Salvador-Ba. Dirigi, Produzi e escrevi curtas e médias-metragens (lançados na sala Walter da Silveira) com a lenda do cinema baiano Roque Araújo. Esse cineasta, que trabalhou em muitos grandes filmes nacionais, era umgrande parceiro do Glauber Rocha. Roque foi, e continua sendo um grande amigo. Sempre contei com ele. Fez a direção de fotografia de meu filme O CATIVEIRO (2005) e outros curtas. Mesmo sem trabalhar comigo em outras produções, como o documentário LUCAS TERRA (exibido com sucesso de público na sala WALTER DA SILVEIRA em 2009), Roque sempre foi meu professor, me dando dicas de fotografia e

    muito mais.

    Cinema sempre foi minha paixão, desde menino, quando vi com minha mãe, pela primeira vez a magia da sala escura. O filme era E.T. do Spielberg, em 1982, uma obra de arte.

    Na minha juventude, fiz curso de teatro, com o mestre Manoel Lopes Pontes. Fiz também um curso de roteiro cinematográfico com o diretor Roberto Duarte. Depois disso, comecei a escrever roteiros por encomendas, e anos mais tarde, comecei meusfilmes. Tive o prazer de trabalhar com outra lenda do cinema baiano, o saudoso Braga Neto, emumroteiro que, infelizmente, não viu a luz do dia.

    4

    Todos os meus filmes foram exibidos na sala Walter, e tiveram destaque na TV e jornais, mas nenhum conseguiu mudar minha vida. Meu filme mais recente foi lançado em 2014, A METAMORFOSE (baseado em Kafka), vendo hoje , com todo o respeito aos que participaram, vejo que fui o total responsável por um elenco de profissionais e amadores, de erros de direção também... resultando em filmes fracos, mas que tiveram seus momentos.

    Trabalhei como fotógrafo com ótimos profissionais: Marivaldo e Anselmo, de Itapuã . Contei sempre com eles. Outro grande amigo, e também parceiro cultural, é o Orlando Lima; u m homem culto, que foi umagitador cultural no Rio de Janeiro na década de 1970. Tinha uma discoteca! Foi o produtor de meufilme de terror B, como título de PSICOMETRIA.

    Oamigo Limaamaa cultura e hoje é ta mbém um empresário no ramo far macêutico.

    Hoje, também sou professor de uma escola em Itapuã, a mesma em que eu estudei quando eu era menino. A Escola Calasans Neto me deu a chance de sentir de perto todos os probleminhas na educação de crianças e adolescentes. A professora Olga, minha chefe querida, me deu novas oportunidades.

    Essa é a primeira vez que tive coragem de escrever um livro. Eu queria que fosse com algo totalmente forte, realista e original. Para isso, tirei três anos de minha vida com pesquisas, entrevistas... Estudei condomínios em Stella Maris, bairro classe média de minha cidade, e também entrevistei pessoas e famílias para que o livro tenha

    5

    cenas tiradas da realidade, mesmo sendo uma obra de ficção.

    Espero que gostem. Muitas cenas, mesmo tão absurdas, são baseadas em fatos! Tentei fazer um estudo do comportamento humano; os personagens têm um pouco (ou muito!) das pessoas que conheci. Boa leitura !

    Cláudio Factum

    6

    PRIMAVERA

    7

    1

    Convido-lhe a mergulhar nessas lemb ranças comigo, mas de antemão advirto que se você não estiver com disposição de abrir mão de seus preconceitos e julgamentos, não continue lendo o texto.

    Tenho, o que seria na idade de vocês da Terra, 35 anos. Não existe língua nesse planeta que consiga traduzir, ou mesmo transmitir em som o meu nome real, por isso escolhi me chamar de Esdras, umnome simpático que encontrei por acaso no livro mais vendido entre os seres humanos . Gostaria que soubesse, se você continuou a ler meus escritos, que estou muito feliz por dividir com você memórias que colecionei durante o tempo que passei na Terra, num condomínio lindo, próximo à praia, cheio de pessoas lindas e também problemáticas. São na verdade relatórios que foram premiados no meu mundo, me deixando muito orgulhoso e agradecido. Eu sabia que um dia meus relatórios poderiam virar um livro. Consegui terminar a missão de estudar o compo rtamento humano num condomínio, e fiquei completamente apaixonado pelos seres da Terra. Se você está lendo agora, é porque meu texto também foi publicado entre vocês, assim como no lugar onde pertenço. O

    8

    lugar desafia as leis da física e do espírito, então, não adianta eu tentar descrevê- lo.

    Para que esse meu relatório não fique com um tom de ficção científica, que pode não a gradar quem não gosta, mudarei minha narrativa.

    Fui mandado para um condomínio num bairro classe-média chamado Stella Maris, na Bahia, Brasil. Um condomínio fechado, de casas de padrão simples e bonito. Todas têm jardim na frente e uma garagem parcialmente coberta.

    Mudei pra lá num dia de sábado, meio da tarde, com um sol de primavera muito quente. O lugar não era longe da praia, por isso nos finais de semana, era grande o movimento de jovens e crianças de bermudas sujas de areia; às vezes, moças de minúsculos trajes de banho. Aluguei a casa número 12, uma das primeiras. Tive de providenciar uma cama, um sofá, um fogão, uma geladeira, uma estante... Toda uma mobília, para poder morar e passar como ser humano. Tudo durante uma temporada.

    Antes mesmo de chegar ao CONDOMÍNIO HOLANDA, procurei um casal de idosos que te m uma parceria com nosso povo. São os queridos da família Oliveira. O senhor João e a senhora Silvana tiveram uma experiência com meu povo quando ainda eram noivos. Passaram grandes dificuldade s financeiras no fim dos anos 1960. Numa noite de

    9

    verão, tiveram a visita dos WYONS e suas vidas mudaram. Meu povo ajudou no projeto de uma fábrica de leite em pó, aparecendo grandes investidores para a empresa dos Oliveira. A fábrica ficava na cidade de Campo Formoso, na Bahia. Os Oliveira construíram uma casa belíssima, com um a escadaria interna que desafiava as leis da física humana. Quando seu filho nasceu, um ser de meu povo o batizou com o nome de Árion. Um garoto incrível. Mas voltando ao ponto em que cheguei, o senhor João me entregou uma maleta de aço com cinquenta mil reais (o dinheiro da Terra e do país onde fui enviado) e depois de uma leve conversa em seu escritório, onde aprendi a gostar de café, estava preparado para uma temporada como hum ano.

    O Holanda não era tão diferente de outros condomínios de Stella Maris. E o que me fez selecioná-lo, foi o puro acaso. Analisei milhares de lugares, cidades, países... Meu dedo simplesmente tocou num dispositivo que me levou ao Holanda. Destino? Não acredito nisso. Foi simples acaso.

    Ajudei os homens da loja na entrada dos móveis. Comprei um grande sofá vermelho vivo, que reinou na pequena sala. Agradeci, assinei papéis e, sem muita demora, o caminhão afastou- se do condomínio.

    Um garotinho, de mais ou menos seis anos, observou todos os meus movimentos. Fabiano era o nome dele. Sentado na grama, com as mãos no

    10

    joelho, sério, parecia estar aborrecido com alguma coisa que eu não sabia.

    Sua mãe chegou na porta. Fabiano! Vem ler seu livro! Passa pra dentro agora!!...

    Eu... não gosto de Monteiro Lobato, ele respondeu com muita raiva.

    Você não tem que gostar... Eu estou mandando...

    Ela me olhou e deu um leve sorriso. Fiz o mesmo.

    Esses meninos de hoje só querem saber de jogos de celular... Comprei uma coleção de luxo do Monteiro Lobato e esse aqui... não quer nem saber. "Por que não pergunta pra ele que tipo de

    livro gosta?" perguntei.

    Porque eu imagino qual seria a r esposta... Monteiro Lobato fez parte da minha vida. Opai dele deu umcelular pra ele e, desde que vive no jogo, não quer mais saber de ler.

    O tempo dele é outro senhora... Sou Érica. Senhora tá no céu...

    Sou Esdras.

    Está mudando para a casa número 12? , perguntou ela.

    Sim. Por uma temporada.

    Bem- vindo Esdras. É baiano?

    Ela observou a minha pele clara e meu cabelo quase ruivo.

    Não. Sou da Rússia, tive de inventar uma mentira. Mas já morei muito tempo na Bahia.

    O menino estendeu a mão pra mim. Apertei aquela mãozinha fofinha. Seus olhos eram de um castanho claro muito bonito.

    11

    Meu nome é Fabiano, disse, com vozinha bem fraca.

    Agora eu sei... Vou ser seu vizinho. Meu nome é Esdras.

    Esdras?!, ele riu. Nome maluco!

    O que é isso Fabiano ?! Peça desculpas ao tio, ordenou ela, levando o menino pelo braço. Érica, por favor... Ele está certo. É um nome meio forte. Não é, Fabiano? Ele fez sim com a cabe ça.

    Vou entrando. Preciso preparar o almoço. Você vai gostar daqui, disse Érica.

    Não vai gostar nada... Opovo daqui é podre. Ela mesmo disse isso.

    Nesse momento o menino recebeu um tapa nos lábios. Fiquei chocado com a violência da mãe. Ela pediu desculpas e entrou com o filho.

    Eu ainda não tinha ideia do que me esperava naquele lugar.

    Os meus vizinhos da casa 11 eram france ses, que há muito tempo moravam na Bahia. Tinham um filho de 14 anos chamado Didier, que era estudante de balé clássico. Outra vizinha que sempre conversava comigo era a Sara, de 15 anos. Era uma linda adolescente negra, num condomínio que predominava pessoas brancas.

    Do outro lado da rua, subindo mais para a esquerda, morava o idoso síndico, o alegre senhor Nícolas. Umhomemmuito comunicativo, forte para a idade, que curtia MPBe, sempre que podia, tocava seu violão. Aprendi a gostar daquelas músicas, de tanto ouvir da minha casa.

    12

    No fim daquela rua, morava Beto, um jovem de 17 anos, surfista, com uma bela prancha e nada na cabeça. Não era um bom exemplo de jovem

    educado e inteligente. Aos poucos, fiquei

    conhecendo-os melhor. Olhei pela minha janela, Lilian, escritora de romances femininos baratos, lançados por umaeditora não tão conhecida. Brigou com o porteiro Valdo, por causa de um assunto relacionado aos dias em que o caminhão do lixo fe z a coleta no condomínio. Sua voz era irritante. Ainda não tinha lido nada dela, mas sabia o gênero de seu trabalho. Romances tão doces que contrastavam com sua natureza irritante. Ainda assim, deu um sorriso pra mim, porque viu que eu tinha assistido a briga.

    A tarde estava caindo. Minha casa já estava organizada. Meu computador estava pre parado para o meu trabalho.

    Observei o garoto Didier chegar na portaria. Ele estava acompanhado por Beto, o surfista. O menino francês estava de malha de balé; conversava com entusiasmo. Logo percebi que ele estava vindo em direção à minha casa.

    Quando ele chegou, eu estava escrevendo no computador. Minha mesa ficava ao lado da janela. Percebi seus grandes olhos verdes profundos. O rosto branco, com poucas sardas claras... O cabelo rebelde caía em seus olhos; com movimentos rápidos, ele afastava- os.

    Boa tarde senhor. Pode fazer um favor pra mim?

    Claro. Qual?, eu disse, curioso.

    "Grave nesse meu Pen Drive três músicas do Tchaikovsky para minha apresentação de balé.

    13

    Quero Valsa das Flores, e duas do Quebra - Nozes. Faz isso pra mim? Por favor. Meu computador tá quebrado... "

    Subitamente peguei o Pen Drive da mão dele e coloquei sobre minha mesinha de canto. Apertei o objeto na minha mão e transferi as músicas da internet, logo depois de uma rápida pesquisa.

    Pronto, disse eu, entregando o Pen Drive . "Cara! Foi muito rápido! Valeu... Qual é o teu

    nome?"

    Esdras.

    Meu nome é Didier. Se precisar de alguma coisa... minha casa é essa ao lado. Aquele lá é meu amigo Beto...

    O rapaz acenou do outro lado da rua. Acenei também.

    Didier tinha todo o vigor da juventude.

    O menino afastou-se. Fiquei com os meus pensamentos. A noite chegou e, enquanto eu escrevia, observei o movimento pela janela. As pessoas no Holanda eram bonitas e tinham belos carros.

    Sei que pode ser muito estranho, ou até monstruoso, contrário à natureza humana, m as felizmente, eu posso ficar invisível. E consigo deixar invisível qualquer matéria próxima ao meu corpo. Foi assim que comecei, aos poucos, conhecer em detalhes, os moradores do condomínio. Invasão de privacidade? Claro que foi. Mas não sou humano.

    14

    O primeiro foi o menino Didier. O garoto entrou em sua casa, deu um beijo na mãe, que assistia a uma telenovela. Acompanhei o garoto até o quarto. A decoração tinha tons de rosa, com posters de bailarinos acima da cabeceira da cama. O garoto começou a tirar a malha de balé suada. Jogou sua mochila sobre a cama. Momentos depois, estava completamente nu. Os corpos humano s quando são de púberes, são sempre engraçados. Desajeitados, ossos longos, ainda guardando traços da infância. O garoto entrou no banheiro do seu quarto, e eu não quis mais segui- lo.

    Resolvi dar uma volta pelo Holanda naquela noite de primavera. A lua reinava linda no céu. A brisa do mar esteve presente. Sentei-me no banco próximo ao gramado da Lilian. Ela apareceu minutos depois, com uma caneca de café e um livrinho muito surrado.

    Boa noite, ela disse, falando comigo pela primeira vez.

    Boa noite, respondi.

    Aquele menino que faz balé... que estava mais cedo na sua janela... é péssima influência para os jovens desse condomínio.

    Não entendi, fiquei um pouco confuso . Não gosto do jeito dele. Onde já se viu menino fazer balé! Todos aqui sabem que a amizade dele com aquele Beto é muito estranha... Ele se abre demais com todo mundo. Os François, os pais dele, são liberais até demais.

    Por que a senhora está me dizendo isso?

    "Porque esse menino já deu problemas demais por aqui. Eu sei que o senhor é um homem culto, educado... Observei desde que chegou, seu

    15

    jeito sofisticado. Não vai querer se meter em problemas... "

    Senhora...

    Lilian. Sou escritora.

    Senhora Lilian, sou Esdras. Esse garoto é apenas um adolescente. Não entendo sua preocupação...

    Na próxima reunião do condomínio vou preparar um abaixo-assinado para tirar essa família daqui...

    Senhora Lilian, quem é o síndico daqui? , perguntei, mudando o assunto.

    É o seu Nícolas. Só vive para baixo e para cima com esse jovem. Mas, é um bom homem. Faz de tudo para a segurança dos moradores.

    Ela bebeu o restante da caneca e, me deu o livro de bolso, de edição barata, com título de : AMOR DE FIMDE TARDE. Agradeci e prometi ler com carinho.

    Está gostando da amostra?
    Página 1 de 1