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Valor E Educação
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E-book436 páginas4 horas

Valor E Educação

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Sobre este e-book

O livro trata especificamente da Teoria do Valor de Marx e a Teoria da Educação. O Autor entende que a Teoria do Valor de Marx vai além da economia dos economistas . Recusa uma visão reducionista do valor; procura evidenciar que o valor é uma abstração fundamentada, contextualizada e histórica que abarca toda a prática social no tempo e no espaço. O fundamento do valor está no trabalho humano que desde tempos imemoriais valoriza as coisas e as ações sob a dialética do uso e troca no espaço da existência. A Educação contemporânea não escapa por sua vez da dialética da quantidade (como formação de todos) e da qualidade (como formação integral da pessoa humana).
IdiomaPortuguês
Data de lançamento7 de set. de 2019
Valor E Educação

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    Valor E Educação - José Misael Ferreira Do Vale

    1

    JOSÉ MISAEL FERREIRA DO VALE

    VALOR E EDUCAÇÃO

    VISÃO HISTÓRICO-CRÍTICA DO PROCESSO DE VALORAÇÃO

    1.ª Edição

    Bauru – São Paulo

    Clube de Autores

    2019

    2

    370.1

    FERREIRA DO VALE, José Misael.

    Valor e Educação : visão histórico-crítica do processo de valoração.

    José Misael Ferreira do Vale. Bauru (SP), 2019,

    229 p.

    ISBN

    Inclui Bibliografia

    1.Valor e educação. 2. Pedagogia histórico-crítica. 3 Estudo de Filosofia da Educação. 4. Axiologia e teleologia da Educação Escolar. 5.

    Teoria do Valor e Teoria da Educação. 6. Teoria e prática na Educação Escolar. I. Título.

    Anexos.

    3

    AGRADECIMENTOS

    1. Ao meu pai, Francisco Marques do Valle, pessoa trabalhadora e minha estimada mãe, Isabel Ferreira do Valle, pessoa perspicaz, que lutaram para que eu tivesse a oportunidade de educação escolar e crescesse intelectualmente sem, contudo, terem a oportunidade de me verem titulado.

    2. À Cleusa, mulher e companheira a enfrentar comigo os percalços da vida conjugal, social, econômica e profissional. Tenho a consciência da necessidade de pedir-lhe desculpas pela paciência que teve ao suportar a minha ausência durante estudos diários alongados.

    3. Aos filhos Éverton, Eliara e Élid que durante quatro anos ficaram sem minha atenção direta enquanto o genitor vivia afogado em estudos e leituras. Deixo-lhes o resultado do meu trabalho acadêmico que, em certo período da minha vida, me distanciou do convívio familiar.

    4. Ao distinto orientador, Professor Doutor Dermeval Saviani, expoente da reflexão histórico-crítica na Educação Nacional. Agradeço pela oportunidade que o ilustre Educador me concedeu para realizar os estudos pós-graduados em Educação.

    5. Ao Professor Doutor Antonio Francisco Magnoni que solicitou o auxílio do aluno Carlos Henrique Demarchi, do Curso de Jornalismo da UNESP/BAURU/FAAC, para realizar o cansativo trabalho de digitação do trabalho acadêmico.

    6. À Pontifícia Universidade Católica de São Paulo pela oportunidade da titulação através de sua Pós-Graduação em Educação.

    Bauru (SP) - 2019

    4

    SUMÁRIO

    AGRADECIMENTOS 3

    SUMÁRIO

    4

    1. AS RAZÕES DO TEXTO

    5

    2. PREFÁCIO DE DERMEVAL SAVIANI

    8

    3. INTRODUÇÃO

    10

    4. VALOR E REFLEXÃO SOBRE O VALOR

    20

    5. AS BASES DO VALOR

    36

    6. PRÁXIS E VALOR

    73

    7. EDUCAÇÃO E VALOR

    100

    8. BIBLIOGRAFIA

    143

    9. ANEXOS

    164

    5

    AS RAZÕES DO TEXTO

    Por que somente em 2019 a tese Valor e Educação: visão histórico-crítica do processo de valoração vem a público sob a forma de livro?

    O trabalho acadêmico defendido na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, no início do mês de dezembro de 1983, portanto, há vários anos, ficou guardado, no fundo da gaveta, a espera de oportunidade para possível revisão com base nas questões pertinentes formuladas pelos ilustres membros da banca examinadora durante o mês de dezembro, na capital paulista.

    Não foi receio de publicar o texto, certamente sujeito a críticas, uma vez que o digníssimo orientador sugeriu a imediata publicação, sem maior tardança, logo após a defesa do trabalho intelectual.

    No final do ano de 1983, o autor da tese encontrava-se assoberbado de inúmeras atividades inadiáveis no âmbito da Faculdade em que trabalhava como docente. Diante de tantas tarefas, a tese foi deixada de lado e, com razão, adormecida temporariamente, para ser retomada em momento oportuno, que se estendeu por 36 anos. Tal como célebre livro de conhecido pensador, cujo texto ficara muitos anos no fundo de uma gaveta sujeito à crítica roedora dos ratos; também a humilde tese ficou esquecida sob o sono profundo do anonimato.

    No decorrer de mais de três décadas de sua apresentação pública perante banca qualificada, o autor publicou inúmeros textos sobre educação na perspectiva dos estudos abordados no trabalho de doutorado. Dois trabalhos recentes são apresentados ao final do livro como adendos posteriores à tese, para apreciação e análise do leitor.

    Não se teve a ânsia, tão comum de resguardar a primazia da publicação de ideias, algo valorizado no ambiente competitivo da Universidade. Ao se reler o texto original em 2014, verificou-se que, mesmo hoje, muitos anos depois da elaboração original, o trabalho intelectual apresentava abordagem única entre todos os textos que tratavam do valor como categoria existencial, histórico-critica, histórico-social.

    6

    Deve dizer-se que a tese foi, certamente, o primeiro texto que tomou como fonte de inspiração e conhecimento as ideias de o filósofo da práxis que, ao analisar o modo de produção vigente, como o mundo da mercadoria, propôs a Teoria do Valor (tratada, anteriormente, pelo economista inglês Ricardo) no plano da práxis econômica, embora os economistas burgueses da atualidade a considerem sem valor algum. Basta dizer que famoso economista brasileiro não teve dúvidas em dizer que a teoria do valor de Marx era defunta. De igual modo um filósofo brasileiro afirmou que a teoria do valor era assunto exclusivo de economia e, como tal, nada tinha de filosófica. Não é assim que o texto vê a Teoria do Valor proposta em O

    Capital. Embora a teoria do valor tenha sido pensada no plano da economia burguesa (e não poderia ser de outra forma), permite a análise filosófica além da

    economia dos economistas, quando se tem a perspicácia de perceber que a distinção entre valor de uso (como polo dialético da qualidade) e valor de troca

    (como polo dialético da quantidade) possui valor explicativo além da mera prática econômica vigente, em especial quando a distinção dialética da mercadoria se aplica ao âmbito da Educação e Cultura.

    O valor como concreto, como síntese de múltiplas determinações na concepção marxiana é abstração fundamentada, racional porque fruto do pensamento humano, único meio que o ser humano dispõe de atingir a realidade sem elidir o mundo fora do próprio sujeito pensante. Quem não conhece o Método da Economia Política de Marx jamais entenderá o fato de o Valor ser uma abstração fundamentada, concreta, isto é, o Valor como concreto pensado.

    Sempre me causou interrogação o fato de Marx não analisar a mercadoria como síntese simplesmente de uso e troca. O uso do termo valor ( Wert) utilizado em O Capital não me pareceu ocasional, mas marcou, a meu ver, o processo humano dialético de pensar a qualidade e a quantidade, como síntese dialética do diverso.

    Parece, ademais, que ninguém duvida que o processo de valoração em Educação implica tanto o lado da finalidade e utilidade da Educação como o lado valorativo da oferta democrática da Educação. A Educação como prática social tem seu valor de uso essencial à formação das pessoas na sociedade do conhecimento em geral e da tecnologia em particular. Como valor de troca a Educação é o meio, o instrumento para socializar o conhecimento em geral e a tecnologia para todos, fato indispensável ao salto qualitativo da Sociedade mais esclarecida e justa, e que nos tempos atuais confrontam-se em classes de proprietários e não-proprietários.

    7

    O autor deste trabalho intelectual usa a expressão marxiana quando utiliza textos de Marx que não padecem de dúvida e são transcritos como foram escritos pelo Filósofo da Práxis. O termo marxista é usado quando se interpreta uma afirmação de algum modo problemática que exige posicionamento pessoal cognitivo em relação a determinada questão posta pelo Filósofo. Daí dizer-se que Marx não é

    marxista. Marxiano, por sua vez, é indicativo que segue a interpretação correta proposta por Marx que atribui aos elementos econômicos valor preponderante na determinação dos acontecimentos histórico-sociais. A natureza humana se constitui por relações de trabalho, de produção e circulação de mercadorias às quais o ser humano se vê obrigado a participar para suprir as suas necessidades, desde as mais simples às mais complexas e chamadas de supraestruturais, dialeticamente relacionadas à infraestrutura da Sociedade no modo de produção burguês.

    8

    PREFÁCIO

    Este livro decorreu da tese de doutorado defendida pelo Prof. José Misael Ferreira do Vale no dia 2 de dezembro de 1983, cuja publicação foi recomendada pela Banca Examinadora. Particularmente, na condição de orientador, reiterei ao Misael a importância de sua ampla divulgação considerando a originalidade e relevância do tema tratado na tese de forma precisa, clara e concisa.

    De fato, sempre me pareceu reducionista e equivocado o entendimento da teoria do valor, elaborada por Marx, como dizendo respeito apenas ao âmbito da economia. Com efeito, a referida teoria do valor se fundamenta no trabalho que, entendido como atividade dirigida com o fim de criar valores, define a essência humana. E Marx é enfático ao considerar, no capítulo V do Livro I d’O Capital, que o trabalho é condição natural eterna da vida humana, sem depender, portanto, de qualquer forma dessa vida, sendo antes comum a todas as suas formas sociais.

    Consequentemente, a teoria marxista do valor diz respeito à existência humana em sua totalidade não se restringindo, de forma alguma, ao aspecto econômico. Acolhi, pois, com grande expectativa, o projeto de doutorado de José Misael que, uma vez convertido na tese concluída, entendi que deveria ser imediatamente publicada. No entanto, como o autor esclareceu na abertura do livro, em razão do acúmulo de seus compromissos acadêmicos, o texto ficou aguardando momento mais oportuno para que ele pudesse cuidar de sua publicação. Obviamente, respeitei a decisão do autor pois, nem Misael nem eu operávamos no espírito nada louvável do produtivismo que depois desafortunadamente veio a se instaurar em nossos programas de pós-graduação.

    Finalmente, passados mais de 35 anos, recebo a auspiciosa notícia de que o texto da tese, com mínimas atualizações, está prestes a ser editado. Efetivamente, por tratar de uma temática tão significativa referente ao caráter fundante da própria existência humana, esta obra jamais perderia sua atualidade não carecendo, portanto, de maiores atualizações. Ao contrário, creio mesmo que hoje sua publicação resulta ainda mais oportuna do que à época da defesa da tese de doutoramento. Com efeito, naquele momento nos encontrávamos num processo de ascensão do reconhecimento dos valores que respaldam os assim chamados

    9

    direitos humanos. Havíamos conquistado no ano anterior (1982) as eleições diretas para governadores e começávamos o movimento das Diretas Já para elegermos o Presidente da República que desembocou na queda da ditadura empresarial-militar e no reordenamento da vida do país consagrado na Constituição de 1988.

    Diferentemente, agora nos encontramos diante de um processo regressivo marcado pelo avanço da barbárie contra a civilização que resultou naquilo que defini como uma democracia suicida em que o povo, iludido por falsas promessas, no exercício de sua soberania votou contra si mesmo, elegendo seus próprios algozes. Daí a perda de direitos e a conspurcação dos valores que entram na História pelo processo em que a humanidade se produz a si mesma ao transformar a natureza por meio do trabalho.

    Nesse contexto torna-se fundamental a ampla divulgação dessa obra que investiga o significado da categoria valor começando por situar o estado da reflexão axiológica tal como se manifestou no campo filosófico mostrando suas insuficiências. Passa, em seguida, a abordar as bases do valor explorando sua concretização na práxis humana para concluir com a explicitação da relação entre valor e educação.

    Recomendo, pois, enfaticamente a leitura da tese de José Misael Ferreira do Vale, Valor e educação: delineamentos para uma teoria materialista do valor que sai, agora, na forma de livro com o título, devidamente atualizado, Teoria do valor e

    educação: visão histórico-crítica do processo de valoração. De fato, trata-se de uma atualização procedente, pois esta obra se insere no movimento de construção coletiva da pedagogia histórico-crítica que, considerando o ser humano como o lugar único da valoração, busca desenvolver um trabalho educativo contínuo de conhecimento das condições objetivas como antídoto às ilusões ideológicas difundidas pela mídia tradicional e pelas redes sociais. Constitui-se, pois, numa importante arma de luta da civilização contra a barbárie na reconstrução de nossa jovem e frágil democracia destruída quando ainda se encontrava em processo de consolidação.

    São Sepé, 2 de maio de 2019.

    Dermeval Saviani

    10

    INTRODUÇÃO

    O objeto deste trabalho é o valor. Assunto problemático e complexo que, ao longo da reflexão filosófica, econômica e social tem suscitado inúmeras controvérsias. É categoria que aparece em diferentes níveis da práxis humana, sendo possível falar, com propriedade, tanto em valor econômico como em valor moral, valor político, valor educativo, valor estético e outros. A permanência histórica da reflexão sobre o valor parece indicar certa concretude própria de categoria enraizada no movimento histórico. O próprio devir histórico parece evidenciar um processo de construção, destruição e recuperação de valores ao longo da temporalidade. A emergência histórica das diferentes esferas da práxis social geral parece atestar o fenômeno axiológico. Assim, o aparecimento na história da esfera denominada produção ou da esfera moral é, seguramente, a concretização de valores. Compreende-se, pois, o significado da afirmação sartriana de que a realidade humana est ce par quoi la valeur arrive dans le monde1. O valor marca a presença humana no mundo. O ser humano é, entre muitas coisas, ser que valora, julga e avalia. Nisso reside, certamente, a sua diferença específica em relação aos animais.

    O objetivo deste trabalho é, como o próprio nome indica, a análise da categoria valor e sua relação com a prática educativa. Não a análise de objeto transcendente, fora da história e absoluto, mas uma abstração fundamentada, isto é, pensada, que se manifesta num contexto histórico-social. Em decorrência, a análise do valor se reporta, necessariamente, à questão das bases do valor e ao problema da objetividade do próprio valor. Pontos cruciais para o delineamento, mesmo que provisório, de uma teoria materialista do valor.

    O presente estudo tem por pressuposto teórico a convicção de que o modo de produção da vida material condiciona o processo de vida social, política e intelectual2. Não se trata, como se verá ao longo da exposição, de colocar o fato econômico como o único elemento determinante do movimento histórico, mas 1 Cf.: CUVILLIER, A.(1965) La dissertation philosophique. (L’ Action). 4.ª ed. Paris: Armand Colin, p. 91.

    2 MARX, K. (1974) Prefácio da Contribuição à Crítica da Economia Política. In: Contribuição para a Crítica da Economia Política. 3.ed. Lisboa: Editorial Estampa, p.28. Há edição brasileira, in: (1965) A Ideologia Alemã. Rio de Janeiro: Zahar Editores, p.101. Nas referências posteriores usarei abreviadamente: Prefácio de 1859.

    11

    evidenciar que a práxis humana é resultante de estrutura e superestrutura, base e ideologia, cabendo à estrutura o papel de determinante, em última instância, como afirma Engels3. Mas, cumpre ressaltar que no pensamento progressista não vigora o pensamento dicotômico cartesiano, mas o dialético em que as distinções analíticas acontecem no interior da totalidade de pensamento e ação de tal modo que ao pensar, por exemplo, em ensino surge a correlação aprendizagem e aprendizagem nos remete, de imediato, ao ensino. Assim, estrutura não se sustenta sem a superestrutura e esta, muito menos, sem aquela.

    Uma possível teoria materialista do valor não poderia desconhecer a complexa práxis humana e partir, em seguida, de uma visão redutora da realidade que, afinal, negaria a própria práxis. O problema que se coloca à reflexão filosófica do valor é captar a natureza do valor, valor que lança raízes tanto no plano da base (estrutura), como no plano das esferas supraestruturais. Em decorrência, uma percepção adequada do valor evitaria, com certeza, um hiato entre a esfera dos valores econômicos e a esfera dos demais valores. Historicamente, entretanto, essa unidade não se verificou pelo menos no que diz respeito à reflexão filosófica tradicional. Os filósofos, de modo geral, sempre se recusaram a utilizar fatos econômicos como modo de produção, trabalho, divisão do trabalho e outros como ponto de partida para a compreensão do valor. Na verdade, sempre insistiram, em maior ou menor dose, em distinguir a significação econômica da significação ética do valor. Com isto, o valor foi, gradativamente elevado a um céu de valores, a rigor, desumanizado. Neste sentido, percebe-se que a alienação4 está presente em boa parte da reflexão filosófica do valor. Aliás, a alienação que emerge, em muitos casos, no tratamento filosófico do valor é reforçada pelo progressivo isolamento das esferas do conhecimento humano, um produto histórico que se acentuou, sobremaneira, com o predomínio material e espiritual do modo de produção capitalista que atomizou o saber em especializações. Este processo de 3 Cf.: Carta a Joseph Bloch (21/09/1890). In: LUKÁKS, G.(1979) Ontologia do Ser Social. São Paulo: Ciências Humanas, p. 154.

    4 O conceito de alienação é entendido, neste estudo, como o processo pelo qual o ser humano elabora produtos que se tornam estranhos ao próprio sujeito que os cria. Na alienação, o sujeito separa-se dos produtos objetivados que adquirem autonomia e, assim, escapam, em maior ou menor dose, ao controle, seja do trabalhador, seja da sociedade. Sobre o conceito de alienação consulte:

    MARX, K. Manuscritos Económicos-Filosóficos. In: FROMM, E. (1962) Conceito Marxista do Homem. 2.ed.

    Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1º Manuscrito (Trabalho Alienado) p. 93-107.

    VÁSQUEZ, Adolfo Sánchez. (1977) Filosofia da Práxis. 2.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, apêndice II, p. 433-54.

    12

    fragmentação do saber e da ação, reflexo de condições materiais da existência, parece inviabilizar qualquer tentativa de se estabelecer uma ponte entre o valor e as condições materiais, embora o real esteja a nossa frente mostrando, através dos próprios objetos criados, a presença do espírito nas coisas e as coisas no espírito.

    O forte positivismo que predomina na cultura ocidental reforça, ainda mais, através de sua metodologia, a autonomia de cada esfera, isolando o conhecimento em compartimentos, fora de qualquer preocupação maior com os aspectos de totalidade e compenetração dos conhecimentos e práticas.

    Julgo encontrar no materialismo histórico uma visão diferente que, sem esmaecer a especificidade dos conhecimentos, coloca-os sob o signo de uma ciência totalizadora, a História, ponto de partida e de chegada de todas as explicações humanas. É sob a perspectiva histórica que vejo o valor. É na história que vejo o aparecimento, o ocaso e a recuperação dos valores. Longe, portanto, de qualquer transcendência de caráter religioso ou mágico.

    Os valores estão no real, mas não são, a rigor, objetos materiais; presentes ao sujeito, não se identificam aos desejos pessoais. Os valores possuem objetividade que não se confunde com a objetividade natural. Cada formação social elabora seus valores e, enquanto perdurarem as condições materiais, certamente permanecerão determinados valores que se imporão às pessoas como formas de ser, determinações da existência. Em suma, os valores são independentes das avaliações individuais, mas nunca da atividade humana, pois o valor é, sempre, expressão e resultado de relações e situações sociais. Admito que os valores se modificam, mas se alteram quando as forças produtivas revertem posições, transformando as relações e situações sócio-econômicas. Numa situação social conflitante, os valores são percebidos como conflitantes; todavia, enquanto perdura uma formação social a tendência é a persistência dos valores comuns àquela formação.

    Aplica-se aos valores a clássica afirmação de que as idéias da classe dominante são também as idéias predominantes em cada época, ou seja, a classe que é a força material dominante da sociedade é, também, a força espiritual dominante5. Contudo, as idéias e os valores da classe dominante não são eternos e imutáveis. A contradição se instaura tanto a nível material como a nível espiritual da 5 MARX, K. (1965) A Ideologia Alemã. Rio de Janeiro: Zahar Editores, p.45. Nas referências posteriores usarei: Ideologia.

    13

    práxis humana em decorrência do aparecimento de novas forças sociais que alteram, fundamentalmente, o panorama cultural, enriquecendo a tradição, com novas ideias, novos objetivos e finalidades. Tenho por certo que a emergência de novas forças sociais não apenas revolucionaram a prática social, mas, também, as ideias. Nesse sentido, a cultura, à medida que se distancia dos interesses práticos da burguesia, permanece, ainda, uma possibilidade e necessidade para a classe trabalhadora. Surge, portanto, uma tarefa para a nova força social: - recuperar e transmitir o patrimônio cultural coletivo sonegado ao povo durante séculos de exploração e alienação. Aflora, portanto, um novo valor: - a democratização da cultura e do saber impossível de ser realizado sem a mediação de valores instrumentais. E, nessa tarefa de organizar e difundir o conhecimento, os

    intelectuais orgânicos6 serão, sem dúvida, o elemento necessário para a preservação do valor.

    Alicerçado nestas ideias, é possível afirmar que o estudo do valor constitui tema legítimo de pesquisa quando vinculado à práxis humana. Mas, a legitimidade se completa com a investigação adequada do valor. Isto somente será factível mediante a adoção de um método de conhecimento que, partindo do abstrato, atinja o concreto pensado. O valor como abstração justificada será a síntese de múltiplas determinações7. Em conseqüência, a questão do valor não se resume à sua definição, mas à sua determinação. A investigação dialética do valor significa, pois, uma ruptura com os expedientes formais de exposição baseados em definições e delimitações mecânicas e distinções puras. A definição, como ensina Lukács, fixa sua própria parcialidade como coisa definitiva e tem consequentemente que fazer violência ao caráter fundamental dos fenômenos. A determinação, ao contrário, se coloca, desde o início, como coisa provisória, necessitada de complementação como 6 O problema importante da recuperação e transmissão do patrimônio cultural coletivo acumulado pela humanidade ao longo da temporalidade é tarefa de intelectuais orgânicos que se identificam, de algum modo, com determinada classe social. Neste sentido, a tarefa do intelectual orgânico é elevar a própria consciência de classe e defender os valores de determinada formação social. A noção de intelectual orgânico, contraposta à noção de intelectual tradicional, é devida a GRAMSCI. Veja (1979) Os Intelectuais e a Organização da Cultura. 3.ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, p. 2-14. Sobre o papel do intelectual no progresso intelectual das massas, consulte: GRAMSCI, A.(1978) Concepção Dialética da História. 3.ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, p.20-1.

    7 MARX, K. Introdução à Crítica da Economia Política. In: (1974) Contribuição para a Crítica da Economia Política. 3.ed. Lisboa: Editorial Estampa, p. 229. Há edição brasileira, in: (1965) A Ideologia Alemã. Rio de Janeiro: Zahar Editores, p. 109.

    14

    algo que essencialmente tem que ser continuado, desenvolvido, concretado8.

    Assim, ao contrário de toda reflexão idealista do valor que, a rigor, apresenta o valor como realidade perfeitamente delimitada, o materialismo dialético procura caracterizar o objeto de estudo mediante sucessivas aproximações. Entende que somente será possível conhecer um objeto por meio de aproximações sucessivas analisando o objeto do conhecimento em diferentes contextos e em relações diversas de tal modo que a determinação inicial vai sendo, gradativamente, enriquecida à medida que a investigação avança no tempo e no espaço. É um processo de astúcia intelectual que permite o progresso constante de clarificação por meio do retorno à determinação original, sempre com a adição de novas dimensões.

    Com esse entendimento, no capítulo inicial, procuro mostrar como o problema do valor tem sido trabalhado pela consciência filosófica. É um capítulo nitidamente informativo reduzido onde, intencionalmente revejo, com lente grande angular, a evolução do pensamento ético no tocante ao objeto valor. Objetivamente o capítulo procura evidenciar que no cume da ética clássica está a felicidade, sinônimo, talvez, de bem-estar ou como estado de satisfação perante o mundo, perto, quiçá, do estado de ataraxia ou serenidade da alma e moderação nas coisas que são por necessidade dos estoicos, na escrita de SEXTO EMPIRICO. Na hierarquia axiológica das éticas antigas, o problema da liberdade não se coloca como primordial; muito menos o tema da autonomia do sujeito próprio da visão kantiana. O

    problema da liberdade e da autonomia da pessoa somente surge no interior da reflexão ética quando condições materiais e sociais oferecem o conteúdo para o crescimento axiológico. Com Kant, o individualismo, possessivo e libertário, é tematizado e justificado através de reflexão centrada na pessoa humana tomada como valor absoluto. A contradição entre a proposta kantiana e a realidade social é patente e absorvida pelo próprio Kant. Na prática capitalista jamais a pessoa foi considerada fim; sempre meio para um fim. Mas, do ponto de vista ético a proposta kantiana revelou-se um avanço na medida em que colocou um dever ser possível.

    Considerar a pessoa como fim é utópico numa sociedade marcada pelo conflito de interesses, mas nada indica que assim seja numa sociedade organizada abaixo de 8 LUKÁCS, G.(1966) Estética (I). La Peculiaridad de lo Estético. Barcelona-México: Ediciones Grijalbo, prólogo, p. 29-30.

    15

    novas bases materiais aonde vigore uma suposta igualdade social, difícil de ser alcançada.

    A reflexão sobre os valores mostra que o desenvolvimento interno de cada esfera prática nem sempre foi linear; é possível que uma prática avance no tempo, ao colocar questões que somente serão superadas num determinado estágio da prática material. Em outras situações, valores há que são abandonados,

    substituídos ou simplesmente apagados do horizonte prático da humanidade em virtude de novas condições materiais da existência que instauram novas valorações.

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