Estudos De Educação Escolar
()
Sobre este e-book
Leia mais títulos de José Misael Ferreira Do Vale
Poemas De Vida, De Hoje E De Sempre Nota: 0 de 5 estrelas0 notasValor E Educação Nota: 0 de 5 estrelas0 notas
Relacionado a Estudos De Educação Escolar
Ebooks relacionados
Pérolas De Marco E Roseli Nota: 0 de 5 estrelas0 notasTombado Não Caido Nota: 0 de 5 estrelas0 notasA Mensagem E O Verso Ii Nota: 0 de 5 estrelas0 notasDá Má Ambição Nota: 0 de 5 estrelas0 notasO mestre dos abraços: um olhar humano sobre o sofrimento Nota: 0 de 5 estrelas0 notasSr. R - O Intrometido Nota: 0 de 5 estrelas0 notasO Barulho Do Trem Nota: 0 de 5 estrelas0 notasLágrimas de Sangue Nota: 0 de 5 estrelas0 notasLyceu Rural De Caixa Pregos Nota: 0 de 5 estrelas0 notasUma história que não tem fim Nota: 0 de 5 estrelas0 notasA Esperança Em Gabriel Marcel Nota: 0 de 5 estrelas0 notasCaminhos do amor: A Redenção nas Encruzilhadas da Vida Nota: 0 de 5 estrelas0 notasStella Estrela Nota: 1 de 5 estrelas1/5Favelinha Eu Te Amo! Nota: 0 de 5 estrelas0 notasO Talento De Um Grande Homem Nota: 0 de 5 estrelas0 notasUma leitura montessoriana na escola da infância: a partir da tríade criança, professor e ambiente Nota: 0 de 5 estrelas0 notasMemórias de escolarização e profissionalização: Das professoras que tive à profissional que me tornei Nota: 0 de 5 estrelas0 notasÀ Sombra da Casa Azul: Breve itinerário de Vida Nota: 0 de 5 estrelas0 notasAs Eternas Lições Do Amor Nota: 0 de 5 estrelas0 notasUltraje! Nota: 0 de 5 estrelas0 notasMetade De Uma Juventude Nota: 0 de 5 estrelas0 notasUm Novo Olhar Nota: 0 de 5 estrelas0 notasConfissões De Um Bom Malandro! Nota: 0 de 5 estrelas0 notasEm Seus Olhos Nota: 0 de 5 estrelas0 notasPara Gostar De Escrever Nota: 0 de 5 estrelas0 notasDiscursos sobre a surdez do sujeito patológico ao sujeito de cultura: um paradoxo da inclusão? Nota: 0 de 5 estrelas0 notasSol-d'almas Nota: 0 de 5 estrelas0 notasLições De Vidas Nota: 0 de 5 estrelas0 notasA natureza onto-histórica do princípio educativo Nota: 0 de 5 estrelas0 notas
Ciências e Matemática para você
Guia De Química Para O Enem Nota: 0 de 5 estrelas0 notasNeurociência aplicada a técnicas de estudos: Técnicas práticas para estudar de forma eficiente Nota: 4 de 5 estrelas4/5Guia Prático Para a Reprodução de Plantas: Do Tradicional à Biotecnologia Nota: 5 de 5 estrelas5/5NIKOLA TESLA: Minhas Invenções - Autobiografia Nota: 5 de 5 estrelas5/5Manipulando O Carma Com Gráficos Radiônicos Nota: 5 de 5 estrelas5/5A Origem das Espécies Nota: 3 de 5 estrelas3/5Como fazer projetos de iniciação científica Nota: 0 de 5 estrelas0 notasUma Nova Ciência da Vida Nota: 5 de 5 estrelas5/5Física Quântica Para Iniciantes Nota: 5 de 5 estrelas5/5Python Para Iniciantes Nota: 0 de 5 estrelas0 notasAstronomia Básica Nota: 5 de 5 estrelas5/5A Teoria Do Design Inteligente Para Crentes De Todas As Crenças Nota: 0 de 5 estrelas0 notasO Mistério por trás das nossas origens: Uma jornada para além da teoria da evolução Nota: 5 de 5 estrelas5/5Eletricidade Básica Nota: 0 de 5 estrelas0 notasEngenharia Mecanica Nota: 0 de 5 estrelas0 notasPrevenção Contra Incêndios Nota: 0 de 5 estrelas0 notasO que é inteligência artificial Nota: 5 de 5 estrelas5/5Feitiços De Amarração E Separação Nota: 5 de 5 estrelas5/5Declaração, Atestado E Laudo Nota: 0 de 5 estrelas0 notasSe Livre Do Seu Passado! : Como Superar O Trauma Infantil: Coleção MZZN Autoajuda, #5 Nota: 0 de 5 estrelas0 notasProcessamento Auditivo Central Nota: 5 de 5 estrelas5/5A Química Do Dia A Dia Nota: 0 de 5 estrelas0 notasMetodologia da pesquisa-ação Nota: 5 de 5 estrelas5/5Manual De Acupuntura Nota: 0 de 5 estrelas0 notasO Livro Secreto Russo Nota: 0 de 5 estrelas0 notasFundamentos De Programação Javascript Nota: 0 de 5 estrelas0 notas
Categorias relacionadas
Avaliações de Estudos De Educação Escolar
0 avaliação0 avaliação
Pré-visualização do livro
Estudos De Educação Escolar - José Misael Ferreira Do Vale
JOSÉ MISAEL FERREIRA DO VALE
ESTUDOS DE EDUCAÇÃO ESCOLAR
(ELABORADOS NO CONTEXTO DA PEDAGOGIA HISTÓRICO-CRÍTICA )
Bauru/SP
2018
1
Prefácio
Nascido e criado na região então chamada de Média Sorocabana, às margens dos rios que a
compõem e da própria ferrovia, o menino Misael logo aprendeu a identificar os sinais da natureza e
da cultura e aprendeu também a estabelecer relações entre eles. Para quem já o conheceu adulto e
profissional fica difícil imaginá-lo dispersivo e desatento como ele próprio se descreve nessa sua fase
inicial de vida. Mas quem como eu já pode tê-lo desde o primeiro encontro como um companheiro
de trabalho – e companheiro de trabalho é muito mais que um simples colega de profissão – a
explicação não é difícil: o menino Misael elaborava as marcas de sua identidade pessoal e
profissional. Poderia até parecer desinteressado do que lhe era sugerido ou determinado, mas já
estava encantado com aquilo que sua sensibilidade lhe permitia entrever e com aquilo que sua
intelectualidade lhe possibilitaria fazer.
O som do apito da locomotiva a vapor pode ter sido o primeiro estímulo para a reflexão
sobre os desvarios do capitalismo industrial e financeiro e o desenho resultante do encontro da
fumaça produzida pela caldeira com o ar que a circundava pode ter sido o ponto de partida para a
adoção do desenho pedagógico como valioso recurso de ensino em uma escola pública ainda
totalmente carente de suportes tecnológicos para seu trabalho.
O futuro professor José Misael Ferreira do Vale já se desenhava no menino da escola
primária da cidadezinha sem ginásio e já se desenvolvia no adolescente do ginásio/internato da
cidade um pouco maior para onde teve que se dirigir. O professor primário que viria a seguir já seria
o arcabouço do diretor de escola que culminaria sua trajetória na educação básica trabalhando como
dirigente na Equipe de Estudos do Rendimento Escolar da Secretaria Estadual de Educação de São
Paulo. Pelos resultados e pela repercussão de seu trabalho prático com professor e diretor de escola,
José Misael fora incumbido de, à frente de uma equipe especializada, desenvolver e implantar
instrumentos e procedimentos que estendessem aos alunos de toda a rede de escolas estaduais a
perspectiva da materialização no maior grau possível de seu direito à educação de qualidade. A
lógica do mercado educacional, hoje hegemônica nas mentalidades de muitas autoridades
governamentais, não prevaleceria àquela época. Misael e seus companheiros de trabalho buscavam
a materialização do princípio que Dermeval Saviani formularia anos depois: a igualdade tem que ser
2
construída no ponto de chegada, já que a desigualdade não pode deixar de ser reconhecida no ponto
de partida.
Escrevendo hoje sobre seus primeiros tempos de vida e sobre o início de sua trajetória
profissional, José Misael Ferreira do Vale assinala alguns aspectos que não poderiam ser avaliados
pelo menino e outros que não poderiam ser evitados pelo professor em início de carreira. Entre estes
estão as condições de acomodação e residência, permeadas por ventos, chuvas, ratos e insetos.
Entre aqueles, a ausência de conteúdos básicos no currículo escolar, como, por exemplo, a geografia
econômica e as questões ambientais, e ainda os rumores da guerra que, apesar de longínqua,
produzia repercussões na vida do menino e dos habitantes de sua pequena cidade. Os carros
movidos a gasogênio, para quem como eu, os viu trafegar, constituem a lembrança mais grotesca da
irracionalidade das guerras que continuam a afrontar a dignidade humana mundo afora. Os
momentos finais da segunda guerra mundial da qual o menino Misael iria se recordar descartaram a
racionalidade e produziram a barbárie com as bombas atômicas sobre Hiroshima e Nagasaki. A
barbárie dos vitoriosos se igualava à barbárie dos derrotados, com as marcas de seus campos de
concentração e de extermínio.
A vitória da civilidade e da dignidade humana só acontecerá, como todos sabem, quando o
primado da educação libertadora e não mercadorizada
se converter em vontade coletiva. O
trabalho de professores como José Misael Ferreira do Vale é um grande exemplo dessa necessidade
e dessa possibilidade. Permito-me ressaltar aqui algo que Misael apenas tangencia em seu relato
sobre seus anos iniciais de trabalho. Quando concluiu o Curso Normal Misael teve reconhecido seu
direito à Cadeira-Prêmio, algo que se perdeu ao longo dos anos e do processo de degradação a que
o magistério paulista foi submetido. Estudioso e aplicado como o conhecemos, Misael concluiu o
Curso Normal com a mais alta média de sua turma. Por isso, fez jus ao prêmio, altamente valorizado
na época no plano simbólico e também no plano material. Pela legislação vigente, o primeiro aluno
da turma em uma Escola Normal Oficial (pública) podia escolher uma cadeira (um posto de trabalho
efetivo e permanente) como professor do magistério público do Estado de São Paulo. O relevo do
prêmio estava associado à valorização social do trabalho do professor primário e à importância do
trabalho como funcionário público. Gerações mais recentes de professores e de pesquisadores do
campo educacional frequentemente desconhecem a existência histórica do prêmio e de seu
significado, fato esse lamentável, mas até explicável à luz dos fenômenos opostos que hoje se
manifestam. Para os mais jovens é difícil admitir, às vezes, que houve um tempo em São Paulo em
que pessoas eram socialmente valorizadas pelo fato de serem professoras e que nesse tempo
homens e mulheres eram considerados pessoas respeitáveis e bem sucedidas por trabalharem no
setor público. No entanto, historiadores e pessoas de bom senso em geral devem saber que não se
3
pode avaliar fatos do passado à luz de critérios e de procedimentos do tempo presente. Assim como
não podemos cobrar que algumas coisas não tenham sido feitas sem levar em conta a inexistência de
condições materiais para sua realização, também não podemos deixar de perguntar por que algumas
coisas feitas em condições muito mais precárias que as hoje disponíveis deixaram de ser feitas sem
que ninguém se preocupasse com a preservação de seus méritos e de seus efeitos.
Exemplo do que se fazia, do que o professor José Misael fez e do que deveria continuar a ser
feito, é o trabalho pedagógico do diretor na condição de principal professor da escola, Escrevi, há
muito tempo, já na condição de companheiro de estudos e de trabalho de Misael, que as escolas não
existem para serem administradas ou supervisionadas; elas existem para que os alunos aprendam. E
Misael continua sendo até hoje o melhor exemplo a ser oferecido da raríssima espécie diretor
pedagogo, ou seja, do diretor de escola que orienta seu trabalho e o trabalho em geral da instituição
que dirige para o alcance efetivo de sua real finalidade: a educação de qualidade para seus alunos,
estejam eles em início do processo de alfabetização, ou estejam eles em processo de conclusão de
suas teses de doutorado. Pequenas, isoladas e genéricas como as antigas escolas primárias rurais ou
grandes, internacionalizadas e superespecializadas, como as modernas universidades atuais, escolas
são sempre instituições de ensino que se legitimam por sua contribuição ao desenvolvimento
humano, ou seja, ao processo educacional. Da educação básica à educação acadêmico-científica, a
administração escolar sempre será – se o ideal educacional continuar a ser o seu norte – uma função
de serviço e não uma função de mando, como Anísio Teixeira proclamou e José Misael Ferreira do
Vale sempre reiterou.
Praticante, teórico e crítico da administração escolar, nosso autor rememora nesta sua
narrativa histórico-social episódios significativos de sua vida profissional ligados tanto à dimensão
teórico-conceitual desse campo de conhecimento como à dimensão prático-institucional em que ele
se manifesta. Valoriza a importância do trabalho de um autor como Daniel E. Grifiths, por exemplo,
para ressaltar a necessidade da sustentação teórica de um empreendimento educacional, assim
como lembra também a necessidade da crítica relativa à funcionalidade e à intencionalidade das
próprias teorias. No caso da educação brasileira atual, a situação é ainda mais grave do que a do
momento em que Misael e eu iniciávamos formalmente nossa preparação para o trabalho na
educação superior. Estávamos na primeira metade dos anos 70 do século XX na condição de alunos
do Mestrado da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo e ensaiávamos nossas
primeiras manifestações orais e escritas sobre a necessidade da elaboração de teorias autônomas de
administração escolar, ou seja, sobre a necessidade da ruptura com a tendência apenas hegemônica
à época e claramente dominante hoje segundo a qual a administração escolar deveria se constituir
como mais um caso derivado das teorias gerais de administração genérico-empresariais, em cujos
4
valores deveria estar alicerçada e de cujos mecanismos e procedimentos se abasteceria para
construir sua legitimidade.
Estávamos no auge do período repressivo produzido, a partir de 1968, pela ditadura
implantada em 1964. Mesmo assim, com os riscos assumidos do pensamento e da ação divergentes,
poucos poderiam imaginar que no século XXI no Brasil a Bolsa de Valores de São Paulo e não o
Conselho Nacional de Educação constituiria o centro dominante do controle dos negócios da
educação no país.
Ancorado em sua experiência, como professor da educação básica, como diretor de Grupo
Escolar Típico Rural e como Diretor de Grupo Escolar na zona urbana, Misael fez, de seu trabalho na
ETERE, da Secretaria Estadual de Educação de São Paulo, o objeto de estudo de seu trabalho de
mestrado, defendido em 1976. Fez, assim, o que eu acreditava e continuo a acreditar, devesse ser a
preocupação, se não da totalidade, da maioria dos candidatos ao trabalho como pesquisador da
própria área de educação na educação superior: a análise das causas e do significado dos problemas
da educação básica e das possibilidades de intervenção para sua superação.
Por conta de sua natural propensão para a análise comparativa e para a intervenção pessoal
no campo do ensino o professor primário José Misael (nomenclatura da época) já se dispusera a um
trabalho relevante no campo da alfabetização, que talvez se constitua até hoje em seu objeto de
estudo preferencial. Comparara o processo de alfabetização a que havia sido submetido como aluno
da escola primária à orientação de trabalho que havia recebido no Curso Normal para realizar a
alfabetização de seus futuros alunos. E já se decidira pela criação de um método próprio. Na
narrativa que agora escreveu descreve com detalhes técnicos os procedimentos pelos quais passou
em seu tempo de aluno, registrando seu quase inevitável direcionamento, nos termos da época,
muito mais para a mecanização das atividades do que para a atribuição de sentido a elas. Mas
registra também, com seu rigoroso senso ético, que aquilo era o melhor que sua professora poderia
fazer à vista das condições de trabalho existentes na época e à vista também dos limites do
conhecimento disponível sobre alfabetização naqueles tempos. Como a maioria absoluta dos
professores até os dias atuais, a professora fazia o que podia.
Como professor que chegou até os dias atuais percorrendo, a rigor, com seu trabalho todas
as instâncias sequenciais do processo de escolarização no Brasil, desde o processo de alfabetização
na educação básica até a orientação de teses de doutorado na educação superior, José Misael
Ferreira do Vale se tornou um raríssimo exemplar de intelectual destacado pela amplitude de seus
campos de trabalho e pela intensidade do trabalho desenvolvido em cada um dos campos a que se
5
dedicou. Não se limitou ao que podia, mas criou o que entendeu que devia e, provavelmente,
construiu até mais do que imaginou.
Sua atuação como diretor da Faculdade de Ciências da Unesp no campus de Bauru
exemplifica minha afirmação. Como dirigente, movimentou-se incansavelmente para que as
carências iniciais da unidade acadêmica e do próprio campus se transformassem em áreas de
trabalho consolidadas, desenvolvidas com o suporte de equipamentos funcionais em edifícios
planejados e construídos de acordo com suas especificidades. Novos cursos, como o de Pedagogia e
Química, por exemplo, e novos projetos, como o Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências,
puderam ser implantados. As atividades de extensão universitária receberam o estímulo e o apoio de
que necessitam tanto quanto as atividades de ensino e de pesquisa.
É importante ressaltar que o apoio de José Misael às atividades de ensino, pesquisa e
extensão, durante sua passagem pela Direção da Faculdade de Ciências, não foi substancialmente
diferente de sua ação direta em relação a elas antes e depois de sua experiência administrativa. Em
seu tempo de diretor Misael continuou professor, ou seja, continuou pesquisando, ensinando e
compartilhando com a comunidade os frutos de seu trabalho. Por isso é tão grande e tão
diversificada a descrição de sua produção acadêmica.
A versatilidade acadêmica do professor José Misael já havia sido testada e confirmada nos
campus da Unesp de São José do Rio Preto e de Marília, onde trabalhara anteriormente. Neste, sua
participação no grupo de trabalho encarregado da elaboração do projeto do Programa de Pós-
Graduação em Educação da Unesp, pioneiro na área, foi fundamental para o sucesso da iniciativa,
considerada por muitos como quase inviável, à vista das condições da política interna da instituição
e, mesmo, das próprias condições da política oficial de pós-graduação no Brasil à época. Exercitando
sua veia política e sua paciência filosófica, Misael conseguiu vencer a resistência de um poderoso e
influente professor do campus de Araraquara, até então considerado como o local natural e
desejável para sediar um empreendimento daquela complexidade.
No desenvolvimento do projeto e nos primeiros tempos de implantação do Programa,
Misael surpreenderia mais uma vez a quem ainda não o conhecesse. Professor da disciplina
Princípios e Métodos de Administração Escolar no curso de graduação em Pedagogia, era de se
esperar que seu campo de trabalho na nova área de atuação estivesse vinculado às questões teóricas
e práticas já abordadas em seu compromisso institucional. Sem deixar de lado o trabalho em
desenvolvimento, Misael destinou para si mesmo uma nova responsabilidade: conhecedor e
admirador profundo da obra de Paulo Freire, elegeu a Educação Popular como o núcleo de seu
6
trabalho de ensino e pesquisa na pós-graduação. Dessa decisão decorrem as muitas dissertações e
teses para as quais contribuiu como orientador em Marília e em Bauru.
Alfabetizando ou ajudando a produzir teses doutorais, o professor José Misael Ferreira do
Vale demonstra a importância e o poder do conhecimento na vida das pessoas. Sua formação em
Filosofia e seu domínio do campo da Epistemologia lhe permitiram a crítica dos saberes acadêmicos e
o reconhecimento dos saberes da experiência no plano mais restrito das atividades profissionais e no
plano mais amplo da própria cultura humana. Desmistificar a administração capitalista e elaborar
bases teóricas para a construção de uma administração escolar autônoma foi e continua sendo uma
de suas principais contribuições para o desenvolvimento da educação brasileira. Na origem do
Programa de Pós-Graduação em Educação da Unesp estavam presentes duas ideias básicas que
norteariam as atividades de suas primeiras áreas de concentração: o Ensino na Educação Brasileira e
a Administração da Educação Brasileira. Pretendíamos demonstrar que deve haver uma articulação
necessária entre elas: a administração (meio) se legitima pelo suporte que consiga oferecer ao
ensino (fim) que se realiza no interior da instituição escolar. Essa afirmação tão singela quanto
verdadeira necessita, no entanto, de intelectuais com uma grande disposição para a luta simbólica e
institucional para que possa vir a se materializar. José Misael Ferreira do Vale é, sem dúvida, um
desses intelectuais. Leitor sistemático e divulgador da obra de Gramsci, Misael se constitui, ele
mesmo, no exemplo do intelectual orgânico e organizador que o grande teórico e militante italiano
apontava como indispensável à conquista dos objetivos e ao atendimento das necessidades das
classes trabalhadoras.
Misael descreve como, ao ler Gramsci, chegou ao conceito de Estado como síntese de
Sociedade Política e Sociedade Civil. Descreve ainda como, a partir daí, compreendeu também "que o
conceito básico para entender a sociedade contemporânea era o conceito de modo de produção
como ensinara o velho Marx. O
fetiche da mercadoria", renovado e sofisticado, ainda hoje é o
motor principal da vida sob o capitalismo. Daí a dificuldade na materialização do princípio da
democracia como valor universal. Ser democrático implica ser solidário, mas é a competitividade e
não a solidariedade o princípio de vida mais incentivado sob o capitalismo. A solidariedade é também
o princípio educativo por excelência. O professor será necessariamente solidário com seus alunos e
com os demais professores, seus companheiros de trabalho. Do mesmo modo os alunos serão
solidários com seus professores e entre si. Mas como esperar e promover solidariedade num mundo
em que a competitividade já foi promovida a valor principal? Fins e valores, Misael sempre reitera,
são as referências primordiais do processo educacional. Há que se lutar pela prevalência da lógica do
direito à educação sobre a lógica do mercado educacional. Não há conciliação possível no conflito
entre as duas lógicas. É certamente mais fácil promover a venda de uma mercadoria do que
7
assegurar a realização de um direito, mas nenhum educador politicamente responsável pode se
desobrigar de seu dever. A dignidade da pessoa humana está inscrita no campo do direito e é para
sua construção que o trabalho pedagógico deverá estar necessariamente voltado.
A reflexão sobre fins e valores sempre ocupou o lugar central no pensamento do filósofo,
professor, administrador, orientador e poeta José Misael Ferreira do Vale. Ela está presente em sua
Tese de Doutorado Valor e Educação
, defendida em 1983, e está presente também em sua Teoria
da Educação Escolar. Nesta, os fins e os valores norteiam as decisões a serem tomadas nos campos
dos conteúdos e das metodologias. Conteúdos válidos serão aqueles produtos sistematizados da
cultura humana capazes de contribuir para o alcance dos fins desejáveis. Metodologias adequadas
serão aquelas capazes de viabilizar o domínio dos conteúdos selecionados. O fim maior a ser
alcançado é a formação multilateral do aluno e o valor maior, a luta pela igualdade de todos os
alunos.
Em sua Tese, Misael discutiu o valor como realidade sócio-histórica. Em sua análise da
dialética da qualidade e da quantidade, demonstrou como "a quantidade era a manifestação da
realidade natural e a qualidade um valor especificamente humano presente, especialmente, nos
produtos do trabalho humano". Em seus trabalhos Misael indica seu peculiar interesse pelo estudo
dos pares dialéticos
. Cita muitos deles: essência-aparência; valor de uso-valor de troca; sujeito-
objeto; realidade-historicidade; continuidade-ruptura; trabalho-produto; produção material-
produção não material; objetivo-subjetivo; razão-emoção; conteúdo-forma, etc. O princípio da
unidade e luta dos contrários constitui, quase que certamente, a chave de sua interpretação da
realidade.
Dois pares dialéticos acima citados podem constituir a base (não necessariamente
consciente) de sua aproximação com a poesia, tentada e abandonada na juventude e retomada na
maturidade: os pares razão-emoção e conteúdo-forma. Minha hipótese é meramente intuitiva, já
que só descobri agora mais essa dimensão do talento do nosso autor. Pode não ser correta, mas
talvez ele venha a concordar em que ela não é totalmente descabida. Como ele próprio escreveu, os
dois elementos de um par dialético, a rigor, não se separam. A res cogitans (coisa pensada) é
indissociável res extensa (coisa extensa).
Como ele também escreveu, seus poemas não são frutos da pura imaginação. São frutos não
materiais, mas concretos, de seu trabalho filosófico e político. AFilosofia histórico-crítica da
educação, à qual se vincula, toma a prática social como ponto de partida de sua reflexão. Por isso
seus poemas recebem o nome de Poemas do contexto, ou seja, refletem os fatos da realidade
histórico-social vivida e analisada. Mas, como poemas que são, obrigam-se ao experimentalismo da
8
linguagem. Os poetas, dizem os estudiosos da literatura, praticam o ofício de experimentadores de
formas. O fazer poético, dizem eles também, realiza-se na tensão entre a contemporaneidade e a
tradição. A arte não seria necessária se se dispusesse apenas a reiterar o que já está configurado. A
linguagem poética cumpre também a função política de reordenar o mundo.
O experimentalismo do texto poético conjuga-se na produção teórica de José Misael ao rigor,
à clareza e à precisão de sua escrita nos campos da Filosofia, da Pedagogia, da Metodologia, da
Didática, da Ciência Política e de outras áreas de conhecimento às quais se dedicou em sua profícua
vida profissional. Trouxe da Filosofia "a lição de que a análise de texto dos filósofos era essencial para
desvendar a estrutura do pensamento de qualquer autor em pauta". Tornou-se, ele próprio, um
autor em pauta, desenvolvendo seu trabalho com os cuidados e os recursos de quem realmente quer
se fazer entender porque sabe a importância do que tem a dizer.
Uma célebre passagem de Marx, um de seus grandes autores de referência, merece ser
lembrada aqui mais uma vez. Dizia Marx, comentando o trabalho de Feuerbach, que os filósofos têm
se dedicado a interpretar o mundo, mas é necessário transformá-lo. Misael há muito sabe disso e
trabalha para que o preceito se materialize. É preciso entender o mundo para que ele possa ser
transformado. E para entendê-lo é preciso compreendê-lo e explicá-lo da melhor maneira possível.
Seus textos acadêmicos refletem esse critério e esse compromisso.
Três significativos exemplos recentes encerram sua narrativa histórico-social. O texto "O
ensino e a aprendizagem da língua materna pelas crianças, jovens e adultos" (de 2015) demonstra
sua visão da questão pedagógica fundamental, a passagem do mundo iletrado para o mundo letrado;
o texto Teoria da Educação e Currículo Escolar
(de 2013) aborda historicamente o núcleo básico do
trabalho pedagógico, a seleção de conteúdos para a instituição escolar; o texto "O golpe de 2016 e o
futuro da nação" (de 2017), de contundente precisão analítica, assinala a dolorosa continuidade para
a sociedade brasileira da política da Conciliação pelo Alto
analisada em livro por Michel Debrun
ainda nos anos 80 do século XX.
A construção de "uma nação socialmente justa" é o horizonte do trabalho do cidadão
brasileiro José Misael Ferreira do Vale. A qualidade e a objetividade de seu trabalho pessoal estão
evidenciadas na quantidade e na significação dos referenciais que sua subjetividade privilegiada lhe
permitiu recrutar, sistematizar e disseminar. Como Freinet e Paulo Freire, vê o trabalho como
essência do ser humano
. E vê a educação como "a formação do ser humano pelo ser humano em
função da apropriação significativa da cultura humana na sua integridade" .
9
Cultura, educação, trabalho e responsabilidade social. É de justiça que eu estenda a Misael o
qualificativo que um dia atribuí a Gramsci: trata-se de um provocador de esperanças.
Celestino Alves da Silva Junior
10
APRESENTAÇÃO DO LIVRO
"Estudos de Educação Escolar" (à vista da Pedagogia histórico-crítica) é coletânea de textos
do Educador José Misael Ferreira do Vale produzida pelo pesquisador ao longo do período
compreendido entre os anos de 1970 a 2016. Dois Educadores importantes têm lugar nos Estudos de
Educação Escolar. Um falecido e outro em plena produção intelectual. Ambos são objetos de análise
crítico-reflexiva da respectiva produção intelectual. A coletânea inclui textos resultantes de estudos,
investigações e práticas sobre a educação escolar no âmbito da escola pública estadual e municipal
do Estado de São Paulo. Os assuntos abordados são variados. Há textos sobreDidática da
Matemática, do Ensino de Ciências, Alfabetização de Crianças, Jovens e Adultos, Filosofia da
Educação, Teoria da Educação e outros. Muitos escritos referem-se ao tema da Educação Escolar,
visão particular de educação, em contraponto à Educação Geral que acontece fora da escola regular,
no âmbito da prática social geral da Sociedade. Há artigos polêmicos sobre vários assuntos
educacionais. Refletem diretamente o pensamento do Autor do livro ligado à visão histórico-crítica
de educação.
O Autor tem visão específica de Educação Escolar articulada à dimensão histórico-critica de
educação popular, que privilegia a cultura humana naquilo que ela tem de conteúdo científico
historicamente acumulado pela Humanidade ao longo dos séculos e que constitui, sem dúvida, o
patrimônio que deverá ser do conhecimento de todos no espaço escolar. É difícil avançar no
conhecimento, nos tempos atuais, sem que se tenha consciência, assimilação e conhecimento da
produção intelectual anterior, revista e reelaborada, como base, para avanços futuros. Não se trata
de repetir o passado, mas verificar como os humanos em determinadas épocas tentaram resolver
problemas reais utilizando as melhores ferramentas intelectuais disponíveis e, ao mesmo tempo,
chegaram a indicar caminhos no sentido de avançar na compreensão racional do mundo.
A importância que se confere ao conteúdo do conhecimento, não significa pensar o
conteúdo pelo conteúdo, e muito menos tomar os conteúdos científicos e culturais fora do contexto
histórico. Sem conteúdo não há ensino e todo método, por mais sofisticado que possa ser, nada seria
sem uma referência ao como ensinar determinado conteúdo científico relevante.
O Autor da coletânea chega a propor, num dos textos do livro, umaTeoria da Educação
Escolar. Nela, o estudioso da Educação, articula dialeticamente quatros aspectos, a saber:conteúdos
(porque sem eles não se pode falar, rigorosamente, em ensino de... alguma coisa), métodos (forma
ou modo de conduzir o ensino de conteúdo de... alguma coisa), contexto (espaço material, social,
cultural e histórico onde acontece a prática educativa de... alguma coisa) e os fins e valores (que
orientam a prática educativa de... alguma coisa, em determinado contexto, entendido como espaço
sócio- histórico). Seria possível incluir muitos outros aspectos, mas em termos de economia teórica,
o suficiente será indicar os elementos fundamentais, essenciais, em suas relações básicas, que jamais
poderão ser elididos no trato da Educação Escolar.
A análise da sugestão da Teoria da Educação Escolar exposta evidencia que no processo
educativo não se poderá negar a articulação entre conteúdo, método, contexto e fins e valores. Os
11
três primeiros elementos devem ser tratados pelas ciências da educação. São elementos objetivos,
que diferentes ciências poderão esclarecê-los. Cabe aqui, às Ciências da Educação como Psicologia
Educacional, Biologia Educacional, Literatura Infantil, Estatística aplicada à Educação, História da
Educação no Brasil, Geografia do Brasil, Botânica e Zoologia para a Escola Fundamental, Química e
Física para iniciantes, Didática e outras referências (e, são muitas) de acordo com o Projeto Político-
Pedagógico do Curso.
Fins e valores serão objetos, principalmente, de Filosofia da Educação e Sociologia da
Educação. Tratam de elementos subjetivos e objetivos, vivenciados sobre a realidade social, política e
cultural da nação. Os conteúdos serão objeto de diferentes disciplinas de formação intelectual e
científica. Caberá a cada conteúdo curricular indicar claramente quais os assuntos ou pontos que
merecem ser abordados pelos professores e apreendidos pelos alunos durante a vida escolar. Com
os conteúdos definidos, a Pedagogia e a Psicologia deverão indicar o método adequado para que os
alunos captem de modo significativo e vivo os conteúdos selecionados pela escola. A Sociologia, a
História, a Geografia, a Antropologia e outras ciências serão encarregadas deanálise do contexto ao
ressaltarem aspectos importantes da vida social coletiva e que a escola e a comunidade desejam ver
concretizados para seus filhos. Em relação à questão dos fins, a direção das escolas, professores,
funcionários e a estrutura de poder que mantém a instituição escolar sabem quea tarefa, o objetivo
maior da educação escolar é a formação intelectual, social, cultural e moral do aluno sob sua
responsabilidade. Nessa formação, valores serão acionados para dar organicidade à ação escolar.
Assim, educar será educar para o conhecimento ou saber científico, para a tecnologia, educar para
enfrentar os problemas humanos e sociais, educar para a sociabilidade, educar para a democracia
ampla, educar para a decência, para a urbanidade, para o respeito a todo cidadão, para o trabalho,
para a solidariedade, para os valores comunitários, para o desenvolvimento social e político do país,
educar para a liberdade e justiça social e demais valores aceitos pela consciência social e moral das
pessoas e da nação.
Temos a certeza de que ao se ler Estudos de Educação Escolar
o leitor terá, à sua frente,
gama variada de questões que envolvem a ação educativa no tempo e no espaço da sociedade em
desenvolvimento. Nesta oportunidade quero agradecer a colaboração da aluna do curso de
Pedagogia da UNESP, Campus de Bauru, Rayssa Avila do terceiro ano. Agradeço, ademais, o trabalho
técnico importante do Professor Doutor Lourenço Magnoni Júnior na preparação final do livro. Cabe
dizer, finalmente, que o livro cita autores com os quais o estudioso comunga a visão de mundo
em
que o individual não derroga o social e o social não abafa o individual. Numavisão dialética de
mundo não há por que separar o singular do social e vice-versa. Boa leitura e cumprimentos a todos.
Desejos do Educador e Professor Doutor,
José Misael FERREIRA do VALE – Bauru 2016
12
ESTUDOS DE EDUCAÇÃO ESCOLAR
(Elaborados no contexto da Pedagogia histórico-crítica)
CONTEÚDOS
1. DA NECESSIDADE DE CONTAR COM UMA TEORIA DA EDUCAÇÃO ESCOLAR
1.1 – BREVES NOTAS SOBRE A PEDAGOGIA HISTÓRICO-CRÍTICA
15
1.2 – FUNDAMENTOS FILOSÓFICOS DO PENSAMENTO DE DERMEVAL SAVIANI
21
1.3 – ASPECTOS IMPORTANTES DA VISÃO HISTÓRICO-CRÍTICA DE EDUCAÇÃO
26
1.4 – COMENTÁRIOS SOBRE A NATUREZA E ESPECIIFICIDADE DA EDUCAÇÃO
28
1.5 – A ESCOLA PÚBLICA COMO ESPAÇO DE CONHECIMENTO, REFLEXÃO E COMPROMISSO
37
1.6 – MOMENTOS DO MÉTODO HISTÓRICO-CRÍTICO
43
1.7 – O ESPAÇO DA EDUCAÇÃO ESCOLAR
44
1.8 – A EDUCAÇÃO CONTEMPORÂNEA: ESBOÇO DE INTERPRETAÇÃO
52
1.9 – EDUCAÇÃO E ÉTICA: A EXPERIÊNCIA MORAL
91
1.10 – TEORIA DA EDUCAÇÃO E CURRÍCULO ESCOLAR
96
1.11 – HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO, LITERATURA E AUDIOVISUAL
126
2. DA NECESSIDADE DE CONTEÚDOS CIENTÍFICOS E CULTURAIS NA
EDUCAÇÃO ESCOLAR
2.1 – EDUCAÇÃO CIENTÍFICA E SOCIEDADE
140
2.2 – LUZ, CIÊNCIA E VIDA, TEMA DESAFIADOR
148
2.3 – CIÊNCIA E TECNOLOGIA PARA ALIMENTAR O BRASIL
152
2.4 – A CONTRIBUIÇÃO DA CIÊNCIA E TECNOLOGIA NA RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS AMBIENTAIS
162
2.5 – CONHECIMENTO E PODER COMPARTILHADO: ALICERCES DAS SOCIEDADES DEMOCRÁTICAS
168
2.6 – FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO E O ENSINO DE CIÊNCIAS
182
2.7 – REFLEXÕES SOBRE A CIÊNCIA DO CLIMA
198
2.8 – CONSIDERAÇÕES PEDAGÓGICAS SOBRE O ENSINO DE CIÊNCIAS
202
2.9 – O SABER FILOSÓFICO E O ENSINO DE CIÊNCIAS
218
13
3. DA NECESSIDADE DE SE DEFINIR FINS E VALORES DA EDUCAÇÃO ESCOLAR
3.1 – A PERENIDADE DO TRABALHO
230
3.2 – AS DIFICULDADES NA EMISSÃO DE JUÍZOS DE VALOR
233
3.3 – A MELHOR MANEIRA DE DIZER É FAZER
... E AO FAZER SERÁ PRECISO DIZER
237
3.4 – CARACTERÍSTICAS DO ENSINO COMO UM DOS FINS DA UNIVERSIDADE ATRAVÉS DOS TEMPOS
240
3.5 – ÉTICA E MORAL, EIS A QUESTÃO!
243
3.6 – EDUCAÇÃO E GLOBALIZAÇÃO: REFLEXOS NO ENSINO BRASILEIRO
245
3.7 – APONTAMENTOS SOBRE O PENSAMENTO DE DERMEVAL SAVIANI
256
3.8 – PARADIGMA E PROMESSA
259
3.9 – RESPOSTAS SOBRE A ESCOLA IDEAL
264
3.10 – UM POUCO DE FILOSOFIA NÃO FAZ MAL
267
4. DA NECESSIDADE DE VALORIZAR OS MÉTODOS E A DIDÁTICA NA
EDUCAÇÃO ESCOLAR
4.1 – (DES) ARTICULANDO PRÁTICAS E POLÍTICAS EDUCATIVAS PARA A INFÂNCIA
268
4.2 – GEOGRAFIA E POESIA
274
4.3 – UMA DIÁTICA A FAVOR DO ALUNO
293
4.4 – O INQUÉRITO DE 1926: ESPELHO DE UMA FASE DE TRANSIÇÃO
304
4.5 – DESAFIOS DO PROCESSO DE ALFABETIZAÇÃO NOS ESPAÇOS DE EJA
344
4.6 – DESVENTURAS DE UM JOVEM APRENDIZ EM TERRAS BRASILEIRAS
349
4.7 – A PEDAGOGIA DE PAULO FREIRE: A BUSCA DE UNIDADE DE PENSAMENTO E AÇÃO
366
4.8 – DESAFIOS E POSSIBILIDADES DE UMA EDUCAÇÃO PARA TODOS E A CONTRIBUIÇÃO DE PAULO
FREIRE
374
4.9 – ENSINO E GNOSIOLOGIA NA OBRA PEDAGÓGICA DE PAULO FREIRE
382
4.10 – NAVEGAR PELO PENSAMENTO DE PAULO FREIRE
392
4.11 – O ENSINO E A APRENDIZAGEM DA LÍNGUA MATERNA PELAS CRIANÇAS, JOVENS E ADULTOS
398
4.12 – UMA APOSTA NO PROFESSOR
405
4.13 – POEMA PARA A MENINA ANÔNIMA
441
4.14 – RESPOSTAS PARA A JORNALISTA JOHANNA D. NUBLAT
442
14
5. DA NECESSIDADE DO CONHECIMENTO DO CONTEXTO DA EDUCAÇÃO
ESCOLAR
5.1 – OS FUNCIONÁRIOS DA HUMANIDADE
445
5.2 – POLÍTICA DE EDUCAÇÃO E POLÍTICA DA UNIVERSIDADE
447
5.3 – CONCEITO DE PROJETO
459
5.4 – PROJETO PEDAGÓGICO COMO PROJETO COLETIVO
459
5.5 – CONDIÇÕES BÁSICAS PARA A ELABORAÇÃO DO PROJETO-POLÍTICO PEDAGÓGICO DA ESCOLA
471
5.6 – A CONTRIBUIÇÃO DA EDUCAÇÃO E DA INOVAÇÃO TECNOLÓGICA PARA A RESILIÊNCIA
472
5.7 – APONTAMENTOS PRELIMINARES SOBRE A UNIVERSIDADE BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA
477
5.8 – O ENSINO SUPERIOR NO DESENVOLVIMENTO NACONAL E REGIONAL DO PAÍS
479
5.9 – DIRETOR DE ESCOLA: COORDENADOR DO TRABALHO ESCOLAR
483
5.10 – ADMINISTRADOR ESCOLAR E A COORDENAÇÃO PEDAGÓGICA: BREVE ABORDAGEM
HISTÓRICO-ADMINISTRATIVA
486
5.11 – DITADURA NO BRASIL: OLHARES DE DIFERENTES TEMPOS
489
5.12 – ÁLVARO, GEÓGRAFO CRÍTICO-REFLEXIVO
495
5.13 – RESPOSTAS AOS QUESITOS FORMULADOS E SUGERIDOS PELA JORNALISTA ADRIANA ALVES,
EM 06 DE JULHO DE 2006
508
15
1 DA NECESSIDADE DE CONTAR COM UMA TEORIA DA
EDUCAÇÃO ESCOLAR
1.1 BREVES NOTAS SOBRE A PEDAGOGIA HISTÓRICO-CRÍTICA
(Texto planejado para aula de Filosofia da Educação)
1 - A Pedagogia histórico-crítica pensada por SAVIANI faz contraponto direto à
pedagogia liberal, quer na sua manifestação tradicional, quer na forma da pedagogia da escola
nova ou na visão da pedagogia tecnicista.
2 – Seria bom observar, também, que a Pedagogia histórico-crítica estruturou-se
como alternativa e tentativa de superar o negativismo pedagógico
representado pelos
estudiosos franceses (P. BOURDIEU e J.-C. PASSERON, L. ALTHUSSER, C. BAUDELOT
e R. ESTABLET), todos "preocupados em denunciar a reprodução capitalista no seio da
prática social global. As chamadas
teorias crítico-reprodutivas" ao conferirem aos sistemas
escolares e escolas o papel reprodutor da dominação capitalista, viram, na verdade, parte do
problema, do mesmo modo que desqualificaram o trabalho dos docentes considerados aios do
poder dominante. A consequência lógica da desvalorização da escola no processo de
transformação social foi a de apequenar ou reduzir ao mínimo o papel transformador do
trabalho escolar, considerado visceralmente conservador. Mas, as "teorias crítico-
reprodutivas" tiveram o mérito de vincular a educação à prática social, no caso, a realidade
social burguesa.
As teorias crítico-reprodutivas
indicadas por SAVIANI são:
A teoria da escola enquanto violência simbólica
proposta por
BOURDIEU e PASSERON (1975)
A teoria da escola enquanto aparelho ideológico de Estado
(AIE)
proposta por ALTHUSSER
A teoria da escola enquanto escola dualista
proposta por
BAUDELOT e ESTABLET (1971)
16
3 – SAVIANI vem empenhando-se, desde a década de 70, no esforço de elaboração
teórica centrada na compreensão histórico-crítica da Educação. Nesse sentido, procura
evidenciar alguns pontos, a saber:
A educação é atividade mediadora no seio da prática social global
(1983, p.77). Isso significa que "a prática educativa não se justifica
por si mesma, mas tem sua razão de ser nos efeitos que se
prolongam para além dela e que persistem mesmo após a cessação
da ação pedagógica" (1983, p.80).
A visão espontaneísta
de educação, porque desligada de
finalidades sociais definidas, articuladas às necessidades das
camadas majoritárias, apresenta-se, não raras vezes, como
revolucionária, mas se revela conformista na medida de sua
postura que lembra o individualismo pedagógico, sem a
consciência de classe. Ao oposto das pedagogias não-diretivas, a
Pedagogia histórico-crítica não advoga a submissão ao interesse
imediato dos estudantes e nem à experiência vivida. Procura,
portanto, superar a visão imediatista
quanto aos conteúdos
pedagógicos. SAVIANI, dirá: "muito mais do que limites para a
liberdade, conteúdos fundamentais, clássicos
, que resistiram ao
tempo, são "potencializadores" da liberdade". Percebe-se que o
conceito de liberdade para a Pedagogia histórico-crítica (PHC)
difere do conceito burguês de liberdade, no extremo, identificado
com livre arbítrio Para a Pedagogia progressista de origem
marxiana, a liberdade será sempre a consciência da necessidade
,
segundo a tradição filosófica spinozista e hegeliana. A liberdade
surge como resultado de luta contra os carecimentos essenciais que
são negados às pessoas. A consciência da necessidade
de
revolucionar e transformar a realidade concreta do mundo conduz as
classes subordinadas em motores da história
.
Sabe-se que o conhecimento racional, desinteressado não existe e
que a neutralidade diante do mundo, das coisas e da sociedade será
sempre impossível; mas seria interessante saber, também, que "nem
por isso deixa de existir a objetividade" diz SAVIANI. O saber
17
acumulado historicamente que permaneceu válido como conquista
da humanidade será o objeto específico do trabalho escolar. Sobre
ele deverá recair a atenção da escola e do professor. Nesse sentido,
caberá ao mestre,
o identificar as formas mais desenvolvidas em que se mostra
ou expressa o saber objetivo elaborado pela cultura humana.
o transformar o saber objetivo em saber escolar de modo a
torná-lo assimilável pelos alunos no espaço e tempo
escolares. A didática proposta pela PHC indica 5 momentos
articulados: 1) o ponto de partida da didática é prática
social existente; 2) a seguir exige-se a problematização das
questões sociais mais urgentes; 3) para dotar o aluno de
meios, a instrumentalização do aluno será fundamental
para dar conta da solução ou encaminhamento dos
problemas; 4) a apropriação ou incorporação dos
instrumentos necessários será a pedra de toque para o
encaminhamento e solução do problema diagnosticado e 5)
por fim, retorna-se à prática social com nova compreensão
da realidade focada. (2002, p.70-72).
o prover os meios necessários para que os alunos "não apenas
assimilem o saber objetivo (científico) enquanto resultado,
mas apreendam o processo de sua produção, bem como a
tendências de sua transformação"(1992, p.17)
"A educação supõe a desigualdade no ponto de partida e a
igualdade no ponto de chegada" diz SAVIANI. Agir como se as
condições de igualdade estivessem instauradas desde o início
significaria, na verdade, assumir uma atitude pseudodemocrática. O
processo educativo real é a passagem da desigualdade à igualdade.
Assim, "no ponto de partida das relações de ensino-aprendizagem, a
democracia e a igualdade são muito mais uma possibilidade a ser
conquistada do que um dado já viabilizado" (SCHEIBE, 1987,
p.125).
18
A Educação, como trabalho não material
em que o produto não se
separa do ato de sua produção, é conceituada como o "ato de
produzir, direta e intencionalmente, em cada indivíduo singular, a
humanidade que é produzida histórica e coletivamente pelo
conjunto dos seres humanos."( 1992, p.14).
A Educação terá sempre como "matéria-prima de sua atividade o
saber objetivo, produzido historicamente" (1992, p.15). A
afirmação de que o saber objetivo (científico) produzido
historicamente será a referência, a matéria-prima da atividade
educativa contemporânea, colocará o conhecimento científico no
centro do projeto político-pedagógico histórico-crítico, visto que a
contemporaneidade trouxe o prevalecimento das relações sociais
sobre as naturais e o primado do mundo da cultura
sobre o
mundo da natureza
, como ensinava o velho MARX.
No mundo atual "o saber metódico, sistemático, científico,
elaborado, passa a predominar sobre o saber espontâneo, natural,
assistemático, resultando daí que a especificidade da Educação
passa a ser determinada pela forma escolar" (1992, p.15). Assim,
para SAVIANI, na trilha dos grandes Educadores, a educação
escolar é a forma hegemônica (dominante) da Educação. Nesse
sentido, a tarefa maior da escola é criar as condições básicas para a
apropriação inteligente dos instrumentos intelectuais, lógicos,
matemático,
literários,
científicos,
históricos,
geográficos,
linguísticos, artísticos, etc. que possibilitam o acesso à cultura
elaborada historicamente e a leitura objetiva da realidade natural,
social e humana. A escola é, assim, o lugar para se organizar a
formação física, social, intelectual e humana do ser em crescimento.
Seria de todo conveniente lembrar que o ser humano não nasce
humano, ele se faz humano ao longo da temporalidade, através de
inúmeras práticas sociais, envolvendo inúmeros agentes sociais,
com destaque para a prática escolar. Em decorrência da centralidade
19
da escola no processo de formação humana, o currículo escolar
deve espelhar, tanto quanto possível, a cultura elaborada
historicamente através de escolha cuidadosa dos conteúdos
nucleares.
No presente há falsa democratização da escola. Pensa-se em acesso
e permanência, sem pensar na conclusão. Pensa-se no quantitativo
sem pensar na qualidade social, intelectual, científica, ética da
educação. Infelizmente, diante das pressões sociais, o sistema
improvisou salas, multiplicaram-se os turnos e comprimiram-se os
salários dos professores. O número excessivo de alunos por classe
ainda atormenta o professorado, nem sempre bem formado pelo
próprio sistema.
Há grande desafio atual para a Educação de hoje. "Os artefatos ou
recursos tecnológicos, desde os mais simples até as tecnologias
avançadas da era atual, são extensão das mãos humanas tendo, por
objetivo, potencializar o trabalho humano. A chamada
revolução
da micro-eletrônica" acrescenta novas determinações à relação
pedagógica e, portanto, à figura do professor. Mas, em matéria de
educação, o professor e o aluno continuam "a ser fundamentais,
tanto na pequena sala de aula, quanto na grande sala de aula do
mundo" (1997, p.15).
Saber lidar com a contradição inerente à sociedade de classes torna-
se importante para "entender o seu tempo, estar contra ele numa
oposição direcionada à construção de uma sociedade justa,
igualitária e fraterna" pensada e desejada para todos, eis a
preocupação filosófica básica de SAVIANI. Os valores, como
manifestações do dever-ser
possível, do não-existente
atual,
determinam os fins a serem atingidos pela prática pedagógico,
transformando o ideal em real, em concreto
. É preciso entender
20
que "a humanidade somente coloca problemas que pode resolvê-los
no tempo e no espaço", como afirma a filosofia da práxis.
A Educação tem relação visceral com a Política, mas são práticas
sociais específicas. Será preciso distingui-las para desvendar, em
profundidade, a natureza e a especificidade do fenômeno educativo
e do fenômeno político para, assim, melhor entender o
relacionamento de ambas no plano social. A identificação entre
ambas desconhece o fato da existência de diferentes funções sociais
no interior da prática social geral. A Educação é prática sócio-
política na medida que o alvo da educação escolar é conscientizar,
humanizar e emancipar o ser humano.
Por último, numa visão dialética não há conteúdo sem método.
SAVIANI escreverá, de modo lapidar:
"Uma pedagogia articulada com os interesses populares valorizará, pois, a
escola; não será indiferente ao que ocorre em seu interior; estará empenhada
em que a escola funcione bem; portanto, estará interessada em métodos de
ensino eficazes. Tais métodos situar-se-ão para além dos métodos
tradicionais e novos, superando por incorporação as contribuições de uns e
de outros. Serão métodos que estimularão a atividade e iniciativa dos alunos
sem abrir mão, porém, da iniciativa do professor; favorecerão o diálogo dos
alunos entre si e com o professor, mas sem deixar de valorizar o diálogo
com a cultura acumulada historicamente; levarão em conta os interesses dos
alunos, os ritmos de aprendizagem e o desenvolvimento psicológico, mas
sem perder de vista a sistematização lógica dos conhecimentos, sua
ordenação e gradação para efeitos do processo de transmissão-assimilação
dos conteúdos cognitivos." (2002, p.69)
Como se depreende da leitura atenta dos pontos cardeais da pedagogia histórico-
crítica a Educação é prática social direcionada à formação do estudante e das populações
necessitadas.
21
REFERÊNCIAS
FERREIRA DO VALE, José Misael. Diálogo aberto com Saviani. In: (1994)Dermeval
Saviani e a educação brasileira: o simpósio de Marília. São Paulo: Cortez.
SAVIANI, Dermeval. Educação não é filantropia. In: (1977) Presença Pedagógica. Belo
Horizonte (MG), V.3, N.13, Jan./Fev.
__________________. (1983) Escola e Democracia. São Paulo: Cortez/Autores Associados
e Autores Associados.
__________________. (1992) Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações. São
Paulo: Cortez/Autores Associados e Autores Associados.
SCHEIBE, Leda. A compreensão histórico-crítica da educação. In: (1994) Dermeval Saviani
e a educação brasileira: o simpósio de Marília. São Paulo: Cortez.
Bauru (SP), 03 de março de 2003,
José Misael FERREIRA DO VALE
1.2 FUNDAMENTOS FILOSÓFICOS DO PENSAMENTO DE DERMEVAL SAVIANI
(Texto elaborado para aula de Filosofia da Educação)
1 – É característica do pensamento de SAVIANI a ideia de importância da fundamentação
teórica para que o educador supere o empirismo e o senso comum presentes na prática
diuturna das escolas. Contudo, a fundamentação teórica não aparece como algo à parte na
obra pedagógica de SAVIANI. Ela brota no ato de pensar os problemas da educação
brasileira, no enfrentamento dos problemas colocados pela prática social, o que significa
fazer Filosofia da Educação em ato, no momento da reflexão sobre os problemas
educacionais; com esse entendimento SAVIANI recusa a Filosofia da Educação como
reprodução
dos estudos de educação, pela Filosofia Geral, encontrados em filósofos
tradicionais.
2 – SAVIANI, ao seguir o método da economia política proposto por MARX, confere
decisiva importância ao processo de mediação do abstrato para se alcançar o "concreto
pensado", a realidade efetiva. É pacífico para SAVIANI que a apropriação do saber
socialmente existente e acumulado historicamente não é um ato conflitivo com o
desenvolvimento da autonomia de pensamento e, consequentemente, com a criatividade de
pensamento do indivíduo. Ao se apropriar dos clássicos (da literatura, da ciência, da
22
história etc.) o estudioso recria as categorias estudadas dentro das perspectivas de seu
contexto e de seu entendimento social;
3 – Um aspecto que perpassa a fundamentação teórica de SAVIANI é a questão da relação
entre educação e transformação social, educação e formação econômico-social, educação
e possibilidade de superação do capitalismo.
A educação é mediação, porque a prática social educativa é o processo pelo qual o ser
humano se torna humano. A educação é, em síntese, o processo histórico-social de
humanização do ser humano. Em decorrência dessa tarefa, cabe à educação e por extensão ao
educador a tarefa de criar as condições básicas para se ultrapassar a sociedade alienada que
hoje asfixia o ser humano tratando-o como mero meio para fins ilegítimos. Neste sentido,
educar para SAVIANI não significa apenas educar para a sociedade, mas formar sujeitos
conscientes da necessidade de transformá-la, criando as condições indispensáveis para o que o
ser humano se desenvolva em vários sentidos
e possa, ao mesmo tempo, usufruir de todos
os recursos necessários ao processo de humanização enquanto "síntese de múltiplas
determinações". É bom relembrar que SAVIANI não vê a educação com processo que produz
diretamente a transformação social, isto é, a educação não altera diretamente as estruturas
sociais existentes e suas condições materiais. A educação atua na transformação das
consciências que atuam na prática social. As consciências são os sujeitos humanos que atuam
no âmbito da prática social. O conjunto de sujeitos conscientes gerará, mais dias menos dias, a
transformação social;
4 – SAVIANI, ao compreender a educação como atividade mediadora no interior
da prática social geral, pressupõe como tarefa básica da educação a elevação da
consciência das massas através da educação escolar. Nas pegadas de MANACORDA e
SNYDERS, SAVIANI tem claro que sem a elevação do nível cultural das camadas populares
não será possível criar hegemonia e transformar a realidade social e humana existente. Sem
cultura não será possível criar hegemonia. Daí, a Pedagogia histórico-crítica defender a
apropriação do saber sistematizado, da cultura letrada como condição sine qua non para a
superação da dominação de classe. Como se nota, a Pedagogia histórico-crítica implica em
necessário posicionamento de classe e superação das relações de dominação existentes; em
assim sendo, a Pedagogia histórico-crítica se revela revolucionária no sentido de querer
superar o modelo de sociedade existente;
23
5 - SAVIANI sabe muito bem que a educação por si só não transforma diretamente a
estrutura social. Nenhuma prática social isoladamente consegue realizar mudanças estruturais.
Como se disse anteriormente, a transformação que a educação efetua é aquela que se dá
através do processo de transformação das consciências, portanto, de uma transformação
indireta.
SAVIANI, com base nas análises de GRAMSCI, sabe que a relação entre
infraestrutura e supraestrutura é dialética por excelência. Há mútuo condicionamento dabase
material sobre a base cultural e desta sobre a base material. Tendo como pontos básicos: a)
o caráter mediador da educação no conjunto da prática social; b) a especificidade das práticas
sociais; c) o entendimento da educação como processo de transformação das consciências; d)
o movimento circular, mutuamente condicionante, da infra e supraestruturas, SAVIANI
supera duas formas particulares de análise do processo de educação como transformação:
a posição idealista que vê na educação, a prática social que, por si
só, e de modo direto, transforma as condições sociais e
a posição do materialismo mecanicista que vê a transformação
das consciências como processo decorrente unicamente da
transformação da base material da sociedade.
6 – SAVIANI entende, também, que a relação entre educação e transformação social
exige uma lógica apropriada para captar o movimento real e seus aspectos contraditórios.
Neste sentido, a lógica formal não é o instrumento mais adequado. Para compreender em que
consiste a educação das consciências como base da transformação social será preciso
encontrar uma lógica que dê conta do movimento real da sociedade e incorpore a contradição
como dado da própria realidade, uma lógica que espelhe a realidade histórico-social como
movimento e possibilidade de mudança. O método dialético surge como o instrumento, a
ferramenta que permite ao Educador compreender racionalmente as relações básicas entre
pólos distintos e não excludentes, mas complementares, superar as posições particulares,
através de síntese superior. A lógica dialética não trabalha no plano do ou
alternativo,
excludente, o aut latino, como na expressão: "A Educação é uma questão técnica ou
política?" Pela lógica formal, centrada no princípio da não-contradição lógica, o sujeito será
obrigado a optar entre o técnico e o político. Pela lógica dialética, centrada no real movimento
das coisas, o técnico e o político não se excluem, mas possibilitam uma síntese superior que
incorpora o técnico e o político sem destruí-los;
24
7 - O Método da economia política
,está na base das reflexões pedagógicas de
SAVIANI. O método proposto por Marx distingue três níveis de aproximação do real: a)o
empírico (tomado pelas pessoas como o concreto, pois se baseia na percepção sensorial
imediata); b) o abstrato (através do pensamento, o único meio de o ser humano gerar o
conhecimento pela criação de categorias do entendimento, num processo de tentativa de se
acercar da realidade natural, social e humana) e c) o "concreto pensado" (fruto do processo
de análise e síntese que permite captar a realidade como síntese de múltiplas relações
). No
processo de conhecimento parte-se de abstrações gerais, amplas, de síncreses (maneiras
caóticas de compreender o mundo). Através da mediação do pensamento, mediante
categorias, chega-se à apropriação do real como síntese de múltiplas relações
pelo uso
dialético do método regressivo (analítico) e progressivo (sintético). O que precisa ficar bem
esclarecido é que o acesso ao concreto pensado
, isto é, ao concreto real, acontece pela
mediação do abstrato, pela via do pensamento, único meio do ser humano se acercar da
realidade natural, social e humana;
O Método da economia política
não dispensa, entretanto, a lógica formal.
Esta permite identificar, classificar, ordenar, catalogar, organizar os múltiplos aspectos da
realidade natural, social e humana. Mas, a lógica formal se revela limitada porque tem
dificuldade em dar conta do movimento real das coisas em seus múltiplos aspectos e
relações diversas. A lógica dialética incorpora a lógica formal e a supera. Como diz
OLIVEIRA:
"O caminho do pensamento para captar o real na sua concreticidade parte,
portanto, da manifestação da realidade aos nossos sentidos, isto é, daquilo que
imediatamente nos aparece como real, que é somente o empírico, mas que, para alguns,
como no positivismo, é tomado como a realidade mesma; passa pelo momento do abstrato,
que nos possibilita captar as mediações em suas múltiplas relações, não perceptíveis pelos
sentidos; e chega, finalmente, ao concreto pensado. É nesse momento que o pensamento se
apropria do concreto-real, enquanto síntese de múltiplas determinações."(1994:123).
8 – A proposta de construção de uma Pedagogia histórico-crítica passa,
finalmente, por uma visão histórica do ser humano, ser de circunstâncias, mas capaz de
mudar as circunstâncias. SAVIANI sabe que as circunstâncias fazem o ser humano, mas o ser
humano faz as circunstâncias. O determinismo histórico e social não é total, pois a liberdade
25
(entendida como consciência da necessidade
) permite que o ser humano altere o contexto
em decorrência de necessidades reais, de valores e fins afinados com o processo de
humanização, de criação do humano pelo humano. Mas, para mudar o contexto é preciso
contar com a EDUCAÇÃO ESCOLAR como lugar de apropriação do conhecimento, pensado
no bojo da dialética processo/produto cultural que habilita o ser humano a conhecer a
realidade, fazer a sua leitura e modificá-la como ser histórico-social concreto. Em suma, para
mudar é preciso conhecer, apropriar-se do conhecimento legítimo, objetivo, capaz de armar as
pessoas de ferramentas
de diferentes tipos, indispensáveis ao processo de transformação e
criação de nova realidade social. O trabalho educativo, diz SAVIANI, tem como meta
"produzir direta e intencionalmente nas pessoas aquilo que foi produzido histórica e
coletivamente pelo conjunto dos seres humanos". Daí, a necessidade imperiosa de a escola
socializar o saber, disponibilizá-lo a todos e utilizar métodos adequados que favoreçam a
apropriação inteligente do conhecimento produzido histórica e socialmente. Daí, também, o
cuidado com a qualidade do conhecimento disponibilizado a fim de se evitar de "fazer uma
escola pobre para o pobre"(VALE, 2002) aumentando as distâncias sociais através da própria
educação escolar.
Bauru, 05 de março de 2003.
José Misael FERREIRA do VALE
BIBLIOGRAFIA
OLIVEIRA, Betty A. de. Fundamentação marxista do pensamento de Dermeval Saviani. In:
(1994) Dermeval Saviani e a educação brasileira: o simpósio de Marília. São Paulo: Cortez,
p. 105-28.
MARX, Karl. O método da economia política. In: (1996) Para a crítica da economia
política. Os Pensadores. São Paulo: Nova Cultural, p. 39-40.
SAVIANI, Dermeval. (1983) Escola e Democracia. São Paulo: Cortez/Autores Associados.
__________________ (1992) Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações. São
Paulo: Cortez/Autores Associados.
VALE, José Misael Ferreira do. (2002) Escola Pública e Sociedade. São Paulo:
Saraiva/Atual, Apresentação, p.9-10.
26
1.3 ASPECTOS IMPORTANTES DA VISÃO HISTÓRICO-CRÍTICA DE EDUCAÇÃO
(Texto orientador de aula de Filosofia da Educação)
1 – É possível articular a escola com os interesses das camadas populares. Educação e Política
são práticas sociais distintas, mas comunicantes. Decisões políticas podem afetar os rumos da
Educação e decisões educacionais trazem consigo orientações políticas mais ou menos claras.
2 – A escola é instituição mediadora entre o conhecimento sistematizado e o estudante. A ação
mediadora da escola se faz através de um profissional importante, o professor, que procura criar as
condições para que o estudante aproprie-se do saber estruturado, clássico
, gerado pela humanidade
no seu caminhar histórico.
3 – A escola não transforma a sociedade de maneira imediata, mas cria as condições básicas
para a transformação social quando consegue instrumentalizar o estudante dotando-o de "ferramentas
simbólicas" de caráter matemático, histórico, geográfico, científico-natural, social, verbal, linguístico,
artístico, moral, etc.. A apropriação de ferramentas simbólicas
permitirá aparelhar o estudante de a
cultura científica necessária para a compreensão do mundo e sua possível mudança. O saber objetivo e
seu domínio é uma das condições para o sucesso da luta política.
4 – O aspecto político da Educação torna evidente quando a escola, através de seus
profissionais, procura garantir a todos o ensino de qualidade para a quantidade dentro das condições
históricas concretas. O Educador, consciente de seu papel social no processo de transformação da
sociedade injusta, evitará fazer, dentro das possibilidades, uma escola pobre para o pobre, pois sabe
que o ensino empobrecido, apoucado, aumenta as diferenças sociais. "Será preciso dominar o que os
dominadores dominam" para se libertar.
5 – Em termos de finalidades e valores, a luta dos Educadores será a favor da escola pública
democrática, laica e de qualidade voltada para a cultura humana sistematizada que elimine a exclusão.
A escola formadora de qualidade terá que ser para todos sem qualquer discriminação. É preciso lutar
pela Escola Pública porque ela é a única instituição social que, neste momento histórico, abre espaço
para a instrução e educação dos filhos das camadas populares. É fundamental criar um "coletivo
instruído que possibilite um
salto qualitativo" em termos de mudança social.
6 – O Educador comprometido com a transformação social terá que se aparelhar teoricamente
para superar o poder ilusório das teorias não críticas de educação (Pedagogia Tradicional e Pedagogia
Nova) bem como a impotência das teorias crítico-reprodutivistas que olham a escola como local
27
exclusivo da violência simbólica
, da segregação das classes sociais
, da subordinação ao estado
e
da dominação intelectual e moral
. A escola não faz apenas o jogo do poderoso. A escola pode e deve
ser um espaço de formação, ensino e aprendizagem e, ademais, de desenvolvimento do espírito crítico
e da cultura no sentido do avanço rumo a uma sociedade menos desigual.
7 – A Educação é uma forma de trabalho. É um trabalho não material que não separa a teoria
da prática, a quantidade da qualidade, a educação da sociedade, o meio do fim, o objetivo do subjetivo,
o formal do informal, o contínuo da ruptura, o aluno do professor, o conteúdo do método etc. A
Educação como prática social geral invade todos os espaços sociais, mas a Educação Escolar é, sem
dúvida, a forma hegemônica de Educação, porque através dos sistemas escolares as sociedades
contemporâneas procuram formar a novas gerações que constantemente chegam à vida social.
8 - É através do sistema escolar que se consegue fazer com que milhões de jovens assimilem e
apropriem de modo individual, cada qual segundo sua potencialidade, do conhecimento que a
Humanidade, através de muito sangue, suor e sofrimento, vem produzindo social e historicamente ao
criar a própria existência. O ser humano não nasce humano. Faz-se humano no decorrer de sua história
ao assimilar a experiência social.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
SAVIANI, D., Escola e democracia. 20.ª ed., São Paulo: Cortez/Autores Associados, 1988.
___________, Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações. 3.ª ed., São Paulo:
Cortez/Autores associados, 1992.
___________, Ensino público e algumas falas sobre universidade. São Paulo: Cortez/Autores
Associados, 1984.
___________, Educação: do senso comum à consciência filosófica. São Paulo: Cortez/Autores
Associados, 1980.
BAURU, 1992.
José Misael FERREIRA DO VALE
28
1.4 COMENTÁRIOS SOBRE A NATUREZA E ESPECIFICIDADE DA EDUCAÇÃO
Considero o texto SOBRE A NATUREZA E ESPECIFICIDADE DA EDUCAÇÃO,
de Dermeval SAVIANI, um dos escritos fundamentais que baliza a Pedagogia histórico-
crítica, pedagogia formulada, em linhas gerais, no ano de 1979, pelo ilustre Educador bastante
conhecido por aqueles que tratam, de modo sério, as coisas da educação. Qual a razão para se
privilegiar o texto, passado tanto tempo de sua formulação? A razão maior diz respeito à
necessidade de conceituar em bases sólidas uma área controversa sujeita a muitas flutuações.
Porque a maioria das pessoas sofreu
alguma influência educativa dentro e fora da escola,
todos, sem exceção, julgam-se capazes de falar e avaliar sobre a educação, vivenciada por
todos, de modo espontâneo, na prática social. Baseados no empirismo, em experiências não
críticas, acreditam que tudo sabem sobre a prática educativa. Ademais, é necessário que se
tenha um mínimo de unidade teórica para poder analisar em profundidade uma prática social
importante como a Educação. Sem ter claro o caminho a seguir poucos resultados importantes
decorrerão da prática educativa. Lembre-se do gato maltês, cinza-azulado, de conhecida
fábula moderna, ao responder à indagação de Alice sobre que rota a menina deveria tomar,
num determinado momento da aventura vivida pela criança. Em tradução livre, o diálogo se
transcorre assim:
____Gato maltês, qual caminho devo tomar? pergunta Alice.
____Você sabe para onde quer ir? indaga o gato.
____ Não sei, respondeu Alice.
____Então, qualquer caminho serve, respondeu o gato.
O texto SOBRE A NATUREZA E ESPECIFICIDADE DA EDUCAÇÃO tem o
mérito de indicar o caminho a seguir pela Pedagogia, no caso a Pedagogia histórico-crítica.
Sou enfático em dizer que bastaria este escrito de SAVIANI para fundamentar toda a ação
histórica e crítica da educação. Basta, portanto, analisar passo-a-passo o desenvolvimento da
argumentação ao longo do importante artigo para perceber a importância fundamental do
conjunto de ideias formulado pelo filósofo da educação. Entendo, também, que embora a
Pedagogia histórico-crítica, não possa e não deva escapar dos condicionantes sócio-
econômico-culturais, a visada do Professor SAVIANI é filosófica porque a educação escolar
está visceralmente ligada à questão de fins e valores, isto é, a ação pedagógica é atividade
teleológica e axiológica, direcionada a alvos humanos, fundamentalmente, à ação formadora
de humanos por humanos, numa situação histórico-social.
29
Em primeiro lugar diz o texto que "a compreensão da natureza da educação passa
pela compreensão da natureza humana". Diferentemente da natureza animal o ser humano
necessita produzir continuamente sua própria existência
. A afirmação significa que o ser
humano não sobrevive apenas com as dádivas da natureza, como o animal que ao nascer
precisa procurar, por si, no ambiente natural, os alimentos para sua subsistência. O felino, no
caso, por exemplo, do puma, depois de dois anos o filhote deixa a mãe e vai caçar por conta e
risco e, assim, procura obter o seu sustento que encontra pronto na natureza. No limite, o
animal não cria o alimento, mas o busca ao largo da natureza. Não é o caso da criança que
depende por longo tempo do alimento produzido ou comprado de alguém que o produziu para
si e para os outros, através do expediente de alienação da produção pela venda, troca ou
doação. Daí, SAVIANI dizer que o ser humano "necessita adaptar a natureza a si, isto é,
transformá-la. E isto é feito pelo trabalho". Pelo trabalho o ser humano produz para si e
para os outros. E sem o trabalho não se cria a cultura material e imaterial humana. O "filósofo
da práxis" por sua vez percebeu claramente o fato de que para criar a História é necessário
que o ser humano, pelo trabalho, faça a vestimenta, o agasalho, o sapato, a sandália, a casa, o
alimento e a comida e todos os outros instrumentos para sua existência humana . Só assim, ao
resolver os carecimentos primários essenciais, poderá fazer novas transformações e gerar, em
consequência, a História. Leia a Ideologia Alemã. Nela, diz o pensador da práxis e seu
companheiro de lutas sociais:
Como os alemães não apresentam qualquer premissa, devemos
começar pela premissa básica de toda a existência humana, e,
portanto, de toda história, ou seja, a de que os humanos devem
estar em condições de viver para poder fazer história. Mas para
viver, é preciso antes de tudo beber, comer, uma habitação,
roupas e ainda outras coisas. A primeira realidade histórica é,
portanto, a produção dos meios que permitam satisfazer tais
necessidades, a produção da própria vida material, e isso
constitui, na realidade, um fato histórico, uma condição
fundamental de toda a história e que se deve, hoje como a
milhares de anos, executar dia a dia, hora a hora, simplesmente
para manter vivos os humanos. Mesmo quando o mundo
material se reduz ao mínimo, a um bastão como em São Bruno,
ela pressupõe a ação de produzir o bastão. A primeira
necessidade, em qualquer concepção histórica, é, portanto,
30
observar esse fato fundamental em toda sua importância e em
toda sua extensão e dar-lhes a devida importância. Todos
sabem que os alemães jamais o fizeram ____ jamais tiveram,
portanto, uma base terrestre para a história, e não tiveram, em
consequência, jamais um único historiador.
Neste texto avassalador, MARX/ENGELS criticam a visão idealista hegeliana de
Bruno Bauer que, no limite, apoia-se no Espírito como potência capaz de transformar a
realidade concreta do mundo. Ao contrário, será preciso pensar o ser humano numa relação
dialética com o mundo, através do caráter transformador do trabalho, criador, em suma, das
diferentes práticas sociais geradoras da cultura humana tão rica e diversificada. É preciso
entender que produção gera produção e que cultura gera cultura, educação gera mais
educação, num processo dialético ao longo do tempo histórico. E, no modo de produção
capitalista atual, a quase totalidade da produção é produção para o capital. Disso tudo, a
afirmação de página 19, de a Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações, (3.ª ed.
São Paulo: Cortez/Autores Associados, 1992) é esclarecedora porque repõe a questão central
em relação à educação:
Dizer, pois, que a educação é fenômeno próprio dos seres
humanos significa afirmar que ela é, ao mesmo tempo, uma
existência do e para o processo de trabalho, bem como é, ela
própria, um processo de trabalho.
A produção da existência humana pelo trabalho é o aspecto nuclear que garante,
desde sempre, a construção e reconstrução da vida humana no tempo e no espaço. Na base
desse processo de subsistência, o trabalho material se agiganta de tal modo que produção
gera mais produção para atender ao individual e ao social. Mas, a produção humana é
essencialmente dialética. O trabalho material está diretamente relacionado ao trabalhonão
material, trabalho que nos dois casos citados anteriormente estão ligados a fins ou propósitos
e valores especificamente humanos. O filósofo da práxis
diz que ao contrário do animal o
ser humano pensa num projeto antes de agir. A aranha sempre construirá a teia conforme os
ditames do instinto inscrito no seu patrimônio genético. O seu modo de agir segue um
roteiro
rígido, nada flexível. Ao contrário, os humanos erram em sua prática, mas são
capazes de corrigir a falha e arquitetar novos procedimentos tornando sua ação cada vez mais
aperfeiçoada e flexível de tal modo que o pior construtor será, certamente, mais criativo, mais
flexível, inovador e transformador do que a melhor abelha que constrói, continuamente, seus
favos com perfeição, sem alterá-los no tempo e no espaço. Tudo, porque o ser humano pensa
31
o projeto antes de executá-lo. E, pensar na finalidade das coisas é pensá-las em função das
necessidades humanas.
O trabalho imaterial ou não material "coincide com a produção
do saber, isto é,
a produção espiritual (...) expressa distintas
maneiras de apreensão do mundo. Daí ser possível falar com
propriedade de saber ou conhecimento sensível, intuitivo,
afetivo, intelectual, lógico, racional, artístico, estético,
axiológico, religioso e, mesmo, conhecimento prático e
conhecimento teórico. Do ponto de vista da educação esses
diferentes tipos de saber não interessam em si mesmos; eles
interessam, sim, mas enquanto elementos que os indivíduos da
espécie humana necessitam assimilar para que se tornem
humanos. Isto porque o homem não se faz homem naturalmente;
ele não nasce sabendo ser homem, vale dizer, ele não nasce
sabendo sentir, pensar, avaliar, agir. Para saber pensar e
sentir, para saber querer, agir ou avaliar é preciso aprender o
que implica o trabalho educativo."
A lição que fica é que a educação sistemática é o caminho para a apreensão do
conhecimento ou do saber que a Humanidade vem acumulando ao longo dos séculos, saber
fundamental para a geração de novos conhecimentos através da aprendizagem de conteúdos
relevantes por meio de métodos vivos que iniciem a ação pedagógica pela prática social, após
a incorporação dos instrumentos intelectuais, retornar à prática social com nova compreensão
da realidade material e espiritual. O saber objetivo produzido historicamente precisa ser
assimilado e apropriado por todos como condição sine qua non para o desenvolvimento da
espécie humana como totalidade orgânica, material e espiritual. Pode parecer utópico falar em
desenvolvimento da espécie humana, mas o fim da educação será sempre a formação do ser
humano tendo como um dos valores a união e fraternidade dos povos. Fora dessa orientação
teleológica e axiológica a educação tenderá mais para a desigualdade do que para a sonhada
igualdade de oportunidades, direitos e usufruto das condições materiais e espirituais criadas
pela