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Estudos De Educação Escolar
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E-book1.584 páginas2 horas

Estudos De Educação Escolar

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Sobre este e-book

O texto trata da Educação Escolar que acontece no Ensino Básico e no Superior. Os artigos que compõem a obra foram produzidos ao longo de 50 anos relacionados ao trabalho docente no antigo Ensino Primário, Ginasial e Superior (Graduação e Pós-graduação).
IdiomaPortuguês
Data de lançamento20 de nov. de 2018
Estudos De Educação Escolar

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    Estudos De Educação Escolar - José Misael Ferreira Do Vale

    JOSÉ MISAEL FERREIRA DO VALE 

    ESTUDOS DE EDUCAÇÃO ESCOLAR 

    (ELABORADOS NO CONTEXTO DA PEDAGOGIA HISTÓRICO-CRÍTICA

    Bauru/SP 

    2018 

    Prefácio 

    Nascido e criado na região então chamada de Média Sorocabana, às margens dos rios que a

    compõem e da própria ferrovia, o menino Misael logo aprendeu a identificar os sinais da natureza e

    da cultura e aprendeu também a estabelecer relações entre eles. Para quem já o conheceu adulto e

    profissional fica difícil imaginá-lo dispersivo e desatento como ele próprio se descreve nessa sua fase

    inicial de vida. Mas quem como eu já pode tê-lo desde o primeiro encontro como um companheiro

    de  trabalho  –  e  companheiro  de  trabalho  é  muito  mais  que  um  simples  colega  de  profissão  –  a

    explicação  não  é  difícil:  o  menino  Misael  elaborava  as  marcas  de  sua  identidade  pessoal  e

    profissional.  Poderia  até  parecer  desinteressado  do  que  lhe  era  sugerido  ou  determinado,  mas  já

    estava  encantado  com  aquilo  que  sua  sensibilidade  lhe  permitia  entrever  e  com  aquilo  que  sua

    intelectualidade lhe possibilitaria fazer. 

    O  som  do  apito  da  locomotiva  a  vapor  pode  ter  sido  o  primeiro  estímulo  para  a  reflexão

    sobre  os  desvarios  do  capitalismo  industrial  e  financeiro  e  o  desenho  resultante  do  encontro  da

    fumaça produzida pela caldeira com o ar que a circundava pode ter sido o ponto de partida para a

    adoção  do  desenho  pedagógico  como  valioso  recurso  de  ensino  em  uma  escola  pública  ainda

    totalmente carente de suportes tecnológicos para seu trabalho. 

    O  futuro  professor  José  Misael  Ferreira  do  Vale  já  se  desenhava  no  menino  da  escola

    primária  da  cidadezinha  sem  ginásio  e  já  se  desenvolvia  no  adolescente  do  ginásio/internato  da

    cidade um pouco maior para onde teve que se dirigir. O professor primário que viria a seguir já seria

    o arcabouço do diretor de escola que culminaria sua trajetória na educação básica trabalhando como 

    dirigente  na  Equipe  de  Estudos  do  Rendimento  Escolar  da  Secretaria  Estadual de  Educação  de  São

    Paulo. Pelos resultados e pela repercussão de seu trabalho prático com professor e diretor de escola,

    José  Misael  fora  incumbido  de,  à  frente  de  uma  equipe  especializada,  desenvolver  e  implantar

    instrumentos e  procedimentos que  estendessem aos alunos de  toda a rede de  escolas estaduais a

    perspectiva  da  materialização  no  maior  grau  possível  de  seu  direito  à  educação  de  qualidade.  A

    lógica  do  mercado  educacional,  hoje  hegemônica  nas  mentalidades  de  muitas  autoridades

    governamentais, não prevaleceria àquela época. Misael e seus companheiros de trabalho buscavam

    a materialização do princípio que Dermeval Saviani formularia anos depois: a igualdade tem que ser

    construída no ponto de chegada, já que a desigualdade não pode deixar de ser reconhecida no ponto

    de partida. 

    Escrevendo  hoje  sobre  seus  primeiros  tempos  de  vida  e  sobre  o  início  de  sua  trajetória

    profissional,  José  Misael  Ferreira  do  Vale  assinala alguns  aspectos  que  não  poderiam  ser  avaliados

    pelo menino e outros que não poderiam ser evitados pelo professor em início de carreira. Entre estes 

    estão  as  condições  de  acomodação  e  residência,  permeadas  por  ventos,  chuvas,  ratos  e  insetos.

    Entre aqueles, a ausência de conteúdos básicos no currículo escolar, como, por exemplo, a geografia

    econômica  e  as  questões  ambientais,  e  ainda  os  rumores  da  guerra  que,  apesar  de  longínqua,

    produzia  repercussões  na  vida  do  menino  e  dos  habitantes  de  sua  pequena  cidade.  Os  carros

    movidos a gasogênio, para quem como eu, os viu trafegar, constituem a lembrança mais grotesca da

    irracionalidade  das  guerras  que  continuam  a  afrontar  a  dignidade  humana  mundo  afora.  Os

    momentos finais da segunda guerra mundial da qual o menino Misael iria se recordar descartaram a

    racionalidade  e  produziram  a  barbárie  com  as  bombas  atômicas  sobre  Hiroshima  e  Nagasaki.  A

    barbárie  dos  vitoriosos  se  igualava  à  barbárie  dos  derrotados,  com  as  marcas  de  seus  campos  de

    concentração e de extermínio. 

    A vitória da civilidade e da dignidade humana só acontecerá, como todos sabem, quando o

    primado  da  educação  libertadora  e  não  mercadorizada  se  converter  em  vontade  coletiva.  O

    trabalho de professores como José Misael Ferreira do Vale é um grande exemplo dessa necessidade

    e  dessa  possibilidade.  Permito-me  ressaltar  aqui  algo  que  Misael  apenas  tangencia  em  seu  relato

    sobre seus anos iniciais de trabalho. Quando concluiu o Curso Normal Misael teve reconhecido seu

    direito à Cadeira-Prêmio, algo que se  perdeu ao longo dos anos e do processo de degradação  a  que 

    o  magistério  paulista  foi  submetido.  Estudioso  e  aplicado  como  o  conhecemos,  Misael  concluiu  o

    Curso Normal com a mais alta média de sua turma. Por isso, fez jus ao prêmio, altamente valorizado

    na época no plano simbólico e também no plano material. Pela legislação vigente, o primeiro aluno

    da turma em uma Escola Normal Oficial (pública) podia escolher uma  cadeira (um posto de trabalho 

    efetivo e  permanente) como professor do magistério público do Estado de  São Paulo. O relevo do

    prêmio estava associado à valorização social do trabalho do professor primário e  à importância do

    trabalho  como  funcionário  público.  Gerações  mais  recentes  de  professores  e  de  pesquisadores  do

    campo  educacional  frequentemente  desconhecem  a  existência  histórica  do  prêmio  e  de  seu

    significado,  fato  esse  lamentável,  mas  até  explicável  à  luz  dos  fenômenos  opostos  que  hoje  se

    manifestam. Para os mais jovens é difícil admitir, às vezes, que houve um tempo em São Paulo em

    que  pessoas  eram  socialmente  valorizadas  pelo  fato  de  serem  professoras  e  que  nesse  tempo

    homens  e  mulheres  eram  considerados  pessoas  respeitáveis  e  bem  sucedidas  por  trabalharem  no

    setor público. No entanto, historiadores e pessoas de bom senso em geral devem saber que não se

    pode avaliar fatos do passado à luz de critérios e de procedimentos do tempo presente. Assim como

    não podemos cobrar que algumas coisas não tenham sido feitas sem levar em conta a inexistência de 

    condições materiais para sua realização, também não podemos deixar de perguntar por que algumas

    coisas feitas em condições muito mais precárias que as hoje disponíveis deixaram de ser feitas sem

    que ninguém se preocupasse com a preservação de seus méritos e de seus efeitos. 

    Exemplo do que se fazia, do que o professor José Misael fez e do que deveria continuar a ser

    feito, é  o  trabalho  pedagógico  do  diretor  na  condição  de  principal  professor  da  escola,  Escrevi,  há

    muito tempo, já na condição de companheiro de estudos e de trabalho de Misael, que as escolas não

    existem para serem administradas ou supervisionadas; elas existem para que os alunos aprendam. E

    Misael  continua  sendo  até  hoje  o  melhor  exemplo  a  ser  oferecido  da  raríssima  espécie diretor 

    pedagogo, ou seja, do diretor de escola que orienta seu trabalho e o trabalho em geral da instituição

    que dirige para o alcance efetivo de sua real finalidade: a educação de qualidade para seus alunos,

    estejam eles em início do processo de alfabetização, ou estejam eles em processo de conclusão de

    suas teses de doutorado. Pequenas, isoladas e genéricas como as antigas escolas primárias rurais ou

    grandes, internacionalizadas e superespecializadas, como as modernas universidades atuais, escolas

    são  sempre  instituições  de  ensino  que  se  legitimam  por  sua  contribuição  ao  desenvolvimento

    humano, ou seja, ao processo educacional. Da educação básica à educação acadêmico-científica, a

    administração escolar sempre será – se o ideal educacional continuar a ser o seu norte – uma função 

    de serviço  e  não   uma função de mando,   como Anísio Teixeira proclamou e José  Misael Ferreira do 

    Vale sempre reiterou. 

    Praticante,  teórico  e  crítico  da  administração  escolar,  nosso  autor  rememora  nesta  sua

    narrativa  histórico-social  episódios  significativos  de  sua  vida  profissional  ligados  tanto  à  dimensão

    teórico-conceitual desse campo de conhecimento como à dimensão prático-institucional em que ele

    se manifesta. Valoriza a importância do trabalho de um autor como Daniel E. Grifiths, por exemplo,

    para  ressaltar  a  necessidade  da  sustentação  teórica  de  um  empreendimento  educacional,  assim

    como  lembra  também  a  necessidade  da  crítica  relativa  à  funcionalidade  e  à  intencionalidade  das

    próprias  teorias.  No  caso  da  educação  brasileira  atual,  a  situação  é  ainda  mais  grave  do  que  a  do

    momento  em  que  Misael  e  eu  iniciávamos  formalmente  nossa  preparação  para  o  trabalho  na

    educação superior. Estávamos na primeira metade dos anos 70 do século XX na condição de alunos

    do  Mestrado  da  Faculdade  de  Educação  da  Universidade  de  São  Paulo  e  ensaiávamos  nossas

    primeiras manifestações orais e escritas sobre a necessidade da elaboração de teorias autônomas de

    administração escolar, ou seja, sobre a necessidade da ruptura com a tendência apenas hegemônica

    à época e claramente dominante hoje segundo a qual a administração escolar deveria se constituir

    como  mais  um  caso  derivado  das  teorias  gerais  de  administração  genérico-empresariais,  em  cujos

    valores  deveria  estar  alicerçada  e  de  cujos  mecanismos  e  procedimentos  se  abasteceria  para

    construir sua legitimidade. 

    Estávamos  no  auge  do  período  repressivo  produzido,  a  partir  de  1968,  pela  ditadura

    implantada em 1964. Mesmo assim, com os riscos assumidos do pensamento e da ação divergentes,

    poucos  poderiam  imaginar  que  no  século  XXI  no  Brasil  a  Bolsa  de  Valores  de  São  Paulo  e  não  o

    Conselho  Nacional  de  Educação  constituiria  o  centro  dominante  do  controle  dos negócios  da 

    educação  no país. 

    Ancorado em sua experiência,  como professor da educação básica, como diretor de  Grupo

    Escolar Típico Rural e como Diretor de Grupo Escolar na zona urbana, Misael fez, de seu trabalho na

    ETERE,  da  Secretaria  Estadual  de  Educação  de  São  Paulo,  o  objeto  de  estudo  de  seu  trabalho  de

    mestrado, defendido em 1976. Fez, assim, o que eu acreditava e continuo a acreditar, devesse ser a

    preocupação,  se  não  da  totalidade,  da  maioria  dos  candidatos  ao  trabalho  como  pesquisador  da

    própria área de educação na educação superior: a análise das causas e do significado dos problemas

    da educação básica e das possibilidades de intervenção para sua superação. 

    Por conta de sua natural propensão para a análise comparativa e para a intervenção pessoal

    no campo do ensino o professor primário José Misael (nomenclatura da época) já se dispusera a um

    trabalho  relevante  no  campo  da  alfabetização,  que  talvez  se  constitua  até  hoje  em  seu  objeto  de

    estudo preferencial. Comparara o processo de alfabetização a que havia sido submetido como aluno

    da  escola  primária  à  orientação  de  trabalho  que  havia  recebido  no  Curso  Normal  para  realizar  a

    alfabetização  de  seus  futuros  alunos.  E  já  se  decidira  pela  criação  de  um  método  próprio.  Na

    narrativa que agora escreveu descreve com detalhes técnicos os procedimentos pelos quais passou

    em  seu  tempo  de  aluno,  registrando  seu  quase  inevitável  direcionamento,  nos  termos  da  época,

    muito  mais  para  a  mecanização  das  atividades  do  que  para  a  atribuição  de  sentido  a  elas.  Mas

    registra também, com seu rigoroso senso ético, que aquilo era o melhor que sua professora poderia

    fazer  à  vista  das  condições  de  trabalho  existentes  na  época  e  à  vista  também  dos  limites  do

    conhecimento  disponível  sobre  alfabetização  naqueles  tempos.  Como  a  maioria  absoluta  dos

    professores até os dias atuais, a professora fazia o que podia. 

    Como professor que chegou até os dias atuais percorrendo, a rigor, com seu trabalho todas

    as instâncias sequenciais do processo de escolarização no Brasil, desde o processo de alfabetização

    na  educação  básica  até  a  orientação  de  teses  de  doutorado  na  educação  superior,  José  Misael

    Ferreira do Vale se tornou um raríssimo exemplar de intelectual destacado pela amplitude de seus

    campos de trabalho e pela intensidade do trabalho desenvolvido em cada um dos campos a que se

    dedicou.  Não  se  limitou  ao  que  podia,  mas  criou  o  que  entendeu  que  devia  e,  provavelmente,

    construiu até mais do que imaginou. 

    Sua  atuação  como  diretor  da  Faculdade  de  Ciências  da  Unesp  no  campus  de  Bauru

    exemplifica  minha  afirmação.  Como  dirigente,  movimentou-se  incansavelmente  para  que  as

    carências  iniciais  da  unidade  acadêmica  e  do  próprio  campus  se  transformassem  em  áreas  de

    trabalho  consolidadas,  desenvolvidas  com  o  suporte  de  equipamentos  funcionais  em  edifícios

    planejados e construídos de acordo com suas especificidades. Novos cursos, como o de Pedagogia e

    Química, por exemplo, e novos projetos, como o Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências,

    puderam ser implantados. As atividades de extensão universitária receberam o estímulo e o apoio de 

    que necessitam tanto quanto as atividades de ensino e de pesquisa. 

    É  importante  ressaltar  que  o  apoio  de  José  Misael  às  atividades  de  ensino,  pesquisa  e

    extensão,  durante  sua  passagem  pela  Direção  da  Faculdade  de  Ciências,  não  foi  substancialmente

    diferente de sua ação direta em relação a elas antes e depois de sua experiência administrativa. Em

    seu  tempo  de  diretor  Misael  continuou  professor,  ou  seja,  continuou  pesquisando,  ensinando  e

    compartilhando  com  a  comunidade  os  frutos  de  seu  trabalho.  Por  isso  é  tão  grande  e  tão

    diversificada a descrição de sua produção acadêmica. 

    A  versatilidade  acadêmica do  professor  José  Misael  já  havia  sido  testada e  confirmada  nos

    campus da Unesp de São José do Rio Preto e de Marília, onde trabalhara anteriormente.  Neste, sua

    participação  no  grupo  de  trabalho  encarregado  da  elaboração  do  projeto  do  Programa  de  Pós-

    Graduação em  Educação  da  Unesp,  pioneiro  na  área,  foi  fundamental  para o  sucesso  da  iniciativa,

    considerada por muitos como quase inviável, à vista das condições da política interna da instituição

    e, mesmo, das próprias condições da política oficial de pós-graduação no Brasil à época. Exercitando

    sua veia política e sua paciência filosófica, Misael conseguiu vencer a resistência de um poderoso e

    influente  professor  do  campus  de  Araraquara,  até  então  considerado  como  o  local  natural  e

    desejável para sediar um empreendimento daquela complexidade. 

    No  desenvolvimento  do  projeto  e  nos  primeiros  tempos  de  implantação  do  Programa,  

    Misael  surpreenderia  mais  uma  vez  a  quem  ainda  não  o  conhecesse.  Professor  da  disciplina

    Princípios  e  Métodos  de  Administração  Escolar  no  curso  de  graduação  em  Pedagogia,  era  de  se

    esperar que seu campo de trabalho na nova área de atuação estivesse vinculado às questões teóricas 

    e  práticas  já  abordadas  em  seu  compromisso  institucional.  Sem  deixar  de  lado  o  trabalho  em

    desenvolvimento,  Misael  destinou  para  si  mesmo  uma  nova  responsabilidade:  conhecedor  e

    admirador  profundo  da  obra  de  Paulo  Freire,  elegeu  a  Educação  Popular  como  o  núcleo  de  seu

    trabalho de ensino e pesquisa na pós-graduação. Dessa decisão decorrem as muitas dissertações e

    teses para as quais contribuiu como orientador em Marília e em Bauru. 

    Alfabetizando  ou  ajudando  a  produzir  teses  doutorais,  o  professor  José  Misael  Ferreira  do

    Vale  demonstra  a  importância  e  o  poder  do  conhecimento  na  vida  das  pessoas.  Sua  formação  em

    Filosofia e seu domínio do campo da Epistemologia lhe permitiram a crítica dos saberes acadêmicos e 

    o reconhecimento dos saberes da experiência no plano mais restrito das atividades profissionais e no 

    plano  mais  amplo  da  própria  cultura  humana.  Desmistificar  a  administração  capitalista  e  elaborar

    bases teóricas para a construção de uma administração escolar autônoma foi e continua sendo uma

    de  suas  principais  contribuições  para  o  desenvolvimento  da  educação  brasileira.  Na  origem  do

    Programa  de  Pós-Graduação  em  Educação  da  Unesp  estavam  presentes  duas  ideias  básicas  que

    norteariam as atividades de suas primeiras áreas de concentração: o Ensino na Educação Brasileira e

    a Administração da Educação Brasileira. Pretendíamos demonstrar que deve haver uma articulação

    necessária  entre  elas:  a  administração  (meio)  se  legitima  pelo  suporte  que  consiga  oferecer  ao

    ensino  (fim)  que  se  realiza  no  interior  da  instituição  escolar.  Essa  afirmação  tão  singela  quanto

    verdadeira necessita, no entanto, de intelectuais com uma grande disposição para a luta simbólica e

    institucional  para  que  possa  vir  a  se  materializar.  José  Misael  Ferreira  do  Vale  é,  sem  dúvida,  um

    desses  intelectuais.  Leitor  sistemático  e  divulgador  da  obra  de  Gramsci,  Misael  se  constitui,  ele

    mesmo, no exemplo do intelectual orgânico e organizador que o grande teórico e militante italiano

    apontava  como  indispensável  à  conquista  dos  objetivos  e  ao  atendimento  das  necessidades  das

    classes trabalhadoras. 

    Misael  descreve  como,  ao  ler  Gramsci,  chegou  ao  conceito  de  Estado  como  síntese  de

    Sociedade Política e Sociedade Civil. Descreve ainda como, a partir daí, compreendeu também "que o 

    conceito  básico  para  entender  a  sociedade  contemporânea  era  o  conceito  de  modo  de  produção

    como  ensinara  o  velho  Marx.    O  fetiche  da  mercadoria",  renovado  e  sofisticado,  ainda  hoje  é  o

    motor  principal  da  vida  sob  o  capitalismo.  Daí  a  dificuldade  na  materialização  do  princípio  da

    democracia  como valor universal. Ser  democrático implica ser solidário, mas é a competitividade e

    não a solidariedade o princípio de vida mais incentivado sob o capitalismo. A solidariedade é também 

    o princípio educativo por excelência. O professor será necessariamente solidário com seus alunos e

    com  os  demais  professores,  seus  companheiros  de  trabalho.  Do  mesmo  modo  os  alunos  serão

    solidários com seus professores e entre si. Mas como esperar e promover solidariedade num mundo

    em que a competitividade já foi promovida a valor principal? Fins e valores, Misael sempre reitera,

    são as referências primordiais do processo educacional. Há que se lutar pela prevalência da lógica do

    direito  à educação  sobre  a  lógica  do mercado educacional.  Não  há  conciliação  possível  no  conflito

    entre  as  duas  lógicas.  É  certamente  mais  fácil  promover  a  venda  de  uma  mercadoria  do  que

    assegurar  a  realização  de  um  direito,  mas  nenhum  educador  politicamente  responsável  pode  se

    desobrigar de seu dever. A dignidade da pessoa humana está inscrita no campo do direito e é para

    sua construção que o trabalho pedagógico deverá estar necessariamente voltado. 

    A  reflexão  sobre  fins  e  valores  sempre  ocupou  o  lugar  central  no  pensamento  do  filósofo,

    professor, administrador, orientador e poeta José Misael Ferreira do Vale. Ela está presente em sua

    Tese de Doutorado Valor e Educação, defendida em 1983, e está presente também em sua Teoria

    da Educação Escolar. Nesta, os fins e os valores norteiam as decisões a serem tomadas nos campos

    dos  conteúdos  e  das  metodologias.  Conteúdos  válidos  serão  aqueles  produtos  sistematizados  da

    cultura  humana capazes  de  contribuir  para o  alcance  dos  fins  desejáveis. Metodologias  adequadas

    serão  aquelas  capazes  de  viabilizar  o  domínio  dos  conteúdos  selecionados.  O  fim  maior  a  ser

    alcançado  é  a  formação  multilateral  do  aluno  e  o  valor  maior,  a  luta  pela  igualdade  de  todos  os

    alunos. 

    Em  sua  Tese,  Misael  discutiu  o  valor  como  realidade  sócio-histórica.  Em  sua  análise  da

    dialética  da  qualidade  e  da  quantidade,  demonstrou  como  "a  quantidade  era  a  manifestação  da

    realidade  natural  e  a  qualidade  um  valor  especificamente  humano  presente,  especialmente,  nos

    produtos do trabalho humano". Em seus trabalhos Misael indica seu peculiar interesse pelo estudo

    dos  pares  dialéticos.  Cita  muitos  deles:  essência-aparência;  valor  de  uso-valor  de  troca;  sujeito-

    objeto;  realidade-historicidade;  continuidade-ruptura;  trabalho-produto;  produção  material-

    produção  não  material;  objetivo-subjetivo;  razão-emoção;  conteúdo-forma,  etc.  O  princípio  da

    unidade  e  luta  dos  contrários  constitui,  quase  que  certamente,  a  chave  de  sua  interpretação  da

    realidade. 

    Dois  pares  dialéticos  acima  citados  podem  constituir  a  base  (não  necessariamente

    consciente) de sua aproximação com a poesia, tentada e abandonada na juventude e retomada na

    maturidade:  os  pares  razão-emoção  e  conteúdo-forma.  Minha  hipótese  é  meramente  intuitiva,  já

    que  só  descobri  agora  mais  essa  dimensão  do  talento  do  nosso  autor.  Pode  não  ser  correta,  mas

    talvez ele venha a concordar em que ela não é totalmente descabida. Como ele próprio escreveu, os

    dois  elementos  de  um  par  dialético,  a  rigor,  não  se  separam.  A  res  cogitans  (coisa  pensada)  é 

    indissociável res extensa (coisa extensa). 

    Como ele também escreveu, seus poemas não são frutos da pura imaginação. São frutos não

    materiais,  mas  concretos,  de  seu  trabalho  filosófico  e  político.  AFilosofia  histórico-crítica  da 

    educação, à qual se vincula, toma a prática social como ponto de  partida  de  sua reflexão. Por isso

    seus  poemas  recebem  o  nome  de  Poemas  do  contexto,  ou  seja,  refletem  os  fatos  da  realidade 

    histórico-social vivida e analisada. Mas, como poemas que são, obrigam-se ao experimentalismo da

    linguagem. Os poetas, dizem os estudiosos da literatura, praticam o ofício de experimentadores de

    formas.  O  fazer  poético,  dizem  eles  também,  realiza-se  na  tensão  entre  a  contemporaneidade  e  a

    tradição. A arte não seria necessária se se dispusesse apenas a reiterar o que já está configurado. A

    linguagem poética cumpre também a função política de reordenar o mundo. 

    O experimentalismo do texto poético conjuga-se na produção teórica de José Misael ao rigor, 

    à  clareza  e  à  precisão  de  sua  escrita  nos  campos  da  Filosofia,  da  Pedagogia,  da  Metodologia,  da

    Didática, da Ciência Política e de outras áreas de conhecimento às quais se dedicou em sua profícua

    vida profissional. Trouxe da Filosofia "a lição de que a análise de texto dos filósofos era essencial para 

    desvendar  a  estrutura  do  pensamento  de  qualquer  autor  em  pauta".  Tornou-se,  ele  próprio,  um

    autor em pauta, desenvolvendo seu trabalho com os cuidados e os recursos de quem realmente quer 

    se fazer entender porque sabe a importância do que tem a dizer.  

    Uma  célebre  passagem  de  Marx,  um  de  seus  grandes  autores  de  referência,  merece  ser

    lembrada aqui mais uma vez. Dizia Marx, comentando o trabalho de Feuerbach, que os filósofos têm

    se  dedicado  a  interpretar o  mundo,  mas é  necessário  transformá-lo.  Misael  há  muito  sabe  disso e

    trabalha  para  que  o  preceito  se  materialize.  É  preciso  entender  o  mundo  para  que  ele  possa  ser

    transformado. E para entendê-lo é preciso compreendê-lo e explicá-lo da melhor maneira possível.

    Seus textos acadêmicos refletem esse critério e esse compromisso. 

    Três  significativos  exemplos  recentes  encerram  sua  narrativa  histórico-social.  O  texto  "O

    ensino e a aprendizagem da língua materna pelas crianças, jovens e  adultos" (de  2015) demonstra

    sua visão da questão pedagógica fundamental, a passagem do mundo iletrado para o mundo letrado; 

    o texto Teoria da Educação e Currículo Escolar (de 2013) aborda historicamente o núcleo básico do

    trabalho pedagógico, a seleção de conteúdos para a instituição escolar; o texto "O golpe de 2016 e o

    futuro da nação" (de 2017), de contundente precisão analítica, assinala a dolorosa continuidade para

    a  sociedade  brasileira  da  política  da  Conciliação  pelo  Alto  analisada  em  livro  por  Michel  Debrun

    ainda nos anos 80 do século XX. 

    A  construção  de  "uma  nação  socialmente  justa"  é  o  horizonte  do  trabalho  do  cidadão 

    brasileiro  José  Misael Ferreira do Vale. A qualidade  e  a objetividade  de  seu trabalho pessoal estão

    evidenciadas na quantidade e na significação dos referenciais que sua subjetividade privilegiada lhe

    permitiu  recrutar,  sistematizar  e  disseminar.  Como  Freinet  e  Paulo  Freire,  vê  o  trabalho  como

    essência do ser humano . E vê a educação como "a formação do ser humano pelo ser humano em 

    função da apropriação significativa da cultura humana na sua integridade"

    Cultura,  educação,  trabalho  e  responsabilidade  social.  É  de  justiça  que  eu  estenda  a  Misael  o

    qualificativo que um dia atribuí a Gramsci: trata-se de um provocador de esperanças. 

    Celestino Alves da Silva Junior 

    10 

    APRESENTAÇÃO DO LIVRO 

    "Estudos de Educação Escolar" (à vista da  Pedagogia histórico-crítica) é coletânea de textos 

    do  Educador  José  Misael  Ferreira  do  Vale  produzida  pelo  pesquisador  ao  longo  do  período

    compreendido entre os anos de 1970 a 2016. Dois Educadores importantes têm lugar nos Estudos de 

    Educação Escolar. Um falecido e outro em plena produção intelectual. Ambos são objetos de análise

    crítico-reflexiva da respectiva produção intelectual. A coletânea inclui textos resultantes de estudos,

    investigações e práticas sobre a educação escolar no âmbito da escola pública estadual e municipal 

    do  Estado  de  São  Paulo.  Os  assuntos  abordados  são  variados.  Há  textos  sobreDidática  da 

    Matemática,  do  Ensino  de  Ciências,  Alfabetização  de  Crianças,  Jovens  e  Adultos,  Filosofia  da 

    Educação,  Teoria  da  Educação  e  outros.  Muitos  escritos  referem-se  ao  tema  da  Educação  Escolar,

    visão particular de educação, em contraponto à Educação Geral que acontece fora da escola regular,

    no  âmbito  da  prática  social  geral  da  Sociedade.  Há  artigos  polêmicos  sobre  vários  assuntos

    educacionais. Refletem diretamente o pensamento do Autor do livro ligado à visão histórico-crítica

    de educação. 

    O Autor tem visão específica de Educação Escolar articulada à dimensão histórico-critica de

    educação  popular,  que  privilegia  a  cultura  humana  naquilo  que  ela  tem  de  conteúdo  científico

    historicamente  acumulado  pela  Humanidade  ao  longo  dos  séculos  e  que  constitui,  sem  dúvida,  o

    patrimônio  que  deverá  ser  do  conhecimento  de  todos  no  espaço  escolar.  É  difícil  avançar  no

    conhecimento,  nos  tempos  atuais,  sem  que  se  tenha  consciência,  assimilação  e  conhecimento  da

    produção intelectual anterior, revista e reelaborada, como base, para avanços futuros. Não se trata

    de  repetir  o  passado,  mas  verificar  como  os  humanos  em  determinadas  épocas  tentaram  resolver

    problemas  reais  utilizando  as  melhores  ferramentas  intelectuais  disponíveis  e,  ao  mesmo  tempo,

    chegaram a indicar caminhos no sentido de avançar na compreensão racional do mundo. 

    A  importância  que  se  confere  ao  conteúdo  do  conhecimento,  não  significa  pensar  o 

    conteúdo pelo conteúdo, e muito menos tomar os conteúdos científicos e culturais fora do contexto

    histórico. Sem conteúdo não há ensino e todo método, por mais sofisticado que possa ser, nada seria 

    sem uma referência ao como ensinar determinado conteúdo científico relevante. 

    O  Autor  da  coletânea  chega  a  propor,  num  dos  textos  do  livro,  umaTeoria  da  Educação 

    Escolar.  Nela, o estudioso da Educação, articula dialeticamente quatros aspectos, a saber:conteúdos 

    (porque sem eles não se pode falar, rigorosamente, em  ensino de...   alguma coisa), métodos (forma 

    ou  modo  de  conduzir  o   ensino  de  conteúdo  de...  alguma   coisa),  contexto  (espaço  material,  social, 

    cultural  e  histórico  onde  acontece   a  prática   educativa  de...  alguma  coisa)  e  os  fins  e  valores  (que 

    orientam  a prática educativa de...   alguma coisa, em determinado contexto, entendido como espaço

    sócio- histórico). Seria possível incluir muitos outros aspectos, mas em termos de economia teórica,

    o suficiente será indicar os elementos fundamentais, essenciais, em suas relações básicas, que jamais 

    poderão ser elididos no trato da Educação Escolar.  

    A  análise  da  sugestão  da  Teoria  da  Educação  Escolar  exposta  evidencia  que  no  processo 

    educativo não se poderá negar a articulação entre conteúdométodocontexto e fins e valores. Os 

    11 

    três primeiros elementos devem ser tratados pelas   ciências da  educação. São elementos objetivos, 

    que  diferentes  ciências  poderão esclarecê-los.  Cabe  aqui,  às  Ciências  da  Educação como Psicologia

    Educacional,  Biologia  Educacional,  Literatura  Infantil,  Estatística  aplicada  à  Educação,  História  da

    Educação no Brasil, Geografia do Brasil, Botânica e  Zoologia para a Escola Fundamental, Química e

    Física para iniciantes, Didática e outras referências (e, são muitas) de acordo com o Projeto Político-

    Pedagógico do Curso. 

    Fins  e  valores  serão  objetos,  principalmente,  de  Filosofia  da  Educação  e  Sociologia  da

    Educação. Tratam de elementos subjetivos e objetivos, vivenciados sobre a realidade social, política e 

    cultural  da  nação.  Os  conteúdos  serão  objeto  de  diferentes  disciplinas  de  formação  intelectual  e 

    científica.  Caberá  a  cada  conteúdo  curricular  indicar  claramente  quais  os  assuntos  ou  pontos  que

    merecem ser abordados pelos professores e apreendidos pelos alunos durante a vida escolar. Com

    os conteúdos definidos, a Pedagogia e a Psicologia deverão indicar o método adequado para que os

    alunos  captem  de  modo significativo e  vivo  os  conteúdos  selecionados  pela escola.  A  Sociologia,  a

    História, a Geografia, a Antropologia e outras ciências serão encarregadas deanálise do contexto ao 

    ressaltarem aspectos importantes da vida social coletiva e que a escola e a comunidade desejam ver

    concretizados  para  seus  filhos.  Em  relação  à  questão  dos  fins,  a  direção  das  escolas,  professores, 

    funcionários e a estrutura de poder que mantém a instituição escolar sabem quea tarefao objetivo 

    maior  da  educação  escolar  é  a  formação  intelectual,  social,  cultural  e  moral  do  aluno  sob  sua

    responsabilidade. Nessa formação, valores serão acionados para dar organicidade à ação escolar. 

    Assim, educar será educar para o conhecimento ou saber científico, para a tecnologia, educar para

    enfrentar  os  problemas  humanos  e  sociais,  educar para  a  sociabilidade,  educar  para  a  democracia

    ampla, educar para a decência, para a urbanidade, para o respeito a todo cidadão, para o trabalho,

    para a solidariedade, para os valores comunitários, para o desenvolvimento social e político do país,

    educar para a liberdade e justiça social e demais valores aceitos pela consciência social e moral das

    pessoas e da nação. 

    Temos a certeza de que ao se ler Estudos de Educação Escolar  o leitor terá, à sua frente, 

    gama variada de questões que envolvem a ação educativa no tempo e no espaço da sociedade em

    desenvolvimento.  Nesta  oportunidade  quero  agradecer  a  colaboração  da  aluna  do  curso  de

    Pedagogia da UNESP, Campus de Bauru, Rayssa Avila do terceiro ano. Agradeço, ademais, o trabalho

    técnico importante do Professor Doutor Lourenço Magnoni Júnior na preparação final do livro. Cabe

    dizer, finalmente, que o livro cita autores com os quais o estudioso comunga a visão de mundo em

    que  o  individual  não  derroga  o  social  e  o  social  não  abafa  o  individual.  Numavisão  dialética  de 

    mundo não há por que separar o singular do social e vice-versa.  Boa leitura e cumprimentos a todos.  

    Desejos do Educador e Professor Doutor, 

    José Misael FERREIRA do VALE – Bauru 2016 

    12 

    ESTUDOS DE EDUCAÇÃO ESCOLAR 

    (Elaborados no contexto da Pedagogia histórico-crítica) 

    CONTEÚDOS 

    1. DA NECESSIDADE DE CONTAR COM UMA TEORIA DA EDUCAÇÃO ESCOLAR 

    1.1 – BREVES NOTAS SOBRE A PEDAGOGIA HISTÓRICO-CRÍTICA  

    15 

    1.2 – FUNDAMENTOS FILOSÓFICOS DO PENSAMENTO DE DERMEVAL SAVIANI   

    21 

    1.3 – ASPECTOS IMPORTANTES DA VISÃO HISTÓRICO-CRÍTICA DE EDUCAÇÃO   

    26 

    1.4 – COMENTÁRIOS SOBRE A NATUREZA E ESPECIIFICIDADE DA EDUCAÇÃO 

    28 

    1.5 – A ESCOLA PÚBLICA COMO ESPAÇO DE CONHECIMENTO, REFLEXÃO E COMPROMISSO 

    37 

    1.6 – MOMENTOS DO MÉTODO HISTÓRICO-CRÍTICO 

    43 

    1.7 – O ESPAÇO DA EDUCAÇÃO ESCOLAR 

    44 

    1.8 – A EDUCAÇÃO CONTEMPORÂNEA: ESBOÇO DE INTERPRETAÇÃO   

    52 

    1.9 – EDUCAÇÃO E ÉTICA: A EXPERIÊNCIA MORAL 

    91 

    1.10 – TEORIA DA EDUCAÇÃO E CURRÍCULO ESCOLAR   

    96 

    1.11 – HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO, LITERATURA E AUDIOVISUAL   

    126 

    2.  DA  NECESSIDADE  DE  CONTEÚDOS  CIENTÍFICOS  E  CULTURAIS  NA 

    EDUCAÇÃO ESCOLAR 

    2.1 – EDUCAÇÃO CIENTÍFICA E SOCIEDADE 

    140 

    2.2 – LUZ, CIÊNCIA E VIDA, TEMA DESAFIADOR   

    148 

    2.3 – CIÊNCIA E TECNOLOGIA PARA ALIMENTAR O BRASIL 

    152 

    2.4  –  A  CONTRIBUIÇÃO  DA  CIÊNCIA  E  TECNOLOGIA  NA  RESOLUÇÃO  DE  PROBLEMAS  AMBIENTAIS

    162 

    2.5  –  CONHECIMENTO  E  PODER  COMPARTILHADO:  ALICERCES  DAS  SOCIEDADES  DEMOCRÁTICAS

    168 

    2.6 – FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO E O ENSINO DE CIÊNCIAS 

    182 

    2.7 – REFLEXÕES SOBRE A CIÊNCIA DO CLIMA   

    198 

    2.8 – CONSIDERAÇÕES PEDAGÓGICAS SOBRE O ENSINO DE CIÊNCIAS   

    202 

    2.9 – O SABER FILOSÓFICO E O ENSINO DE CIÊNCIAS 

    218 

    13 

    3. DA NECESSIDADE DE SE DEFINIR FINS E VALORES DA EDUCAÇÃO ESCOLAR 

    3.1 – A PERENIDADE DO TRABALHO 

    230 

    3.2 – AS DIFICULDADES NA EMISSÃO DE JUÍZOS DE VALOR 

    233 

    3.3 – A MELHOR MANEIRA DE DIZER É FAZER... E AO FAZER SERÁ PRECISO DIZER 

    237 

    3.4 – CARACTERÍSTICAS DO ENSINO COMO UM DOS FINS DA UNIVERSIDADE ATRAVÉS DOS TEMPOS

    240 

    3.5 – ÉTICA E MORAL, EIS A QUESTÃO!   

    243 

    3.6 – EDUCAÇÃO E GLOBALIZAÇÃO: REFLEXOS NO ENSINO BRASILEIRO   

    245 

    3.7 – APONTAMENTOS SOBRE O PENSAMENTO DE DERMEVAL SAVIANI 

    256 

    3.8 – PARADIGMA E PROMESSA 

    259 

    3.9 – RESPOSTAS SOBRE A ESCOLA IDEAL 

    264 

    3.10 – UM POUCO DE FILOSOFIA NÃO FAZ MAL 

    267 

    4.  DA  NECESSIDADE  DE  VALORIZAR  OS  MÉTODOS  E  A  DIDÁTICA  NA 

    EDUCAÇÃO ESCOLAR 

    4.1 – (DES) ARTICULANDO PRÁTICAS E POLÍTICAS EDUCATIVAS PARA A INFÂNCIA 

    268 

    4.2 – GEOGRAFIA E POESIA 

    274 

    4.3 – UMA DIÁTICA A FAVOR DO ALUNO 

    293 

    4.4 – O INQUÉRITO DE 1926: ESPELHO DE UMA FASE DE TRANSIÇÃO   

    304 

    4.5 – DESAFIOS DO PROCESSO DE ALFABETIZAÇÃO NOS ESPAÇOS DE EJA 

    344 

    4.6 – DESVENTURAS DE UM JOVEM APRENDIZ EM TERRAS BRASILEIRAS 

    349 

    4.7 – A PEDAGOGIA DE PAULO FREIRE: A BUSCA DE UNIDADE DE PENSAMENTO E AÇÃO 

    366 

    4.8 – DESAFIOS E POSSIBILIDADES DE UMA EDUCAÇÃO PARA TODOS E A CONTRIBUIÇÃO DE PAULO

    FREIRE   

    374 

    4.9 – ENSINO E GNOSIOLOGIA NA OBRA PEDAGÓGICA DE PAULO FREIRE 

    382 

    4.10 – NAVEGAR PELO PENSAMENTO DE PAULO FREIRE 

    392 

    4.11  – O  ENSINO E  A APRENDIZAGEM DA LÍNGUA MATERNA PELAS CRIANÇAS, JOVENS E  ADULTOS

    398 

    4.12 – UMA APOSTA NO PROFESSOR 

    405 

    4.13 – POEMA PARA A MENINA ANÔNIMA 

    441 

    4.14 – RESPOSTAS PARA A JORNALISTA JOHANNA D. NUBLAT   

    442 

    14 

    5.  DA  NECESSIDADE  DO  CONHECIMENTO  DO  CONTEXTO  DA  EDUCAÇÃO 

    ESCOLAR 

    5.1 – OS FUNCIONÁRIOS DA HUMANIDADE 

    445 

    5.2 – POLÍTICA DE EDUCAÇÃO E POLÍTICA DA UNIVERSIDADE   

    447 

    5.3 – CONCEITO DE PROJETO   

    459 

    5.4 – PROJETO PEDAGÓGICO COMO PROJETO COLETIVO 

    459 

    5.5 – CONDIÇÕES BÁSICAS PARA A ELABORAÇÃO DO PROJETO-POLÍTICO PEDAGÓGICO DA ESCOLA 

    471 

    5.6 – A CONTRIBUIÇÃO DA EDUCAÇÃO E DA INOVAÇÃO TECNOLÓGICA PARA A RESILIÊNCIA 

     472 

    5.7 – APONTAMENTOS PRELIMINARES SOBRE A UNIVERSIDADE BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA 

    477 

    5.8 – O ENSINO SUPERIOR NO DESENVOLVIMENTO NACONAL E REGIONAL DO PAÍS 

    479 

    5.9 – DIRETOR DE ESCOLA: COORDENADOR DO TRABALHO ESCOLAR 

    483 

    5.10  –  ADMINISTRADOR  ESCOLAR  E  A  COORDENAÇÃO  PEDAGÓGICA:  BREVE  ABORDAGEM

    HISTÓRICO-ADMINISTRATIVA   

    486 

    5.11 – DITADURA NO BRASIL: OLHARES DE DIFERENTES TEMPOS 

    489 

    5.12 – ÁLVARO, GEÓGRAFO CRÍTICO-REFLEXIVO 

    495 

    5.13  –  RESPOSTAS  AOS  QUESITOS  FORMULADOS  E  SUGERIDOS  PELA  JORNALISTA  ADRIANA  ALVES,

    EM 06 DE JULHO DE 2006 

    508 

    15 

    1  DA  NECESSIDADE  DE  CONTAR  COM  UMA  TEORIA  DA 

    EDUCAÇÃO ESCOLAR 

    1.1 BREVES NOTAS SOBRE A PEDAGOGIA HISTÓRICO-CRÍTICA 

    (Texto planejado para aula de Filosofia da Educação) 

    1  -  A   Pedagogia  histórico-crítica  pensada  por  SAVIANI  faz  contraponto  direto  à 

    pedagogia liberal, quer na sua manifestação tradicional, quer na forma da pedagogia da escola

    nova ou na visão da pedagogia tecnicista. 

    2  –  Seria  bom  observar,  também,  que  a   Pedagogia  histórico-crítica  estruturou-se 

    como  alternativa  e  tentativa  de  superar  o  negativismo  pedagógico  representado  pelos

    estudiosos franceses (P. BOURDIEU e J.-C. PASSERON, L. ALTHUSSER, C. BAUDELOT

    e  R.  ESTABLET),  todos    "preocupados  em  denunciar  a  reprodução  capitalista  no  seio  da

    prática social global. As chamadas teorias crítico-reprodutivas" ao conferirem aos sistemas

    escolares e escolas o papel reprodutor da dominação capitalista, viram, na verdade, parte do 

    problema, do mesmo modo que desqualificaram o trabalho dos docentes considerados aios do

    poder  dominante.  A  consequência  lógica  da  desvalorização  da  escola  no  processo  de

    transformação  social  foi  a  de  apequenar  ou  reduzir  ao  mínimo  o  papel  transformador  do

    trabalho  escolar,  considerado  visceralmente  conservador.  Mas,  as  "teorias  crítico-

    reprodutivas" tiveram o mérito de vincular a educação à prática social, no caso, a realidade

    social burguesa. 

    As teorias crítico-reprodutivas indicadas por SAVIANI são: 

      A  teoria  da  escola  enquanto  violência  simbólica  proposta  por 

    BOURDIEU e PASSERON (1975) 

      A  teoria  da  escola  enquanto  aparelho  ideológico  de  Estado  (AIE)

    proposta por ALTHUSSER 

      A  teoria  da  escola  enquanto  escola  dualista  proposta  por 

    BAUDELOT e ESTABLET (1971) 

    16 

    3  –  SAVIANI  vem  empenhando-se,  desde  a  década  de  70,  no  esforço  de  elaboração

    teórica  centrada  na  compreensão  histórico-crítica  da  Educação.  Nesse  sentido,  procura

    evidenciar alguns pontos, a saber: 

      A educação é atividade mediadora no seio da prática social global 

    (1983, p.77). Isso significa que "a prática educativa não se justifica 

    por  si  mesma,  mas  tem  sua  razão  de  ser  nos  efeitos  que  se 

    prolongam  para  além dela e que persistem  mesmo após  a cessação 

    da ação pedagógica" (1983, p.80). 

      A  visão  espontaneísta  de  educação,  porque  desligada  de 

    finalidades  sociais  definidas,  articuladas  às  necessidades  das 

    camadas  majoritárias,  apresenta-se,  não  raras  vezes,  como 

    revolucionária,  mas  se  revela  conformista  na  medida  de  sua   

    postura  que  lembra  o    individualismo  pedagógico,  sem  a 

    consciência  de  classe.  Ao  oposto  das   pedagogias  não-diretivas,  a 

    Pedagogia  histórico-crítica  não  advoga  a  submissão  ao  interesse 

    imediato  dos  estudantes  e  nem  à  experiência  vivida.  Procura, 

    portanto,  superar  a  visão  imediatista  quanto  aos  conteúdos 

    pedagógicos.  SAVIANI,  dirá:  "muito  mais  do  que  limites  para  a 

    liberdade,  conteúdos  fundamentais,  clássicos,  que  resistiram  ao 

    tempo,  são  "potencializadores"   da  liberdade".  Percebe-se  que  o 

    conceito  de  liberdade  para  a   Pedagogia  histórico-crítica  (PHC) 

    difere  do  conceito  burguês  de  liberdade,  no  extremo,  identificado 

    com  livre  arbítrio  Para  a  Pedagogia  progressista  de  origem 

    marxiana,   a liberdade será sempre a consciência da necessidade

    segundo  a  tradição  filosófica  spinozista  e  hegeliana.  A  liberdade 

    surge como resultado de luta contra os carecimentos essenciais que 

    são  negados  às  pessoas.  A  consciência  da  necessidade  de 

    revolucionar e transformar a realidade concreta do mundo conduz as 

    classes subordinadas em motores da história

      Sabe-se  que  o  conhecimento  racional,  desinteressado  não  existe  e

    que a neutralidade diante do mundo, das coisas e da sociedade será 

    sempre impossível; mas seria interessante saber, também, que "nem 

    por  isso  deixa  de  existir  a  objetividade"  diz  SAVIANI.  O   saber 

    17 

    acumulado  historicamente  que  permaneceu  válido  como  conquista 

    da  humanidade  será  o  objeto  específico  do  trabalho  escolar.  Sobre 

    ele deverá recair a atenção da escola e do professor. Nesse sentido, 

    caberá ao mestre, 

    o  identificar as formas mais desenvolvidas em que se mostra 

    ou expressa o  saber objetivo elaborado pela cultura humana. 

    o  transformar o  saber objetivo  em saber escolar de modo a 

    torná-lo  assimilável  pelos  alunos  no  espaço  e  tempo 

    escolares. A didática proposta pela PHC indica 5 momentos 

    articulados:  1)  o  ponto  de  partida  da  didática  é  prática 

    social existente; 2) a seguir exige-se a problematização das 

    questões  sociais  mais  urgentes;  3)  para  dotar  o  aluno  de 

    meios,  a  instrumentalização  do  aluno  será  fundamental 

    para  dar  conta  da  solução  ou  encaminhamento  dos 

    problemas;  4)  a  apropriação  ou  incorporação  dos 

    instrumentos  necessários  será  a  pedra  de  toque  para  o 

    encaminhamento  e  solução  do  problema  diagnosticado  e  5)  

    por fim, retorna-se à prática social com nova compreensão 

    da realidade focada.  (2002, p.70-72). 

    o  prover os meios necessários para que os alunos "não apenas 

    assimilem  o  saber  objetivo  (científico)  enquanto  resultado, 

    mas  apreendam  o  processo  de  sua  produção,  bem  como  a 

    tendências de sua transformação"(1992, p.17) 

       "A  educação  supõe  a  desigualdade  no  ponto  de  partida  e  a 

    igualdade  no  ponto  de  chegada"   diz  SAVIANI.  Agir  como  se  as 

    condições  de  igualdade  estivessem  instauradas  desde  o  início 

    significaria, na verdade, assumir uma atitude pseudodemocrática. O 

    processo  educativo real  é a passagem  da desigualdade à igualdade. 

    Assim, "no ponto de partida das relações de ensino-aprendizagem, a 

    democracia  e  a  igualdade  são  muito  mais  uma  possibilidade  a  ser 

    conquistada  do  que  um  dado  já  viabilizado"  (SCHEIBE,  1987, 

    p.125). 

    18 

      A Educação, como trabalho não material em que o produto não se 

    separa  do  ato  de  sua  produção,  é  conceituada  como  o   "ato  de 

    produzir,  direta  e  intencionalmente,  em  cada  indivíduo  singular,  a 

    humanidade  que  é  produzida  histórica  e  coletivamente  pelo 

    conjunto dos seres humanos."( 1992, p.14). 

      A Educação terá sempre como "matéria-prima de sua atividade o 

    saber  objetivo,  produzido  historicamente"   (1992,  p.15).  A 

    afirmação  de  que  o   saber  objetivo  (científico)  produzido 

    historicamente  será  a  referência,  a  matéria-prima  da  atividade 

    educativa  contemporânea,  colocará  o  conhecimento  científico  no 

    centro  do  projeto  político-pedagógico  histórico-crítico,  visto  que  a

    contemporaneidade  trouxe  o  prevalecimento  das  relações  sociais 

    sobre  as  naturais  e  o  primado  do  mundo  da  cultura  sobre  o 

    mundo da natureza, como ensinava o velho MARX. 

      No  mundo  atual  "o  saber  metódico,  sistemático,  científico, 

    elaborado,  passa  a  predominar  sobre  o  saber  espontâneo,  natural, 

    assistemático,  resultando  daí  que  a  especificidade  da  Educação 

    passa  a  ser  determinada  pela  forma  escolar"  (1992,  p.15).  Assim, 

    para  SAVIANI,  na  trilha  dos  grandes  Educadores,  a  educação 

    escolar  é  a  forma  hegemônica  (dominante)  da  Educação.  Nesse 

    sentido, a tarefa maior da escola é criar as condições básicas para a 

    apropriação  inteligente  dos  instrumentos  intelectuais,  lógicos, 

    matemático, 

    literários, 

    científicos, 

    históricos, 

    geográficos, 

    linguísticos,  artísticos,  etc.  que  possibilitam  o  acesso  à  cultura 

    elaborada  historicamente  e  a  leitura  objetiva  da  realidade  natural,

    social  e  humana.  A  escola  é,  assim,  o  lugar  para  se  organizar  a

    formação física, social, intelectual e humana do ser em crescimento. 

    Seria  de  todo  conveniente  lembrar  que  o  ser  humano  não  nasce 

    humano,  ele  se  faz  humano  ao  longo  da  temporalidade,  através  de 

    inúmeras  práticas  sociais,  envolvendo  inúmeros  agentes  sociais, 

    com destaque para a prática escolar. Em decorrência da centralidade 

    19 

    da  escola  no  processo  de  formação  humana,  o  currículo  escolar

    deve  espelhar,  tanto  quanto  possível,  a  cultura  elaborada 

    historicamente  através  de  escolha  cuidadosa  dos  conteúdos 

    nucleares. 

      No presente há falsa democratização da escola. Pensa-se em acesso 

    e  permanência,  sem  pensar  na  conclusão.  Pensa-se  no  quantitativo 

    sem  pensar  na  qualidade  social,  intelectual,  científica,  ética  da 

    educação.  Infelizmente,  diante  das  pressões  sociais,  o  sistema 

    improvisou  salas,  multiplicaram-se  os  turnos  e  comprimiram-se  os 

    salários  dos  professores.  O  número  excessivo  de  alunos  por  classe 

    ainda  atormenta  o  professorado,  nem  sempre  bem  formado  pelo 

    próprio sistema. 

      Há grande desafio atual para a Educação de hoje. "Os artefatos ou 

    recursos  tecnológicos,  desde  os  mais  simples  até  as  tecnologias 

    avançadas da era atual, são extensão das mãos humanas tendo, por 

    objetivo, potencializar o trabalho humano. A chamada revolução 

    da  micro-eletrônica"  acrescenta  novas  determinações  à  relação 

    pedagógica  e,  portanto,  à  figura  do  professor.  Mas,  em  matéria  de

    educação,  o  professor  e  o  aluno  continuam  "a  ser  fundamentais, 

    tanto  na  pequena  sala  de  aula,  quanto  na  grande  sala  de  aula  do

    mundo" (1997, p.15). 

      Saber lidar com a contradição inerente à sociedade de classes torna-

    se  importante  para  "entender  o  seu  tempo,  estar  contra  ele  numa 

    oposição  direcionada  à  construção  de  uma  sociedade  justa, 

    igualitária  e  fraterna"  pensada  e  desejada  para  todos,  eis  a 

    preocupação  filosófica  básica  de  SAVIANI.  Os   valores,  como 

    manifestações  do  dever-ser  possível,  do  não-existente  atual, 

    determinam  os   fins   a  serem  atingidos  pela  prática  pedagógico, 

    transformando  o  ideal  em  real,  em  concreto.  É  preciso  entender 

    20 

    que "a humanidade somente coloca problemas que pode resolvê-los 

    no tempo e no espaço", como afirma a filosofia da práxis.  

      A  Educação  tem  relação  visceral  com  a  Política,  mas  são  práticas

    sociais  específicas.  Será  preciso  distingui-las  para  desvendar,  em 

    profundidade, a natureza e a especificidade do fenômeno educativo 

    e  do  fenômeno  político  para,  assim,  melhor  entender  o 

    relacionamento  de  ambas  no  plano  social.  A  identificação  entre 

    ambas desconhece o fato da existência de diferentes funções sociais 

    no  interior  da  prática  social  geral.  A  Educação  é  prática  sócio-

    política na medida que o alvo  da educação escolar é conscientizar, 

    humanizar e emancipar o ser humano. 

      Por  último,  numa  visão  dialética  não  há  conteúdo  sem  método. 

    SAVIANI escreverá, de modo lapidar: 

    "Uma pedagogia articulada com os interesses populares valorizará, pois, a 

    escola; não será indiferente ao que ocorre em seu interior; estará empenhada

    em que a escola  funcione bem; portanto, estará interessada em  métodos de 

    ensino  eficazes.  Tais  métodos  situar-se-ão  para  além  dos  métodos 

    tradicionais e novos, superando por incorporação as contribuições de uns e 

    de outros. Serão métodos que estimularão a atividade e iniciativa dos alunos

    sem abrir mão, porém, da iniciativa do professor; favorecerão o diálogo dos

    alunos  entre  si  e  com  o  professor,  mas  sem  deixar  de  valorizar  o  diálogo

    com a cultura acumulada historicamente; levarão em conta os interesses dos 

    alunos,  os  ritmos  de  aprendizagem  e  o  desenvolvimento  psicológico,  mas

    sem  perder  de  vista  a  sistematização  lógica  dos  conhecimentos,  sua

    ordenação  e  gradação  para  efeitos  do  processo  de  transmissão-assimilação

    dos conteúdos cognitivos." (2002, p.69) 

    Como  se  depreende  da  leitura  atenta  dos  pontos  cardeais  da  pedagogia  histórico-

    crítica  a  Educação  é  prática  social  direcionada  à  formação  do  estudante  e  das  populações

    necessitadas.  

    21 

    REFERÊNCIAS 

    FERREIRA  DO  VALE,  José  Misael.  Diálogo  aberto  com  Saviani.  In:  (1994)Dermeval 

    Saviani e a educação brasileira: o simpósio de Marília. São Paulo: Cortez. 

    SAVIANI,  Dermeval.  Educação  não  é  filantropia.  In:  (1977)  Presença  Pedagógica.  Belo 

    Horizonte (MG), V.3, N.13, Jan./Fev. 

    __________________. (1983) Escola e Democracia. São Paulo: Cortez/Autores Associados 

    e Autores Associados. 

    __________________.  (1992)  Pedagogia  histórico-crítica:  primeiras  aproximações.  São 

    Paulo: Cortez/Autores Associados e Autores Associados. 

    SCHEIBE, Leda. A compreensão histórico-crítica da educação. In: (1994) Dermeval Saviani 

    e a educação brasileira: o simpósio de Marília. São Paulo: Cortez. 

    Bauru (SP), 03 de março de 2003, 

    José Misael FERREIRA DO VALE 

    1.2 FUNDAMENTOS FILOSÓFICOS DO PENSAMENTO DE DERMEVAL SAVIANI 

    (Texto elaborado para aula de Filosofia da Educação) 

      1 – É característica do pensamento de SAVIANI a ideia de importância da fundamentação 

    teórica  para  que  o  educador  supere  o  empirismo  e  o  senso  comum  presentes  na  prática 

    diuturna  das  escolas.  Contudo,  a  fundamentação  teórica  não  aparece  como  algo  à  parte  na

    obra  pedagógica  de  SAVIANI.  Ela  brota  no  ato  de  pensar  os  problemas  da  educação 

    brasileira,  no  enfrentamento  dos  problemas  colocados  pela  prática  social,  o  que  significa

    fazer  Filosofia  da  Educação  em  ato,  no  momento  da  reflexão  sobre  os  problemas

    educacionais;  com  esse  entendimento  SAVIANI  recusa  a  Filosofia  da  Educação  como

    reprodução  dos  estudos  de  educação,  pela  Filosofia  Geral,  encontrados  em  filósofos

    tradicionais. 

      2  –  SAVIANI,  ao  seguir  o  método  da  economia  política  proposto  por  MARX,  confere

    decisiva  importância  ao  processo  de  mediação  do  abstrato  para  se  alcançar  o  "concreto 

    pensado",  a  realidade  efetiva.  É  pacífico  para  SAVIANI  que  a  apropriação  do  saber 

    socialmente  existente  e  acumulado  historicamente  não  é  um  ato  conflitivo  com  o 

    desenvolvimento  da  autonomia  de  pensamento  e,  consequentemente,  com  a  criatividade  de

    pensamento  do  indivíduo.  Ao  se  apropriar  dos  clássicos  (da  literatura,  da  ciência,  da 

    22 

    história  etc.)  o  estudioso  recria  as  categorias  estudadas  dentro  das  perspectivas  de  seu

    contexto e de seu entendimento social; 

      3 – Um aspecto que perpassa a fundamentação teórica de SAVIANI é a questão da relação

    entre educação e transformação social, educação e formação econômico-social, educação 

    e possibilidade de superação do capitalismo.  

    A educação é mediação,  porque a prática social educativa é o processo pelo qual o ser 

    humano  se  torna  humano.  A  educação  é,  em  síntese,  o  processo  histórico-social  de

    humanização do ser humano. Em decorrência dessa tarefa, cabe à educação e por extensão ao

    educador  a  tarefa  de  criar  as  condições  básicas  para  se  ultrapassar  a  sociedade  alienada  que

    hoje  asfixia  o  ser  humano  tratando-o  como  mero  meio  para  fins  ilegítimos.  Neste  sentido,

    educar  para  SAVIANI  não  significa  apenas  educar  para  a  sociedade,  mas  formar  sujeitos

    conscientes da necessidade de transformá-la, criando as condições indispensáveis para o que o

    ser humano se desenvolva em vários sentidos e possa, ao mesmo tempo, usufruir de todos

    os  recursos  necessários  ao  processo  de  humanização  enquanto  "síntese  de  múltiplas 

    determinações". É bom relembrar que SAVIANI não vê a educação com processo que produz

    diretamente  a  transformação  social,  isto  é,  a  educação  não  altera  diretamente  as  estruturas

    sociais  existentes  e  suas  condições  materiais.  A  educação  atua  na transformação  das

    consciências que atuam na prática social. As consciências são os sujeitos humanos que atuam

    no âmbito da prática social. O conjunto de sujeitos conscientes gerará, mais dias menos dias, a 

    transformação social; 

    4  –  SAVIANI,  ao  compreender  a  educação  como  atividade  mediadora  no  interior 

    da  prática  social  geral,  pressupõe  como  tarefa  básica  da  educação  a  elevação  da 

    consciência  das  massas  através  da  educação  escolar.  Nas  pegadas  de  MANACORDA  e 

    SNYDERS, SAVIANI tem claro que sem a elevação do nível cultural das camadas populares

    não  será  possível  criar  hegemonia  e  transformar  a  realidade  social  e  humana  existente.  Sem

    cultura  não  será  possível  criar  hegemonia.  Daí,  a  Pedagogia  histórico-crítica  defender  a

    apropriação  do  saber  sistematizado,  da  cultura  letrada  como  condição sine  qua  non  para  a 

    superação da dominação de classe. Como se nota, a Pedagogia histórico-crítica implica em 

    necessário  posicionamento  de  classe  e  superação  das  relações  de  dominação  existentes;  em

    assim  sendo,  a  Pedagogia  histórico-crítica  se  revela  revolucionária  no  sentido  de  querer

    superar o modelo de sociedade existente;  

    23 

    5 - SAVIANI sabe muito bem que a educação por si só não transforma diretamente 

    estrutura social. Nenhuma prática social isoladamente consegue realizar mudanças estruturais.

    Como  se  disse  anteriormente,  a  transformação  que  a  educação  efetua  é  aquela  que  se  dá

    através  do  processo  de  transformação  das  consciências,  portanto,  de  uma  transformação

    indireta. 

     SAVIANI,  com  base  nas  análises  de  GRAMSCI,  sabe  que  a  relação  entre

    infraestrutura e supraestrutura é dialética por excelência. Há mútuo condicionamento dabase 

    material sobre a base cultural e desta sobre a base material. Tendo como pontos básicos: a) 

    o caráter mediador da educação no conjunto da prática social; b) a especificidade das práticas

    sociais; c) o entendimento da educação como processo de transformação das consciências; d)

    o  movimento  circular,  mutuamente  condicionante,  da  infra  e  supraestruturas,  SAVIANI

    supera duas formas particulares de análise do processo de educação como transformação: 

      a posição idealista que vê na educação, a prática social que, por si 

    só, e de modo direto, transforma as condições sociais e 

      a  posição  do  materialismo  mecanicista  que  vê  a  transformação 

    das  consciências  como  processo  decorrente  unicamente  da 

    transformação da base material da sociedade. 

    6 – SAVIANI entende, também, que a relação entre educação e transformação social

    exige uma lógica apropriada para captar o  movimento real e seus aspectos contraditórios

    Neste sentido, a lógica formal não é o instrumento mais adequado. Para compreender em que

    consiste  a  educação  das  consciências  como  base  da  transformação  social  será  preciso

    encontrar uma lógica que dê conta do movimento real da sociedade e incorpore a contradição

    como  dado  da  própria  realidade,  uma  lógica  que  espelhe  a  realidade  histórico-social  como

    movimento  e  possibilidade  de  mudança.  O  método  dialético  surge  como  o  instrumento,  a 

    ferramenta  que  permite  ao  Educador  compreender  racionalmente  as  relações  básicas  entre

    pólos  distintos  e  não  excludentes,  mas  complementares,      superar  as  posições  particulares,

    através  de  síntese  superior.  A  lógica  dialética  não  trabalha  no  plano  do  ou  alternativo, 

    excludente,  o   aut   latino,  como  na  expressão:  "A  Educação  é  uma  questão  técnica  ou 

    política?" Pela lógica formal, centrada no princípio da não-contradição lógica, o sujeito será

    obrigado a optar entre o técnico e o político. Pela lógica dialética, centrada no real movimento

    das coisas, o técnico e o político não se excluem, mas possibilitam uma síntese superior que

    incorpora o técnico e o político sem destruí-los;  

    24 

    7  -  O  Método  da  economia  política,está  na  base  das  reflexões  pedagógicas  de

    SAVIANI.  O  método  proposto  por  Marx  distingue  três  níveis  de  aproximação  do  real:  a)

    empírico  (tomado  pelas  pessoas  como  o  concreto,  pois  se  baseia  na  percepção  sensorial

    imediata);  b)  o  abstrato  (através  do  pensamento,  o  único  meio  de  o  ser  humano  gerar  o 

    conhecimento  pela  criação  de  categorias  do  entendimento,  num  processo  de  tentativa  de  se

    acercar da realidade natural, social e humana) e c) o "concreto pensado"  (fruto do processo 

    de análise e síntese que permite captar a realidade como síntese de múltiplas relações). No

    processo  de  conhecimento  parte-se  de  abstrações  gerais,  amplas,  de  síncreses  (maneiras

    caóticas  de  compreender  o  mundo).  Através  da  mediação  do  pensamento,  mediante

    categorias, chega-se à apropriação do real como síntese de múltiplas relações  pelo uso 

    dialético  do  método  regressivo  (analítico)  e  progressivo  (sintético).  O  que  precisa  ficar  bem 

    esclarecido  é  que  o  acesso  ao  concreto  pensado,  isto  é,  ao  concreto  real,  acontece  pela

    mediação  do  abstrato,  pela  via  do  pensamento,  único  meio  do  ser  humano  se  acercar  da

    realidade natural, social e humana;  

    O  Método  da  economia  política  não  dispensa,  entretanto,  a  lógica  formal.

    Esta  permite  identificar,  classificar,  ordenar,  catalogar,  organizar  os  múltiplos  aspectos  da

    realidade  natural,  social  e  humana.  Mas,  a  lógica  formal  se  revela  limitada  porque  tem

    dificuldade  em  dar  conta  do  movimento  real  das  coisas  em  seus  múltiplos  aspectos  e 

    relações  diversas.  A  lógica  dialética  incorpora  a  lógica  formal  e  a  supera.  Como  diz

    OLIVEIRA: 

    "O caminho do pensamento para captar o real na sua concreticidade parte, 

    portanto,  da  manifestação  da  realidade  aos  nossos  sentidos,  isto  é,  daquilo  que

    imediatamente  nos  aparece  como  real,  que  é  somente  o  empírico,  mas  que,  para  alguns,

    como no positivismo, é tomado como a realidade mesma; passa pelo momento do abstrato,

    que nos possibilita captar as mediações em suas múltiplas relações, não perceptíveis pelos

    sentidos; e chega, finalmente, ao concreto pensado. É nesse momento que o pensamento se

    apropria do concreto-real,  enquanto síntese de múltiplas determinações."(1994:123). 

    8  –  A  proposta  de  construção  de  uma  Pedagogia  histórico-crítica  passa,

    finalmente,  por  uma  visão  histórica  do  ser  humano,  ser  de  circunstâncias,  mas  capaz  de 

    mudar as circunstâncias. SAVIANI sabe que as circunstâncias fazem o ser humano, mas o ser

    humano faz as circunstâncias. O determinismo histórico e social não é total, pois a liberdade

    25 

    (entendida como  consciência da necessidade) permite que o ser humano altere o contexto

    em  decorrência  de  necessidades  reais,  de  valores  e  fins  afinados  com  o  processo  de 

    humanização,  de  criação  do  humano  pelo  humano.  Mas,  para  mudar  o  contexto  é  preciso

    contar com a EDUCAÇÃO ESCOLAR como lugar de apropriação do conhecimento, pensado

    no  bojo  da  dialética  processo/produto  cultural  que  habilita  o  ser  humano  a  conhecer  a

    realidade, fazer a sua leitura e modificá-la como ser histórico-social concreto. Em suma, para

    mudar é preciso conhecer, apropriar-se do conhecimento legítimo, objetivo, capaz de armar as

    pessoas de ferramentas de diferentes tipos, indispensáveis ao processo de transformação e

    criação  de  nova  realidade  social.  O  trabalho  educativo,  diz  SAVIANI,  tem  como  meta

    "produzir  direta  e  intencionalmente  nas  pessoas  aquilo  que  foi  produzido  histórica  e

    coletivamente  pelo  conjunto  dos  seres  humanos".  Daí,  a  necessidade  imperiosa  de  a  escola

    socializar  o  saber,  disponibilizá-lo  a  todos  e  utilizar  métodos  adequados  que  favoreçam  a

    apropriação inteligente do conhecimento produzido histórica e socialmente. Daí, também, o 

    cuidado com a qualidade do conhecimento disponibilizado a fim de se evitar de "fazer uma

    escola pobre para o pobre"(VALE, 2002) aumentando as distâncias sociais através da própria

    educação escolar. 

             Bauru, 05 de março de 2003. 

                                                José Misael FERREIRA do VALE 

    BIBLIOGRAFIA 

    OLIVEIRA, Betty A. de. Fundamentação marxista do pensamento  de Dermeval  Saviani.  In:

    (1994) Dermeval Saviani e a educação brasileira: o simpósio de Marília. São Paulo: Cortez, 

    p. 105-28. 

    MARX,  Karl.  O  método  da  economia  política.  In:  (1996)  Para  a  crítica  da  economia 

    política. Os Pensadores. São Paulo: Nova Cultural, p. 39-40. 

    SAVIANI, Dermeval. (1983) Escola e Democracia. São Paulo: Cortez/Autores Associados. 

    __________________  (1992)  Pedagogia  histórico-crítica:  primeiras  aproximações.  São 

    Paulo: Cortez/Autores Associados. 

    VALE,  José  Misael  Ferreira  do.  (2002)  Escola  Pública  e  Sociedade.  São  Paulo: 

    Saraiva/Atual, Apresentação, p.9-10. 

    26 

    1.3 ASPECTOS IMPORTANTES DA VISÃO HISTÓRICO-CRÍTICA DE EDUCAÇÃO 

    (Texto orientador de aula de Filosofia da Educação) 

    1 – É possível articular a escola com os interesses das camadas populares. Educação e Política

    são  práticas  sociais  distintas,  mas  comunicantes.  Decisões  políticas  podem  afetar  os  rumos  da

    Educação e decisões educacionais trazem consigo orientações políticas mais ou menos claras. 

    2 – A escola é instituição mediadora entre o conhecimento sistematizado e o estudante. A ação 

    mediadora  da  escola  se  faz  através  de  um  profissional  importante,  o  professor,  que  procura  criar  as

    condições para que o estudante aproprie-se do saber estruturado, clássico, gerado pela humanidade

    no seu caminhar histórico. 

    3 – A escola não transforma a sociedade de maneira imediata, mas cria as condições básicas

    para a transformação social quando consegue instrumentalizar o estudante dotando-o de "ferramentas

    simbólicas" de caráter matemático, histórico, geográfico, científico-natural, social, verbal, linguístico,

    artístico, moral, etc.. A apropriação de ferramentas simbólicas permitirá aparelhar o estudante de a

    cultura científica necessária para a compreensão do mundo e sua possível mudança. O saber objetivo e 

    seu domínio é uma das condições para o sucesso da luta política. 

    4  –  O  aspecto  político  da  Educação  torna  evidente  quando  a  escola,  através  de  seus

    profissionais, procura garantir a todos o ensino de qualidade para a quantidade dentro das condições

    históricas  concretas.  O  Educador,  consciente  de  seu  papel  social  no  processo  de  transformação  da

    sociedade  injusta,  evitará  fazer,  dentro  das  possibilidades,  uma  escola  pobre  para  o  pobre,  pois  sabe

    que o ensino empobrecido, apoucado, aumenta as diferenças sociais. "Será preciso dominar o que os

    dominadores dominam" para se libertar. 

    5 – Em termos de finalidades e valores, a luta dos Educadores será a favor da escola pública 

    democrática, laica e de qualidade voltada para a cultura humana sistematizada que elimine a exclusão.

    A escola formadora de qualidade terá que ser para todos sem qualquer discriminação. É preciso lutar

    pela Escola Pública porque ela é a única instituição social que, neste momento histórico, abre espaço

    para  a  instrução  e  educação  dos  filhos  das  camadas  populares.  É  fundamental  criar  um  "coletivo

    instruído que possibilite um salto qualitativo" em termos de mudança social. 

    6 – O Educador comprometido com a transformação social terá que se aparelhar teoricamente

    para superar o poder ilusório das teorias não críticas de educação (Pedagogia Tradicional e Pedagogia

    Nova)  bem  como  a  impotência  das  teorias  crítico-reprodutivistas  que  olham  a  escola  como  local

    27 

    exclusivo da violência simbólica, da segregação das classes sociais, da subordinação ao estado

    da dominação intelectual e moral. A escola não faz apenas o jogo do poderoso. A escola pode e deve 

    ser um espaço de formação, ensino e aprendizagem e, ademais, de desenvolvimento do espírito crítico

    e da cultura no sentido do avanço rumo a uma sociedade menos desigual. 

    7 – A Educação é uma forma de trabalho. É um trabalho não material que não separa a teoria

    da prática, a quantidade da qualidade, a educação da sociedade, o meio do fim, o objetivo do subjetivo, 

    o  formal  do  informal,  o  contínuo  da  ruptura,  o  aluno  do  professor,  o  conteúdo  do  método  etc.  A

    Educação como prática social geral invade todos os espaços sociais, mas a Educação Escolar é, sem

    dúvida,  a  forma  hegemônica  de  Educação,  porque  através  dos  sistemas  escolares  as  sociedades

    contemporâneas procuram formar a novas gerações que constantemente chegam à vida social. 

    8 - É através do sistema escolar que se consegue fazer com que milhões de jovens assimilem e 

    apropriem  de  modo  individual,  cada  qual  segundo  sua  potencialidade,  do  conhecimento  que  a

    Humanidade, através de muito sangue, suor e sofrimento, vem produzindo social e historicamente ao

    criar a própria existência. O ser humano não nasce humano. Faz-se humano no decorrer de sua história 

    ao assimilar a experiência social. 

    REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA 

    SAVIANI, D.,  Escola e democracia. 20.ª ed., São Paulo: Cortez/Autores Associados, 1988. 

    ___________,   Pedagogia  histórico-crítica:  primeiras  aproximações.  3.ª  ed.,  São  Paulo: 

    Cortez/Autores associados, 1992. 

    ___________,   Ensino  público  e  algumas  falas  sobre  universidade.  São  Paulo:  Cortez/Autores 

    Associados, 1984. 

    ___________,   Educação:  do  senso  comum  à  consciência  filosófica.  São  Paulo:  Cortez/Autores

    Associados, 1980. 

                                                       BAURU, 1992. 

    José Misael FERREIRA DO VALE 

    28 

    1.4 COMENTÁRIOS SOBRE A NATUREZA E ESPECIFICIDADE DA EDUCAÇÃO 

    Considero o texto SOBRE A NATUREZA E ESPECIFICIDADE DA EDUCAÇÃO, 

    de  Dermeval  SAVIANI,  um  dos  escritos  fundamentais  que  baliza  a  Pedagogia  histórico-

    crítica, pedagogia formulada, em linhas gerais, no ano de 1979, pelo ilustre Educador bastante

    conhecido por aqueles que tratam, de modo sério, as coisas da educação. Qual a razão para se

    privilegiar  o  texto,  passado  tanto  tempo  de  sua  formulação?  A  razão  maior  diz  respeito  à

    necessidade de conceituar em bases sólidas uma área controversa sujeita a muitas flutuações.

    Porque a maioria das pessoas sofreu alguma influência educativa dentro e fora da escola,

    todos,  sem  exceção,  julgam-se  capazes  de  falar  e  avaliar  sobre  a  educação,  vivenciada  por

    todos,  de  modo  espontâneo,  na  prática  social.  Baseados  no  empirismo,  em  experiências  não

    críticas,  acreditam  que  tudo  sabem  sobre  a  prática  educativa.    Ademais,  é  necessário  que  se

    tenha um mínimo de unidade teórica para poder analisar em profundidade uma prática social

    importante como a Educação. Sem ter claro o caminho a seguir poucos resultados importantes

    decorrerão  da  prática  educativa.  Lembre-se  do  gato  maltês,  cinza-azulado,  de  conhecida

    fábula  moderna,  ao  responder  à  indagação  de  Alice  sobre  que  rota  a  menina  deveria  tomar,

    num determinado momento da aventura vivida pela criança. Em tradução livre, o diálogo se

    transcorre assim: 

     ____Gato maltês, qual caminho devo tomar?  pergunta  Alice. 

    ____Você sabe para onde quer ir?  indaga o gato. 

    ____ Não sei, respondeu Alice. 

    ____Então, qualquer caminho serve, respondeu o gato. 

    O  texto  SOBRE  A  NATUREZA  E  ESPECIFICIDADE  DA  EDUCAÇÃO  tem  o 

    mérito de indicar o caminho a seguir pela Pedagogia, no caso a Pedagogia histórico-crítica. 

    Sou  enfático  em  dizer  que  bastaria  este  escrito  de  SAVIANI  para  fundamentar  toda  a  ação

    histórica e crítica da educação. Basta, portanto, analisar passo-a-passo o desenvolvimento da

    argumentação  ao  longo  do  importante  artigo  para  perceber  a  importância  fundamental  do

    conjunto  de  ideias  formulado  pelo  filósofo  da  educação.  Entendo,  também,  que  embora  a

    Pedagogia  histórico-crítica,  não  possa  e  não  deva  escapar  dos  condicionantes  sócio-

    econômico-culturais, a visada do Professor SAVIANI é filosófica porque a educação escolar

    está visceralmente ligada  à questão de fins e valores, isto é, a ação pedagógica é atividade 

    teleológica e axiológica,  direcionada a alvos humanos, fundamentalmente, à ação formadora 

    de humanos por humanos, numa situação histórico-social. 

    29 

    Em  primeiro  lugar  diz  o  texto  que   "a  compreensão  da  natureza  da  educação   passa 

    pela  compreensão  da  natureza  humana".  Diferentemente  da  natureza  animal  o  ser  humano 

    necessita produzir continuamente sua própria existência.  A afirmação significa que o ser 

    humano  não  sobrevive  apenas  com  as  dádivas  da  natureza,  como  o  animal  que  ao  nascer

    precisa procurar, por si, no ambiente natural, os alimentos para sua subsistência. O felino, no

    caso, por exemplo, do puma, depois de dois anos o filhote deixa a mãe e vai caçar por conta e

    risco  e,  assim,  procura  obter  o  seu  sustento  que  encontra  pronto  na  natureza.  No  limite,  o

    animal  não  cria  o  alimento,  mas  o  busca  ao  largo  da  natureza.  Não  é  o  caso  da  criança  que

    depende por longo tempo do alimento produzido ou comprado de alguém que o produziu para

    si  e  para  os  outros,  através  do  expediente  de  alienação  da  produção  pela  venda,  troca  ou

    doação.  Daí,  SAVIANI  dizer  que  o  ser  humano   "necessita  adaptar  a  natureza  a  si,  isto  é,

    transformá-la.  E  isto  é  feito  pelo  trabalho".  Pelo  trabalho  o  ser  humano  produz  para  si  e

    para os  outros.  E sem o trabalho não se cria a cultura material e imaterial humana. O "filósofo 

    da práxis" por sua vez percebeu claramente o fato de que para criar a História é necessário

    que o ser humano, pelo trabalho, faça a vestimenta, o agasalho, o sapato, a sandália, a casa, o

    alimento e a comida e todos os outros instrumentos para sua existência humana .  Só assim, ao 

    resolver os carecimentos primários essenciais, poderá fazer novas transformações e gerar, em

    consequência,  a  História.  Leia  a  Ideologia  Alemã.  Nela,  diz  o  pensador  da  práxis  e  seu 

    companheiro de lutas sociais: 

    Como os alemães não apresentam qualquer premissa, devemos 

    começar  pela  premissa  básica  de  toda  a  existência  humana,  e, 

    portanto, de toda história, ou seja, a de que os humanos devem 

    estar em condições de viver para poder fazer história. Mas para 

    viver,  é  preciso  antes  de  tudo  beber,  comer,  uma  habitação, 

    roupas e ainda outras coisas. A primeira realidade histórica é, 

    portanto,  a  produção  dos  meios  que  permitam  satisfazer  tais 

    necessidades,  a  produção  da  própria  vida  material,  e  isso 

    constitui,  na  realidade,  um  fato  histórico,  uma  condição 

    fundamental  de  toda  a  história  e  que  se  deve,  hoje  como  a 

    milhares de anos, executar dia a dia, hora a hora, simplesmente 

    para  manter  vivos  os  humanos.  Mesmo  quando  o  mundo 

    material se reduz ao mínimo, a um bastão como em São Bruno, 

    ela  pressupõe  a  ação  de  produzir  o  bastão.  A  primeira 

    necessidade,  em  qualquer  concepção  histórica,  é,  portanto, 

    30 

    observar  esse  fato  fundamental  em  toda  sua  importância  e  em 

    toda  sua  extensão  e  dar-lhes  a  devida  importância.  Todos 

    sabem  que  os  alemães  jamais  o  fizeram  ____  jamais  tiveram, 

    portanto, uma base terrestre para a história, e não tiveram, em 

    consequência, jamais um único historiador. 

    Neste  texto  avassalador,  MARX/ENGELS  criticam  a  visão  idealista  hegeliana  de

    Bruno  Bauer  que,  no  limite,  apoia-se  no  Espírito  como  potência  capaz  de  transformar  a

    realidade  concreta  do  mundo.  Ao  contrário,  será  preciso  pensar  o  ser  humano  numa  relação

    dialética com  o mundo,  através  do  caráter transformador do trabalho,  criador, em  suma, das

    diferentes  práticas  sociais  geradoras  da  cultura  humana  tão  rica  e  diversificada.  É  preciso

    entender  que  produção  gera  produção  e  que  cultura  gera  cultura,  educação  gera  mais

    educação,  num  processo  dialético  ao  longo  do  tempo  histórico.  E,  no  modo  de  produção

    capitalista  atual,  a  quase  totalidade  da  produção  é  produção  para  o  capital.  Disso  tudo,  a

    afirmação de página 19,  de a  Pedagogia  histórico-crítica:   primeiras aproximações,  (3.ª  ed. 

    São Paulo: Cortez/Autores Associados, 1992) é esclarecedora porque repõe a questão central

    em relação à educação: 

    Dizer,  pois,  que  a  educação  é  fenômeno  próprio  dos  seres 

    humanos  significa  afirmar  que  ela  é,  ao  mesmo  tempo,  uma 

    existência  do  e  para  o  processo  de  trabalho,  bem  como  é,  ela 

    própria, um processo de trabalho. 

    A  produção  da  existência  humana  pelo  trabalho  é  o  aspecto  nuclear  que  garante, 

    desde  sempre,  a  construção  e  reconstrução  da  vida  humana  no  tempo  e  no  espaço.  Na  base

    desse  processo  de  subsistência,  o  trabalho  material  se  agiganta  de  tal  modo  que  produção 

    gera  mais  produção  para  atender  ao  individual  e  ao  social.  Mas,  a  produção  humana  é

    essencialmente  dialética.  O  trabalho  material  está  diretamente  relacionado  ao  trabalhonão 

    material, trabalho que nos dois casos citados anteriormente estão ligados  a fins ou  propósito

    e valores especificamente humanos. O filósofo da práxis diz que ao contrário do animal o

    ser humano pensa num projeto antes de agir. A aranha sempre construirá a teia conforme os 

    ditames  do  instinto  inscrito  no  seu  patrimônio  genético.  O  seu  modo  de  agir  segue  um

    roteiro  rígido,  nada  flexível.  Ao  contrário,  os  humanos  erram  em  sua  prática,  mas  são

    capazes de corrigir a falha e arquitetar novos procedimentos tornando sua ação cada vez mais

    aperfeiçoada e flexível de tal modo que o pior construtor será, certamente, mais criativo, mais

    flexível, inovador e transformador do que a melhor abelha que constrói, continuamente, seus

    favos com perfeição, sem alterá-los no tempo e no espaço. Tudo, porque o ser humano pensa

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    o  projeto  antes  de  executá-lo.  E,  pensar  na  finalidade  das  coisas  é  pensá-las  em  função  das

    necessidades humanas. 

    O trabalho imaterial ou não material "coincide com a produção 

    do saber, isto é, a produção espiritual (...) expressa distintas 

    maneiras  de  apreensão  do  mundo.  Daí  ser  possível  falar  com 

    propriedade  de  saber  ou  conhecimento  sensível,  intuitivo, 

    afetivo,  intelectual,  lógico,  racional,  artístico,  estético, 

    axiológico,  religioso  e,  mesmo,  conhecimento  prático  e 

    conhecimento  teórico.  Do  ponto  de  vista  da  educação  esses 

    diferentes  tipos  de  saber  não  interessam  em  si  mesmos;  eles 

    interessam,  sim,  mas  enquanto  elementos  que  os  indivíduos  da 

    espécie  humana  necessitam  assimilar  para  que  se  tornem 

    humanos. Isto porque o homem não se faz homem naturalmente; 

    ele  não  nasce  sabendo  ser  homem,  vale  dizer,  ele  não  nasce 

    sabendo  sentir,  pensar,  avaliar,  agir.  Para  saber  pensar  e 

    sentir, para saber querer, agir ou avaliar é preciso aprender o 

    que implica o trabalho educativo." 

    A  lição  que  fica  é  que  a  educação  sistemática  é  o  caminho  para  a  apreensão  do

    conhecimento  ou  do  saber  que  a  Humanidade  vem  acumulando  ao  longo  dos  séculos,  saber

    fundamental para a geração de novos conhecimentos através da aprendizagem de conteúdos 

    relevantes por meio de métodos vivos que iniciem a ação pedagógica pela prática social, após 

    a incorporação dos instrumentos intelectuais, retornar à prática social com nova compreensão

    da  realidade  material  e  espiritual.  O  saber  objetivo  produzido  historicamente  precisa  ser

    assimilado  e  apropriado  por  todos  como  condição   sine  qua  non  para  o  desenvolvimento  da 

    espécie humana como totalidade orgânica, material e espiritual. Pode parecer utópico falar em

    desenvolvimento da espécie humana, mas o fim da educação será sempre a formação do ser 

    humano tendo como um dos valores a união e fraternidade dos povos. Fora dessa orientação 

    teleológica e axiológica a educação tenderá mais para a desigualdade do que para a sonhada 

    igualdade  de  oportunidades,  direitos  e  usufruto  das  condições  materiais  e  espirituais  criadas

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