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O Colar De Contos
O Colar De Contos
O Colar De Contos
E-book342 páginas4 horas

O Colar De Contos

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Sobre este e-book

Nasceu em meados da década de 40, na rua Delgado de Carvalho nº 22, Tijuca, naquela época bairro nobre do Rio de Janeiro. Em 1971 formou-se em engenharia civil, especialização em transportes, na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, onde dez anos depois fez o mestrado. Têm cursos técnicos em diversas áreas da engenharia Trabalhou nas empresas: Sondotécnica, Icoplan, Ressolos, Pavissolos e Consultores Gerais, entre outras tantas, destacando-se como engenheiro rodoviário. Escreveu o livro “Manual para elaboração de Projeto de Terraplenagem.”, um dos motivos de ser muito conhecido. Na Espiritualidade estudou, fez cursos e trabalhou por 25 anos. Na passagem do milênio publicou o livro “Os Paramagos”. Por causa disso foi convidado e fez inúmeras palestras sobre o assunto. Com esta obra – O Colar de Contos - escreve o seu primeiro livro na Literatura. A professora de literatura portuguesa e inglesa, Isa Baiocchi, afirma: - nunca vi nada igual, trata-se de inovação literária, pois o autor escreveu a história da sua geração através de contos, em vez de capítulos. O autor não pretendia isso. Ao optar pelo conto queria somente obter maior liberdade para escolha dos personagens e do gênero da história. Aconteceu intuitiva e naturalmente, argumenta o autor. Foram necessários quatro meses para escrever os catorze contos e um ano para ligá-los transformando-os numa única história. O livro foi estruturado dessa forma e têm contos: - racionais, sentimentais, emocionais; dramáticos ou cômicos, éticos... Enfim, apesar de parecer um paradoxo - é livro de educação e ética, ao mesmo tempo alegre, profundo e original, o que pode ser constatado através da leitura do primeiro conto que convidamos o leitor internauta a ler a seguir.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento2 de set. de 2022
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    O Colar De Contos - Afonso Corrêa

    O COLAR DE CONTOS

    Autor: Afonso

    Corrêa

    Ano – 2008

    1

    Prefácio do Autor – Cartas para Luisa.

    Luisa.

    A sua mãe Alessandra perdeu o primeiro neném.

    Quanto a isso não se pode fazer nada. Você ainda está no ventre de sua mãe - quietinha, enroscadinha e se formando.

    Escrevo este livro para convencê-la a nascer. Através dele você conhecerá o mundo em que vivemos e a sua família.

    Durante a sua jornada, perceberá que alguns amigos e professores serão tão importantes em sua vida, quanto são os seus parentes. Eles são parte da sua família.

    O amor é a expressão mais pura e nobre do ser humano. - E os seus pais se amam! Eles são pessoas maravilhosas que a amarão muito. Venha conhecer sua bisavó Marina e suas avós Isa Baiocchi e Ana Lucia, a sua incrível tia-avó Zenaide e o pararaca do tio-avô Johnny Hughes; a bonita tia Mariana; os tios Perla e Kenneth e os seus priminhos João Pedro e João Vitor, eles são lourinhos, inteligentes, alegres, bagunceiros e lindos. - Venha!

    Eu a levarei na casa do Paulinho Pestana, para você ver lindos canários da terra e ouvir o seu cantar. Você conhecerá muitos amigos meus e dos seus pais. Todos constituem a nossa família. A sua é adorável. E a família é tudo!

    Venha ver minha flor - o nascer do sol em Copacabana e o por do sol em Ipanema! De noite lhe mostrarei as estrelas no céu e apontarei as Três Marias e o Cruzeiro do Sul.

    Seu avô Afonso

    Rio de Janeiro, 23 de julho de 2004

    2

    Luisa.

    Você veio, linda e charmosa - fazendo pose. Bem-vinda a que vem em nome do Senhor! A história da minha geração está sendo narrada através de contos - com membros de sua família - em vez de capítulos. A sua avó Isa Baiocchi, professora de literatura portuguesa e inglesa, afirma que se trata de uma inovação literária. Eu não pretendia isto. Ao optar pelo conto procurava maior liberdade para escolher os personagens e o gênero da história.

    A minha geração foi a das mudanças: - a liberação da mulher e o duro período de regime militar. Por isso sofreu muito.

    Ao ler os contos você notará que há uma ligação perceptível entre eles. Quando você tiver a oportunidade de ver um artesão enfiar um colar observará que ele enfia a primeira conta e depois dá um nozinho, enfia a segunda conta e em seguida faz outro nozinho e - continua assim até fechar o colar. A história foi estruturada dessa forma. Foram necessários quatro meses para escrever os contos e mais de um ano para dar os nozinhos. Daí o título O Colar de Contos.

    Preservei no texto, o nome de algumas pessoas que não conheço bem ou que ficariam constrangidas pela minha alegria, pois sou um avô alegre, assim como foi o seu bisavô Leopoldo Corrêa. Quando você chegar, verá um homem com muitos cabelos brancos e poucas rugas. Sua bisavó Celina Dulce era assim. Para você, eu serei um gigante com 1,80m de altura e ombros largos. Era dessa maneira que eu via o seu trisavô Mário Newton de Figueiredo, quando menino.

    Ao crescer perceberá no seu avô fragilidades e delicadezas que parecerão não ser coisas típicas de um 3

    homem. - Mas são! Nós não somos perfeitos. Você crescerá e descobrirá que existe perfeição na imperfeição, começando a compreender os seres humanos.

    Lulu, O Colar de Contos está sendo apresentado em quatro partes, abrangendo um período que inicia no ano de 1944 e termina em 2005. Em cada uma das partes, tem uma orientação para você. Apesar de estarmos no século XXI, o homem mudou pouco no que se refere às emoções, aos sentimentos e as racionalidades. Por isso, acredito que este livro será uma referência para você, netinha querida, que foi tão desejada e esperada, minha Lulu, chuchu, juju, tutu, mumu, muuuuu!

    Seu avô Afonso.

    Rio de Janeiro, 8 de fevereiro de 2005.

    4

    1ª parte: A infância (1944 – 1958).

    Nesta fase o Imaginário é parte importante, depois desaparece naturalmente sendo substituído pelas atividades que a sociedade propicia à criança. A partir desse momento é conduzida e impelida à competição e a superar o outro em tudo e em todas as circunstâncias, quando deveria ser orientada a concorrer consigo mesma para superar as próprias dificuldades.

    Orientação:

    - Luisa, procure compreender e respeitar às outras crianças e lembre-se que a repetição é o processo de aprendizado correto.

    5

    1 Questão de Sensibilidade.

    Ódio de criança é coisa séria.

    Morava numa casa de muitos quartos e salas, jardins e quintal, onde havia esculturas e muitas árvores, na Tijuca, bairro nobre do Rio de Janeiro.

    A casa era tão grande que eu e o meu irmão mais velho tínhamos um quarto só para brincar. Havia sala de jantar, sala de estar e salão de música, onde meus pais, parentes e amigos se reuniam nos finais de semana para tocar música, dançar e conversar. Mamãe tocava violino e meu tio Newton piano e eles eram ótimos músicos e compositores. Não nos deixavam entrar no salão de música.

    Às vezes ficávamos sentados na porta, do lado de fora, escutando a música, as vozes altas e as gargalhadas.

    O casarão era dos meus avós Mário Newton de Figueiredo e Celina Viera da Silva Figueiredo, pais de minha mãe. Meu avô era advogado, político e um maçom importante.

    Eu nasci nessa casa enorme. Naquela época, geralmente, os partos eram feitos em casa. Após alguma discussão e superando receios recebi o nome do meu bisavô, Afonso Newton, engenheiro de estradas, morto no Rio Grande do Sul aos 33 anos de idade. Portanto, sou o segundo filho do casamento de meus pais Leopoldo Corrêa e Celina Dulce.

    Meu irmão falava muito e perguntava tudo, enquanto eu costumava ficar calado, escutando as perguntas que ele fazia e as respostas dos adultos. Apesar de ser um menino, 6

    eu refletia sobre elas. Em alguns momentos queria perguntar, mas meu irmão não deixava e me interrompia com uma seqüência interminável de perguntas.

    Assim, alternava o meu lado alegre, brincalhão e agitado com momentos de introspecção e timidez. Menino silencioso, de quintal e janela, quase não saía à rua, a não ser nos finais de semana quando meu pai nos levava ao cinema na praça Saens Peña.

    Na rua ficava deslumbrado com os carros, ônibus, bondes e a multidão de gente andando pelas calçadas. Os filmes de desenho animado ou as séries de aventura deixavam-me elétrico. Na saída do cinema podíamos escolher entre comprar um gibi ou balas para chupar. Como eu não sabia ler, preferia as balas. Meu irmão escolhia o gibi que eu simplesmente folheava. E pelos meus olhos e mente infantil, ainda sem compreensão, desfilavam os heróis americanos: - o Super-Homem, o Capitão Marvel e o Tom Mix que tanto influenciaram a minha geração.

    Meu irmão estava matriculado numa escola ali perto.

    Como não havia com quem brincar, durante o dia, invariavelmente ia para janela e ficava observando as pessoas passarem pelas calçadas. Eu conhecia os seus hábitos e horários.

    Destarte a vida desenrolava, do quintal à janela e de casa à praça Saens Peña no final de semana.

    Minha avó morreu quando eu fiz seis anos de idade. Neste dia, todos choraram. Nunca havia visto adulto chorar e de repente todos choravam. Não entendia o que estava acontecendo. Meu irmão, disse que a vovó tinha morrido. A resposta não esclarecia, pois não sabia o que era a morte.

    Este mistério, a morte, assunto não entendido, arquivei em minha mente, um dia saberia.

    7

    Meu avô vendeu a casa e distribuiu o dinheiro entre os quatro filhos. Nós fomos morar num apartamento de três quartos perto da praça São Salvador. A mudança foi radical, da solidão do casarão para uma agitada praça com chafariz, chão de terra, balanço, rema-rema, escorrega e muitas crianças como eu, loucas para brincar.

    O primeiro dia no apartamento foi especial. Acordei de madrugada com um barulho ensurdecedor. Em seguida -

    um berro.

    Assustado, eu fiquei imóvel na cama escutando os gritos e os barulhos retumbantes. Entretanto, a curiosidade me fez levantar para verificar o que acontecia. E na ponta dos pés fui até à janela. Havia muitos homens sem camisa em cima de caminhões, gritando, xingando e jogando enormes caixotes no chão.

    Todos na casa acordaram e soube o que estava acontecendo - era dia de feira. Ninguém gostou disso, só eu que fiquei na janela, absorto e encantado com tantos movimentos, cheiros, sons e cores.

    Assisti tudo desde o início: - os feirantes prepararem as barracas colorindo-as com frutas e vegetais; as pessoas pararem diante delas para fazerem as suas compras, preços sendo discutidos, brincadeiras, risadas e às vezes brigas.

    Tudo isto em frente à minha janela! Dela, só saí quando a feira acabou.

    Na manhã seguinte, uma grande decepção - não havia feira. O mesmo aconteceu nos próximos dias. Só havia feira num dia da semana. - E como esse dia era esperado!

    Através da janela aprendi muitas coisas, me diverti e presenciei fatos inusitados. Num desses dias de feira, um homem gigantesco atraiu a minha atenção. Ele estava do outro lado da rua, parado na calçada, entre uma barraca e o 8

    muro da casa em frente. Na barraca vendiam mamões.

    Achei aquilo estranho. Eu não o conhecia. Ele não era feirante e não tinha cara de estar fazendo compras. Naquela época, homem não fazia compra na feira, isto era tarefa de mulher, da dona de casa ou da empregada doméstica. Por isso fiquei olhando. De repente, quando o feirante se distraiu, o homem levantou o braço e com uma só das mãos

    - e que mão grande - pegou um mamão enorme e o escondeu atrás do corpo. Neste momento ele me viu na janela e arregalou os olhos. Devo ter feito a mesma coisa. Ele ficou parado olhando para mim. Em seguida, com a outra mão colocou o dedo indicador na boca, como se estivesse dizendo: - psiu silêncio! Sorriu pra mim e foi embora gingando feliz e carregando o mamão somente com uma das mãos.

    No final do mês de agosto eu fiz sete anos. Em setembro, me colocaram na escola pública José de Alencar no Largo do Machado, bairro do Flamengo. Naquele tempo, somente podia entrar para a escola pública quem tivesse sete anos completos de idade.

    E lá fui eu para uma sala com cerca de quarenta meninos barulhentos. Na mão, uma mala pesada onde levava a cartilha, o caderno, o estojo de lápis colorido, a borracha, o lápis e o apontador.

    A professora colocou-me numa carteira e iniciou a aula.

    Reparei que os meninos faziam uns sinais incompreensíveis nos cadernos. Eram números e letras. Eu não sabia fazer sequer um único número ou letra, pois ninguém havia me ensinado. Fiquei sentado na carteira, rabiscando, calado e observando o que acontecia ao redor. A professora não ligou mais para mim, simplesmente, ignorou-9

    me.

    Alguns dias depois, na hora do recreio, um menino pequeno me perguntou se eu queria brincar. Ele foi o meu primeiro amiguinho na escola. Quando tocou a campainha o menino, me pegou pela mão e levou-me para sala dele.

    A sala era completamente diferente da minha. Havia somente duas mesas grandes, com algumas crianças sentadas ao redor. A professora recebeu-me com alegria, dizendo: - que bom, um aluno novo! Perguntou o meu nome, me deu lápis e papel, logo percebendo que eu não sabia fazer nada. Deve ter pensado que eu era mesmo aluno novo.

    Sorrindo e brincando ela colocou o lápis na minha mão e segurando-a, com as nossas mãos juntas, ensinou-me a fazer a primeira letra.

    Eu adorei aquele lugar. Todos os alunos eram calmos e a professora era muito alegre e carinhosa. A partir desse dia, era para esta sala que eu me dirigia quando chegava na escola.

    Só descobriram o que estava acontecendo depois de duas semanas. Naquele dia minha mãe entrou comigo na escola.

    A diretora falou com a mamãe que eu troquei de sala sem que ninguém percebesse. Que estava freqüentando a sala dos meninos retardados. Como eu não sabia nada, eles demoraram a descobrir. Isto só aconteceu por que eu aprendia com facilidade. E a diretora deu uma bronca na mamãe, dizendo que ela deveria ter ensinado-me alguma coisa, pois eu estava entrando na escola no final do ano.

    A mamãe rebateu imediatamente, argumentando que o professor é quem deveria ensinar, iniciando uma discussão em voz alta.

    Intimidado, fiquei quieto na cadeira, pensando na 10

    confusão que havia criado.

    Depois de discutirem calorosamente, a diretora perguntou em qual dos dois lugares eu gostaria de ficar.

    Respondi que preferia a sala onde estava. As duas concluíram que isto seria o melhor para mim. E assim, tudo acabou bem.

    Somente, algum tempo depois, soube o que era menino retardado. Não me importei com o que aconteceu, pois fui muito bem recebido por eles e pela professora que era encantadora. Só lamento ter perdido um ano letivo na vida escolar.

    No ano seguinte, lá fui eu novamente para o primeiro ano.

    Mala pesada na mão, fila para entrar na sala, muitas crianças e diversos barulhos, carteiras separadas e a mesma professora marcial.

    No início, não houve problema. Eu conhecia as letras e os números. Logo vieram as sílabas, e depois as palavras com poucas letras, que não tive dificuldade em aprender.

    Também aprendi a escrever os números de um até cem, a somar e a diminuir com muita facilidade. Eu fazia as contas com rapidez. Tudo corria bem, até que chegou a tabuada e com ela a multiplicação.

    Eu tinha visto a tabuada na cartilha, mas não sabia para que servia. Para mim, multiplicar era somar. E eu somava rapidamente.

    A professora tomava a tabuada, seguindo a ordem das carteiras. Por exemplo: 2 x 9. Se o aluno não respondesse, ela passava para o próximo aluno até que alguém respondesse 18. Então, ela mudava a operação, por exemplo, para 9 x 7, e continuava perguntando aos alunos, de carteira em carteira. Dessa maneira ela exercitava e estimulava uma competição entre os alunos.

    11

    A professora cobrou a tabuada dos alunos durante um mês. Os alunos aprenderam a tabuada e eu não. A professora levou algum tempo para perceber isso. Eu só sabia fazer as contas com os números menores. Se ela perguntasse a tabuada do 1, 2, 3, 4 e até do 5, saberia responder. As outras não. Quando ela perguntava, por exemplo, 5x9, eu somava mentalmente: 9+9+9+9+9 = 45.

    Mas se perguntasse 9x5, não saberia responder, pois procurava somar o número 5 nove vezes, assim: 5+5+5+5+5+5+5+5+5 = 45 e não dava tempo. Eu não compreendia também como as outras crianças faziam as contas tão rapidamente.

    Quando ela descobriu que eu não sabia as contas com os números maiores, perguntou se eu havia decorado a tabuada. Nesse momento, eu fiz a primeira pergunta sobre conhecimento em minha vida: - Professora o que é decorar?

    Ela ficou algum tempo pensando e olhando para mim. Depois, séria e secamente me mandou copiar a tabuada inteira - dez vezes!

    Era um castigo enorme. Sempre que alguém fazia bagunça, o castigo era ficar dentro da sala, na hora do recreio, copiando uma frase qualquer que escrevia no quadro-negro. Por exemplo, ela mandava copiar a frase A bola é azul três vezes. Eu não tinha feito bagunça, - por que o castigo? Eu só tinha feito uma perguntinha. Fiquei revoltado. E fui para casa indignado.

    Ao chegar, disse à mamãe que precisava comprar três folhas de papel almaço. Ela perguntou o motivo.

    Respondi que a professora descobrira que eu não sabia a tabuada dos números grandes e, por causa disso mandou-me copiar a tabuada dez vezes!

    A minha mãe sorriu e me deu o dinheiro. Depois do almoço saí para comprar ás tais folhas de papel almaço.

    12

    Quando voltei, abri a cartilha. O que eu vi todas as crianças já viram, provavelmente, com terror. E não custa nada recordar.

    TABUADA

    1 2 3 4 5 6 7 8 9

    1x1= 1 2x1= 2 3x1= 3 4x1= 4 5x1= 5 6x1= 6 7x1= 7 8x1= 8 9x1= 9

    1x2= 2 2x2= 4 3x2= 6 4x2= 8 5x2=10 6x2=12 7x2=14 8x2=16 9x2=18

    1x3= 3 2x3= 6 3x3= 9 4x3=12 5x3=15 6x3=18 7x3=21 8x3=24 9x3=27

    1x4= 4 2x4= 8 3x4=12 4x4=16 5x4=20 6x4=24 7x4=28 8x4=32 9x4=36

    1x5= 5 2x5=10 3x5=15 4x5=20 5x5=25 6x5=30 7x5=35 8x5=40 9x5=45

    1x6= 6 2x6=12 3x6=18 4x6=24 5x6=30 6x6=36 7x6=42 8x6=48 9x6=54

    1x7= 7 2x7=14 3x7=21 4x7=28 5x7=35 6x7=42 7x7=49 8x7=56 9x7=63

    1x8= 8 2x8=16 3x8=24 4x8=32 5x8=40 6x8=48 7x8=56 8x8=64 9x8=72

    1x9= 9 2x9=18 3x9=27 4x9=36 5x9=45 6x9=54 7x9=63 8x9=72 9x9=81

    Olhei estarrecido para aquela montanha de números e pensei: Estou perdido. Fazer uma pergunta para a professora é pior do que fazer bagunça. Copiar uma frase pequena qualquer três vezes não era nada comparado com copiar esse monte de números dez vezes.

    A partir daquele momento decidi que nunca mais faria pergunta em sala de aula.

    Eu me lembrava das suas amargas e severas instruções: - Quero dez cópias da tabuada! - Compre três 13

    folhas de papel almaço e copie uma tabuada em cada página. Uma conta embaixo da outra. - Para cada seqüência de contas pule uma linha e tudo certinho. Quero isto amanhã, em cima da minha mesa, assim que você chegar. -

    Você entendeu!

    Ela falou em voz alta, zangada e dando ordens: - que droga!

    Bem, eu tinha que começar e decidi fazer primeiro a coluna do 1, depois a do 2 e, assim por diante até a coluna do 9. Uma conta embaixo da outra. E comecei a fazer a primeira cópia da tabuada. Fiz a coluna do 1 do lado esquerdo do papel, assim:

    1

    1x1=1

    1x2=2

    1x3=3

    1x4=4

    1x5=5

    1x6=6

    1x7=7

    1x8=8

    1x9=9

    Eu sabia as contas da coluna do 1, mas não tinha observado que todo número multiplicado por 1 era igual a ele mesmo. Assim, se multiplicasse 1x43, o resultado seria 43 e, sucessivamente, 1x84=84. Ao copiar a coluna eu compreendi que: - qualquer número multiplicado por 1 é igual a ele mesmo.

    Guardei este conceito em minha mente. Em seguida, ao lado da coluna do 1, fiz a coluna do 2 e, continuei fazendo a tabuada por colunas até completá-la.

    14

    Deveria fazer cada tabuada numa das páginas da folha de papel almaço. Portanto, em cada folha teria quatro cópias da tabuada.

    Como eu não possuía firmeza na mão, apertava muito o lápis entre os dedos, por causa disso, quando acabava de copiar uma tabuada, grande alívio sentia.

    Só parei de copiar quando completei a folha. Levei seis horas para terminá-la. As minhas costas doíam muito.

    Os meus dedos estavam doloridos. O dedo médio ficou vermelho, amassado e esfolado. Esgotado, fiquei parado olhando para folha de papel almaço, aberta na minha frente, observando se os números estavam um embaixo do outro, como a professora exigiu. Depois passei a olhar somente para temível coluna do número 9. O maior dos números, a coluna mais difícil. As colunas dos números: 6, 7 e 8

    também eram difíceis, mas a do 9 era a pior.

    9

    9x1= 9

    9x2=18

    9x3=27

    9x4=36

    9x5=45

    9x6=54

    9x7=63

    9x8=72

    9x9=81

    Observei a primeira conta e notei que 9x1 é igual a

    9. Ora, esse resultado é igual ao resultado de 1x9, pois em ambas as contas o resultado é igual a 9. Isso significava que

    9x1 é igual a 1x9. Notei também, na coluna do 9 que o resultado da segunda conta 9x2=18 é o mesmo resultado da 15

    conta 2x9=18. Então, conclui que 9x2 é igual a 2x9. Percebi que trocando a posição dos números, o resultado da conta não alterava. Voltei a observar a tabuada inteira, para verificar se isto acontecia com as outras contas.

    TABUADA

    1 2 3 4 5 6 7 8 9

    1x1= 1 2x1= 2 3x1= 3 4x1= 4 5x1= 5 6x1= 6 7x1= 7 8x1= 8 9x1= 9

    1x2= 2 2x2= 4 3x2= 6 4x2= 8 5x2=10 6x2=12 7x2=14 8x2=16 9x2=18

    1x3= 3 2x3= 6 3x3= 9 4x3=12 5x3=15 6x3=18 7x3=21 8x3=24 9x3=27

    1x4= 4 2x4= 8 3x4=12 4x4=16 5x4=20 6x4=24 7x4=28 8x4=32 9x4=36

    1x5= 5 2x5=10 3x5=15 4x5=20 5x5=25 6x5=30 7x5=35 8x5=40 9x5=45

    1x6= 6 2x6=12 3x6=18 4x6=24 5x6=30 6x6=36 7x6=42 8x6=48 9x6=54

    1x7= 7 2x7=14 3x7=21 4x7=28 5x7=35 6x7=42 7x7=49 8x7=56 9x7=63

    1x8= 8 2x8=16 3x8=24 4x8=32 5x8=40 6x8=48 7x8=56 8x8=64 9x8=72

    1x9= 9 2x9=18 3x9=27 4x9=36 5x9=45 6x9=54 7x9=63 8x9=72 9x9=81

    16

    E confirmei o que desconfiava, que 4x3 é igual a

    3x4, pois os resultados em ambas as contas é 12; e que 9x5 é igual a 5x9, pois o resultado das contas é 45. Verifiquei que isto acontecia em todas as contas da tabuada. Isto facilitava tudo, pois quando fazia a conta 9x5, eu somava o número 5

    nove vezes. Eu havia aprendido um novo conceito que só seria ensinado algum tempo depois, qual seja: - a ordem dos fatores não altera o produto.

    Acrescentei

    em

    minha

    mente

    mais

    este

    conhecimento. E até o momento, eis o que eu sabia de matemática: escrever os números de 1 até 100, somar e diminuir; qualquer número multiplicado por 1 é igual a ele mesmo e que a ordem dos fatores não altera o produto.

    Anoiteceu e só havia copiado a tabuada quatro vezes.

    Teria que ser mais rápido, mas parei de copiá-la, pois era hora de tomar banho e de jantar.

    Antes de começar a segunda folha, voltei a pensar novamente no castigo. O meu irmão não parava de fazer perguntas aos meus pais e nunca foi castigado por isso.

    Quando chegava uma visita lá em casa, ele fazia perguntas até para elas. - E era elogiado?

    Diziam que ele era muito inteligente. - Será que era por causa das perguntas que fazia? Bem, uma coisa eu sabia, o meu irmão gostava de ser elogiado. Quanto a mim, que mal escrevia e não perguntava nada a ninguém, - por que fui castigado daquela maneira terrível? Eu só fiz uma perguntinha. E a revolta cresceu novamente dentro de mim e voltei a sentir raiva.

    Todavia não adiantava reclamar, eu precisava completar o castigo.

    Dessa vez foi diferente, pois comecei a sentir cãibra nos dedos, as minhas costas continuaram a doer e eu não 17

    conseguia mais me ajeitar direito na cadeira.

    Não foi bom ter parado para jantar e tomar banho.

    No entanto, a minha mãe de qualquer maneira me obrigaria.

    Ela observava tudo – sempre foi assim. No início ela passava por mim sorrindo, agora, o seu rosto expressava preocupação. Mas não falou nada.

    Como os números não poderiam ficar tortos, eu tinha que me concentrar para escrever as contas, uma embaixo da outra. De vez em quando, eu parava para descansar um pouco e balançar as mãos no ar. Nesse momento, mentalmente, voltava a lamentar o castigo.

    Foi resmungando e suportando dores, que terminei de copiar as outras seis tabuadas. Os meus dedos antes esfolados, agora rasgados – doíam e sangravam.

    Não me importava e nem ligava muito para os machucados. Vivia caindo no chão, ralando o joelho e cortando o pé. O que me magoava realmente, era o castigo que não merecia. E o pior de tudo, apesar de copiar a tabuada inteira dez vezes, eu não sabia ainda o que era decorar.

    Coloquei as folhas de papel almaço dentro da mala, guardei todo material e fui dormir.

    A minha mente acelerada, estava cheia de números, contas e pensamentos de revolta, por isso não conseguia dormir. Apesar de ter feito as cópias e saber tudo. Mesmo assim, não parava de pensar. E se ela perguntasse a coluna do 10, imaginei.

    - Hum, na tabuada não tem. Decidi que não seria mais castigado. Levantei e voltei para sala.

    Ignorando as dores, peguei uma folha de papel, um lápis e recomecei.

    A primeira conta, a do 10x1 eu sabia, pois era a mesma coisa que 1x10, pois a ordem dos números (fatores) 18

    não alterava a conta (produto). Coloquei o resultado 10 na coluna do 10. Depois, fiz a conta 10x2, que é a mesma coisa que 2x10.

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