Discursos sobre a surdez do sujeito patológico ao sujeito de cultura: um paradoxo da inclusão?
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Discursos sobre a surdez do sujeito patológico ao sujeito de cultura - Tatiane de Lima Silveira
Comme l’homme est fait de mille boîtes, ces boîtes que l’on prend ne sont jamais assez grandes.
GIMS –Lamême
Ao meu pai, de onde estiver, sinto saudades.
AGRADECIMENTOS
Agradeço ao meu orientador Daniel Revah. Sempre muito paciente e compreensivo. Contribuiu com reflexões e apontamentos, incentivando-me a deixar que os significantes mostrassem o caminho de meu texto. Ele me encorajou a pensar e escrever do meu jeito, acreditando que eu poderia concretizar esse trabalho, mesmo com todas as adversidades e dificuldades que tive nos últimos dois anos.
Agradeço ao César Augusto de Assis Silva, não apenas por me proporcionar reflexões valiosas a partir de seu livro e artigos, mas, também, por me fazer resgatar a geografia como algo que me constitui, o que ajudou no processo de análise e escrita deste trabalho.
À querida Maria Cecília de Moura, que contribuiu muito a dar foco e posicionamento em relação ao meu tema, com apontamentos importantes e pertinentes na sua avaliação do meu texto de qualificação. Agradeço por me ajudar a pensar nas muitas identidades que alguém pode ter, e, nas muitas identidades que eu mesma tenho. Muito obrigada.
Aos diretores, coordenadores, professores e pais que contribuíram com seus discursos e olhares em relação às crianças surdas, por estarem abertos a mim e às minhas intervenções, às minhas falas e por terem me deixado ajudar, com carinho e atenção. Esses anos que trabalhei como Professora de Atendimento Educacional Especializado, fizeram-me entender que nenhum sonho é possível, quando sonhado sozinha. Muito obrigada por tudo. Sentirei saudades desse tempo em minha vida.
Ao meu marido, Leandro de Silva Lima, que além de ser o melhor companheiro do mundo, é, também, aquele que me ajuda a refletir sobre meus próprios medos e preconceitos, sempre no intuito de mudar discursos e verdadeiramente estar aberta ao diverso. Amo-te mais do que eu poderia imaginar amar alguém.
Aos dias de compartilhamento de ideias e conceitos com minhas queridas amigas Silvana e Renata. Vocês me ajudaram a deixar o pedregoso percurso desses últimos dois anos mais fácil de percorrer. E aos meus amigos Celso, Oswaldo e Franz, pois quando achei que não iria conseguir vocês estavam lá, dando força, não me deixando desistir. Obrigada.
Agradeço com carinho a todos que me marcaram de alguma forma por meio de suas falas. Afinal, fui constituída a partir desses discursos. Obrigada.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
AEE – Atendimento Educacional Especializado.
CEI – Centro de Educação Infantil
CER – Centros Especializados em Reabilitação
CF – Constituição Federal
DERDIC – Divisão de Educação e Reabilitação dos Distúrbios da Comunicação
EMEBS – Escolas Municipais de Educação Bilíngue para Surdo
EMEE – Escola Municipal de Educação Especial
EMEF – Escola Municipal de Ensino Fundamental
EMEFM – Escola Municipal de Ensino Fundamental e Médio
EMEI – Escola Municipal de Educação Infantil
ENEM – Exame Nacional do Ensino Médio
FENEIS – Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos
IC – Implante Coclear
L1 – Primeira Língua
L2 – Segunda Língua
LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
LIBRAS – Língua Brasileira de Sinais
MEC – Ministério da Educação
NASF – Núcleo de Assistência à Família
PAAI – Professora de Apoio e Acompanhamento à Inclusão
PAEE – Professora de Atendimento Educacional Especializado
SME – Secretaria Municipal da Educação
SUS – Sistema Único de Saúde
TEG – Transporte Escolar Gratuito
WFD – Word Federation of the Death
PREFÁCIO
É com imenso prazer que venho apresentar esse livro da Tatiane. O tema por ela abordado suscita dúvidas em todos que trabalham com o indivíduo Surdo. A trajetória de Tatiane permitiu que ela percebesse a importância desse tema e seu trabalho nos mostra aspectos muito importantes sobre como os Surdos são representados pelos professores que trabalham na educação bilíngue para Surdos e nas escolas regulares.
A educação bilíngue para Surdos aparentemente é uma realidade no Brasil e particularmente em São Paulo, temos várias escolas privadas e públicas que recebem e propõem uma atuação que idealmente permitiria ao Surdo uma imersão na língua de Sinais – Libras – como primeira língua e na língua escrita como segunda língua. Mas, a proposta bilíngue vai além da questão de duas línguas presentes no trabalho com Surdos. Ela engloba aspectos relacionados à identidade, cultura e comunidade Surdas. Isso implica numa visão do Surdo como um indivíduo que tem sua própria cultura e a quem nada falta.
Além disso as crianças Surdas podem estar inseridas em escolas ditas inclusivas que as recebem e teriam a árdua tarefa de promover o seu aprendizado enquanto convivem com pares ouvintes.
Tatiane levanta uma questão que se pode dizer que é o núcleo da forma como a educação para Surdos é encarada porque essa educação pressupõe que tanto em ambiente bilingue como em escolas regulares, esses indivíduos sejam percebidos como capazes. A pergunta levantada por ela é: Qual é a posição-sujeito da criança surda nos discursos dos professores de Escolas de Educação Bilíngue para Surdo e Escolas Regulares? Qual é a representação que é feita pelos professores que são responsáveis pela tarefa de educar
?
Entender como esses professores representam essas crianças leva a uma condição de análise que permitirá que se perceba quais são as implicações diretas dessas representações no processo de ensino-aprendizagem. Para tanto ela entrevistou dez docentes de uma Escola Municipal de Educação Bilíngue (EMEBS) e mais dez professores de três Escolas Municipais (em um Centro de Educação Infantil, uma Escola Municipal de Educação Infantil e uma Escola Municipal de Ensino Fundamental), todas da cidade de São Paulo.
A leitura desse livro permitirá ao leitor compreender a importância do olhar do professor para o aluno Surdo, pois Tatiane trata do assunto com maestria e clareza.
Após a leitura desse livro, convido os leitores a se indagarem: qual a representação que cada um tem do indivíduo Surdo? A resposta para essa pergunta permitirá que cada um possa compreender melhor qual a sua postura frente a esse indivíduo e, se trabalharem na área, poderão repensar sua atuação e realizar um trabalho que faça a diferença.
A inclusão que cada um deseja para o Surdo é uma inclusão verdadeira ou uma inclusão perversa ou ainda trazem em seu bojo o que Tatiane define de forma magistral de: o paradoxo da inclusão
.
Boa leitura. Tenho certeza de que todos que lerem esse livro poderão enriquecer seus conhecimentos e poderão refletir sobre esse assunto. Repito que espero que também possam, a partir dessa reflexão, atuar com o Surdo de forma a propiciar uma inclusão verdadeira.
Profa. Dra. Maria Cecilia de Moura
Fonoaudióloga Clínica
Professora Titular do Curso de Fonoaudiologia da PUC-SP
Coordenadora do Comitê de Língua de Sinais e Bilinguismo para Surdos da SBFa
SUMÁRIO
Capa
Folha de Rosto
Créditos
PARA COMEÇO DE CONVERSA
INTRODUÇÃO
CAPÍTULO UM
1.1. O LUGAR DA AÇÃO COMUNICATIVA
1.2. OS SUJEITOS NAS AÇÕES COMUNICATIVAS
1.3. LIBRAS: COMUNICAÇÃO, LÍNGUA E LINGUAGEM
1.4. UMA ESCOLA BARULHENTA
1.5. OS DISCURSOS E O SUJEITO
1.6. OS DISCURSOS E O TEMPO
1.7. OS DESLOCAMENTOS
CAPÍTULO DOIS
2.1. COSTURANDO PALAVRAS
2.2. DISCURSOS DOCENTES: ESCOLAS BILÍNGUES X ESCOLAS REGULARES
2.3. E O PROFESSOR COM ISSO?
2.4. O APAGAMENTO DO SUJEITO
2.5. SONS E SILÊNCIOS, NEM SURDO NEM OUVINTE: QUEM SOU?
CAPÍTULO TRÊS
3.1. O PARADOXO DA INCLUSÃO
3.2. O EXCLUDENTE CONTEXTO DA INCLUSÃO NA EDUCAÇÃO PARA OS SURDOS
3.3. IGUALDADE NA DIFERENÇA
REFERÊNCIAS
Landmarks
Capa
Folha de Rosto
Página de Créditos
Sumário
Bibliografia
PARA COMEÇO DE CONVERSA
O que seria não escutar? Não ouvir o som que o vento faz quando assobia ressonando nas árvores? Não escutar a música, cada nota, cada poesia que vem do timbre? O que seria não escutar a voz aconchegante e amorosa de nossa mãe? Mas escutar é só ouvir? Será que realmente escutamos? A escuta leva em conta o sujeito que deseja. A escuta leva em conta o sujeito que é. Ouvir está ligado ao ouvido, afinal ouvido ouve, não é mesmo? Mas escutar vincula algo muito maior, muito mais grandioso e porque não dizer generoso e empático. Escutamos com o corpo todo, com todos os sentidos.
Ao ler Paulo Fochi (2019), nos meus estudos sobre Educação Infantil – um novo interesse que descobri com minhas itinerâncias nos Centros de Educação Infantil e Escolas Municipais de Educação Infantil – deparei-me com uma citação de Hoyuelos (2007), a qual fala sobre o poder da escuta:
Escutar é na realidade uma arte para entender a cultura infantil: sua forma de pensar, fazer, perguntar, teorizar. Escutar significa estar atento, com todos os sentidos, para reconhecer todas as linguagens da infância e sua relação com o mundo. A escuta possibilita o assombro, a maravilha do inesperado e do imprevisto. (HOYUELOS apud FOCHI, 2019: 31).
Para escutarmos um bebê, uma criança, alguém que não verbaliza, aprendemos a observar de forma atenta os atos, os gestos, os choros, os olhares, os apontamentos. O corpo inteiro fala. Essa fala independe da voz, do mesmo jeito que a escuta independe da audição. Logo, podemos escutar
com os outros sentidos.
Assim como Oliver Sacks (2010) intitula sua obra Vendo Vozes
, o surdo, com a língua de sinais, consegue falar, ter voz dentro da sociedade, mesmo que, às vezes (ou muitas vezes), a própria sociedade tenha dificuldade de reconhecer sua língua como um ato de fala e voz. Entretanto, André Meynard (2016) coloca que os gestos da criança surda possibilitam que ela seja inscrita no campo da linguagem, mas, para além disso, esse psicanalista francês acredita que os surdos ouvem com os olhos. Ou seja, uma criança que nunca escutou não sentirá falta do som, pois escutará de outras maneiras, principalmente a partir do seu campo visual.
Por isso, tenho certeza de que o surdo escuta, ele escuta a música a partir das vibrações, ele escuta por meio de seu campo de visão, sentido importante para a sua entrada no mundo simbólico. É a partir dos gestos e da visão que eles criam suas representações de mundo. O surdo escuta sem precisar da audição para isso.
Essas foram as primeiras reflexões que tive quando, no ano de 2009 – na graduação em Geografia – fui convidada por minha ex-coordenadora do Projeto ABC na Educação Científica Mão na Massa
a desenvolver o projeto em uma – na época – Escola Municipal de Educação Especial (EMEE)¹.
O projeto tinha como principal objetivo a divulgação de conceitos científicos a partir de uma metodologia de alfabetização baseada na investigação científica. As atividades práticas do projeto (hoje, um programa realizado em parceria com a Academia de Ciências da França) eram estruturadas em cinco momentos: problemática, hipóteses, experimento, discussão e registro da atividade.
Os professores das redes públicas (municipal e estadual) recebiam as formações, que geralmente aconteciam na Estação Ciência. Nas formações, os docentes desenvolviam pelo menos uma atividade experimental, considerando todas as etapas próprias do projeto, e eram incumbidos de aplicar a atividade em sala de aula. Os formadores iam até as escolas, em horários coletivos, para refletir sobre o projeto e sua aplicabilidade, além de elaborar, em parceria com os docentes, novas problemáticas, experimentações e sequências didáticas possíveis a partir da realidade de cada unidade.
Nas formações discutia-se, também, a adequação da linguagem e os diferentes tipos de textos que o professor poderia utilizar nas aulas, pois o projeto tinha como um de seus pilares o desenvolvimento das expressões oral e escrita dos estudantes. Isso fez-me refletir sobre as diferentes linguagens, a língua de sinais e como essa expressão oral
, tão importante para o projeto, poderia ser adequada para as necessidades simbólicas das crianças surdas.
Esse projeto possibilitou um conhecimento de um mundo totalmente diferente do que acreditava que seria uma escola para surdos. Eu imaginei uma escola quieta, calada, pois, em mim, houve discursos de uma surdez vinculada ao mudo (surdo-mudo). Mas não, não era quieta, na verdade era muito barulhenta. Uma escola viva e cheia de seres desejantes. Então, encantei-me. Esse episódio mudou minha vida.
Foi a partir dele que resolvi mudar meu caminho para a Educação Especial, fiz o curso de Pedagogia e me especializei na área de Deficiências Múltiplas. Comecei a trabalhar como Professora de Atendimento Educacional Especializado (PAEE) na prefeitura de São Paulo. Fiquei nessa função durante cinco anos e depois fui convidada para ser formadora